Buscar

RelatorioPreliminar_Politica_sobre_drogas_e_criminal_brasileira - NUPECRIM SEJU

Prévia do material em texto

POLÍTICA SOBRE DROGAS E A POLÍTICA CRIMINAL BRASILEIRA 
 
Maria Tereza Uille Gomes, Pedro Ribeiro Giamberardino, Rodrigo Luís 
Kanayama, Hellen Oliveira Carvalho e Flávia Palmieri Oliveira Ziliotto 
 
Introdução 
 
A política sobre drogas revela-se como uma das esferas mais importantes e, ao 
mesmo tempo, mais carentes de políticas públicas planejadas, com base em avaliação e 
monitoramento de resultados. A presente constatação perpassa fatores complexos e que 
não se relacionam diretamente ao gestor, mas à própria estruturação desta política 
pública. 
Registra-se que, em razão da Organização das Nações Unidas e da política 
internacional centrarem sua preocupação com a repressão, mais especificamente com a 
Conferência de Viena, que somado aos meios de comunicação que muito falaram do 
movimento hippie, Woodstock, rockeiros, entre outros segmentos culturais, inclusive 
reiterados com novas Convenções aderidas pelo Brasil na década de 90, muitas pessoas 
vieram a identificar a questão da droga como algo recente, o que não é verdade (CRUZ, 
A. R., CÂMARA, M.M., 2010, p. 32)1. 
Pode-se dizer que não há registros de culturas humanas que não fizessem uso de 
alguma substância psicoativa2. O padrão de consumo de cada sociedade, contudo, é 
variável e consiste no ponto focal de direcionamento de políticas públicas em prol da 
diminuição do grau de abuso e de fatores de risco desencadeadores de agravos em razão 
das drogas. 
O presente artigo visa inicialmente fazer uma análise crítica sobre a política 
sobre drogas, detendo-se metodologicamente sobre a política criminal sobre drogas 
aplicada no Brasil. Diante do exposto inicia-se o texto problematizando os diferentes 
eixos da política sobre drogas e a necessidade de articulá-los de forma aprofundada e 
consistente para que possa haver uma proposta série e interventiva de atuação. 
Em um segundo momento parte-se para o principal objeto deste artigo que 
consiste em analisar o impacto da Lei de Drogas dentro do contexto prisional, que 
atualmente ocupa crescente espaço dentro da persecução penal brasileira. Isto também 
ocasiona discussão a respeito das técnicas interpretativas da Lei de Drogas e da 
estratégia adotada quando se aborda a política sobre drogas no Brasil. Neste contexto, 
este trabalho se referencia em sistematização de alguns dados que trazem parâmetros 
sobre o que seria uma pequena quantidade de droga, analisando-se a necessidade de 
aprofundamento de maior uniformidade de tratamento conforme discplinado pelo artigo 
 
1
 Para uma leitura crítica sobre o tema: LIMA, Renato Sergio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo 
Ghiringhelli (org). Crime, Polícia e Justiça no Brasil. São Paulo: ed. Contexto, 2014; CARVALHO, 
Salo. A política criminal de drogas no Brasil. São Paulo: Ed. Saraiva, 6ª edição, 2013. 
2
 Amadeu Roseli Cruz e Martial Câmara (2010, p. 36), em trabalho que analisa políticas de prevenção do 
abuso de drogas no Brasil, contextualiza o tema sobre drogas: “Como se poder observar, a droga não é 
algo recente; pelo contrário, ela se confunde com a própria história da humanidade. Se o homem 
primitivo já conhecia os principais tipos de drogas, incluindo o álcool e o tabaco, o progresso da ciência 
tornou essas drogas muito mais poderosas”. 
 
 
42 da Lei nº 11.343/06 em relação à natureza e quantidade da substância, sem prejuízo 
dos requisitos subjetivos a serem aferidos no caso concreto. 
Por fim, analisa-se sobre a extensão dos comandos constitucionais quanto à 
repressão do tráfico ilícito de drogas, problematizando-se a interpretação constitucional 
já realizada pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo-se considerações críticas e 
propositivas sobre o tema. Os dados trazidos no presente artigo buscam diferenciar a 
política sobre drogas da política criminal sobre drogas, buscando que esta última atue de 
forma subsidiária e que haja uma maior uniformidade e parametrização de 
procedimentos com mecanismos de garantias de direitos voltados para uma construção 
de uma política pública integradora e promotora de direitos humanos. 
 
1. Atual política sobre drogas no Brasil 
 
O Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, em 2005, regulamentou a 
Política Nacional sobre Drogas subdividindo-a em 5 principais eixos: (a) prevenção; (b) 
tratamento, recuperação e reinserção social; (c) redução de danos; (d) redução da oferta; 
(e) estudos, pesquisas e avaliações. Os referidos eixos devem orientar diferentes planos 
de gestão que abordem – tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade civil – 
estratégias adequadas ao tema. 
A política pública relacionada ao eixo prevenção, ainda que conte com 
importantes avanços em capacitações e outras intervenções, também é afetada pela 
dificuldade de direcionamento e gerenciamento de projetos com linhas metodológicas 
claras e adequadas. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime – UNODC 
enfatiza a necessidade de aprofundar técnicas para a educação preventiva sobre drogas 
cientificamente embasadas não apenas no conteúdo, mas especialmente na técnica 
metodológica (Normas Internacionais sobre a Prevenção do Uso de Drogas, 2014)3. 
Por outro lado, o eixo tratamento, recuperação e reinserção social transita 
especialmente entre as áreas de saúde mental e serviço social, com estratégias 
delineadas sobretudo após a Lei 10.216/2001, priorizando-se o atendimento 
ambulatorial e a redução de danos. 
O próprio Programa “Crack, é possível vencer!”, lançado pelo Governo Federal 
com três eixos de atuação – cuidado, autoridade e prevenção – concentra, em grande 
parte, recursos no eixo relacionado à área denominada cuidado, subdividida 
 
3 Conforme se extrai do documento (UNODC, 2014, p. 7): “Devemos ter cautela com as lacunas na 
ciência, mas isso não pode nos impedir de agir. Uma abordagem de prevenção bem sucedida em uma 
parte do mundo é, provavelmente, uma opção mais eficaz que aquela criada localmente na base da boa 
vontade e em suposições. Este é particularmente o caso de intervenções e políticas que abordam 
vulnerabilidades que são expressivas em todas as culturas (por exemplo, a índole, negligência parental). 
Além disso, as abordagens que falharam ou que até mesmo impactaram negativamente em alguns países 
são excelentes candidatos para o fracasso e para efeitos iatrogênicos em outros lugares. Profissionais na 
área de prevenção, governantes e membros da comunidade envolvidos na prevenção às drogas e 
prevenção do uso abusivo de substâncias têm o dever de levar em consideração tais exemplos. Temos 
uma válida indicação de que estamos no caminho certo. Ao utilizar este conhecimento e complementá-lo 
com mais avaliação e pesquisa, seremos capazes de fornecer aos governantes conhecimento necessário no 
desenvolvimento de sistemas nacionais de prevenção, baseadas em evidências científicas e que irão 
assistir crianças, jovens e adultos em diferentes contextos, a fim de levar um estilo de vida positivo, 
saudável e seguro”. 
 
 
especialmente entre o atendimento especializado em saúde mental, consultórios de rua e 
outros equipamentos do sistema único de assistência social, além das comunidades 
terapêuticas. 
Observa-se que o tema redução de danos, na Política Nacional sobre Drogas, foi 
inserida em eixo próprio e diferenciado ao tratamento. No Brasil não há um 
posicionamento uniforme acerca do conceito de redução de danos e o seu grau de 
abrangência. Esta área, que por razões metodológicas não será objeto de 
aprofundamento neste trabalho, representa um dos aspectos cruciais da política sobre 
drogas na medida em que se relaciona diretamente com a sua demanda social4. 
O eixo redução da oferta, inserido no Programa de Governo como eixo 
autoridade, acaba sendo tratado na esfera da segurança pública, relativamente àrepressão ao tráfico ilícito de drogas, ainda que seu conceito deva assumir contornos 
muito mais amplos, abrangendo-se desde áreas lícitas como a prescrição indevida de 
medicamentos, emagrecedores, anabolizantes, bem como estratégias ampliadas de 
fiscalização e intervenção. Portanto, embora o eixo redução da oferta apresente marco 
significativo na atuação do Poder Público sobre o tema, também cumpre atualmente 
função precípua de modo limitado nas drogas ilícitas e na política criminal sobre 
drogas. 
Por fim, o eixo estudos, pesquisas e avaliações, responsável pela elaboração de 
indicadores para aferição de demandas pautadas em dados cientificamente embasados, 
mediante avaliação e monitoramento de resultado, revela-se ainda bastante incipiente. 
Esta primeira carência que exige aproximação das políticas públicas entre gestores, 
universidades, profissionais, Conselhos de Direitos, entre outros atores, revela um 
importante setor cuja carência de dados ainda faz com que a política sobre drogas seja 
gerida muito mais em percepções do que por fundamentos gerenciais e científicos5. 
 
