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¹Acadêmico do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade de Caratinga – UNEC – bilualves77@hotmail.com ²Orientador, Mestrando em Tecnologia, Ambiente e Sociedade e Professor do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade de Caratinga – UNEC – hcbr15@gmail.com CARACTERIZAÇÃO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO EM MICROBACIA URBANA: O CASO DO CÓRREGO DO BAIRRO CÉU ABERTO EM NANUQUE- MG * Characterization of soil use and occupation of urban micro basin: the case of Céu Aberto stream in Nanuque-MG Welleson Alves dos SANTOS¹ Hiram Correa BRAGANÇA² Resumo Atualmente vê-se em ritmo cada vez mais acelerado o processo de urbanização. Este avanço nem sempre é acompanhado de um planejamento. As áreas de fundo de vale geralmente são as preferidas por parte da população. Partindo deste pressuposto, pretendeu-se caracterizar a área de fundo de vale da microbacia do córrego Céu Aberto, identificar modificações antrópicas e eventuais impactos do uso e ocupação do solo sobre a hidrografia regional e suas respectivas origens. O trabalho foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica e posteriormente estudo qualitativo e quantitativo referente ao percentual de área ocupada na calha do córrego do Céu Aberto, bem como vistorias de campo para coleta de dados primários e fotografias. Devido à ocupação desordenada, o que antes era um córrego atrativo passou a ser um mero transportador de efluentes domésticos e abrigo para vetores de doença. O avanço sem planejamento da urbanização nas áreas ribeirinhas e até mesmo sobre o córrego contribuiu para sua degradação. Diversas modificações foram vistas ao longo de seu percurso, e pior, algumas delas tem exercido forte pressão sobre os recursos naturais. Lançamento de efluentes in natura, deposição inadequada de resíduos sólidos, assoreamento da calha fluvial, supressão da mata ciliar, canalização danificada e erosão marginal foram identificadas no local. Este cenário demonstra a importância de um planejamento adequado impondo aos governantes o grande desafio de elaborar políticas e medidas que favoreçam as condições socioeconômicas, bem como as ambientais para o correto desenvolvimento urbano. Palavras–chave: urbanização, fundo de vale, modificações antrópicas. Abstract Nowadays, the rhythm of the urbanization process is accelerated. This advance doesn't always come with planning. The valley bottom areas are generally preferred by the population. Based on that, it was intended to characterize the valley bottom area of Céu Aberto stream micro basin, to identify anthropic changes and eventual impacts of land use and its occupation on regional hydrography and their respective origins. This project was made from bibliographical research and qualitative and quantitative study, concerning the percentage of area occupied in 1 the stream channel of Céu Aberto, as well as field surveys for the collection of primary data and images. The stream, which used to be an attractive one, became a mere conveyor of domestic effluents and shelter for vectors of disease due to the disorderly occupation. The unplanned advancement of urbanization in the riparian, and even on the stream, contributed to its degradation. Many changes could be seen along its course, and worse, some of them have exerted pressure on natural resources. Inland discharge, inappropriate solid waste deposition, fluvial channel silting, riparian forest suppression and damaged sewerage and marginal erosion were identified at the site. This scenario highlights the importance of adequate planning by imposing on the government the great challenge of developing policies and measures that favor socioeconomic conditions as well as environmental conditions for the correct urban development. Keywords: urbanization, valley bottom, anthropic modifications. 