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Resenha GODELIER, Maurice. O Marxismo e as ciências do homem

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Universidade Federal do Espírito Santo
Departamento de Ciências Sociais
Sociologia II 
Professora: Dra. WiniFred Knox
Resenha
Paulo Sergio Brandão
GODELIER, Maurice. O Marxismo e as ciências do homem. In: HOBSBAWM, E. J. (Org.) História do marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. v.11, p.359-387. 
Segundo Godelier, o objetivo desta análise é indicar o que representa, para sua prática direta como estudioso, o marxismo enquanto fonte de hipóteses que devem ser examinadas, nesse ou naquele momento. Para isso é preciso entender que o núcleo duro do pensamento marxista é formado quatro ideias-forças, a saber: os homens produzem a sociedade para viver. E a história é feita por eles e em determinadas condições; a construção da história se dá pela capacidade de transformar a natureza e ao fazer isso, transforma a sua própria natureza. Aqui Marx compreendeu a função do momento econômico na formação e transformação das relações sociais e consequentemente no movimento da história; a história é movimento contraditório, por que tem sua origem nas contradições da realidade social. As contradições são de dois tipos: entre grupos (ordens, castas e classes) e que surgem entre as relações materiais dos homens com a natureza e as formas sociais da divisão do trabalho e do processo de produção e o desenvolvimento do capitalismo cria as bases materiais, as formas sociais e as representações intelectuais e políticas de uma nova sociedade, no seio da qual os meios de produção se tornarão propriedade coletiva e o trabalho assumirá a forma de gestão coletiva dos trabalhadores associados.
E ainda, para Godelier alguns conceitos e procedimentos epistemológicos do pensamento marxista são importantes e devem ser destacados para análise do pensamento marxista, a saber: a estrutura, que segundo ele são realidades em movimento, conexões temporais, que se reproduzem durante certa época histórica antes de desaparecer, deixando lugar para outras; é preciso fazer uma distinção entre o aparente e o real, ou seja, as conexões visíveis e as reais. E o trabalho da ciência seria passar das aparências para a estrutura interna oculta do real. Assim distingue-se a forma real (forma-núcleo, estrutura-núcleo) da forma aparente somente. É tarefa da ciência elevar-se acima do aparente, puramente fenomênico, ao movimento real interno. A ciência ver por detrás das aparências; é preciso conhecer a gênese e as transformações e evolução das estruturas antes de tentar escrever sua história. Para isso é preciso dois procedimentos, um regressivo, retornando ao passado para descobrir o processo que fez o presente ser o que é. E outro complementar, partindo do passado e retornando ao presente; existem relações de correspondências entre as relações econômicas (infra-estrutura) e as relações sociais (supra-estrutura) ou atividades sociais. Para Marx um modo de produção determinado corresponde a um modo de organizar a sociedade. Por exemplo, com o modo de produção capitalista afirma-se um modo burguês de pensar, de sentir, de fluir e os sistemas econômicos-sociais são submetidos as leis de desenvolvimento, com base em suas contradições internas as suas estruturas, contradições constitutivas e bases insuperáveis. Por exemplo, no modo de produção capitalista coexistem a separação e a contraposição de duas classes: a capitalista e a classe operária. Essa separação é construtiva do sistema e a reprodução do sistema reproduz tal separação. 
Ao relacionar o marxismo com outras correntes no campo das ciências sociais como o estruturalismo e o funcionalismo vamos encontrar pontos divergentes e convergentes. O que há em comum é a ideia de analisar as relações sociais como totalidades que constituem um sistema. Tanto para Lévi-Strauss quanto para Marx existe uma lógica interna que ilumina o significado dos comportamentos sem que aos atores não deem conta disso e ainda, que estas estruturas formam um sistema que mantém relações de compatibilidade que constituem uma ordem oculta, que seria o coração da lógica social. 