4 Durante a elaboração do Plano Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado do Paraná, em 2014, o 
Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas, que também era vinculado a Secretaria de Estado 
da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, deliberou por manter os cinco eixos estruturados na Política 
Nacional sobre Drogas, atualizando-o por abranger, no mesmo eixo, redução de danos, tratamento e 
(re)inserção social, bem como inserir a questão legislativa junto ao eixo de pesquisas e avaliações. Neste 
sentido o Plano Estadual do Estado do Paraná, pendente de deliberação plenária e publicação final, foi 
estruturado em quatro principais linhas: (a) prevenção; (b) redução de danos, tratamento, reabilitação e 
(re)inserção social; (c) redução da oferta; (d) legislação, estudos pesquisas e avaliações. 
5O principal levantamento sobre uso de drogas no Brasil foi realizado pelo Centro Brasileiro de 
Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID, vinculado a UNIFESP. O II Levantamento 
Domiciliar sobre Uso de Drogas no Brasil em grandes cidades foi realizado em 2005, sendo que o VI 
Levantamento Nacional sobre Uso de Drogas Psicotrópicas nas Escolas foi realizado em 2010. Em 
caráter recente a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD publicou editais de pesquisa 
sobre o perfil epidemiológico na população carcerária e anunciou a futura contratação de pesquisa sobre o 
perfil epidemiológico na população em geral. Entretanto, as gestões não possuem políticas continuadas de 
elaboração de indicadores e monitoramento de resultados. No Estado do Paraná, em 2014, a Secretaria de 
Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos pactuou Protocolo de Intenções entre o Governo do 
Estado, Companhia de Informática do Paraná – CELEPAR, Universidade Federal do Paraná, 
Universidade de Chicago (The Harris School) e Ministério Público Federal visando a institucionalização 
de um Observatório de Políticas Públicas sobre Drogas e o contínuo aprimoramento de informações 
gerenciais. Na ocasião iniciou-se pesquisa sobre o perfil epidemiológico da população carcerária, perfil 
dos condenados pela lei de drogas e pactuou o planejamento de pesquisa sobre o perfil de uso de drogas 
entre crianças e adolescentes. No entanto exige-se a necessidade de aprofundamento de indicadores claros 
que permitam referenciar a política sobre drogas dentro de diferentes políticas públicas. 
 
 
Os cinco eixos da política sobre drogas, reveladores de uma política pública 
ainda bastante incipiente, faz com que a política sobre drogas ainda seja tratada pelo 
senso comum cotidiano com olhar especialmente voltado à política criminal sobre 
drogas. Ainda que a política sobre drogas não seja considerada como algo diretamente 
atrelado às políticas de segurança pública, não se pode desconsiderar que esta ainda é a 
principal tônica do discurso sobre drogas principalmente quando este é tratado pela 
mídia ou até mesmo pelo Poder Legislativo. 
Isto revela um modelo vigente – embora bastante questionado por diversos 
segmentos, inclusive do próprio Poder Público – de guerra às drogas. A política de 
guerra às drogas remonta a estratégia política adotada no Brasil, especialmente a partir 
do Estado Novo, que agregou uma grande carga moralizante. Nilo Batista define este 
momento como divisor entre a política sanitária e a política bélica sobre drogas6. 
A legislação vigente – Lei nº 11.343/2006 –, contudo, não apenas por não 
penalizar criminalmente o usuário de drogas ilícitas e admitir determinadas drogas 
lícitas, mas também – e principalmente – por admitir a possibilidade, conforme os 
diferentes contextos culturais, de uso e cultivo de drogas enquanto reconhecimento de 
culturas milenares.7 
Por isso, existe a necessidade de direcionar políticas públicas adequadas ao 
usuário de drogas, abrangendo-se fatores de proteção, saúde e cuidado, sem criminalizá-
lo, estigmatizá-lo ou puni-lo. A política sobre drogas no Brasil, acompanhada da 
posição da UNODC, caracteriza-se pela dualidade de tratamento entre o usuário, pelo 
sistema de saúde, e o traficante, pelo sistema de justiça. Entretanto há obstáculos. O 
Direito brasileiro não consegue diferenciar um do outro com clareza. 
 
1.1. A Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) e suas consequências 
 
Em razão da dificuldade de delimitação de critérios técnicos, o Ministro Gilmar 
Mendes, relator do Habeas Corpus nº 123.221, com posicionamento acolhido por 
unanimidade na Segunda Turma do STF, encaminhou cópias ao Conselho Nacional de 
Justiça – CNJ recomendando-se que avalie a possibilidade de padronizar procedimentos 
para aplicação da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas). Em data posterior, o Ministro 
Luís Roberto Barroso também se pronunciou sobre o tema, no Habeas Corpus nº 
127.986, em que decidiu monocraticamente pela revogação da prisão preventiva8. 
 
6
 Sobre o tema: SCHECAIRA, Sergio Salomão. Drogas e Criminologia. In: Crime, Polícia e Justiça no 
Brasil. São Paulo: Ed. Contexto, pg. 334-339; PEDRINHA, Roberta Duboc. Notas sobre a Política 
Criminal de Drogas no Brasil: elementos para uma reflexão crítica. Anais do Congresso Nacional de Pós 
Graduação em Direito – CONPEDI, Manaus – AM. 
Fonte: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/roberta_duboc_pedrinha.pdf. Acesso 
em 13/06/2015. 
7Destaca-se, nesse sentido, os povos indígenas: a lei de drogas permite aos indígenas, em território 
brasileiro, o plantio e uso de plantas que já fazem parte de sua cultura. As legislações do mundo todo 
tendem a permitir esse uso decorrente de contextos culturais, segundo orientação da Organização Mundial 
da Saúde (OMS). 
8
 “Na determinação da intensidade da repressão à maconha, é preciso ter em conta, em primeiro lugar, que 
não se trata de droga cujo consumo torne o usuário um risco para terceiros. Diante disso, salvo 
circunstâncias especiais, não se justifica a intervenção extrema de cerceamento cautelar da liberdade. 
Notadamente nas situações em que o consumo próprio, a repartição entre parceiros usuários e o comércio 
 
 
 
Conforme ponderado em sessão plenária pelo Ministro Gilmar Mendes, a nova 
Lei de Drogas, que veio para abrandar a aplicação penal para o usuário e tratar com 
mais rigor o crime organizado, "está contribuindo densamente para o aumento da 
população carcerária”. 9 Isto é refletido nos dados do InfoPen entre 2005 e 2012, que 
demonstram o aumento de 320% no número de prisões por tráfico de drogas, elevando-
o ao tipo penal mais frequente do sistema penitenciário equivalente a 25% dos casos à 
frente de crimes como roubo e homicídio. 
Quando projetada à população de mulheres presas, que representava 2,5% da 
população carcerárianacional e hoje alcança aproximadamente 8,5%, a proporção dos 
crimes de tráfico de drogas alcançam mais de 60% dos casos de prisão segundo o 
InfoPen/2012. 
Por outro lado, o tráfico transacional manteve-se no percentual de 1% da 
população prisional do país, o que demonstra que a política criminal sobre drogas 
ocupa-se precipuamente em deter a ponta do tráfico de drogas, em vez de atingir o 
crime organizado, com principal ênfase no tráfico transnacional onde se estrutura a 
grande circulação de drogas no país com substâncias oriundas mormente do Paraguai, 
Bolívia, Peru e Colômbia. 10 
Em razão do expressivo e vertiginoso aumento da população carcerária após a 
Lei de Drogas, mister refletir sobre o assunto. Não é de hoje que o sistema prisional 
brasileiro destaca-se pela falta de estrutura física e humana, pela precariedade de 
condições e pela falta de mecanismos de gestão que possibilitem o enfrentamento dos 
problemas de forma mais efetiva. O crescimento da população carcerária brasileira nas 
últimas duas décadas ultrapassou o percentual de 400% e a curva de crescimento 
continua ascendente, com raras exceções. Dados do Sistema Integrado de Informações 
Penitenciárias (InfoPen) divulgados no final de 2014 mostravam que no Brasil, em 
dezembro de 2013, havia 581.507 presos no Sistema Penitenciário e nas Delegacias de 
Polícia11 (neste dado não estavam incluídas as prisões domiciliares). Faltavam, no 
entanto, 255.588 vagas. 
Se a esse cenário fosse acrescida uma parcela significativa dos cidadãos que têm 
prisão decretada e ainda não foram detidos, a realidade seria ainda pior. Informações do 
 
de pequenas quantidades não oferecem linhas divisórias totalmente nítidas. 
Em segundo lugar, no atual sistema prisional brasileiro, enviar jovens, geralmente primários, para o 
cárcere, em razão do tráfico de quantidades não significativas de maconha, não traz benefícios à ordem 
pública. Pelo contrário, a degradação a que os detentos são submetidos na grande maioria dos 
estabelecimentos e a ausência de separação dos internos entre primários e reincidentes e entre provisórios 
e condenados, transformam os presídios em verdadeiras “escolas do crime”. Presos que cometeram ou são 
acusados de ter cometido crimes de menor potencial lesivo passam a ter conexões com outros criminosos 
mais perigosos, são arregimentados por facções e frequentemente voltam a delinquir após saírem das 
prisões” (HC 127986. Relator Min. Luis Roberto Barroso. DJe-087, de 12/05/2015; Republicação: DJe-
089, de 14/05/2015) 
9 Notícias STF. 2ª Turma absolve acusado de tráfico e decide oficiar o CNJ quanto à aplicação da 
Lei de Drogas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em 05 de nov de 2014. 
10 Porcentagens calculadas segundo dados sistematizados pelo Sistema Nacional de Informação 
Penitenciária (InfoPen) e divulgadas no site do Ministério da Justiça. Disponível em: 
<http://portal.mj.gov.br>. Acesso em 05 de nov de 2014. 
11
 BRASIL. Ministério da Justiça. Quadro geral da População Carcerária – Sintético – Dez. 2013. 
Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/transparencia-
institucional/estatisticas-prisional/anexos-sistema-prisional/populacao-carceraria-sintetico-dez-2013-
1.pdf>. Acesso em: 04 maio 2015. 
 