1 INTRODUÇÃO O solo é o espaço territorial onde a raça humana habita e se desenvolve. É a partir dele que a maioria das atividades relativas ao lazer, trabalho e habitação acontece. Com um crescimento notório da população a demanda por espaços territoriais só tende a aumentar. Para comportar este crescimento é necessário cada vez mais o uso e ocupação de áreas disponíveis. A microbacia que engloba os bairros Céu Aberto, Centro, Feirinha e São Geraldo do município de Nanuque - MG é um exemplo do avanço no processo de urbanização. Sua área total é de 64,39 ha, sendo que 55,36 ha é área residencial, o que corresponde a 85,97% de sua área total. As áreas de fundo de vale geralmente são as preferidas por parte da população que, muitas vezes, executa construções sobre a calha fluvial. De acordo com Magalhães (1995), ao verificar o crescente número de construções em locais inapropriados nota-se a inadequação ou ausência do planejamento de uso e ocupação do solo e a falta do devido estudo de impacto ambiental. A investigação por meio de pesquisa bibliográfica, estudo qualitativo e quantitativo referente ao percentual de área ocupada na calha do córrego, vistorias de campo para coleta de dados primários e fotografias e a pesquisa de imagens e fotografias aéreas digitais da área de estudo representam um forma de caracterizar a área e identificar eventuais impactos. É fato que o córrego do bairro Céu Aberto encontra-se fora de suas características naturais, ocorrendo em diversos pontos a alteração do leito natural, a canalização do córrego e a ocupação de sua área de drenagem natural devido execução de construções diversas e 2 aterros. Desse modo, a elaboração deste trabalho pode contribuir com o estudo dos impactos antrópicos oriundos da urbanização sem planejamento sobre microbacias urbanas. O objetivo pretendido é caracterizar o uso e ocupação do solo no fundo de vale da microbacia que engloba os bairros Céu Aberto, Centro, Feirinha e São Geraldo do município de Nanuque - MG, identificar modificações antrópicas diretas realizadas no leito do córrego e identificar eventuais impactos do uso e ocupação solo sobre a hidrografia regional e suas respectivas origens. Com isto, pretende-se fornecer informações e dados para eventuais intervenções na área que visem otimizar o desenvolvimento urbano. 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 USO E OCUPAÇÃO DO SOLO Atualmente vê-se em ritmo cada vez mais acelerado o processo de urbanização. A maioria das pessoas que um dia habitou em zonas rurais tem migrado para os centros urbanos em busca de condições de vida mais favoráveis. A Organização das Nações Unidas (ONU, 2014) diz que “Hoje, 54 por cento da população mundial vive em áreas urbanas, uma proporção que se espera venha a aumentar para 66 por cento em 2050”. A urbanização que está presente de maneira cada vez mais intensa diante de nossos olhos impõe sobre os governantes o grande desafio de realizar o planejamento urbano favorecendo as condições socioeconômicas assim como as ambientais. O espaço geográfico é o local em que o homem habita, interage e efetua modificações. Esse espaço é resultado de constantes e acumulativas interferências humanas. Ao se apropriar de uma área o homem a torna cada vez mais apropriada ás suas necessidades e/ou desejos. Em todo ambiente vê-se uma paisagem totalmente modificada por ações antrópicas. A grande questão é que essas alterações não ocorrem de maneira isolada, pelo contrário, podem afetar os recursos naturais trazendo inúmeros prejuízos ao meio. Ramalho (2010) observa que o crescimento desordenado e em ritmo acelerado das cidades brasileiras tem resultado em inúmeros conflitos sociais e ocupações irregulares que em alguns casos levam á perda material e de vidas humanas. De acordo com Morgado (2016,p. 2) “perceber essas interações permite-nos identificar as variáveis que mais contribuem para essa dinâmica de uso e ocupação do solo, os seus efeitos e grau de influência nos diversos sistemas envolvidos”. 