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1UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP Curso de Farmácia e bioquímica - Imunologia Básica – 2009 Aula 2: Imunidade inata e Inflamação Nas aulas anteriores vimos como se forma o sistema imunológico (ontogenia do sistema imune). Agora vamos começar a ver como este sistema nos defende contra as infecções. As defesas do organismo incluem uma série de fatores que contribuem para dificultar a entrada de microorganismos nos tecidos, tais como: barreiras físicas (ex: pele), ácidos graxos na pele, lisozima nas secreções (ex: lágrimas e saliva), muco e cílios (ex: brônquios), pH ácido (ex: estômago e trato genital), fluxo de ar (tosse) e líquidos (urina), assim como a existência de microorganismos comensais que competem com os patogênicos (ex: bactérias da pele, intestino, trato genital e urinário). Deste modo, a primeira dificuldade a ser enfrentada pelos microorganismos é passar pela eficaz barreira dos epitélios (pele e mucosas), que uma vez ultrapassada expõe o patógeno às células e moléculas presentes no tecido subepitelial. Quando os microorganismos invadem o organismo há uma primeira linha de defesa denominada resposta imune inata (pronta ao nascimento), que dificulta a disseminação dos patógenos para outros tecidos. Esta resposta caracteriza-se pelo reconhecimento rápido, mas pouco detalhado dos microorganismos, discriminado-os através do reconhecimento de moléculas que caracterizam grandes grupos de patógenos tais como: os lipopolissacarídeos (LPS, bactérias gram-negativas), manose (bactérias e fungos), RNA dupla-fita (alguns tipos de vírus), DNA não metilado, etc... As células dendríticas e macrófagos, que encontram-se na pele e mucosas, possuem receptores para estas moléculas e através deste reconhecimento são 2UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP capazes de fagocitar os microorganismos. Outra maneira bastante eficaz de reconhecimento e destruição dos patógenos é a ativação do sistema complemento, provavelmente um dos primeiros eventos decorrente da entrada dos microorganismos nos tecidos. SISTEMA COMPLEMENTO- é composto por proteínas presentes em grandes quantidades no plasma e que agem em cascata (a clivagem de uma proteína ativa a próxima da cascata). A via alternativa do sistema complemento, que não necessita de anticorpos para se ativar, inicia-se com o componente C3 que sofre clivagem espontânea pela água (hidrólise) gerando dois fragmentos. O fragmento maior denominado C3b é responsável pela principal função do sistema complemento, a opsonização (ou facilitação da fagocitose). O C3b liga- se covalentemente à superfície do patógeno (grupos amina e hidroxila). Essa ligação se dá através de seu sítio tioéster exposto na clivagem e permite ao C3b recobrir o patógeno, facilitando sua fagocitose por células que possuem receptores para C3b (principalmente, macrófagos, células dendríticas e neutrófilos). O fragmento menor C3a é denominado anafilatoxina pois induz a liberação de substâncias vasoativas pelos mastócitos, além de aumentar a expressão de moléculas de adesão no endotélio vascular e nos leucócitos, contribuindo para a reação inflamatória no local da infecção. Quando existem muitas moléculas de C3b sobre a membrana celular do patógeno, elas adquirem a atividade de C5 convertase (quebram o C5). A cascata do complemento pode então continuar a ser ativada, havendo a formação de outros importantes componentes como o C5a (a mais potente anafilotoxina) e o C5b. Este último liga-se à superfície do patógeno, juntamente com os componentes C6,7,8,9. O C9, em forma de polímeros (MAC, membrane attack complex), sofre alterações 3UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP conformacionais com exposição de sítios hidrofóbicos, originando um canal na superfície do invasor que pode acabar por destruí-lo (lise). Essas proteínas do sistema complemento ao se ligarem nas células do hospedeiro são inativadas por moléculas reguladoras presentes em sua superfície, que podem se associar a fatores inibitórios solúveis. Estas