 
Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), do Conselho Nacional de Justiça, de 
fevereiro de 2015, mostravam a existência de 438.589 mandados de prisão aguardando 
cumprimento nos vários estados brasileiros12. Mesmo sabendo-se que o número de 
mandados de prisão é maior que o número real de pessoas a que se referem, já que cada 
indivíduo pode ter mais de um mandado contra si, os números são grandes. A estrutura 
atual e projetada do sistema carcerário não absorveria tal demanda. 
O investimento para construção de novos prédios e o montante necessário à 
manutenção e à gestão de novas vagas no sistema também são complicadores. O custo 
mínimo para a construção de novas vagas é estimado pelo Ministério da Justiça em R$ 
30 mil por preso13. Logo, seriam necessários R$ 7,65 bilhões para a construção das 
vagas necessárias para suprir a superlotação (255 mil vagas) e mais de 13 bilhões para 
dar conta dos mandados de prisão pendentes de cumprimento (438 mil vagas). O custo 
mensal da gestão prisional, por sua vez, pode ser calculado à razão mínima de R$ 2 mil 
por mês por preso14. Ou seja, os Estados, que já despendem, mensalmente, a quantia 
aproximada de R$ 1,1 bilhão com a gestão de 550 mil presos, ainda teriam que 
aumentar a capacidade de investimento na gestão mensal do sistema prisional para dar 
conta de atender à demanda, em permanecendo a lógica de gestão atual do sistema e a 
forma de atuação da Justiça no país. 
Num sistema sobrecarregado, incorpora-se a cada dia mais presos cautelares – 
grande parte detida por crimes não violentos, com recorte significativo para o 
envolvimento com drogas (o tráfico de drogas, em 2007, representava 10,5% do total da 
população prisional. Em 2012, o percentual passou a 25%. Hoje, responde pela metade 
da população prisional feminina). O “Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil”, 
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema 
de Execução de Medidas Socioeducativas, que traz dados de junho de 2014, mostrou 
que 41% dos presos no Brasil não têm condenação definitiva. 
A política criminal brasileira, causadora da superlotação carcerária, que consiste 
em objeto de ampla preocupação expressada pela violação de direitos humanos, muitas 
vezes deixa de abordar com a devida preocupação outro aspecto de fundamental 
importância sobre a mesma causa: como fazer a gestão prisional e quais são os 
mecanismos para obter maior eficiência aliada ao planejamento estratégico de recursos 
públicos. 
Cumpre lembrar que mesmo diante do vertiginoso – e sempre insuficiente – 
aumento de implemento de recursos públicos nas políticas de encarceramento registrado 
no Brasil nos últimos anos, a tramitação das leis penais e o atendimento às ordens 
judiciais pelo Poder Público, diferentemente das demais áreas, não passam por estudo 
de impacto orçamentário ou por um planejamento para a falta de vagas, assim como 
ocorre em outras áreas essenciais e sensíveis, como educação e saúde. 
 
12
 Informações do BNMP acessadas em 25 fev. 2015. 
13
 O valor baseia-se no Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional que repassa recursos do Fundo 
Penitenciário, sob gestão do Ministério da Justiça, às unidades federadas para construção de novas 
unidades. 
14
 O valor corresponde a média do Estado do Paraná, com correspondência em outros estados da 
federação, sendo o mesmo cálculo exposto no Projeto de Lei do Senado n. 513/2013, que propõe a 
atualização da Lei de Execução Penal, inserindo-se, entre outras modificações, a preocupação expressa 
com a superlotação carcerária como causa da violação de direitos humanos. 
 
 
Ao pensar o nível de encarceramento pela Lei de Drogas, sob o aspecto da 
gestão pública, deve-se retomar a estatística do InfoPen que revela que 23% dos presos 
no Brasil estão encarcerados por tráfico de drogas. Logo, levando em consideração a 
população carcerária total de 550.000 presos, conclui-se que estão custodiados 126.500 
pessoas por tráfico de drogas ao custo médio de 2 mil reais por mês, o que equivale em 
um investimento de recursos públicos de 253 milhões de reais ao mês ou, 
aproximadamente, 3 bilhões ao ano para repressão ao tráfico ilícito de entorpecentes 
(sem considerar o custo de polícia ostensiva, polícia científica, Poder Judiciário, 
Ministério Público, Defensoria Pública, entre outros órgãos e instituições 
correlacionados). Por outro ladonão há demonstração científica sobre o retorno deste 
investimento à sociedade no sentido de melhorar as políticas de segurança e saúde 
pública. 
Diante do exposto, da mesma forma que a Constituição Federal e a Lei de 
Responsabilidade Fiscal exigem o equilíbrio entre receita e despesa e a adoção de 
providências a serem adotadas pelos entes federados para reduzir as despesas quando 
ultrapassados os limites de gastos, no campo da execução penal, guardadas as 
proporções, também há que se buscar uma equação capaz de equilibrar a porta de 
entrada e de saída das prisões, numa proporção razoável de taxa de encarceramento por 
100 mil habitantes, sem agravar as taxas de criminalidade, especialmente o número de 
crimes violentos que resultam em lesão grave e morte das vítimas. 
 
1.2. Dados coletados sobre população carcerária após a Lei de Drogas 
 
Dentro da gestão do sistema prisional desponta a atenção o vertiginoso 
crescimento de presos em decorrência da Lei de Drogas. Diversos estudos vêm sendo 
realizados neste sentido, sendo que o tema “Política sobre Drogas e Superlotação 
Carcerária” já foi, inclusive, objeto de debate na sede das Nações Unidas no Brasil, 
realizado em 27 de abril deste ano. Neste encontro, foram relatados estudos anteriores e 
outros que estão sendo desenvolvidos atualmente sobre o perfil dos apreendidos por 
tráfico de drogas. 
Entre os dados já coletados, registram-se duas principais pesquisas concluídas 
anteriormente: uma realizada pela Universidade de São Paulo e outra, em parceria entre 
a Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade de Brasília. Nesta última, 
ocorrida entre 2007 e 2009, que envolveu juízes de primeira instância dos foros centrais 
do Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF), afirma-se: 
 
“(...) o perfil dos condenados por tráfico de drogas no foro 
central da cidade do Rio de Janeiro é de primários (66,4%), presos em 
flagrante (91,9%) e sozinhos (60,8%), sendo que 65,4% respondem somente 
por tráfico (art. 33, sem associação ouquadrilha), e 15,8% em concurso com 
associação. Destes, 14,1% foram condenados em concurso com posse de 
arma, sendo 83,9% do sexo masculino, e 71,1% dos casos presos com 
cocaína. Destes, 36,9% receberam penas acima de 5 anos de prisão. 
Em Brasília – DF, o número de réus primários condenados é 
menor, ficando em 38%, sendo ainda um pouco inferior o percentual de 
presos em flagrante (83,5%), mantendo-se a prevalência de presos sozinhos 
 
 
em 60,5%. Na capital federal, 72,2% respondem somente por tráfico (sem 
associação ou quadrilha), e apenas 10,8% em concurso com associação. O 
percentual de condenados por tráfico de drogas em concurso com posse de 
armas é bastante inferior ao Rio de Janeiro (0,6%). Com relação ao sexo do 
acusado, 73,1% são do sexo masculino, sendo a maconha a droga mais 
encontrada (46,9% dos casos). No DF, 68,7% das sentenças se referem a 
quantidades de maconha inferiores a 100g, e em 50% dos casos, a 
quantidade de cocaína encontrada foi de até 106g”.15 
 