3 2.2 PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR MUNICIPAL O plano diretor municipal “é o instrumento básico da política de desenvolvimento e da expansão urbana” (BRASIL, 1988, Art. 182°). De acordo com o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor urbano”. Contido neste plano diretor está à lei de uso e de ocupação urbana, isto é, a lei de zoneamento urbano, que traça as diretrizes e normas de uso e ocupação para cada zona contida na área urbana. Este zoneamento conta com índices urbanísticos que visa estabelecer o controle de urbanização, principalmente no que se refere à densidade demográfica (RIBEIRO, 2006, p.26). Foram realizados por Cruz, Tucci e Turcknicz (2000) estudos que pretendiam comparar os planos diretores municipais de Porto Alegre/RS com os das cidades (Belo Horizonte/MG, Goiânia/GO, Campinas/SP e Florianópolis/SC). De acordo com este trabalho, em grande parte das vezes, os planos de desenvolvimento urbano não possuem estratégias para redução dos impasses relacionados á drenagem urbana associados aos condicionantes do meio natural. O trabalho, por meio de estimativa, a partir da criação de loteamentos hipotéticos construídos por meio da computação gráfica, apresenta o escoamento superficial do Plano Diretor (índices de aproveitamento e taxas de ocupação do solo) no cálculo das áreas impermeáveis. Com todo esse procedimento foi possível analisar a diferença entre os escoamentos superficiais das cidades. Foi observado que os planos diretores de Porto Alegre, tanto o de 1979 como o de 1999, implicavam em um impacto hidrológico maior em relação ás demais cidades consideradas, e isto é resultado da permissão de ocupação de uma porção maior do lote, o que aumenta a área impermeável. O Gráfico 1 apresenta as vazões médias de escoamento em uma bacia hidrográfica onde é aplicada a porção máxima de ocupação que é permita pelo plano diretor das referidas cidades. 4 Desse modo, é perceptível o papel fundamental do plano diretor em relação ao uso e ocupação do solo e ao correto desenvolvimento urbano. Com a implantação de normas e diretrizes que ressaltem a prioridade de conservação do sistema natural pode-se alcançar a qualidade de vida desejável e preservá-la até ás futuras gerações. Ribeiro (2006, pág.28) ressalta a situação atual: Entretanto, atualmente, a promoção da qualidade de vida na cidade não considera mais a supremacia das atividades antrópicas, tendo hoje como importante ponderador a relação entre a dinâmica urbana e o meio ambiente natural. Sendo assim, a preocupação das legislações federais, estaduais e municipais com a definição de um desenvolvimento urbano que considera os condicionantes ambientais é uma condição urgente pra o adequado ordenamento territorial nos centros urbanos. O plano diretor de Nanuque – MG foi instituído pela lei n° 1.770/08, de 1° de julho de 2008. Entretanto, um grande percentual do fundo de vale do Céu Aberto já era área consolidada. E de acordo com o art. 17 da Lei estadual de nº 20.922/13 deverá ser “respeitada a ocupação antrópica consolidada em área urbana, atendidas as recomendações técnicas do poder público”. 2.3 ÁREA DE FUNDO DE VALE Conforme Pinho (1999, p.26), fundo de vale refere-se ás áreas que apresentam as cotas mais baixas do terreno para onde toda precipitação que ocorre na bacia é drenada. Toda bacia 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 Vazões de escoamento (l/s) Gráfico 1 - Vazão em uma bacia hidrográfica atribuídos pela aplicação da taxa de ocupação permitida pelo plano diretor de cada cidade Fonte: ADAPTADA de CRUZ; TUCCI; TURCKNICZ, 2000. 5 hidrográfica possui sua rede de drenagem natural que conduz toda água precipitada para outras bacias maiores, rios, lagos ou para o mar. De acordo com Cláudio e José (2004, p. 3) “todo o terreno, mesmo os de topografia extremamente plana, possui o seu sistema natural de drenagem superficial, ou seja, o encaminhamento natural das águas”. Christofoletti (1974) observa que os rios são os agentes de maior importância no transporte dos materiais intemperizados das áreas mais altas para as mais baixas. É importante ressaltar que o que ocorre na bacia hidrográfica afeta direta ou indiretamente os rios. Diante disso, Pinho (1999) observa que toda intervenção humana em áreas de fundo de vale deve levar em consideração a rede hidrográfica e a vertente na qual está