Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
capa O autor: Israel Vainsencher e´ Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais desde 2003. Obteve o grau de Doutor no Massachusetts Institute of Technology (EUA) em 1976. Sua a´rea de pesquisa e´ dedicada a questo˜es enumerativas em Geometria Alge´brica. 2 A Ka´tia M. E. L. Vainsencher Prefa´cio ...“la premie`re est toujours si astreinte a` la conside´ra- tion des figures, qu’elle ne peut exercer l’entendement sans fatiguer beaucoup l’imagination; et on s’est telle- ment assujetti, en la dernie`re, a` certaines re`gles et a` certains chiffres, qu’on en a fait un art confus et ob- scur qui embarrase l’esprit au lieu d’une science qui le cultive.” Apo´s enunciar este veredito1, Descartes [11] propoˆs-se a tomar o melhor da Geometria e da A´lgebra, corrigindo os defeitos de uma pelas virtudes da outra. Nascia a Geometria Anal´ıtica Cla´ssica. Dela sa˜o sucedaˆneas a Ge- ometria Diferencial e a Geometria Alge´brica. Apesar da origem comum, e´ claro o desequil´ıbrio verificado nos curr´ıculos atuais quanto ao tratamento dispensado aos aspectos introduto´rios dessas duas disciplinas. O estudante e´ devidamente apresentado ao triedro de Frenet, torc¸a˜o, curvatura..., mas se passa a distaˆncia do plano projetivo e curvas alge´bricas. Estas notas foram escritas com o objetivo de servir de texto a um curso de um semestre, como disciplina eletiva destinada a alunos do terceiro ou quarto ano do Bacharelado, ou ainda como disciplina de iniciac¸a˜o cient´ıfica. O teorema de Be´zout e´ o resultado central do curso. Para apresenta´-lo com rigor, e´ necessa´rio empreender uma jornada razoa´vel. 1...“a primeira e´ sempre ta˜o restrita a` considerac¸a˜o de figuras, que na˜o se chega ao entendimento sem muito fatigar a imaginac¸a˜o; ja´ na u´ltima, esta´-se de tal forma subjugado a certas regras e a tantos s´ımbolos, que resulta uma arte confusa e obscura a embarac¸ar a mente, ao inve´s de uma cieˆncia a cultiva´-la.” ii Nosso ponto de partida sa˜o as curvas planas usualmente estudadas na geometria elementar, tais como retas, coˆnicas, conco´ides, etc. . . . Passamos em seguida a uma revisa˜o cr´ıtica do conceito de curva alge´brica, formulando uma definic¸a˜o rigorosa, ainda que mais abstrata. No cap´ıtulo II, iniciamos o estudo da intersec¸a˜o de duas curvas. Intro- duzimos a resultante de dois polinoˆmios e conclu´ımos com um caso particular do teorema dos zeros de Hilbert. Nos cap´ıtulos III e IV sa˜o exploradas as ide´ias ba´sicas necessa´rias a` demonstrac¸a˜o do teorema de Be´zout. Para que curvas de graus m e n se en- contrem “sempre” em m · n pontos, e´ necessa´rio explicar como alguns desses pontos devem ser contados mais de uma vez, quer seja por tangeˆncia quer pelo fato de uma das curvas “passar va´rias vezes” pelo ponto em questa˜o; por fim, deve-se explicar como alguns outros podem estar no infinito... No cap´ıtulo V demonstramos o teorema de Be´zout. No cap´ıtulo seguinte estudamos mais detalhadamente o ı´ndice de intersec¸a˜o de duas curvas. O cap´ıtulo VII constitui-se quase que numa revisa˜o da mate´ria: aplicamos o teorema de Be´zout ao ca´lculo do nu´mero de tangentes inflexionais de uma curva e o de tangentes que passam por um ponto. No cap´ıtulo VIII ocorre uma certa mudanc¸a no objeto de estudo. Ate´ enta˜o estive´ramos interessados em analisar propriedades de uma curva como subconjunto do plano; agora examinamos o seu cara´ter funcional, i.e., pro- priedades do corpo de func¸o˜es racionais. O u´ltimo to´pico – cu´bicas na˜o singulares – tenta mostrar o sabor de coisa inacabada, mal disfarc¸ando a esperanc¸a de que o leitor recorra a` bibliografia indicada para explorar com mais profundidade o roteiro aqui iniciado. Para convenieˆncia do leitor, inclu´ımos nesta edic¸a˜o revisada um apeˆndice com noc¸o˜es ba´sicas de a´lgebra que sa˜o utilizadas no texto, notadamente o lema de Gauss e a propriedade de fatorac¸a˜o u´nica para polinoˆmios a coefi- cientes num corpo. Por fim, confesso que esta edic¸a˜o jamais teria ocorrido sem o insistente encorajamento de Abramo Hefez e Dan Avritzer. Recife, 7 de marc¸o de 1996. Nota a` re-edic¸a˜o. Exceto pela sec¸a˜o sobre curvas de Be´zier e a inclusa˜o de alguns poucos exerc´ıcios, limitei-me a ligeiras correc¸o˜es e revisa˜o de pouca monta. Algumas figuras foram re-diagramadas e uma ou outra demonstrac¸a˜o mais detalhada; as refereˆncias bibliogra´ficas ganharam mais uns t´ıtulos, e o apeˆndice algumas linhas sobre propriedades do grau de transcendeˆncia. Belo Horizonte, 14 de Fevereiro de 2005 Conteu´do 1 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos 1 1.1 Um pouco de histo´ria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.2 Equac¸a˜o de uma curva alge´brica . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1.3 Mudanc¸a de coordenadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2 Intersec¸o˜es de Curvas Planas 19 2.1 Finitude da intersec¸a˜o . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 2.2 A resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.3 O grau da resultante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.4 O teorema dos zeros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 3 Multiplicidades 33 3.1 Intersec¸a˜o de uma curva com uma reta . . . . . . . . . . . . . 33 3.2 Pontos mu´ltiplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 3.3 Diagrama de Newton . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 4 Pontos no infinito 45 4.1 O plano projetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.2 Espac¸os projetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.3 Curvas projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 4.4 Mudanc¸a de coordenadas projetivas . . . . . . . . . . . . . . . 51 5 Intersec¸a˜o de Curvas Projetivas 57 5.1 Intersec¸a˜o de reta e curva, agora projetivas. . . . . . . . . . . 57 5.2 O teorema de Be´zout . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 6 Propriedades do I´ndice de Intersec¸a˜o 69 6.1 As propriedades caracter´ısticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 iv CONTEU´DO 6.2 Se´ries de poteˆncias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 7 Fo´rmulas de Plu¨cker 85 7.1 Curvas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 7.2 A hessiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 8 Curvas Racionais 95 8.1 Curvas racionais afins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 8.2 Func¸o˜es regulares e func¸o˜es racionais . . . . . . . . . . . . . . 98 8.3 O teorema de Lu¨roth . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 8.4 Curvas racionais projetivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 8.5 O geˆnero virtual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108 8.6 Aplicac¸a˜o ao ca´lculo integral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114 8.7 Curvas de Be´zier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 9 Cu´bicas na˜o Singulares 119 9.1 Conexo˜es inesperadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 9.2 Forma normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 9.3 Func¸o˜es racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 9.4 Ciclos e equivaleˆncia racional . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 9.5 A estrutura de grupo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 128 10 Apeˆndice 133 10.1 Ane´is, ideais e homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 10.2 Polinoˆmios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138 10.3 Domı´nios de fatorac¸a˜o u´nica e lema de Gauss . . . . . . . . . 142 10.4 Extenso˜es de corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 Bibliografia 147 I´ndice 150 Cap´ıtulo 1 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos 1.1 Um pouco de histo´ria A manipulac¸a˜o de expresso˜es do tipo x2 + y2 = 1 e´ um fato relativamente recente na histo´ria da Matema´tica, podendo se situar emtorno do se´culo XVI. Mas os matema´ticos gregos ja´ sabiam efetuar ca´lculos elaborados, recorrendo a procedimentos geome´tricos. Por exemplo, para o ca´lculo do produto de duas quantidades a, b, poder´ıamos proceder assim: figura 1.1 O 1 b • • a ab . ................................................................................................................................................................................................................ . ........................................... . ............................................................................................................................. ............................................................................................................................................................................................................................................................... Neste exemplo, o segmento de comprimento a e´ trac¸ado perpendicular- mente a` reta Ob. Esta construc¸a˜o requer somente o desenho de retas e c´ırculos. (Os c´ırculos foram empregados para se obter o aˆngulo reto). Com um pouco de imaginac¸a˜o, e´ poss´ıvel descrever me´todos para a construc¸a˜o 2 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos com re´gua e compasso de expresso˜es do tipo√ a+ √ ab / a2b, ou mais geralmente, para qualquer elemento do chamado corpo dos nu´meros construt´ıveis. Veja a discussa˜o em Gonc¸alves [15], p. 138 e seguintes. Ale´m das retas e c´ırculos, os matema´ticos da Antiguidade estudaram outras curvas, geralmente descritas como o lugar geome´trico de pontos satis- fazendo certas condic¸o˜es. Essas curvas especiais eram o recurso empregado na soluc¸a˜o de va´rios problemas, para os quais todas as tentativas com re´gua e compasso malograram. Alguns desses teˆm uma histo´ria curiosa, em que lenda e fato se misturam. E´ o caso dos ce´lebres problemas da duplicac¸a˜o do cubo, da trissecc¸a˜o do aˆngulo e da quadratura do c´ırculo. Consulte Boyer, [4], p. 48 ou Klein, [22]. Veja o exemplo 1.2.6 mais adiante bem como o exerc´ıcio [4, p. 6]. Com a ulterior introduc¸a˜o do me´todo das coordenadas, constatou-se que va´rias curvas conhecidas desde os primo´rdios da Geometria podiam ser descritas por equac¸o˜es polinomiais. 1.1. Definic¸a˜o. Uma curva alge´brica plana e´ o lugar dos pontos cujas coor- denadas cartesianas satisfazem uma equac¸a˜o do tipo f(X,Y ) = 0, onde f e´ um polinoˆmio na˜o constante. (Compare com a definic¸a˜o [1.5, p. 10]). 1.2. Exemplos. Eis aqui uma lista preliminar de curvas alge´bricas planas. A maioria deve ser conhecida do leitor. 1.2.1. A reta que passa pelos pontos (a, b) 6= (c, d). Sua equac¸a˜o pode ser escrita como o determinante, ∣∣∣∣∣∣ a c X b d Y 1 1 1 ∣∣∣∣∣∣ = 0. 1.2.2. O c´ırculo de raio r e centro (a, b), lugar dos pontos que satisfazem a equac¸a˜o (X − a)2 + (Y − b)2 = r2. 1.1 Um pouco de histo´ria 3 1.2.3. A elipse, lugar dos pontos tais que a soma das distaˆncias a dois pontos fixos (digamos (±c, 0)) e´ uma constante, que por convenieˆncia esco- lhemos = 2a. A condic¸a˜o imposta escreve-se√ (X + c)2 + Y 2 + √ (X − c)2 + Y 2 = 2a. Esta equac¸a˜o na˜o e´ polinomial, mas e´ poss´ıvel eliminar os radicais e mostrar que toda soluc¸a˜o dela e´ tambe´m soluc¸a˜o da seguinte (e vice versa), X2 a2 + Y 2 b2 = 1, onde b = √ a2 − c2. • O a? ?−c c b - 6 ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . ........... .......... ......... .......... .......... .......... .......... ..................... ........................ ............................................................................................................................................................................................................................................................................. .......... .......... .......... ........... ............ ............ ............ ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............. ............ ............ ............ ........... .......... .......... .......... .......... .......... ......... ......... figura 1.2 1.2.4. A hipe´rbole, lugar dos pontos cujas distaˆncias a dois pontos fixos, chamados focos, teˆm diferenc¸a constante 2a. Marcando os focos em (±c, 0), a diferenc¸a das distaˆncias se expressa√ (X − c)2 + Y 2 − √ (X + c)2 + Y 2 = 2a. (1.1) Procedendo como no caso da elipse, pondo b2 = c2 − a2, eliminamos os radicais e obtemos a equac¸a˜o X2 a2 − Y 2 b2 = 1, ? ?a−c −a c • - 6 . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... ........... ........... ........... ........... ........... ......... ................ ............... ............... ................... .................... .................... ......................................................................................................... ................ ............... ............... ................... .................... .................... ......................................................................................................... figura 1.3 1.2.5. A para´bola, lugar dos pontos equidistantes de um ponto fixo, chamado foco e de uma reta fixa, diretriz. 4 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos Tomando (0, b), b > 0 e Y = −b como foco e diretriz, a equac¸a˜o (ja´ simplificada) fica na forma, X2 = 4bY O b? . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... . ......... ........ . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... . .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ..... −b • 6 - . ............... ...... ............... .... ................ .. ................ .............. ............. ............. ............ ............ ........... .......... .......... ........... ............ ............ ............. ............. .............. ................ .................. ................... ..................... figura 1.4 1.2.6. A cisso´ide de Dio´cles, lugar dos pe´s das normais trac¸adas do ve´rtice de uma para´bola a`s suas tangentes. Dada a para´bola de equac¸a˜oX2 = −4bY , a tangente num ponto (x0, y0) se escreve 2x0(X − x0) = −4b(Y − y0). O figura 1.5 • ? - 6 ................. ............... ............ ...... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ................. ............... .................. ............................ ................................... ............................................................... ............................................................... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .................... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ..... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ........ · · · · · · · ·· · · · · · · · · · · · · · · · · ··· ···························· A reta normal tomada da origem (ve´rtice da para´bola) e´ −2bX + x0Y = 0. A intersec¸a˜o desta u´ltima com a tangente e´ dada por X = x30 8b2 + 2x20 , Y = bx20 4b2 + x20 · 1.1 Um pouco de histo´ria 5 Substituindo x0 = 2bX/Y e simplificando, resulta a equac¸a˜o da cisso´ide, bX2 − Y (Y 2 +X2) = 0. Note que, em coordenadas polares, esta u´ltima equac¸a˜o fornece r = b cosθ cotgθ. Da´ı podemos obter uma descric¸a˜o dinaˆmica que permite trac¸ar a cisso´ide: figura 1.6 ................ ............ ....... ....... ........ ........ ......... ......... ......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... ......... ......... ................ ............ .............. ................ .................. ............................. .............................. .................................................. ................................................................................ .................................................................... - 6 ··· ··· ····· ······························· · · · ····· ··· ··· ·· . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............ . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. . ............. b ? P ?b/2 R• Q? O Construa o c´ırculo de diaˆmetro b e centro (0, b/2). Considere a reta Y = b; para cada um de seus pontos P , trace a reta OP e tome o ponto Q da intersec¸a˜o com o c´ırculo. Finalmente, marque o ponto R tal que OR = PQ. Variando P , o ponto R descreve a cisso´ide. Com efeito, notando que o aˆngulo θ = ÔPb = Q̂bO, temos OR = PQ = OP −OQ = b/ sen θ − b sen θ = b cos θ cotg θ = r. A cisso´ide foi empregada para resolver o problema da duplicac¸a˜o do cubo: dada a aresta de um cubo, construir a aresta do cubo de volume duplo. Em s´ımbolos, procuramos resolver a equac¸a˜o, X3 = 2b3, onde b denota o comprimento da aresta conhecida. Sabe-se que esta equac¸a˜o na˜o e´ resolu´vel por re´gua e compasso (por exemplo, para b = 1). Recorrendo a` cisso´ide como “curva auxiliar”, a soluc¸a˜o gra´fica e´ obtida com o seguinte procedimento: ache a intersec¸a˜o da cisso´ide (b− Y )X2 = Y 3 6 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos com a reta b− Y = 2X; obte´m-se um ponto (x0, y0) com (y0/x0) 3 = 2. Ligando-o a` origem, constro´i- se a reta Y = 3 √ 2X. Fazendo X = b, resulta a quantidade procurada. Convidamos o leitor a se familiarizar com os exemplos adicionais compi- lados na lista de exerc´ıcios. 1.3. Exerc´ıcios Esboce as curvas seguintes. (Atribua valores aos paraˆmetros a, b, . . . ) 1. Folium de Descartes: X3 + Y 3 − 3aXY = 0. 2. Trissectriz de Maclaurin: X(X2 + Y 2) = a(Y 2 − 3X2). 3. Conco´ide de Nicomedes: (Y − a)2(X2 + Y 2) = b2Y 2. E´ a conco´ide de reta Y = a, de intervalo b, relativa a` origem. Em geral, a conco´ide de uma curva C relativa a um ponto O e de intervalo b e´ constru´ıda assim: para cada ponto P ∈ C, marque sobre OP dois segmentos PR = PR′ = b; os pontosR,R′ descrevem a conco´ide. Esta curva resolve o problema do ca´lculo de me´dias proporcionais: dados os nu´meros r, s, encontrar X, Y tais que X/r = Y/X = s/Y . A duplicac¸a˜o do cubo e a trissecc¸a˜o do aˆngulo sa˜o problemas desse tipo. . .............. .............. ............. ....... ......... .......... ........... ..... ....... ........ .......... ................ ........ .................. ........ ....... .............. ...... ....... ...... ...... ........... ........... ........... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .......... .................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ................................... ............... .......... ............ ............ ................. ................ ...... ..... ...... ..... ...... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... ........... . .......... ......... ........ ....... ....... ........ .......... ............ ............ ................. ................................. ............................................................................. ...................................................................................................................................................................................................... ............. ............ ............ .................. .............................. ........................ . ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... . ....................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .............. ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ........ . ....... . ....... . ....... . ....... . ....... . ..... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ........ ...................................................... R• M BPa O • R′ ? ??? figura 1.7 4. A figura acima ilustra a construc¸a˜o do aˆngulo âOR = âOB/3. O ponto R e´ a intersec¸a˜o da paralela a OA que passa por B com a conco´ide da reta normal aB e intervalo 2OB. Por construc¸a˜o, PR = 2OB. Marcando o ponto me´dio M de PR, resultam os triaˆngulos iso´sceles PMB,BMR. O leitor na˜o 1.1 Um pouco de histo´ria 7 deve ter dificuldade em completar a justificativa da construc¸a˜o. (Sugesta˜o: diagonais de um retaˆngulo...) 5. Caracol de Pascal: (X2+Y 2)2−2aX(X2+Y 2)+(a2−b2)X2−b2Y 2 = 0. Mostre que em coordenadas polares a equac¸a˜o e´ dada por r = a cos θ ± b. Distinga os casos a > b, a < b e a = b. Trata-se da conco´ide da circunfereˆncia r = a cos θ relativa a` origem. 6. Astro´ide: X2/3 + Y 2/3 = 1. Mostre que esta curva e´ de fato alge´brica, dada por uma equac¸a˜o polinomial do sexto grau. Ela e´ o lugar descrito por um ponto de uma circunfereˆncia de raio 1/4 que gira sem deslizar apoiada no lado interno de uma circun- fereˆncia unita´ria centrada na origem. Curvas definidas por esse processo sa˜o chamadas de hipociclo´ides; quando a circunfereˆncia se move pelo lado ex- terno, obte´m-se uma epiciclo´ide; elas sa˜o alge´bricas se e so´ se a raza˜o dos raios e´ um nu´mero racional. 7. Oval de Cassini: ((X − a)2 + Y 2)((X + a)2 + Y 2) = b4. E´ o lugar dos pontos cujo produto das distaˆncias aos 2 pontos fixos (± a, 0) e´ igual a` constante b2. Se b2 < a2, a curva consiste em 2 componentes conexas. Se b2 = a2 tem-se a lemniscata de Bernoulli. Para b2 > a2, tem-se a oval propriamente dita. 8. Esboce a curva dada parametricamente por x(T ) = T 2 − T, y(T ) = T 3. Mostre que ela e´ uma curva alge´brica, encontrando um polinoˆmio f(X, Y ) na˜o constante tal que f(x(T ), y(T )) = 0. 9. Sejam x = x(T ), y = y(T ) func¸o˜es racionais (= quocientes de polinoˆmios em uma varia´vel T ). Mostre que existe um polinoˆmio na˜o constante f(X, Y ) tal que f(x, y) = 0. (Sugesta˜o: seja K(T ) o corpo das func¸o˜es racionais a coeficientes no corpo K. Se x ∈ K(T ) e´ na˜o constante, enta˜o K(T ) e´ uma extensa˜o alge´brica do subcorpo K(x) gerado por x (vejas as definic¸o˜es 10.30, p. 144). De fato, temos x = p(T )/q(T ), com p, q polinoˆmios, e assim T satisfaz a equac¸a˜o polinomial p(X) − xq(X) = 0. Logo, todo y ∈ K(T ) e´ alge´brico sobre K(x)). 8 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos 10. Uma curva e´ racional se for definida parametricamente por equac¸o˜es X = x(T ), Y = y(T ), onde as func¸o˜es de T indicadas sa˜o racionais e ao menos uma e´ na˜o constante. Mostre que toda curva racional e´ alge´brica. 11. Curvas de Lissajous. Sa˜o dadas parametricamente por x(θ) = a sen(mθ + p), y(θ) = b sen(nθ + q), onde a, b,m, n, p, q sa˜o constantes (abmn 6= 0). Curvas desse tipo ocorrem na investigac¸a˜o de fenoˆmenos vibrato´rios. (a) Esboce a curva, supondo m = 2, n = 3, a = b = 1, p = 0, q = pi/4. (b) Mostre que a curva na˜o e´ alge´brica se m/n e´ irracional. (c) Se m e´ inteiro, mostre que x(θ) pertence ao anel A gerado pelas func¸o˜es sen θ, cos θ. (d) Mostre que A e´ um domı´nio e que seu corpo de frac¸o˜es e´ igual a R(T ), onde T = tg(θ/2). (e) Conclua que uma curva de Lissajous com m/n racional e´ alge´brica. Ache a equac¸a˜o polinomial no caso considerado em (a). 12. Chama-se rosa´cea uma curva de equac¸a˜o polar r = a sen(bθ). (a) Esboce para a = 1, b = 1, 2, 2/3. (b) Prove que se b = m/n, com m,n inteiros > 0, primos relativos, enta˜o a rosa´cea e´ alge´brica, satisfazendo a uma equac¸a˜o polinomial (em coordenadas cartesianas) de grau m+n ou 2(m+n) conforme sejam m,n ambos ı´mpares ou um deles par. Se b e´ irracional, a rosa´cea na˜o e´ alge´brica. 1.2 Equac¸a˜o de uma curva alge´brica Reexaminemos a definic¸a˜o 1.1. Uma questa˜o que naturalmente se po˜e e´ se a equac¸a˜o polinomial f = 0 esta´ bem determinada pela curva (entendida como o lugar das soluc¸o˜es). A resposta e´ na˜o: f = 0 e f 2 = 0 admitem as mesmas soluc¸o˜es. Poder´ıamos arriscar o palpite de que esse seria o u´nico tipo de indeterminac¸a˜o: se toma´ssemos f com grau mı´nimo, talvez todas as outras equac¸o˜es definindo a mesma curva fossem do tipo fm = 0. Mas note que as soluc¸o˜es de XY = 0 e X2Y = 0 sa˜o as mesma, prejudicando a 1.2 Equac¸a˜o de uma curva alge´brica 9 proposta. Ah, mas nesse exemplo a curva tem visivelmente dois “pedac¸os”, e a afirmativa poderia valer para cada um deles. Talvez uma hipo´tese mais promissora seja esperar que exista uma equac¸a˜o de grau mı´nimo, as demais sendo mu´ltiplas desta. Mas as curvas (?), ou melhor dizendo, as equac¸o˜es X2 + Y 2 = 0 e 2X2 + Y 2 = 0 teˆm o mesmo conjunto de soluc¸o˜es reais, desfazendo a esperanc¸a. A escassez de pontos reais nesse u´ltimo exemplo parece estar na raiz do problema. Com efeito, veremos mais adiante que, se p(X, Y ) e´ um polinoˆmio irredut´ıvel e a curva C definida por p(X, Y ) = 0 e´ infinita, enta˜o a equac¸a˜o de grau mı´nimo esta´ bem determinada (a menos de fator