Para Luciana Boiteaux, “o dado é eloquente no sentido de revelar que, à 
diferença da ideia difundida pelo senso comum, o traficante condenado não é por 
definição integrante de organização criminosa, nem atua, necessariamente, em 
associação”. 
Segundo o InfoPen/2005, o tráfico de drogas representava 13,4% da população 
carcerária nacional, ao passo que, segundo InfoPen/2012, este número cresceu para 
24%, sendo que em relação às mulheres alcançou o percentual de 59%. Quando 
analisado o tráfico transnacional, por sua vez, verifica-se que este permanece no índice 
de 1% da população carcerária nacional. Sendo o Brasil um país com baixa produção de 
drogas, este dado revela que atualmente o Poder Público se ocupa em custodiar a ponta 
do tráfico de drogas. 
Por outro lado, após realização de estudo técnico visando delimitar quantidade 
compatível com uso diário de droga, verificou-se que aproximadamente 50% das 
pessoas estavam presas com natureza e quantidade inferior a este critério, entre as quais 
22% estavam encarceradas unicamente por este crime. Destes 22% dos presos apenas 
por tráfico de drogas por pequena quantidade, 5,5% não tinham certidão de 
antecedentes criminais, ou seja, tratava-se de primeira prisão16. 
O Ministério Público Federal, também preocupado com esta temática, instaurou 
Grupo de Estudos, em 2014, sobre dosimetria da pena aplicada a tráfico de drogas. Os 
resultados devem ser publicados ainda em 2015, mas amostra de resultados parciais 
realizadas em evento no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – 
PNUD, já demonstrou a necessidade de uniformização de tratamento em razão de 
graves disparidades: tratamento penal idêntico ou similar vem sendo ofertado tanto para 
o tráfico transnacional de quantidades expressivas de drogas, quanto para situações 
tipificadas como tráfico doméstico com algumas gramas, inclusive com natureza e 
quantidade compatíveis para uso pessoal. Na análise de dados, registrou-se tratamento 
proporcionalmente mais brando dado pela Justiça Federal em relação à Justiça Estadual, 
sendo que nesta última acaba-se punindo com igual ou maior rigor casos de menor 
relevância, levando-se em conta quem a legislação pretende reprimir. 
A diretriz política de endurecimento penal no tocante ao tráfico de drogas não 
aprofundou as consequências com as quais hoje o país se depara nesta temática. Quando 
 
15
 BOITEUX, Luciana. Tráfico e Constituição – um estudo sobre a atuação da justiça criminal do Rio de 
Janeiro e de Brasília no crime de tráfico de drogas. In: Revista Jurídica, Brasília, v. 11, n. 94, p. 1-29, 
jun/set. 2009. 
16
 Tratam-se de dados parciais durante a definição do grupo amostral para análise de jurisprudência a 
respeito da fundamentação judicial sobre os requisitos objetivos e subjetivos na aplicação da Lei de 
Drogas. 
 
 
se discute política criminal, por sua vez, sempre se questiona: quem estamos prendendo 
no Brasil? Esta pergunta é essencial para análise da seletividade da privação da 
liberdade. Reduzir o número de presos por crimes não violentos e aumentar a 
efetividade do cumprimento dos mandados de prisão por crimes violentos é um dos 
maiores desafios, bem como evitar a desnecessária superlotação que conduz à violação 
de direitos humanos e cumprimento de pena em ambientes cruéis e degradantes. 
Nesses termos a criminologia crítica assume vertentes diferenciadas sobre a 
aplicação da lei penal. A partir da concepção agnóstica da pena, defendida por Eugenio 
Raul Zaffaroni, leciona Salo de Carvalho (2013, p. 269): 
“Ao assumir a pena como realidade (fenômeno) da política, a 
minimização dos poderes arbitrários exsurge como reação igualmente 
política. O projeto de redução de danos decorrentes da punitividade atinge 
todas as fases de sua individualização, no esforço de redefinir critérios de sua 
cominação, aplicação e execução, a partir da observância dos postulados 
constitucionais de proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso. 
Especificamente na aplicação da pena, direciona na objetivação dos 
fundamentos e requisitos judiciais; na execução penal, postulando a 
jurisdicionalização absoluta, capacita o direito e o processo penal para 
controlar práticas desregulamentadas do direito penitenciário e criminologia 
administrativa”. 
 
O paradigma de compreensão da política criminal por alternativas penais, em vez 
do encarceramento, também compõe o quadro de absoluto ceticismo em relação à 
finalidade e função da pena sobretudo quando aplicada no contexto carcerário brasileiro 
que além de afronta aos direitos humanos possui, hoje, patamares comprovadamente 
inviáveis sob o ponto de vista da gestão pública17. 
Deste modo deve-se reconhecer a necessidade de clara distinção entre a política 
sobre drogas e a política criminal sobredrogas, sendo que o presente artigo busca 
delimitadamente debater as estratégias de política criminal sobre o tema com estratégias 
para garantia da individualidade da pena de modo proporcional e compatível à uma 
jurisprudência balizada em critérios mais claros e com maior isonomia de aplicação. 
Além do exposto, deve-se buscar a otimização de recursos públicos para a melhor 
gestão, priorizando-se áreas de saúde e serviço social em detrimento de uma política 
criminal que deve ser necessariamente seletiva e excepcional. Registra-se que debater 
limites e critérios para aplicação da pena faz o debate delimitado no próprio princípio da 
legalidade sem a necessidade de qualquer revisão legislativa. 
 
17
 Uma das iniciativas implementadas no Estado do Paraná foi a concessão de tornozeleiras eletrônicas 
que se iniciaram a partir do Programa SOL – Sistematização e orientação à liberdade, destinado 
inicialmente para mulheres presas por crimes não violentos, na sua maioria por tráfico de drogas, 
especialmente para presas provisórias, primárias, idosas com mais de 60 anos e/ou com filhos que 
necessitem de seus cuidados, grávidas ou portadoras de doença que exijam especial atenção. Com isto 
estimulou-se os primeiros projetos de monitoração eletrônica levando em consideração que a maior parte 
das mulheres encarceradas no Paraná estão presas sob acusação ou condenação por crimes não violentos, 
evitando-se violação de direitos humanos com a sua manutenção em carceragens de delegacias de polícia 
degradantes e evitando que crianças permaneçam no interior do estabelecimento penal justamente em um 
momento importante de suas vidas. 
 
 
 
2. A Lei 11.343/2006 e a diferenciação de tratamento 
 
Conforme a legislação atual, o crime de porte para uso de drogas, embora 
vigente, é considerado despenalizado, prevendo-se como consequência a advertência 
sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade; medidas educativas de 
comparecimento a programa ou curso educativo, colocando-se à disposição do infrator 
estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento 
especializado. 
O crime de tráfico de drogas, por sua vez, teve sua pena mínima elevada de 3 
para 5 anos com o advento da Lei nº 11.343/06, tratando-se de crime equiparado a 
hediondo, com progressão de regime diferenciada na fração de 2/3 para primários ou 
3/5 para reincidentes (artigo 2º, §2º, da Lei 8072/90), inafiançável, insuscetível de graça 
ou anistia, conforme inciso XLII, do artigo 5º, da Constituição Federal. 
Outras exigências previstas em lei que aumentavam a severidade da pena foram 
atenuadas pela jurisprudência. Neste caso, deixou-se de aplicar a regra de regime 
integralmente fechado ou da impossibilidade de progressão de regime ao se verificar 
que a rigorosidade do tratamento penal não correspondia à política criminal mais 
adequada e feria a individualização da pena. 
A Lei nº 11.343/06, prevê, tanto para o crime de uso de drogas, quanto para o 
crime de tráfico de drogas, os mesmos núcleos verbais relativos a “adquirir, guardar, 
tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo drogas sem autorização ou em 
desacordo com determinação legal ou regulamentar”, com a diferença de conduta 
baseada exclusivamente no elemento volitivo, ou seja, se a destinação da droga será para 
uso pessoal ou não. 
Isso provoca diferentes interpretações, ocasionando, inclusive, tratamentos 
desiguais para situações similares. Registre-se que as condutas que apresentam 
compatibilidade com o uso de drogas, previsto no artigo 28 da referida Lei, não podem 
ser confundidas com o tratamento penal dispensado ao tráfico de drogas, sob pena de 
severa violação ao princípio da legalidade, da proporcionalidade e, especialmente, um 
grave problema de política criminal. 
A submissão de pessoas que deveriam ser encaminhadas ao sistema de saúde e 
inclusão social por políticas públicas de educação e trabalho para o sistema carcerário 
acaba por superlotar estabelecimentos penais, com maior dificuldade na implementação 
de políticas de (re)inserção, tendo como consequência a própria potencialização da 
violência. 
Logo, sempre que possível, deve-se analisar a dependência química sob o prisma 
da atenção à saúde em seu sentido amplo e não por meio do simples encarceramento da 
pessoa, o que amplia ainda mais a estigmatização e exclui os horizontes da (re)inserção. 
Diante da ausência de literatura especializada ou de referências bibliográficas 
sobre o perfil dos usuários de drogas no Brasil e, sobretudo, considerando a diferença de 
tratamento entre as condutas na legislação sobre o tema, impõe-se a disponibilização de 
estudos que subsidiem a diferenciação entre o tratamento jurídico para o usuário e o 
traficante. 
 
 
 
2.1 Delimitação dos critérios legais: requisitos objetivos e subjetivos 
 
O art. 28, §2º, da referida Lei afirma que para determinar se a droga destinava-
se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância 
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias 
sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. Verifica-se que 
na análise judicial a ser proferida existem dois critérios objetivos e cinco critérios 
subjetivos conforme a seguir descrito: 
 
REQUISITOS 
OBJETIVOS 
 
1) Natureza 
2) Quantidade 
REQUISITOS 
SUBJETIVOS 
 
1) Local 
2) Condições da ação 
3) Circunstâncias sociais 
4) Circunstâncias pessoais 
5) Conduta e antecedentes do agente. 
 