inserida. De acordo com Pinheiro e Pinto (2006) “A enchente é um fenômeno natural do regime do rio, e todo rio tem sua área de inundação. As inundações passam a ser um problema para o homem quando ele deixa de respeitar os limites naturais dos rios, ocupando suas áreas marginais”. Vale destacar que os rios possuem dois leitos, um menor e outro maior. O leito menor, que é o mais conhecido, é onde a água escoa na maior parte do tempo. Já no leito maior, apenas de tempos em tempos constata-se a ocorrência de inundação. Algo que ocorre com frequência nestas áreas de fundo de vale é a construção de edifícios sobre os córregos. Com o alto crescimento populacional seguido da falta de investimentos na elaboração de planos que resolvam os impasses referentes ao uso e ocupação em tais áreas, cada vez mais nota-se o aumento de construções irregulares. A Figura 1 ilustra tal acontecimento: Ao ocupar irregularmente áreas que são susceptíveis a inundações, a população não se dá conta dos grandes impactos que são gerados. Há a alteração no regime hidrológico, o Figura 1 - Evolução da ocupação em áreas de fundo de vale Fonte: ADAPTADO de LUIZ FERNANDO DE ABREU, 2011. 6 aumento da carga poluidora oriunda de despejos domésticos, etc. Sem contar os altos investimentos em obras para controle e para os ressarcimentos dos prejuízos oriundos das inundações. E isso quando não há perda de vidas humanas. Uma proposta de solução frequentemente utilizada é a canalização dos cursos d’água, representada pela Figura 2, para aumentar a capacidade de vazão e se livrar das paisagens degradadas. Esta alteração, se não realizada de forma correta, pode gerar danos incalculáveis para a hidrografia regional e para a população, pois há a modificação da sinuosidade do córrego, a supressão das matas ciliares, a impermeabilização do talvegue com estruturas de concreto, etc. 2.4 LEGISLAÇÃO Um pressuposto da qualidade ambiental urbana é o controle de modificações resultantes das atividades antrópicas que, conforme o art. 1o da Resolução n. 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), afetem: “a saúde, a segurança e o bem‑estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e a qualidade dos recursos ambientais”. Também há outras resoluções deste mesmo órgão que são fundamentais, como a Resolução n. 303/2002, que enfatiza as áreas de preservação permanentes; e a Resolução n. 237/97, que trata do licenciamento ambiental. É perceptível que todos os aspectos que são tratados por essas resoluções dizem respeito ás alterações antrópicas. Entretanto, há legislações que visam proteger a integridade física da população regulamentando a construção e ocupação de determinadas áreas. Fonte: ADAPTADO de MANUAL DE DRENAGEM, 2002. Figura 2 - Processo de canalização7 As intervenções em ambientes urbanos são reguladas pela Lei federal n. 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Essa lei foi modificada pela Lei federal n. 9.785/99, que altera o Decreto‑lei n. 3.365/4 (desapropriação por utilidade pública) e as Leis n. 6.015/73 (registros públicos) e 6.766/79 (parcelamento do solo urbano). Assim, no que diz respeito ao solo urbano, entre outras restrições, a legislação não permite o parcelamento do solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, pois precisa assegurar o escoamento das águas; também não permite atuação em áreas aterradas com material nocivo à saúde pública, sem que antes essas áreas tenham sido saneadas; não autoriza a ocupação em áreas de declive superior a 30%, a não ser que atendam a outras exigências específicas; e proíbe intervenções em terrenos cujas condições geológicas não as permitam. (BRUNA E ORNSTEIN, 2014, p.1138). 3 ABORDAGEM METODOLÓGICA 3.1 ÁREA DE ESTUDO Figura 3 – Localização da área de estudo Fonte: ADAPTADO de INSTITUTO PRISTINO, 2018. 