E podemos destacar as divergências entre estruturalismo e marxismo. De modo especial Lévi-Strauss separa o estudo da forma das relações sociais da análise de suas funções. Ele jamais estuda sociedades concretas, totalidades orgânicas específicas, ou seja, não se estuda o problema da articulação real dos níveis estruturais numa sociedade. Enfim, Lévi-Strauss não analisa as infra-estruturas, a análise dos homens entre si na apropriação da natureza. 
Existem vários pontos que se chocam com o desenvolvimento atual das ciências sociais e Godelier destaca a expressão “modo de produção” ou “modo de produzir” em três diferentes acepções. A primeira, como “modo de produzir as coisas”, depois como “o conjunto dos modos de produzir as condições materiais da existência social” e por fim, “forma de troca ou relação de troca, de comércio entre os homens, entendendo as relações sociais também.” Para sanar a dificuldade no uso do conceito Marx usa a distinção entre “subsunção formal” e “subsunção real”. Diante do conceito de modo de produção com o conjunto de relações sociais de produção e de forças produtivas, postas em ação em diversos processos de trabalho, que têm uma base técnica historicamente determinada. E a teoria das duas formas de subsunção seria uma teoria dinâmica a longo prazo dos modos de produção, do nascimento deles até seu pleno florescimento e, para além disso, até sua decomposição e substituição por um outro modo de produção. 
É preciso analisar outra dificuldade da distinção da natureza entre infra-estrutura e superestrutura nas sociedades capitalistas e pré-capitalistas. Enquanto nas capitalistas o processo produtivo ocorre no interior das empresas, nas sociedades pré-capitalistas ou não-capitalistas os historiadores e antropólogos, quando buscam isolar a estrutura econômica das sociedades pré-capitalistas, observam a necessidade de buscá-la nas relações sociais, classificadas pelos marxistas como superestruturas: relações de parentesco, relações políticas, relações religiosas etc. Vendo alguns exemplos com os aborígenes australianos, a mesopotâmia e a Grécia dá para entender que a distinção entre as relações de produção e superestruturas não é uma distinção de instituições, mas de funções como pensava Marx. E também que as relações sociais só são predominantes quando funcionavam ao mesmo tempo como relações de produção. 
Enfim, outro problema é o da função das ideias na formação e na transformação das relações sociais, o que poderia se dizer de analise da parte ideal da realidade social. No interior de qualquer atividade do homem sobre a natureza existe um complexo de realidades ideais, cuja presença e cuja intervenção são necessárias para que essa atividade tenha lugar. As representações advindas desta relação não existem apenas no pensamento abstrato, mas são ideias expressas numa língua e comunicadas de geração em geração, no curso de aprendizagem das técnicas. A conclusão é que o pensamento e a linguagem funcionam em parte como elemento das forças produtivas. 
As ideias não são simplesmente o que são, mas também o que obrigam a fazer. A questão principal que se coloca é como distinguir entre as ideias ideológicas e as que não são, ou seja, como separar conhecimento e opinião. Para pensar o ideal é preciso pensar o pensamento, ou seja, distinguir suas funções. Quais seriam então as funções: apresentar ao pensamento uma realidade, ou seja, interpretá-la; que significa explicar a origem, a natureza e o funcionamento, por meio de um sistema de representações reguladas por uma lógica e coerências especificas. Essas representações existem apenas, através e no pensamento. Esse mundo invisível começa a existir socialmente; a partir destas representações-interpretações se organizam as relações homem e natureza que se estabelece como regras de conduta, permissões e proibições e essas representações legitimam ou não as relações dos homens entre si e com a natureza. 
Godelier conclui deixando um paradoxo: “a necessidade de considerarque o processo de formação de castas e classes dominantes, e de nascimento do Estado, foi de certo modo legítimo”. Sendo assim, o mais-trabalho, existente em sociedades sem classes pôde se transformar gradualmente em sobretrabalho, ou seja, numa forma de exploração.

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