 
 
O art. 42 da mesma Lei afirma que o juiz, na fixação das penas, considerará, 
com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a 
quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. 
Verifica-se que na análise judicial a ser proferida, neste caso, existem novamente 2 
critérios objetivos e 2 critérios subjetivos, conforme a seguir descritos: 
 
REQUISITOS OBJETIVOS 
 
1) Natureza 
2) Quantidade 
REQUISITOS SUBJETIVOS 
 
1) Personalidade 
2) Conduta Social 
 
 
 
 
Da mesma forma, o inciso I, do art. 52, da Lei acima referida, prescreve que a 
autoridade de polícia judiciária, ao remeter os autos do inquérito ao Juízo, “relatará 
sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à 
classificação do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do produto 
apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação criminosa, as 
circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os antecedentes do agente”. 
Verifica-se que a análise a ser proferida abrange dois critérios objetivos e sete critérios 
subjetivos, conforme a seguir descritos: 
 
REQUISITOS OBJETIVOS 
 
1) Natureza 
2) Quantidade 
REQUISITOS 
SUBJETIVOS 
 
1) Circunstâncias do fato 
2) Razões que levaram à classificação 
3) Local 
4) Condições em que se desenvolveu a ação 
criminosa 
5) Circunstâncias da prisão 
6) Conduta 
7) Qualificação e antecedentes do agente 
 
 
Desconsiderando-se nesta análise os critérios subjetivos, que serão aferidos no 
caso concreto e não integram a presente sistematização, percebe-se que os critérios 
objetivos de natureza e quantidade da substância ou do produto já trazem consequências 
importantes a serem aferidas pela autoridade policial ou judiciária. 
No entanto, inexistem indicativos objetivos, no Brasil, sobre o perfil que 
caracteriza o usuário e o traficante de drogas mesmo diante de severa diferença de 
tratamento preconizada pela legislação e a orientação da United Nations Office on 
 
 
Drugs and Crime – UNODC para que as questões relativas ao uso problemático de 
drogas sejam tratadas no âmbito da saúde.18 
 
3.1 Dos requisitos objetivossobre natureza e quantidade da droga 
 
Por certo que os 2 critérios objetivos relativos à natureza e quantidade da 
substância não são critérios únicos a definirem o perfil da conduta, sobretudo 
considerando a existência de outros requisitos subjetivos a serem ponderados no caso 
concreto. 
Todavia, a análise da natureza e quantidade consiste em importante elemento 
objetivo para presunção da conduta e que já se verifica em países que mantém o uso de 
drogas como crime, permitindo subsidiar a atividade do profissional responsável pela 
apreensão ou custódia da pessoa, sem prejuízo da análise dos requisitos subjetivos. 
Neste caso importante salientar que no direito comparado a política criminal sobre 
drogas adota duas estratégias diferenciadas. A primeira delas, em razão da pequena 
quantidade de substância apreendida, opta-se por não criminalizar em virtude da baixa 
ofensividade da conduta que não justifica, por razões de política criminal, o 
enrijecimento do Estado. Isto não desconsidera a mercancia das drogas, mas sim, que a 
apreensão de pequenos traficantes vulgarmente conhecidos como biqueiras ou mulas 
não são o alvo da persecução penal. A segunda delas, em que a atual legislação 
brasileira se insere, afirma que a natureza e quantidade deve ser sopesada na aplicação 
da lei penal e serve como referência de presunção do tráfico. Logo, quando apreendido 
por pequena substância, pode-se manter a conduta como tráfico desde que comprove a 
presença de outros elementos de prova lícitas apuradas em adequado processo criminal. 
Considerando os fundamentos expostos em pareceres veiculados pela Secretaria 
Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD/MJ, pelo Setor Técnico Científico da 
Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Rio Grande do Sul – 
SETEC/SR/DPF/RS e pelo Instituto de Criminalística do Paraná – IC/PR, relativamente 
à legítima preocupação para o estabelecimento de critérios objetivos na aplicação da Lei 
de Drogas, elaborou-se estudo técnico na Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e 
Direitos Humanos sistematizando o que seria pequena quantidade de droga apto a ser 
considerada compatível para o uso, resguardado-se o afastamento da presunção 
conforme o caso concreto. 
Com os referidos quantitativos projetou-se na população carcerária paranaense 
condenada por tráfico de drogas como elemento indiciário para analisar o caso concreto 
e verificar o fundamento da decisão judicial. Neste artigo apresentar-se-á os dados 
coletados nos referidos documentos, que balizam projeto de pesquisa sobre o perfil dos 
condenados pela Lei de Drogas no Estado do Paraná, para contribuir com as discussões 
referentes a necessidade de padronização de procedimentos a serem ofertados na 
aplicação da Lei de Drogas. 
 
MACONHA 
 
18
 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIMES - UNODC. Da coersão à 
coesão: Tratamento da dependência de drogas por meio de cuidados em saúde e não da punião. 
Nova York, 2010. p. 1-2. 
 
 
O estudo técnico, a partir dos documentos que lhe subsidiavam e com a finalidade 
de estabelecer critério quantitativo compatível com o uso diário, entendeu adequado os 
critérios adotados por Portugal (cf. Portaria nº 94/96), que definem como quantidade de 
maconha compatível ao uso diário 2,5 gramas19. No caso, multiplicando-se por 10 dias, 
considerou-se apreensão de pequena quantidade o critério objetivo de 25 gramas. 
Conforme Informação Técnica nº 023/2013 do SETEC/SR/DPF/RS, a partir de 
consulta da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, um cigarro de maconha 
pode conter uma massa média de 0,5 a 1,5 gramas, equivalente de 1 (um) a 5 (cinco) 
cigarros ao dia, conforme variação de peso apresentada pela quantidade de folhas, 
sementes, galhos e comprimento. 
Ainda que se considere a diferença de pureza da droga entre Brasil e Portugal, 
bem como a complexidade de parametrizar uma substância variável em seu conteúdo 
conforme a região e o fornecedor, destaca-se que o quantitativo apresentado por 
Portugal não deslegitima como critério referenciador. 
 É verdade que adotar esta medida na Europa, comparativamente ao Brasil, faz da 
política criminal sobre drogas no Brasil ser mais rigorosa em sua aplicação pois o grau 
de impureza da droga brasileira é maior. No entanto isto não descaracteriza, por si só, a 
possibilidade de adotá-la como uma referência técnica passível de análise para estudo e 
pesquisa. 
 
COCAÍNA (SAL) 
 O parâmetro considerado por Portugal (cf. Portaria nº 94/96) para definir o perfil 
do usuário de cocaína (sal) é de 0,2 gramas por dia20. 
O IC/PR, em parecer técnico, considera que um usuário de cocaína utiliza cerca 
de 2 gramas por dia e destaca que dentre os usuários frequentes, o consumo pode 
chegar até 10 gramas diárias. Já um estudo realizado com 18 pacientes internados com o 
fim específico de deixarem o abuso de cocaína e crack na Santa Casa de Misericórdia de 
Curitiba (PR)21, constatou que os pacientes viciados em cocaína utilizavam diariamente 
cerca de 3,8 gramas por dia, com variação de 1 a 10 gramas/dia. 
Isto demonstra mais uma vez a dificuldade em parametrizar valores para situações 
diversas, o que também não retira a importância de elaboração de referenciais técnicos 
inclusive para amadurecer algo que deve ser parametrizado: os critérios judiciais – 
objetivos e subjetivos – para aplicação da lei penal. 
Deste modo para a finalidade do estudo técnico da Secretaria de Estado da Justiça, 
Cidadania e Direitos Humanos do Paraná, aplicando-o na população carcerária do 
 
19
 A legislação portuguesa (Art. 2º, 2, da Lei nº 30 de 29 de novembro de 2000) determina que a 
quantidade de drogas compatível com o uso é o utilizado em 10 dias. Consideram-se, assim, como 
usuários, os apreendidos com até 25 gramas de maconha. 
20
 A legislação portuguesa (Art. 2º, 2, da Lei nº 30 de 29 de novembro de 2000) determina que a 
quantidade de drogas compatível com o uso é o utilizado em 10 dias. Consideram-se, assim, como 
usuários, os apreendidos com até 2 gramas de cocaína. 
21A.C.N. Nassif Filho, S.G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz. Repercussões 
otorrinolaringológicas do abuso de cocaína e/ou crack em dependentes de drogas. Revista Ass Med 
Brasil, 1999; 45(3): 237-41. 
 
 
Estado, adotou-se como parâmetro a referência de Portugal com 2 gramas por dia, 
multiplicado por 10 dias, chegou-se ao total de 20 gramas de apreensão como pequena 
quantidade. 
No caso, faz-se as mesmas ressalvas acima expostas de que a droga brasileira é 
sabidamente mais impura do que a droga europeia, todavia, isto não deslegitima como 
referencial técnico embora consista em medida sabidamente mais rigorosa do que 
aquela aplicada em Portugal. 
 