8 A área de estudo em análise é o fundo de vale da microbacia representada pela Figura 4, que está localizada na área urbana do município de Nanuque - MG, e que integra a bacia hidrográfica do rio Mucuri (Figura 3). O córrego possui aproximadamente 1,6 km de extensão e é um afluente do Rio Mucuri. Sua nascente está localizada a uma altura de aproximadamente 185m. A microbacia em análise é constituída em sua maioria por área urbanizada e uma pequena parcela remanescente de vegetação nativa. É possível perceber, por meio das curvas de nível representadas pela Figura 15, que parte da área é marcada por um relevo acentuado. Áreas como essa demandam uma atenção maior por parte dos governantes e da população quando se trata de intervenções. O espaço territorial urbanizado da área em questão é constituído por edifícios residenciais e comerciais, e vias com diversos tipos de pavimentação como a asfáltica e a intertravada com bloquetes ou pedras burguesas. O córrego do bairro Céu aberto tem sua nascente em área de vegetação nativa com predominância de gramíneas e algumas espécies arbóreas. Ao longo de seu trecho o córrego perpassa por uma área urbanizada e a partir deste ponto veem-se as modificações antrópicas exercerem seu papel fundamental na degradação ambiental Figura 4 – Uso e ocupação do solo Fonte: ADAPTADO de INSTITUTO PRISTINO, 2018. 9 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados obtidos por meio deste estudo serão apresentados a seguir por meio de fotografias retiradas no local e análise crítica para melhor percepção da atual situação da área de fundo de vale do Córrego Céu Aberto. A avaliação destes dados será dividida por trechos na seguinte ordem e estrutura: trecho 1 – nascentes e córrego em área não urbanizada; trecho 2 – córrego em área urbanizada. A avaliação será realizada e disposta na seguinte sequência: diagnóstico fotográfico do trecho em questão; apresentação do diagnóstico do trecho com suas características e modificações por meio de texto. 4.1 TRECHO 1 – NASCENTES E CÓRREGO EM ÁREA NÃO URBANIZADA Figura 5 – Barramento de água Fonte: AUTOR, 2018 10 A nascente que origina o Córrego Céu Aberto não possui qualquer tipo de proteção. Segundo a lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989, é obrigatório respeitar os limites da área de preservação permanente (APP) de uma nascente. Em um raio de 50 metros no seu entorno não pode haver intervenções, salvo casos de utilidade pública. Entretanto, não é o que se vê no local. As vertentes, por serem cobertas por vegetação rasteira, são utilizadas como área de pasto para criação de animais. Aliando isto á falta de proteção da nascente acarreta em um risco em potencial, pois com o pisoteio dos animais há a compactação do solo que, consequentemente, pode provocar o desaparecimento deste afloramento do lençol freático. Em um trecho pouco abaixo da nascente, representado pela Figura 5, foi construída uma pequena barragem. Para realização desta construção houve a supressão da vegetação de maior porte no local exato da construção. A presença da mata ciliar, para agricultores, pode ser um problema, pois representa um obstáculo ao livre acesso do gado à água (Lima e Zakia, 2000). E esse barramento foi realizado, possivelmente, para a dessedentação de animais. A Figura 6 demonstra alguns indícios como a presença de cavalos, fezes, e no entorno do barramento há marcas que indicam pisoteio. Apesar de ser um barramento de pequeno porte pode resultar em um impacto significativo na qualidade da água, pois associando o uso da água com a pequena vazão da nascente a turbidez pode aumentar consideravelmente. É possível verificar no local que a água possui aspecto bastante turvo podendo inviabilizar a fotossíntese dos organismos presentes. 4.2 TRECHO 2 – CÓRREGO EM ÁREA URBANIZADA Figura 6 – Pisoteio Fonte: AUTOR, 2018 11 Como dito acima, ao adentrar a área urbanizada o córrego passa a sofrer diversas alterações. No início desta área ele é canalizado com manilhas e sobre ele foi construída uma via pública, a Rua Medina (Figura 7). 