moléculas reguladoras aceleram o decaimento da C3 convertase, inativam a C3 convertase e impedem a formação do MAC. Através destas moléculas reguladoras, o sistema complemento discrimina as células invasoras das células próprias. Exemplos de moléculas reguladoras do complemento que se encontram na superfície celular são o DAF (Delay-accelerating factor) e o CR1 (Receptor 1 para complemento). Exemplos de fatores inibitórios solúveis são o Fator H e o Fator I. A ativação do sistema complemento, além de facilitar o reconhecimento dos microrganismos pelos fagócitos (opsonização) ou eventualmente provocar a sua lise, é um fator importante para o desencadeamento do processo inflamatório. O evento que se segue à ativação do sistema complemento pelos microorganismos é, possivelmente, a degranulação dos mastócitos induzida pelos fragmentos C3a e C5a. MASTÓCITOS são células que se encontram nos tecidos (basófilos são células semelhantes presentes no sangue) que ao entrarem em contato com as anafilatoxinas (C3a e C5a) do sistema complemento liberam seus grânulos contendo histamina. A histamina age nos vasos causando vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar, contribuindo portanto para a reação inflamatória. A vasodilatação e o aumento da permeabilidade capilar permitem o extravasamento do plasma para os tecidos, provocando edema na região 4UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP infectada. Esse processo possibilita a entrada de substâncias do soro para os tecidos (ex: componentes do complemento, fatores da coagulação e anticorpos), além de facilitar a limpeza do local contaminado. Um outro fator importante para o desencadeamento do processo inflamatório é a ativação dos macrófagos que são células presentes nos tecidos. MACRÓFAGOS são células fagocíticas que, como falamos anteriormente, possuem receptores para constituintes relativamente invariáveis dos patógenos (vírus, bactérias, fungos, protozoários e helmintos), que estão freqüentemente associados a Toll-like-receptors, como os receptores para LPS (CD14), manose, glicana, hemaglutininas, lipofosfoglicanos e outros constituintes que não estão presentes nas células do organismo hospedeiro. Esse reconhecimento, como falamos acima, pode ser facilitado pela deposição de C3b na superfície dos microorganismos (opsonização), uma vez que os macrófagos possuem receptores para C3b. O reconhecimento dos microorganismos por estes receptores induz a ativação dos macrófagos, que contribui para a: A) Ingestão e destruição do patógeno através da produção de metabólitos tóxicos do oxigênio, como o O- (radicais superóxido). B) Produção de metabólitos do ácido araquidônico (mediadores lipídicos solúveis: prostaglandinas e leucotrienos), que também induzem vasodilatação e aumento da permeabilidade capilar, atuando juntamente com a histamina liberada pelos mastócitos e as anafilotoxinas do complemento (C3a e C5a). Em conjunto, estes mediadores contribuem para a resposta inflamatória local que se caracteriza por CALOR e RUBOR (efeitos da vasodilatação e aumento do 5UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP fluxo sangüíneo local) e DOR e TUMOR (conseqüências do aumento da permeabilidade capilar). Estas substâncias também atuam no endotélio vascular estimulando a expressão de P-selectinas, que determinam o rolamento dos neutrócitos e monócitos sobre a parede dos vasos, dando início ao processo de migração destas células do sangue para o tecido inflamado. C) Produção de citocinas (proteínas solúveis que sinalizam células), tais como o TNF- (Fator de Necrose Tumoral), que estimula a ativação de outros macrófagos, e induz a expressão de E-selectinas e ICAM-1 no endotélio vascular. Além de agir no local, o TNF- tem também ação sistêmica. No hipotálamo, esta substância leva ao aumento da temperatura corporal (febre), que dificulta a replicação do patógeno. Na medula óssea, induz a produção de mais neutrófilos e age no fígado, fazendo com que os hepatócitos produzam proteínas de fase aguda, como a MBP (proteína de ligação à manose) e a proteína reativa