COCAÍNA NA FORMA DE CRACK 
Segundo o IC/PR, a média de uso de cocaína, na forma de crack, é de até 15 
pedras diárias e de acordo com a Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack realizada 
por meio de parceria entre a SENAD/MJ e a Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ22 é 
de 11 até 16 pedras diárias. 
A referida pesquisa destaca, no entanto, que não há como definir de forma 
minimamente precisa o peso em gramas e o conteúdo do que cada usuário denomina 
“pedra”. Desse modo, há uma subjetividade intrínseca às definições utilizadas pelos 
próprios usuários23. 
Inobstante a ressalva feita pela pesquisa, a Informação Técnica nº 023/2013 
SETEC/SR/DPF/RS, constata que cada pedra de crack pode variar de 0,1 a 1,5 gramas. 
Segundo o estudo realizado na Santa Casa de Misericórdia de Curitiba (PR)24, a 
quantidade consumida por aqueles identificados como usuários de crack variava entre 1 
a 15 gramas diárias, sendo que a média identificada foi de uso de 5,2 gramas por dia. 
A Associação do Ministério Público do Rio Grandedo Sul, por sua vez, considera 
que um usuário pode consumir a quantia de até 20 (vinte) pedras de crack por dia, 
sendo que cada pedra pesa aproximadamente 0,24 gramas. 
As pesquisas acima relacionadas possuem a seguinte descrição: 
FONTE 
QUANTIDADE 
 
PESO INDICADO 
Associação do 
Ministério Público do 
Rio Grande do Sul 
20 pedras 0,24 gramas por pedra resultando em 5,8 
gramas ao dia 
Instituto de 
Criminalística do 
Paraná IC/PR 
15 pedras 0,1 a 1,5 gramas por pedra, resultando 
em variável entre 1,5 a 22,5 gramas ao 
dia 
SENAD/FIOCRUZ 11 a 16 pedras Sem indicação de peso por pedra 
 
 
22
 INSTITUTO DE COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA EM 
SAÚDE E FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack. Rio de Janeiro: 
ICICT/FIOCRUZ, 2014. 
23
 ICICT/FIOCRUZ, 2014, p. 60. 
24
 A.C.N. Nassif Filho, S.G. Bettega, S. Lunedo, J. E. Maestri, F. Gortz, 1999, p. 237-41. 
 
 
 
Nessa esteira, a partir da definição da composição química do crack é que se 
poderá estabelecer parâmetros cientificamente consistentes para se definir sua 
quantidade razoável a embasar a presunção de porte para consumo pessoal. 
Em virtude da peculiaridade do padrão de consumo desta droga, diferentemente 
da maconha e da cocaína, utilizou-se como referencial o critério de um dia apenas sem 
multiplicá-lo por 5 ou 10 dias conforme as demais substâncias psicoativas. 
 Conforme demonstrado pela tabela que segue, outros países adotam parâmetros 
para determinar quantidade considerada compatível para uso: 
 
PAÍS 
 
QUANTIDADE PREVISTA NA LEGISLAÇÃO 
CONSIDERADA COMPATÍVEL COM O USO 
 MACONHA COCAÍNA (SAL) 
 
Alemanha 
 6 a 30g de maconha* 1 a 2g* 
 
Austrália 
Quatro estados australianos 
descriminalizaram a posse de maconha 
de 15 até 50g 
 
 
Bélgica 
3g 
 
 
Colômbia 
20g 1g 
 
EUA 
Diversos estados descriminalizaram a 
posse maconha. Vários utilizaram o 
limite máximo de 28,45g 
 
 
Finlândia 
15g 1,5g 
 
Holanda 
5g 0,2g 
 
 
 
México 
5g 0,5g 
 
Paraguai 
10g 2g 
 
Peru 
8g 5g 
 
Portugal 
25g 2g 
 
República Tcheca 
15g 1g 
 
Uruguai 
40g 
 
 
Venezuela 
20g 2g 
 
*A quantidade estabelecida pela legislação alemã varia em cada unidade federativa. 
 
Destaca-se que na Espanha, embora não tenha sido determinado por lei um limite 
quantitativo para descriminalização de posse para uso pessoal, a prática jurídica 
considera que a apreensão de até 40g de maconha e 5g de cocaína não são consideradas 
tráfico25. 
Segundo constatado pelo Projeto Perfil Químico de Drogas (PeQui) da Polícia 
Federal26, em parceria com a UNODC, que tem como um de seus objetivos identificar o 
perfil químico das drogas, especialmente da cocaína e do crack apreendidos no Brasil, 
cerca de 60% da cocaína consumida advém da Bolívia, 30% do Peru e 10% da 
Colômbia. 
 
25
 JELSMA, 2009, p.5. 
26
 Pesquisa realizada pelo Projeto Perfil Químico de Drogas (PeQui), da Polícia Federal (PF) que utiliza a 
análise química detalhada de drogas para a identificação de características de origem e de 
correlação/ligação entre amostras. A obtenção de resultados validados e a estruturação de bancos de dados 
visam estabelecer origens geográficas e rotas do tráfico de drogas de abuso comercializadas no Brasil e 
contribuir com dados estatísticas que consigam apontar as tendências deste mercado ilícito. O Projeto 
possui cooperações técnicas com instituições forenses da França, Holanda e Estados Unidos e no Brasil 
(UnB, UNICAMP, UFRGS, INCTAA). 
 
 
Corroborando com o estudo apresentado acima, o Relatório Mundial sobre Drogas 
de 201327, elaborado pela UNODC, identificou o aumento do cultivo de coca e da 
produção de cocaína em 44% no Peru e 86 % na Bolívia durante o período 2000-2011. 
Insta constar que embora a tabela exponha quantidades de drogas compatíveis 
com o uso em diversos países, subsiste a diferença da volubilidade da pureza da droga 
consumida nas diferentes regiões do mundo, devendo-se sopesar, para fins de 
comparação, as quantidades consideradas pelos países dos quais comprovadamente 
provém a droga consumida no Brasil, que são mais impuras do que em outras regiões do 
mundo. 
Destaca-se com base nas apreensões na região de fronteira com o Paraguai, que o 
parâmetro de uso nesse país pode ser igualmente considerado como referência para os 
padrões de consumo do Brasil. Dessa forma, tem-se que a quantidade compatível para 
uso nesses países varia entre 8 a 20 gramas de maconha e 1 a 5 gramas de cocaína. 
Destaca-se também a informação oriunda da Polícia Federal de que as drogas 
apreendidas na região norte e nordeste do país são, frequentemente, mais puras do que 
aquelas apreendidas na região sul e sudeste, o que enseja necessidade de diferença de 
tratamento. 
No que toca ao entendimento jurisprudencial nacional, pesquisas realizadas em 
Tribunais de diferentes regiões do país indicaram que não existe um parâmetro 
uniforme quanto à quantidade relacionada com o uso e o tráfico de drogas. 
Verificaram-se, contudo, precedentes que consideraram relevantes quantidades de 
drogas, juntamente com outros elementos subjetivos, para desclassificação do crime 
previsto no art. 33 para o exposto no art. 28 da Lei 11343/0628. 
 
 
TRIBUNAL DE ORIGEM 
 
 COCAÍNA NA 
FORMA DE CRACK 
 
 
COCAÍNA 
(SAL) 
 
 
MACONHA 
PR 1,0 g - 15 g 
SC 2 g - - 
SP 8,5 g - - 
 
27
 ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIMES - UNODC. Relatório 
Mundial sobre Drogas de 2013. Nova York, 2013. 
28
 Trata-se de consulta jurisprudencial realizada nas 5 regiões do Brasil sem encontrar precedente 
jurisprudencial na região norte. Os valores apresentados consistem em análises de casos individuais e não 
revelam um parâmetro específico adotado pelas respectivas Cortes Judiciais. Com a finalidade de 
aprofundar os elementos objetivos e subjetivos utilizados nas decisões judiciais foi validado formulário 
de aplicação com a consequente realização de pesquisa na Secretaria de Estado de Justiça, Cidadania e 
Direitos Humanos, juntamente com a Universidade Federal do Paraná, de 198 casos, que será objeto de 
publicação própria, sobre os critérios judiciais utilizados na interpretação da Lei de Drogas que por razões 
metodológicas não encontra-se contemplado neste trabalho. 
 
 
MS - 6,2 g 20 g 
BA 2,6 g 1,65 g - 
 
 
 
Há, por certo, relevante preocupação com a adoção do critério objetivo da 
natureza e quantidade de forma isolada. Ocorre que não é esta a proposta: afinal, 
nenhum dos países acima mencionados ignora que há possibilidades de manipulação do 
critério (fracionando-se a droga, por exemplo). Tal risco não justifica, porém, a carência 
de uma presunção relativa – que pode, justamente, ser afastada no caso concreto – como 
regra probatória, com base em parâmetros minimamente objetivos. 
Do mesmo modo, a necessidade de ponderação de critérios subjetivos não 
elimina a necessidade de conhecer e discutir o perfil de uso da população, tendo em 
vista a relevância jurídica de um tema que não compõe a formação da grande maioria 
dos profisisonais que trabalham no Sistema de Justiça. 
 