4.2.1 Aporte de sedimentos e processo erosivo Figura 7 – Córrego em área urbana Figura 8 – Supressão da mata ciliar Fonte: AUTOR, 2018 Fonte: AUTOR, 2018 12 Na esquina da Rua Medina com a Rua Fortaleza, o córrego, já canalizado, passa por um lote de propriedade particular. Este lote é caracterizado por solo nu e há um canal que drena toda água pluvial para a boca de lobo que está localizada sobre o canal do córrego Céu Aberto. O aporte de sedimentos é visível. Em outro trecho do córrego, apresentado pela Figura 8, de tempos em tempos, toda a vegetação da margem é removida deixando o solo totalmente exposto, potencializando o risco de assoreamento da calha fluvial. Walling (1999, p.223) diz que o modo como ocorre o manejo do solo pode afetar o escoamento e o aporte de sedimento em bacias. Este impacto é comprovado e visível á medida em que se aproxima do exutório. A Figura 9 mostra a formação de ilhas de sedimento no leito do córrego que reduz a capacidade do canal e favorece a ocorrência de enchentes e inundações. Figura 10 – Processo erosivo Fonte: AUTOR, 2018 Figura 9 – Formação de ilhas Fonte: AUTOR, 2018 13 Outro problema detectado, potencializado pela remoção da mata ciliar, é a erosão na margem esquerda do córrego que está muito próxima ao limite da Rua Novo Cruzeiro. De acordo com Fendrich (1984), a erosão urbana está vinculada à ausência de um planejamento adequado, que leve em consideração as particularidades do meio físico e as condições socioeconômicas. Na Figura 10 é possível perceber o avanço do processo erosivo que, senão contido, pode comprometer a via pública e residências adjacentes. Uma sugestão plausível seria a dragagem do canal, alinhando a direção do fluxo de água com o canal que já se encontra canalizado, realizar a recuperação da área erodida através do aterramento e recomposição da mata ciliar para garantir a estabilização geológica e executar a construção de uma estrutura de contenção ao lado da via. 4.2.2 Construções sobre o córrego, retificações e danificações Figura 11 – Construção sobre o córrego Fonte: AUTOR, 2018 14Figura 12 – Canalização aberta Figura 13 – Solapamento da canalização Figura 14 – Ferragem exposta Fonte: AUTOR, 2018 Fonte: AUTOR, 2018 Fonte: AUTOR, 2018 15 Botelho e Silva (2010) definem que, a canalização e retificação de canais fluviais são alterações antrópicas, que objetivam aumentar a velocidade e a vazão dos rios assegurando um rápido escoamento do volume de água que atinge os canais fluviais (Figura 12). Entretanto, muitas vezes é utilizada como plataforma para construções civis e para tornar invisível a degradação dos corpos hídricos (Figura 11). Ainda de acordo com Botelho e Silva (2010) a canalização favorece a ocupação das margens dos canais fluviais impulsionando a retirada da vegetação das áreas ribeirinhas, reduzindo a capacidade de infiltração ou retenção da água. No canal fluvial do córrego Céu Aberto foram constatadas várias modificações. A Figura 15 mostra que a canalização, seja ela aberta ou fechada, cobre 73,33% do total do comprimento do córrego, desde a nascente até o exutório. Se considerarmos apenas o comprimento do córrego em área urbanizada este percentual passa de 73,33% para 93,55%. As retificações por meio de estruturas de concreto modifica totalmente a paisagem. Onde havia plantas de diversas cores e espécies, se vê pedras e concreto. Houve uma mudança radical, e pior, uma mudança que expulsou a biodiversidade local. Nos trechos em que foram construídas sobre o córrego residências, vias públicas e galpão, o canal é estruturado com paredes e tampas de concreto, chamado de canal fechado. Existem pontos em que é visível o Figura 15 – Mapa hipsométrico Fonte: PEREIRA, 2018. 16 processo de deterioração da estrutura do canal. O solapamento da base do canal concretado, ilustrado pela Figura 13, apresenta um grande risco em potencial. Conforme o volume e intensidade de precipitação que ocorrer nessa microbacia pode levar a estrutura a colapso. No caso da ferragem exposta, apresentado pela Figura 14, o contato com água tende a corroê-la podendo causar danos irreparáveis. Se a proposta de canalização foi o amortecimento dos picos de enchente pode ser considerada uma proposta plausível. Porém, Tucci e Genz (1995) propõem outras medidas como a execução de obras como tanques, lagos e pequenos reservatórios. Tais obras podem solucionar o problema, possivelmente sem causar tantos impactos. 