C, que se ligam a açúcares de bactérias e fungos recobrindo- os e ativando o sistema complemento. Além disso, o TNF- mobiliza proteínas e energia do tecido muscular e adiposo. A IL-12 é outra citocina produzida pelos macrófagos que tem um papel central nas respostas imunes. Nessa fase inicial da resposta, a principal atividade da IL-12 é estimular a produção de IFN- pelas células NK (natural killer). O IFN- é um potentíssimo ativador de macrófagos, estimulando a produção de óxido nítrico (NO) por estas células. O NO é um outro importante agente microbicida. D) Produção de quimiocinas (citocinas envolvidas na locomoção celular, ex: IL-8) que são extremamente importantes para a migração das células do sangue para os tecidos. Associam-se às moléculas de proteoglicanas presentes no tecido e no endotélio vascular, induzindo a ativação das integrinas (ex: Mac- 6UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP 1 e LFA-1) presentes nos neutrófilos e monócitos. As integrinas ativadas ganham afinidade pelo ICAM-1, cuja expressão no endotélio vascular é induzida pelo TNF-, fazendo com que os neutrófilos e monócitos grudem fortemente à parede dos vasos. Quando aderidas, estes leucócitos passam entre as células do endotélio vascular, migrando para o tecido inflamado. As quimiocinas são também importantes para direcionar as células inflamatórias para o foco infeccioso. Uma vez associadas ao tecido, estas moléculas formam um gradiente de densidade. As células inflamatórias migram no sentido da maior densidade, chegando ao local contaminado. NEUTRÓFILOS são os leucócitos mais freqüentes no sangue e as primeiras células a migrarem para o tecido inflamado. Os neutrófilos possuem vida bastante curta, com alto poder de fagocitose e de produção de radicais livres (derivados do oxigênio) e enzimas com ação microbicida. Estas células muita vezes morrem junto com os patógenos formando o pus. MONÓCITOS são leucócitos do sangue que se transformam em macrófagos ou células dendríticas quando migram para os tecidos. Estas células normalmente chegam ao foco inflamatório depois dos neutrófilos. Os macrófagos já foram descritos detalhadamente acima. As células dendríticas são importantes para carregar antígenos e partículas virais para os linfonodos, dando início à ativação dos linfócitos, como veremos na próxima aula. Durante os processos infecciosos, os neutrófilos são as primeiras células a chegarem no foco inflamatório, seguidos pelos monócitos. A migração dessas células dos vasos para o local da infecção inicia-se com a interação de moléculas chamadas selectinas, que estão presentes na superfície de células 7UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP endoteliais, e reconhecem resíduos de açúcares (lectinas) presentes nos leucócitos (adressinas). Essa interação é fraca e permite o rolamento do leucócito ao longo do vaso. A IL-8 associada à proteoglicanas expressas no endotélio vascular ativa as moléculas de integrina (MAC-1 ou LFA-1) da superfície dos leucócitos, que alteram sua conformação, ganhado mais afinidade pelo ICAM-1 (moléculas presentes nas células do endotélio vascular estimulado pelo TNF-). A interação do ICAM-1 com as integrinas é forte, cessando o rolamento dos leucócitos e fazendo com que estas células atravessem por diapedese a parede do vaso e migrem para o local da infecção. A seguir, as células caminham pelos tecidos através de um gradiente de quimiocinas. Além das células mielóides (neutrófilos, mastócitos, macrófagos, monócitos, células dendríticas, etc...), alguns tipos de linfócitos também podem ter um papel importante na imunidade inata. Estes linfócitos (células NK, linfócitos NKT, linfócitos T e linfócitos B1), no entanto, parecem ser diferentes dos convencionais (linfócitos B e T), pois estudos indicam que eles também reconhecem estruturas conservadas entre os microorganismos. Os linfócitos B e T (convencionais) não contribuem muito para o controle da fase inicial da infecção pois, devido à diversidade de seus receptores (BCR ou sIg e TCR), poucos possuem especificidade para o patógeno no começo da resposta imune. Acredita-se que os linfócitos não convencionais sejam mais parecidos com os primeiros linfócitos que surgiram durante a evolução, porém, pouco se sabe sobre a forma como estas células reconhecem os patógenos. 8UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP CÉLULAS NK- As células NK encontram-se no sangue, mas podem migrar para os tecidos. Estas células pertencem à linhagem dos linfócitos, mas não têm TCR ou mIg (BCR). Talvez sejam “proto-linfócitos”, isto é, linfócitos primitivos que participam da imunidade inata. Alguns pesquisadores postulam que o sistema imune adaptativo (dos linfócitos B e T convencionais) tenha se originado a partir de células semelhantes às NK, que reconheceriam alterações nas células do próprio organismo, provocando a sua morte por apoptose. Evidências recentes sugerem que as células NK reconhecem diferentes tipos de vírus através das moléculas de MHC classe I, mas utilizam receptores diferentes do TCR. Além disso, estas células também parecem perceber a redução da expressão das moléculas de MHC classe I na superfície celular. Sabe-se que as infecções virais interferem com a síntese de proteínas das células do hospedeiro. Assim, as células infectadas expressam pouco MHC de classe I, dificultado o seu reconhecimento pelos linfócitos T CD8+. No entanto, a diminuição da expressão de moléculas de classe I é percebida pelas células NK, através de receptores diferentes do TCR. Uma vez feito este reconhecimento, as células NK fazem jus ao nome e induzem a morte por apoptose das células infectadas, dificultando que o vírus se dissemine. Como vimos acima, as células NK também são capazes de produzir IFN- em resposta à IL-12 secretada pelos macrófagos. O IFN- é um potente ativador de macrófagos além de inibir a replicação viral. LINFÓCITOS NKT- Estas células expressam em sua superfície moléculas características de células NK e linfócitos T convencionais. Elas possuem TCR e utilizam estes receptores para reconhecerem substâncias não protéicas de microorganismos (ex: ceramidas que são lipídeos), expressas em uma molécula 9UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP apresentadora semelhante ao MHC classe I (denominada CD1d). No entanto, a maioria dos linfócitos NKT possui um único tipo de TCR (utilizam só 1 gene V e 1 gene V), apresentando portando a mesma especificidade. Estas células são capazes de matar células infectadas por apoptose. São importante na proteção contra infecções no fígado (ex: malária). LINFÓCITOS T - Estas células apresentam TCR com especificidades bastante restritas. Parecem reconhecer substâncias associadas ao stress (heat shock proteins), mas parece que elas não interagem com moléculas do MHC. Encontram-se principalmente na pele e nas mucosas. LINFÓCITOS B1- Estes linfócitos B produzem anticorpos quando entram em contato com açucares microbianos (resposta T-independente). Os anticorpos produzidos por estas células são de baixa afinidade, mas podem contribuir no controle da fase inicial das infecções. Falaremos das respostas T-independentes na próxima aula. Os vírus, que possuem os lipídios da membrana e os açucares (glicosilações) provenientes da célula hospedeira, são portanto mais parecidos com as células próprias, e não costumam ser grandes indutores de processos inflamatórios. Existe, no entanto, outros mecanismos inatos que podem contribuir para controlar a sua multiplicação. Sabe-se que as células infectadas com vírus produzem a proteína IFN- (Interferon ) que interfere com a replicação viral. Essas proteínas são produzidas em resposta à presença de RNA dupla fita, que é um constituinte de certos vírus, não sendo encontrado em mamíferos. Essas proteínas induzem a síntese da enzima endorribonuclease, que degrada o RNA viral ou induzem a síntese do um fator (IF-2) que inibe a síntese das proteínas virais. O IFN- 10UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO - UNIFESP produzido pelas células infectadas pode atuar nas células vizinhas, impedindo sua contaminação.
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