constante). Aqui, e em outras situac¸o˜es com que iremos nos defrontar, a bem da simplicidade de uma proposic¸a˜o que desejamos tornar verdadeira, somos in- duzidos a repensar os fundamentos, isolar a dificuldade, e resolveˆ-la “por de- creto”. Vale a pena ler a bel´ıssima discussa˜o desse processo de “negac¸a˜o da negac¸a˜o”, em Carac¸a, [5]. E´ o que faremos, passando a admitir pontos cujas coordenadas sa˜o nu´meros complexos. E, ja´ tomada esta decisa˜o, por que na˜o trabalhar tambe´m com polinoˆmios a coeficientes complexos? Na realidade, praticamente em toda a teoria que exporemos, a propriedade fundamental dos nu´meros complexos e´ que estes formam um corpo algebricamente fechado de caracter´ıstica zero. Assim, salvo menc¸a˜o expl´ıcita em contra´rio, doravante, coordenadas de pontos, bem como coeficientes de polinoˆmios, sera˜o tomados em um corpo K algebricamente fechado e de caracter´ıstica zero. Frequ¨entemente, nos exem- plos, suporemos K = C. A perda aparente do recurso a` intuic¸a˜o geome´trica sera´ amplamente compensada. Ja´ podemos recolher o primeiro benef´ıcio. 1.4. Proposic¸a˜o. Sejam f, g polinoˆmios em duas varia´veis a coeficiente no corpo K. Enta˜o f(X, Y ) = 0 e g(X, Y ) = 0 teˆm as mesmas soluc¸o˜es em K2 se e so´ se os fatores irredut´ıveis de f, g sa˜o os mesmos. Demonstrac¸a˜o. Seja p ∈ K[X, Y ] um fator irredut´ıvel de f . Por hipo´tese, para cada (x, y) ∈ K2, vale a implicac¸a˜o, p(x, y) = 0 ⇒ g(x, y) = 0. Provaremos que p divide g em K[X, Y ]. Trocando X por Y se necessa´rio, podemos supor que Y ocorre efetivamente em p. Ponhamos A = K[X], L = K(X) (corpo de frac¸o˜es). Assim, pelo lema de Gauss [10.27, p. 143], 10 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos p ∈ A[Y ] e´ irredut´ıvel em L[Y ]. Suponhamos, por absurdo, que p 6 | g. Enta˜o MDC(p, g) = 1. Da´ı, existe uma relac¸a˜o (veja o corola´rio [10.17, p. 140]) ap+ bg = 1, onde a, b ∈ L[Y ]. Podemos escrever a = a′/c, b = b′/c com a′, b′ ∈ A[Y ] e c ∈ A, c 6= 0. Obtemosenta˜o, a′p+ b′g = c. Agora, como p na˜o e´ constante, segue-se que, exceto para um nu´mero finito de valores de x ∈ K, a equac¸a˜o p(x, Y ) = 0 admite soluc¸a˜o. (Aqui usamos o fato de que o corpo K e´ algebricamente fechado). Conclui-se que ha´ uma infinidade de valores de x tais que c(x) = 0, donde c = 0. Esta contradic¸a˜o mostra que p|g em K[Y ] seguindo, novamente pelo lema de Gauss, que p|g em K[X, Y ]. 2 Deduzimos da proposic¸a˜o anterior que uma curva alge´brica, dada como lugar das soluc¸o˜es de uma equac¸a˜o polinomial na˜o constante f(X, Y ) = 0, determina (a menos de fator constante) uma equac¸a˜o de grau mı´nimo: tomar o produto dos fatores irredut´ıveis distintos de f . Este fato nos leva a substi- tuir a definic¸a˜o 1.1 pela seguinte onde, essencialmente, passamos a identificar “curva” com sua equac¸a˜o. 1.5. Definic¸a˜o. Uma curva alge´brica plana afim (ou mais abreviadamente, curva) e´ uma classe de equivaleˆncia de polinoˆmios na˜o constantes f ∈ K[X, Y ], mo´dulo a relac¸a˜o que identifica dois tais polinoˆmios se um e´ mu´ltiplo do outro por alguma constante. Nesse contexto, a equac¸a˜o de uma curva e´ um qualquer dos polinoˆmios nessa classe. Dizemos que uma curva esta´ definida sobre o corpo K0, subcorpo de K, se ela admitir uma equac¸a˜o a coeficientes em K0. O trac¸o (resp. trac¸o real. . . ) de uma curva (definida sobre R. . .) e´ o conjunto das soluc¸o˜es (resp. soluc¸o˜es reais. . . ) da equac¸a˜o. O grau de uma curva f e´ o grau de sua equac¸a˜o, e sera´ denotado por d◦f . Curvas de grau 1, 2, 3,. . . sa˜o chamadas retas, coˆnicas, indexcoˆnicacu´bicas . 1.2 Equac¸a˜o de uma curva alge´brica 11 Uma curva e´ irredut´ıvel se admite uma equac¸a˜o que e´ um polinoˆmio irredut´ıvel. As componentes irredut´ıveis de uma curva f sa˜o as curvas definidas pelos fatores irredut´ıveis de f . Amultiplicidade de uma componente p de f e´ o expoente com que o fator p ocorre na decomposic¸a˜o de f ; quando ≥ 2, dizemos que p e´ componente mu´ltipla de f . Usualmente, cometeremos o abuso de designar pelo mesmo s´ımbolo tanto a curva como o seu trac¸o ou uma sua equac¸a˜o. Por comodidade, diremos indistintamente “a curva f” ou “a curva dada pela equac¸a˜o f = 0” ou “a curva f = 0”. O contexto tornara´ claro quando nos referimos seja ao trac¸o, seja ao polinoˆmio. Observemos que, agora, as curvas X2 = 0 e X = 0, embora tenham o mesmo trac¸o, sa˜o consideradas distintas por definic¸a˜o. E´ sugestivo pensar em X2 como uma “reta dupla”, limite de um par de retas que veˆm a coincidir (digamos, X(X − εY ), com ε → 0), ou de hipe´rboles que se achatam sobre o eixo ( por exemplo, X2 − εY 2 = ε). Intuitivamente, as componentes irredut´ıveis de uma curva f sa˜o os “peda- c¸os” que constituem f e que sa˜o tambe´m curvas. Com efeito, se f conte´m (o trac¸o de) uma curva irredut´ıvel p, enta˜o p e´ uma componente de f . Isto foi demonstrado na proposic¸a˜o [1.4, p. 9]. O leitor deve no entanto ser alertado para o fato de que uma curva pode ser irredut´ıvel mesmo sendo seu trac¸o real formado por duas ou mais partes disjuntas: reveja o exemplo da hipe´rbole (p. 3). Outro exemplo e´ dado pela cu´bica de equac¸a˜o Y 2 = X(X − a)(X − b), (b < 0 < a) (1.2) figura 1.8 b a O ................ .................. ................................. ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... ................................... .................... ... ................... ....................... ........................... ........................... ........................... ..................... ................................................................................................................................................ . ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................ . ...................... . ..................... . . ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. . ....................... ...................... 