4. AMPLITUDE DO RIGOR PENAL: VEDAÇÃO AO INDULTO? 
 
Além da ausência de critérios objetivos para aferição da natureza e quantidade 
da droga, conforme preconiza expressamente a legislação, cumpre refletir também sobre 
a extensão da disposição constitucional sobre graça e anistia aos condenados por crimes 
de tráfico ilícito de drogas afins, prevista noart. 5º, XLIII, da Constituição da 
República. 
Isso porque diferentemente da graça e anistia, que consistem em benefícios 
individuais, a concessão de indulto ao tráfico de drogas permitiria uma medida de 
política criminal em tema que assumiu contornos preocupantes enquanto fator de 
superlotação carcerária e ausência de parametrização de dosimetria da pena. 
A hipótese a ser analisada é se a lei infraconstitucional pode vedar a concessão 
de indulto aos condenados por aquele crime, em razão de não haver previsão 
constitucional expressa. 
A redação do dispositivo constitucional objeto da análise é: 
“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a 
prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o 
terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os 
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem” (art. 5º, 
XLIII, Constituição).“ 
 
A fim de tornar mais denso o texto constitucional, sobrevieram leis que 
aumentaram o rigor penal aplicado aos referidos crimes. A lei de crimes hediondos (Lei 
8.072/1990) carrega disposição nesse sentido: 
 
 
“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de 
entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: 
I - anistia, graça e indulto.“ 
 
Em 2006, como visto, a Lei 11.343, mormente em seu art. 44, trouxe normas 
rigorosas acerca da restrição à liberdade: 
“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1 º, e 34 a 37 desta Lei são 
inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade 
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.29 
 
 
29 O art. 44 da Lei 11.343/2006 refere-se aos seguintes crimes: 
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, 
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo 
ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal 
ou regulamentar: 
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e 
quinhentos) dias-multa. 
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: 
I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em 
depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo 
com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à 
preparação de drogas; 
II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou 
regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; 
III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou 
vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em 
desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas. 
(…) 
Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, 
possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer 
objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em 
desacordo com determinação legal ou regulamentar: 
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) 
dias-multa. 
(…) 
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de 
qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei: 
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa. 
 
 
Entretanto, essa norma já foi colocada em xeque em algumas decisões do 
Supremo Tribunal Federal, que editou, por exemplo, a Súmula Vinculante nº. 26, com a 
seguinte redação: 
“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime 
hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a 
inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem 
prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos 
e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo 
fundamentado, a realização de exame criminológico”. 
 
Com relação à Lei 11.343/2006, em análise de Habeas Corpus, o Supremo 
Tribunal Federal assim decidiu: 
 
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 
11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA 
PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. 
DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. 
OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA 
INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5o DA 
CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 
1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da 
personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três 
momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o 
executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz 
sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a 
ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de 
uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações 
subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção 
jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo 
permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça 
material. 
2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se 
movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de 
privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não 
tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. 
Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se 
movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade 
sancionatória. 
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos 
efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é 
à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois 
essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao 
encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade 
corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou 
 
 
restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são 
vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-
ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, 
no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para 
castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo 
comportamentos do gênero. 
4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e 
promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao 
tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial 
ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao 
encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de 
Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno 
pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia 
intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma 
comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de 
direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 
5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da 
parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga 
vedada a conversãoem penas restritivas de direitos, constante do §4º do art. 
33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, 
com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de 
liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da 
execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da 
convolação em causa, na concreta situação do paciente. (STF - Plenário – 
HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto) 
 
No mesmo sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu: 
 
Habeas corpus. 2. Paciente preso em flagrante por infração ao art. 33, caput, 
c/c 40, III, da Lei 11.343/2006. 3. Liberdade provisória. Vedação expressa 
(Lei n. 11.343/2006, art. 44). 4. Constrição cautelar mantida somente com 
base na proibição legal. 5. Necessidade de análise dos requisitos do art. 312 
do CPP. Fundamentação inidônea. 6. Ordem concedida, parcialmente, nos 
termos da liminar anteriormente deferida. 
ACÓRDÃO 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo 
Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a presidência do Senhor Ministro 
Ayres Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas 
taquigráficas, por maioria de votos: declarar, incidenter tantum, a 
inconstitucionalidade da expressão “e liberdade provisória” do caput do art. 
44 da Lei 11.343/2006; conceder, parcialmente, a ordem; e, ainda, autorizar 
os senhores ministros a decidir, monocraticamente, habeas corpus quando o 
único fundamento da impetração for o art. 44 da mencionada lei, nos termos 
 
 
do voto do Relator. (HABEAS CORPUS 104.339 SÃO PAULO – Rel. Min. 
Gilmar Mendes) 
 
Já em sede de Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a 
repercussão geral e julgou o mérito “pela reafirmação da jurisprudência desta Corte 
quanto à inconstitucionalidade da vedação à conversão da pena privativa de liberdade 
em restritiva de direitos” (Relator Min. Luiz Fux, ARE 663261 RG/ SP). 
Como se vê em alguns julgados, o STF debruçou-se, com densidade, sobre a 
parte inicial do art. 44 da Lei 11.343/2006, porém, somente sobre a possibilidade da 
conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. 
O que se questiona, nesse momento, no entanto, é o conflito entre o texto 
constitucional (“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou 
anistia…”) e parte do art. 44 da Lei 11.343/2006 (“insuscetíveis de sursis, graça, 
indulto, anistia e liberdade provisória”), ou seja, se houve extensão indevida da vedação 
prevista no texto constitucional. 
A Constituição da República refere-se à graça e anistia. O texto 
infraconstitucional refere-se ao sursis, à graça, ao indulto, à anistia e à liberdade 
provisória. Insta determinar se graça e anistia diferenciam-se de indulto e se ao 
legislador concedeu-se competência para caminhar além da norma fundamental. 
Em julgamento anterior à Lei 11.343/2006, em Ação Direta de 
Inconstitucionalidade (Medida Cautelar) 2.795 - MC/DF, o relator Ministro Maurício 
Corrêa, ao analisar o indulto, assim manifestou-se: 
“O indulto, modalidade de graça, como elementar, insere-se no exercício do 
poder discricionário de clemência que detém o Chefe do Poder Executivo, a 
evidenciar instrumento de política criminal colocado à disposição do Estado 
para a reinserção e ressocialização dos condenados que a ele façam jus, 
segundo conveniência e oportunidade das autoridades competentes” 
 
O julgamento da cautelar foi assim ementado: 
 
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO 
FEDERAL. INDULTO. LIMITES. CONDENADOS PELOS CRIMES 
PREVISTOS NO INCISO XLIII DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO 
FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO CONFORME. 
REFERENDO DE MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. 
1. A concessão de indulto aos condenados a penas privativas de liberdade 
insere-se no exercício do poder discricionário do Presidente da República, 
limitado à vedação prevista no inciso XLIII do artigo 5º da Carta da 
República. A outorga do benefício, precedido das cautelas devidas, não 
pode ser obstado por hipotética alegação de ameaça à segurança social, que 
tem como parâmetro simplesmente o montante da pena aplicada. 
 
 
2. Revela-se inconstitucional a possibilidade de que o indulto seja 
concedido aos condenados por crimes hediondos, de tortura, terrorismo ou 
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independentemente do lapso 
temporal da condenação. Interpretação conforme a Constituição dada ao §2º 
do artigo 7º do Decreto 4495/02 para fixar os limites de sua aplicação, 
assegurando-se legitimidade à indulgencia principis. 
 
Apenas para situar-nos, cuidava-se de Decreto Presidencial que concedeu 
indulto a diversos apenados, inclusive aqueles que, segundo análise em cautelar, não 
poderiam ser beneficiados, pois atingidos pela vedação do inciso XLIII do art. 5º da 
Constituição. Pode-se afirmar que, primeiro, tratava-se de medida cautelar e, segundo, 
reconheceu-se o “exercício do poder discricionário do Presidente da República” ao 
conceder indulto. 
Mais tarde, no julgamento do mérito da ADI, o Ministro Relator Marco Aurélio 
Mello decidiu que “a ação direta de inconstitucionalidade pressupõe ato normativo 
abstrato autônomo em pleno vigor. A superveniente perda da eficácia do diploma 
contestado implica o prejuízo do pedido formulado”. 
O entendimento vem se mantendo no Supremo Tribunal Federal, como se 
observa, por exemplo, no Habeas Corpus 90.364, Relator Ricardo Lewandowski, e 
Habeas Corpus 118.213, Relator Ministro Gilmar Mendes: 
 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INDULTO E 
COMUTAÇÃO DE PENA. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. 
CRIME HEDIONDO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 5º, XLII, E 84, XII, 
AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA ILEGALIDADE 
INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 8.072/90 E DO DECRETO 
5.993/06. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DE FAVORES QUE SE 
INSEREM NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PRESIDENTE DA 
REPÚBLICA. NÃO-CABIMENTO DE HC CONTRA LEI EM TESE. 
IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA I - Não cabe habeas corpus contra ato 
normativo em tese. II - O inciso I do art. 2º da Lei 8.072/90 retira seu 
fundamento de validade diretamente do art. 5º, XLII, da Constituição 
Federal. III - O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do 
qual o indulto é espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita 
com o art. 84, XII, da Lei Maior. IV - O decreto presidencial que concede o 
indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla 
discricionariedade. V - Habeas corpus não conhecido. (STF - HC 90364, 
Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 31/10/2007) 
 