4.2.3 Disposição de efluentes domésticos, resíduos sólidos e a presença de vetores de doença Figura 16 – Disposição de resíduos Figura 17 – Vetor de doença Fonte: AUTOR, 2018 Fonte: AUTOR, 2018 17 Um problema provocado pelo lançamento de efluentes domésticos in natura no córrego e também pela disposição de resíduos sólidos em sua margem é a proliferação de animais peçonhentos e de vetores de doença. Pelas Figuras 16 e 17 percebe-se que o córrego se tornou insalubre, e em alguns pontos de sua margem um depósito de lixo. Constantemente se vê pessoas fazendo a disposição dos resíduos nestes locais. No local há a presença de ratos, como mostra a Figura 18, baratas, aranhas etc. Alguns moradores que tem suas casas nas margens do córrego reclamam da presença de tais animais no interior de suas residências. Inclusive nos dias chuvosos o nível de água no córrego aumenta, obrigando esses animais procurarem outros abrigos. Na maioria das vezes as residências são escolhidas. O receio dos moradores é, na maioria das vezes, o ataque destes animais, talvez por não saberem dos grandes riscos que se corre ao habitar perto de áreas insalubres. Aqui se torna evidente que o saneamento básico é imprescindível para que se alcance qualidade de vida. Saúde pública e saneamento básico estão intrinsecamente vinculados. O uso e ocupação da área de fundo de vale do córrego Céu Aberto não levou em consideração este aspecto. Na verdade esta ocupação corroborou para que o córrego chegasse neste estágio. Uma sugestão plausível seria a universalização do esgotamento sanitário na área em questão e a conscientização dos moradores quanto á disposição adequada dos resíduos. 18 7 CONCLUSÃO Através dos dados obtidos neste trabalho foi possível mensurar os prejuízos oriundos da falta de um planejamento adequado do desenvolvimento urbano e também da ineficiência na implementação de um plano diretor. Constatou-se que um grande percentual da área de fundo de vale do córrego Céu aberto foi urbanizado mesmo depois da instituição do plano diretor municipal. Foi possível identificar os impactos gerados pelas ações antrópicas em uma, aparentemente, simples e inofensiva alteração em um córrego. Em diversos pontos a calha fluvial foi modificada. Com as visitas a campo identificou-se diversos impactos ambientais como o lançamento de efluentes domésticos in natura, deposição inadequada de resíduos sólidos por parte da comunidade local, assoreamento da calha fluvial, supressão da mata ciliar e erosão marginal. Outro problema detectado foi o solapamento da canalização. Um cenário insalubre como esse se torna propício para a hospedagem e proliferação de animais peçonhentos e vetores de doença, como foi constatado no local. Cenários como este demonstra aos governantes e a população os impactos socioambientais negativos decorrentes da ausência ou ineficiência do planejamento urbano. AGRADECIMENTOS Primeiramente quero expressar minha gratidão ao Mestre dos mestres, Jesus! Não fosse por Ele nada disso aconteceria, e mesmo que acontecesse jamais valeria a pena. Á minha esposa que foi a expressão do apoio, cuidado e motivação de Deus para comigo nos momentos de regozijo e também nos de lutas. Aos meus pais que foram a representação da provisão e sustento de Deus em minha caminhada. Ao meu orientador Hiram que me instruiu com uma habilidade inquestionável. E aos amigos que direta ou indiretamente corroboraram para que eu chegasse até aqui. Ficam aqui meus agradecimentos a todos vocês. Se tentar compensar cada um, provavelmente irei cometer falha. Mas minha oração é que Deus os abençoe abundantemente e recompense-os pelo bem que me fizeram! 19 REFERÊNCIAS BOTELHO, R.G.M & SILVA, A.S. (2010) Bacia Hidrográfica e Qualidade Ambiental. In: GUERRA, A.J.T. e VITTE, A.C. (orgs). Reflexões Sobre a Geografia Física no Brasil. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 3.ed. BRASIL .LEI N o 10.257, DE 10 DE JULHO DE 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 09. Agosto. 2018. BRASIL. 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