12 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos Veja tambe´m o exerc´ıcio 31, p. 21. Na realidade, a determinac¸a˜o do nu´mero, bem como da disposic¸a˜o dos chamados circuitos reais de uma curva alge´brica plana e´ uma questa˜o ainda na˜o resolvida por completo. Consulte Arnold [2] p. 50 e Camacho [6]. Apesar do aparente contra-senso geome´trico, a definic¸a˜o 1.5 coloca em definitivo relevo o papel da equac¸a˜o que individualiza uma curva alge´brica. Ale´m do mais, frequ¨entemente os argumentos alge´bricos empregados nas demonstrac¸o˜es de propriedades geome´tricas se aplicam indistintamente a polinoˆmios, sejam eles irredut´ıveis ou na˜o. 1.6. Exerc´ıcios 13. Verifique se as curvas apresentadas no § 1 sa˜o irredut´ıveis. 14. Ache as componentes irredut´ıveis das curvas: (a) Y 3 −X3 +X2Y −XY 2 +X2 + Y 2 +X − Y − 1; (b) 2X2Y − 2X3 + Y 2 −XY +X − Y (c) X2 − 5XY + 6Y 2. 15. Seja fm = m∑ 0 aiX iY m−i um polinoˆmio homogeˆneo 6= 0. (a) Prove que fm e´ o produto de m fatores lineares homogeˆneos, i.e., fm =∏ (biX + ciY ), onde bi, ci sa˜o constantes na˜o ambas nulas e as razo˜es bi/ci sa˜o bem determinadas. (b) Prove que se fm, fm+1 na˜o teˆm fator comum, enta˜o fm+fm+1 e´ irredut´ıvel. 16. Mostre que Y 2 − p(X) e´ redut´ıvel se e so´ se p(X) e´ um quadrado em K[X]. Em particular, Y 2 − (X − a)(X − b)(X − c) e´ irredut´ıvel para todo a, b, c ∈ K. 17. Mostre que uma coˆnica a11X 2+ a22Y 2+ a33+2a12XY +2a13X +2a23Y e´ redut´ıvel se e so´ se for nulo o determinante da matriz sime´trica (aij). 18. Dado um ponto arbitra´rio P e duas retas distintas `1, `2 contendo P , mostre que o conjunto das retas que conteˆm P e´ {x1`1 + x2`2 |x1, x2 sa˜o constantes na˜o ambas nulas}. 19. Dados quatro pontos na˜o colineares, mostre que existem coˆnicas f1, f2 tais que, a condic¸a˜o necessa´ria e suficiente para que uma coˆnica f passe pelos 1.3 Mudanc¸a de coordenadas 13 quatro pontos e´ que f seja da forma x1f1 + x2f2, com xi ∈ K, na˜o ambos nulos. 20. Dados cinco pontos arbitra´rios, existe ao menos uma coˆnica que os conte´m; se existirem duas distintas, enta˜o quatro desses pontos sa˜o colin- eares. 21. Mostre que, para todo inteiro d ≥ 1, existem d(d+3)/2 pontos no plano pelos quais passa exatamente uma curva de grau d. 22. Seja C a cu´bica Y = X3. Para cada par de pontos P,Q ∈ C, a reta PQ encontra C num terceiro ponto R. Mostre que a correspondeˆncia que associa a cada par (P,Q) o sime´trico −R de R em relac¸a˜o a` origem O define uma estrutura de grupo em C isomorfo ao grupo aditivo de K. 1.3 Mudanc¸a de coordenadas As propriedades de curvas planas que estudaremos sa˜o aquelas que inde- pendem do particular sistema de coordenadas cartesianas empregado. Fare- mos aqui alguns comenta´rios sobre mudanc¸a de coordenadas e daremos a conceituac¸a˜o precisado que entendemos por “propriedade independente do referencial”. 1.7. Definic¸a˜o. Um referencial ou sistema de coordenadas afim no plano K2 consiste na escolha de um ponto O ∈ K2, chamado origem do referencial, e de uma base {v1, v2} do espac¸o vetorial K2. O referencial canoˆnico e´ dado por O = (0, 0), v1 = (1, 0), v2 = (0, 1). O vetor coordenadas de um ponto P ∈ K2 em relac¸a˜o a um referencial R = {O, {v1, v2}} e´ o par (P )R = (x1, x2) ∈ K2 tal que P = O + x1v1 + x2v2. (1.3) Uma transformac¸a˜o afim ou afinidade em K2 e´ uma aplicac¸a˜o T : K2 → K2 composta de uma translac¸a˜o com um isomorfismo linear. 14 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos A ambigu¨idade aparente na ordem da composic¸a˜o e´ irrelevante, pois se L e´ uma aplicac¸a˜o linear e P0 ∈ K2, temos L(P + P0) = L(P ) +L(P0). Ou seja, uma translac¸a˜o seguida de uma aplicac¸a˜o linear tem o mesmo efeito que a (mesma) aplicac¸a˜o linear seguida de uma (outra) translac¸a˜o. Toda transformac¸a˜o afim e´ da forma T (x1, x2) = (y1, y2), onde{ y1 = a11x1 + a12x2 + a1 y2 = a21x1 + a22x2 + a2, (1.4) com det(aij) 6= 0. O leitor verificara´ sem dificuldade que as afinidades formam um grupo com a operac¸a˜o de composic¸a˜o. Assim, a composta de duas afinidades e´ uma afinidade, e a inversa de uma afinidade tambe´m e´. Escrevendo v1 = (a11, a21), v2 = (a12, a22), O = (a1, a2), podemos interpretar as equac¸o˜es (1.4) como as que relacionam P = (y1, y2) com (P )R = (x1, x2). E reciprocamente, podemos considerar as relac¸o˜es (1.3) como definindo a afinidade, (x1, x2) 7−→ O + x1v1 + x2v2. 1.8. Definic¸a˜o. Dizemos que a afinidade T e o referencial R sa˜o associados se T (P )R = P (∀P ∈ K2). Assim, podemos adotar duas atitudes diante do processo de mudanc¸a de coordenadas: dada uma afinidade T , podemos olhar a relac¸a˜o (y1, y2) = T (x1, x2) como a expressa˜o que fornece as novas coordenadas de um mesmo ponto em termos das antigas; os pontos ficam e as coordenadas movem-se. A outra possibilidade, e´ a de considerar T agindo sobre os pontos do plano: (y1, y2) e´ a nova posic¸a˜o de (x1, x2), com as coordenadas todas tomadas em relac¸a˜o ao referencial canoˆnico. 1.9. Definic¸a˜o. O K-automorfismo do anel de polinoˆmios em 2 varia´veis T• : K[X1, X2]→ K[X1, X2] associado a` afinidade T : K2 → K2 e´ dado por, ∀ (x1, x2) ∈ K2, (T•f)(x1, x2) = f(T−1(x1, x2)). 1.3 Mudanc¸a de coordenadas 15 Mais precisamente, se T−1(x1, x2) = (b11x1 + b12x2 + b1, b21x1 + b22x2 + b2), enta˜o (T•f)(X1, X2) = f(b11X1 + b12X2 + b1, b21X1 + b22X2 + b2). O emprego de T−1 na definic¸a˜o acima se justifica em vista da seguinte 1.10. Proposic¸a˜o. Sejam f uma curva e T uma afinidade. Enta˜o o trac¸o de T•f e´ igual a` imagem do trac¸o de f por T . Demonstrac¸a˜o. Imediata. 2 1.11. Definic¸a˜o. Seja T uma afinidade e seja R o referencial associado. A equac¸a˜o de uma curva f em relac¸a˜o a um referencial R e´ (T•)−1f . A definic¸a˜o e´ natural porque, para cada P = (x, y) em K2, temos P ∈ f ⇐⇒ f(x, y) = 0 ⇐⇒ ((T•)−1f)(T−1(x, y)) = 0 ⇐⇒ ((T•)−1f)((P )R) = 0. 