Habeas corpus. 2. Tráfico e associação para o tráfico ilícito de entorpecentes 
(arts. 33 e 35 da Lei 11.343/2006). Condenação. Execução penal. 3. 
Sentenciada com deficiência visual. Pedido de concessão de indulto 
humanitário, com fundamento no art. 1o, inciso VII, alínea a, do Decreto 
Presidencial n. 6.706/2008. 4. O Supremo Tribunal Federal já declarou a 
 
 
inconstitucionalidade da concessão de indulto a condenado por tráfico de 
drogas, independentemente da quantidade da pena imposta [ADI n. 2.795 
(MC), Rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ 20.6.2003]. 5. Vedação 
constitucional (art. 5o, inciso XLIII, da CF) e legal (art. 8o, inciso I, do 
Decreto n. 6.706/2008) à concessão do benefício. 6. Ausência de 
constrangimento ilegal. Ordem denegada. (STF - HC 118.213 - Rel. Min. 
Gilmar Mendes - J. 6 de maio de 2014) 
 
Para estudar a inconstitucionalidade de dispositivos infraconstitucionais que 
proíbam a concessão de indulto aos condenados por crimes de tráfico ilícito de 
entorpecentes e drogas afins, analisar-se-ão os seguintes aspectos: (i) conceitos de graça 
e indulto; (ii) a discricionariedade do Presidente da República na concessão de indulto 
(o que impediria leis que restrinjam a faculdade). 
Os dois conceitosnão se confundem, a despeito de decisões reiteradas do 
Supremo Tribunal Federal no sentido de que graça é gênero do qual o indulto é espécie. 
Embora um se relacione ao outro, ou sejam gênero e espécie, ou geral e individual, há 
diferenças. Ademais, a Constituição não possui palavras vazias e sem significado. 
Assim, lê-se: 
 
Art. 5º. 
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou 
anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, 
o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os 
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; 
 (...) 
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: 
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos 
órgãos instituídos em lei; 
 
A Constituição não adotou os mesmos termos. Concessão de indulto – e não 
graça e anistia – compete ao Presidente. Na hipótese de serem tidos como sinônimos, o 
Constituinte adotaria as mesmas palavras. 
Além do mais, observe-se o Código Penal: 
 
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: 
(…) 
II - pela anistia, graça ou indulto; 
 
 
 
Novamente, diferenciados. E, ainda, o Código de Processo Penal: 
 
Art. 734. A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de 
qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério 
Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de 
concedê-la espontaneamente. 
(…) 
Art. 741. Se o réu for beneficiado por indulto, o juiz, de ofício ou a 
requerimento do interessado, do Ministério Público ou por iniciativa do 
Conselho Penitenciário, providenciará de acordo com o disposto no art. 738. 
Art. 742. Concedida a anistia após transitar em julgado a sentença 
condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, do 
Ministério Público ou por iniciativa do Conselho Penitenciário, declarará 
extinta a pena. 
 
Embora a doutrina – e o próprio Supremo Tribunal Federal – entendam, por 
vezes, que graça signifique em seu sentido amplo o indulto coletivo30, não se deve 
interpretar a norma constitucional dessa forma. Graça, então, é individual; indulto é 
coletivo, concedido pelo poder público, independentemente de motivo ou provocação. 
Nesse sentido: 
 
"A graça, forma de clemência soberana, destina-se a pessoa determinada e 
não a fato, sendo semelhante ao indulto individual. A Constituição Federal 
vigente, porém, não se refere mais à graça, mas apenas ao indulto (art. 84, 
XII), exceção feita à regra que veda a concessão do favor nos crimes 
hediondos e assemelhados (art. 5º, XLIII). Por essa razão, a Lei de 
Execução Penal passou a tratá-la como indulto individual, o que não ocorreu 
na reforma da Parte Geral do Código Penal".31 (MIRABETE, 2010) 
 
“O que caracteriza a graça é o fato de ser medida de caráter individual, 
favorecendo pessoa determinada. É ela, em regra, solicitada (art. 734, CPP), 
cuja audiência, no entanto, o Presidente pode considerar desnecessária (art. 
84, XII, CF). Todavia, a CF proíbe concessão de graça ao condenado por 
prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e 
 
30 SOUZA, Jarbas Fidelis de. Breves considerações sobre graça, o indulto e reduções de penas. 
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181478/000403563.pdf?sequence=3, acesso em 13 de 
maio de 2015. 
31 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal, v. 1. São Paulo: Atlas, 
2010, p. 372. 
 
 
crimes definidos como hediondos (art. 5º, XLIII, CF), o que é reproduzido 
por leis ordinárias que tratam desses delitos (…)” 
“O indulto é medida de caráter coletivo, cuja concessão também pode 
receber opinião do Conselho Penitenciário, que o Presidente pode não 
acatar”. 32 FRAGOSO, 2003) 
 
A graça, se entendida como indulto individual, e espécie de extinção da 
punibilidade vedada aos crimes de tráfico de drogas (art. 5º, XLIII, Constituição), não 
exclui a discricionariedade do Presidente da República conceder o indulto geral no 
exercício de suas competências (art. 84, XII, Constituição). E a lei, enfim, não poderá ir 
além e coibir a competência presidencial. Em outras palavras, mesmo que consideremos 
graça como espécie ou gênero de indulto, este será geral e, aquele, individual. O que a 
norma da Constituição proíbe é o individual. 
A distinção também é necessária na medida em que o indulto prevê medidas de 
política criminal, extensível a todos os cidadãos equiparados nas mesmas condições, 
sem qualquer violação aos princípios da impessoalidade, isonomia e moralidade. 
Não obstante o julgado do Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro 
Sydney Sanches, no Habeas Corpus 77.528, ter entendido que “(…) a Constituição não 
tolera que qualquer indivíduo que haja praticado crime legalmente considerado 
hediondo, seja contemplado com a graça (indulto individual), [e por isso] não há de se 
tolerar que o mesmo indivíduo seja beneficiado mediante o expediente do indulto 
coletivo”, e que o art. 84, XII abrange “indulto individual (graça) e o coletivo”, a 
Constituição, ao contrário, buscou impedir que o Presidente concedesse graça 
(individual), em desprestígio ao princípio da isonomia, visando a concessão de indulto 
geral. 
Nesse caso, tratando-se de restrição a direito individual, a interpretação restritiva 
impõe-se. Conforme Häberle, 
“precisamente la corriente legitimación exclusiva de las ‘restricciones’ al 
derecho fundamental a partir de los interesses públicos es un claro ejemplo 
de una simplificación, tan errónea como frecuente, del problema”.33 
(HÄBERLE, 2003) 
 
O autor ainda defende que uma limitação aos direitos fundamentais somente 
poder se dar por norma do mesmo nível, que, no caso, é a norma constitucional: 
“Si se coloca a los derechos fundamentales bajo una reserva de este tipo, 
ello significa dos cosas: sólo pueden ser limitados para la protección de 
bienes de valor constitucional igual o superior, pero pueden ser limitados 
 
32 FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de Direito Penal, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 511. 
33 
 HÄBERLE, Peter. La garantía del contenido esencial dos direitos fundamentais. Madri: Dykinson, 
2003, p. 25. 
 
 
siempre que ello sea necesario para la protección de estos bienes jurídicos. 
El valor de los derechos fundamentales y de los bienes jurídicos que los 
limita hay que determinarlo exclusivamente a nivel constitucional. 
(HÄBERLE, 2003, p. 34). 
 
Ao adotar, portanto, no art. 5º, XLIII, da Constituição, graça, não se pretendeu 
dizer indulto. Por isso, é inconstitucional que a lei inove e amplie restrições aos direitos 
fundamentais. É preciso razoabilidade e proporcionalidade na vedação ao direito de 
liberdade por meio do indulto, que, sendo geral – e não individual, como o é a graça –, 
respeita a isonomia, embora seja possível que se definam critérios adequados para sua 
concessão (como quantidade de droga apreendida e grau da pena). 
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é atenta e flexível a mudanças, se 
assim se impuserem. Como explica Luciano Feldens, sobre o indulto – mesmo que 
indique posição pela possibilidade de ampliar restrições de natureza penal: 
O regime penal especial predeterminado constitucionalmente indica que, 
além da inafiançabilidade (…), essas infrações penais haveriam de se 
considerar insuscetíveis de graça e anistia. Inexiste vedação, em princípio, a 
que o legislador amplie o âmbito de restrições de natureza penal ou 
processual a tais delitos, ou mesmo que faça incluir, no rol de delitos 
considerados hediondos, uma nova espécie penal, desde que estas inovações 
não colidam, evidentemente, com outras disposições constitucionais,

Continue navegando