1.12. Definic¸a˜o. Dizemos que uma propriedade P relativa a curvas (ou a configurac¸o˜es planas, tais como conjuntos de pontos, retas, etc.) e´ invariante ou independente do referencial se, para toda afinidade T , uma curva f (ou configurac¸a˜o C) satisfaz P se e so´ se T•f (resp. T (C)) satisfaz P . Por exemplo, o grau de uma curva e´ uma propriedade invariante. A pro- priedade de treˆs retas serem concorrentes, bem como a de um ponto pertencer a uma curva, sa˜o invariantes. Ja´ o requerimento de que dois pontos no plano real sejam equidistantes de um terceiro na˜o e´ invariante; no entanto, exigir que um ponto seja colinear com, e equidistante de dois outros e´ invariante! (Leitor: verifique!). Nos pro´ximos cap´ıtulos estudaremos va´rias propriedades invariantes de curvas alge´bricas. Ressaltaremos o fato delas serem independentes do refe- rencial apenas quando a verificac¸a˜o a ser feita revelar-se um desafio instrutivo. 1.13. Exerc´ıcios 23. Ache as coordenadas do ponto (1, 2) no referencial {(1, 1), {(1, 2), (3, 5)}}. 16 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos 24. Prove que dois triaˆngulos quaisquer sa˜o congruentes por uma afinidade, i, e., se {P1, P2, P3} e {Q1, Q2, Q3} sa˜o conjuntos de treˆs pontos na˜o coli- neares existe uma afinidade T tal que TPi = Qi ∀i = 1, 2, 3. Verifique se 2 quadrila´teros sa˜o sempre congruentes por uma afinidade. 25. Se Li (resp. Mi) sa˜o treˆs retas distintas concorrentes, existe uma afinidade T tal que T•Li =Mi (i = 1, 2, 3)? 26. Representac¸a˜o matricial . Seja T uma afinidade. Sejam (a1, a2) = T (0, 0), (a11, a21) = T (1, 0)− T (0, 0), (a12, a22) = T (0, 1)− T (0, 0). Definimos MT = a11 a12 a1a21 a22 a2 0 0 1 . (a) Prove a fo´rmula [TP ] =MT [P ], ∀P ∈ K2 onde, se P = (x, y), pomos [P ] = ( x y 1 ) . (b) Prove que MTT ′ =MTMT ′ para todo par de afinidades T, T ′. (c) Mostre que a correspondeˆncia T 7→ MT e´ um isomorfismo do grupo das afinidades de K2 sobre o grupo dos isomorfismo lineares de K3 que deixam invariante o plano X3 = 1. 27. Coˆnicas afins. Lembremos que sa˜o definidas por um polinoˆmio do 2o grau, f(X1, X2) = a11X 2 1 + a22X 2 2 + a33 + 2a12X1X2 + 2a13X1 + 2a23X2, com ao menos um dos coeficientes dos termos de grau 2 na˜o nulo. Seja Sf = (aij), a matriz sime´trica formada pelos coeficientes de f . (a) Mostre que f(X1, X2) = (X1, X2, 1)S t f (X1, X2, 1) (produto de matrizes) onde t significa “transposta”. (b) Mostre que, para toda afinidade T , vale ST•f = t M−1T SfM −1 T , onde MT e´ a matriz definida no exerc´ıcio anterior. (c) Supondo K = R, mostre que, dada f , existe T tal que T•f = X21 + b22X 2 2 + b33 + 2b23X2. (Sugesta˜o: completar quadrados). 1.3 Mudanc¸a de coordenadas 17 (d) Ainda supondo K = R, mostre que f e´ congruente a exatamente uma das coˆnicas seguintes: X21 +X 2 2 − 1, X21 −X22 − 1, X21 −X2, X21 +X22 + 1, X21 +X 2 2 , X 2 1 −X22 , X21 + 1, X21 − 1, X21 . Nos quatro primeiros tipos, Sf tem posto 3; nos quatro seguintes, o posto e´ dois e no u´ltimo e´ um. (e) Supondo agora K = C, mostre que esses nove tipos de coˆnicas reduzem-se a apenas cinco: X21 +X 2 2 − 1, X21 −X2, X21 −X22 , X21 − 1, X21 . 28. Determine todas as afinidades que deixam invariante a cu´bica f = Y 2 −X(X − 1)(X − λ), onde λ e´ uma constante. Distinguir os casos (λ = 0, λ = 1, . . . ). 18 Definic¸o˜es Preliminares e Exemplos Cap´ıtulo 2 Intersec¸o˜es de Curvas Planas Vimos em alguns exemplos no cap´ıtulo I a importaˆncia atribu´ıda desde a Antiguidade ao estudo da intersec¸a˜o de duas curvas. Descartes e Newton chegaram a proclamar que o interesse principal das curvas alge´bricas seria fornecer soluc¸o˜es geome´tricas a equac¸o˜es alge´bricas por meio de intersec¸a˜o de curvas do menor grau poss´ıvel. Veja Dieudonne´, [10], p. 17. Apresentaremos neste cap´ıtulo alguns aspectos gerais do problema. Ini- cialmente, veremos que a intersec¸a˜o de duas curvas sem componentes em comum e´ finita. Descrevemos em seguida o processo da resultante para a de- terminac¸a˜o dos pontos de intersec¸a˜o. Finalizamos dando uma demonstrac¸a˜o de um caso particular do Nullstellensatz (teorema dos zeros) de Hilbert, o qual fornece uma condic¸a˜o para que um sistema de equac¸o˜es polinomiais admita soluc¸a˜o. 2.1 Finitude da intersec¸a˜o Comecemos destacando o argumento usado na demonstrac¸a˜o da proposic¸a˜o [1.4, p. 9]. 2.2. Lema. Sejam f, g ∈ K[X,Y ] polinoˆmios sem fatores irredut´ıveis em comum. Enta˜o existe uma relac¸a˜o af + bg = c(X), onde a, b ∈ K[X, Y ] enquanto c e´ um polinoˆmio apenas na varia´vel X, na˜o nulo. Resultado ana´logo vale trocando X por Y . 20 Intersec¸o˜es de Curvas Planas Demonstrac¸a˜o. Ponhamos A = K[X],L = K(X). Consideremos f, g como elementos de K[Y ]. Visto que f, g na˜o admitem fator comum em A[Y ], tambe´m na˜o o admitem em K[Y ] (leitor: por que?). Como K[Y ] e´ um domı´nio de ideais principais (veja a proposic¸a˜o [10.16, p. 139]), segue-se uma relac¸a˜o rf + sg = 1 em K[Y ]. Eliminando denominadores de r, s, obtemos a relac¸a˜o prometida. 2 Se f ∈ K[X] e´ um polinoˆmio na˜o constante, sabemos que a equac¸a˜o f(X) = 0 admite no ma´ximo um nu´mero finito de soluc¸o˜es. O pro´ximo resultado e´ uma versa˜o deste fato para polinoˆmios em duas varia´veis. 2.3. Proposic¸a˜o. O conjunto das soluc¸o˜es de um sistema de duas equac¸o˜es polinomiais a duas inco´gnitas sem fator irredut´ıvel em comum e´ finito. Reformulando em linguagem geome´trica, temos, equivalentemente: 2.4. Proposic¸a˜o. A intersec¸a˜o de duas curvas alge´bricas planas sem com- ponentes em comum e´ finita. Demonstrac¸a˜o. Apliquemos o lema 2.2 aos polinoˆmios f, g ∈ K[X, Y ] que na˜o admitem fator em comum. Obtemos relac¸o˜es af + bg = c(X), uf + vg = w(Y ), onde a, b, . . . , w sa˜o polinoˆmios, c(X), w(Y ) sa˜o na˜o nulos e envolvem so´ a varia´vel indicada. Dessas relac¸o˜es e´ evidente que toda soluc¸a˜o de f = g = 0 tem para abscissa uma raiz de c(X) e para ordenada uma raiz de w(Y ), todas em nu´mero finito. 2 2.5. Exemplo. Consideremos as intersec¸o˜es da hipe´rbole f : XY = 1 com retas ` : aX + bY = c. A figura seguinte ilustra as possibilidades; as retasX = 0 e Y = 0 na˜o cortam a hipe´rbole (exceto no infinito...). Em geral, ha´ duas intersec¸o˜es distintas, reais ou complexas (e.g. Y = −X corta f nos pontos (i,−i), (−i, i)). As retas 2.1 Finitude da intersec¸a˜o 21 tangentes teˆm apenas um ponto de intersec¸a˜o que, intuitivamente, deve ser contado duas vezes. figura 2.1 ..................................................................................................................... ........ ........ ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... .......... .............. ....... .......... ......... ............ ........ .............. ................... ................................................... .................................................................................................. - 6 . ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ . . ................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. . .................................... .................................... .................................... .................................... .................................... .................................... .................................... .................................... .................................... ....................... 2.6. Exerc´ıcios 29. Dados f = X2 − 2Y 2 + XY − 2X + 5Y, g = X2 + XY + Y − X − 2, encontre polinoˆmios a, b, c tais que af + bg = c(X) como no lema [2.2, p. 19]. 30. Seja f = a0Y m + a1Y m−1 + · · · , a0 6= 0, um polinoˆmio a coeficientes em um domı´nio A. Mostre que, para todo g ∈ A[Y ] existem um inteiro i ≥ 0 e polinoˆmios q, r ∈ A[Y ] tais que ai0g = qf + r, com r = 0 ou d ◦r < m. Suponha que A seja fatorial [10.23, p. 142] e f, g na˜o admitam fator comum na˜o constante. Deduza um algoritmo para construir uma relac¸a˜o af+bg = c, onde a, b ∈ A[Y ], c ∈ A, c 6= 0. Ale´m disso, a, b podem ser tomados de maneira que d◦a ≤ d◦g − 1, d◦b ≤ d◦f − 1. 31. Prove que nenhum dos dois ramos do trac¸o real da hipe´rbole XY = 1 e´, em separado, o trac¸o de uma curva alge´brica. Mesma questa˜o para a cu´bica Y 2 = X(X − 1)(X + 1). (Veja fig. 1.8, p. 11). 32. Sejam f, g ∈ K[X, Y ] polinoˆmios sem fator comum na˜o constante. Prove que K[X, Y ]/〈f, g〉 e´ um espac¸o vetorial de dimensa˜o finita. (Sugesta˜o: exis- tem r(X), s(Y ) na˜o nulos, no ideal 〈f, g〉. O quociente K[X, Y ]/〈r(X), s(Y )〉 tem dimensa˜o finita.) 22 Intersec¸o˜es de Curvas Planas 2.2 A resultante Como proceder para achar os pontos de intersec¸a˜o de duas curvas f, g? O me´todo geral mais simples e´ o de selecionar uma das varia´veis, digamos X, para figurar como parte dos coeficientes. Isto e´, consideramos f e g como polinoˆmios na varia´vel Y , a coeficientes no anel K[X]. Tentamos enta˜o encontrar os valores de x para os quais f(x, Y ) e g(x, Y ) admitem raiz comum. Geometricamente, queremos encontrar as projec¸o˜es, sobre o eixo dos x, dos pontos de f ∩ g. Este processo, t´ıpico da chamada teoria da eliminac¸a˜o, repousa sobre o estudo da resultante de dois polinoˆmios. 2.7. Definic¸a˜o. Seja A um anel (comutativo, e.g., A = K[X]), e sejam f = adY d + · · ·+ a0, (d ≥ 1) g = beY e + · · ·+ b0, (e ≥ 1) polinoˆmios a coeficientes em A. Definimos a resultante de f, g por R = Rf,g = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ ad ad−1 · · · a0 ad · · · a1 a0 · · · · · · · · · · · · ad · · · · · · a0 be be−1 · · · b0 · · · · · · · · · · · · be · · · · · · b0 ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ , determinante da matriz (d + e)× (d + e), com e linhas de a’s e d linhas de b’s. Subentende-se que os espac¸os em branco sa˜o preenchidos com zeros. Nesta definic¸a˜o, os polinoˆmios f, g sa˜o considerados formalmente de graus d, e, embora ad, be possam ser nulos. O contexto deixara´ claro o grau formal atribu´ıdo; quando na˜o expl´ıcito, convencionamos atribuir o grau efetivo, i.e., o maior grau em que Y ocorre efetivamente. No caso em que estamos mais interessados, os coeficientes ai, bj sa˜o tambe´m polinoˆmios em outras varia´veis X1, X2, . . . , Xn. Escreveremos enta˜o R(X1, X2, . . . , Xn) para enfatizar que R e´ um polinoˆmio nessas varia´veis. 2.8. Exemplo. Sejam f = Y 2 +X2 − 4, g = XY − 1. Temos R(X) = ∣∣∣∣∣∣ 1 0 X2 − 4 X −1 0 0 X −1 ∣∣∣∣∣∣ = X4 − 4X2 + 1 . 2.2 A resultante 23 Note que um processo “natural” para resolver o sistema{ X2 + Y 2 = 4 XY = 1 seria substituir Y = 1/X na primeira equac¸a˜o, resultando a equac¸a˜o X4 − 4X2 + 1 = 0. Ou seja, as intersec¸o˜es do c´ırculo com a hipe´rbole teˆm para abscissas as soluc¸o˜es dessa u´ltima equac¸a˜o resultante. A coincideˆncia na˜o e´ acidental. 2.9. Proposic¸a˜o. Sejam{ f = ad(X)Y d + · · ·+ a0(X), g = be(X)Y e + · · ·+ b0(X), onde ai, bj sa˜o polinoˆmios nas varia´veis X1, X2, . . . , a coeficientes no corpo K. Enta˜o, para cada x = (x1, x2, . . . ), temos Rf,g(x) = 0 ⇐⇒ ad(x) = be(x) = 0 ou f(x, Y ), g(x, Y ) admitem fator comum na˜o constante. Demonstrac¸a˜o. Para cada x ∈ K, a resultante de f(x, Y ) e g(x, Y ) e´ obviamente R(x) (veja o exerc´ıcio 39, p. 26). Por outro lado, f(x, Y ) e g(x, Y ) admitem uma raiz y em comum se e so´ se admitem um fator na˜o constante Y − y. Portanto, o teorema resultara´ do seguinte. 2.10. Lema. Sejam f =adY d + · · · + a0, g = beY e + · · · + b0 polinoˆmios a coeficientes em um domı´nio de fatorac¸a˜o u´nica (veja p. 142). Enta˜o Rf,g = 0 ⇐⇒ ad = be = 0 ou f, g admitem fator comum na˜o constante. Demonstrac¸a˜o. Digamos ad 6= 0. Enta˜o f, g admitem fator comum h na˜o constante se e so´ se existirem p, q ∈ A[Y ] na˜o ambos nulos, com d◦p ≤ d− 1 e d◦q ≤ e− 1 tais que qf = pg. (2.1) 24 Intersec¸o˜es de Curvas Planas Com efeito, se f = ph, g = qh, segue a relac¸a˜o (2.1). Reciprocamente, visto que A[Y ] tambe´m e´ fatorial, a relac¸a˜o (2.1) acarreta que algum fator irredut´ıvel de f ocorre em g, pois d◦f > d◦p. Escrevendo{ p = u0Y d−1 + · · ·+ ud−1, q = v0Y e−1 + · · ·+ ve−1, a equac¸a˜o (2.1) e´ equivalente ao sistema linear nas varia´veis ui, vj obtido comparando coeficientes, a saber, e−1∑ j=0 ad−i−jvj = d−1∑ h=0 be−i−huh, i = 0, . . . , d+ e− 1, onde convencionamos por am = bn = 0 se m,n < 0, ou m > d, n > e. Ora, este sistema admite soluc¸a˜o na˜o trivial se e so´ se e´ nulo o determinante da matriz dos coeficientes, o qual coincide com Rf,g, a menos de sinal. 2 Retornando ao problema da intersec¸a˜o de duas curvas f, g, observemos que Rf,g e´ identicamente nulo se e so´ se f, g admitem componentes em co- mum, caso em que f ∩ g na˜o e´ finita. Quando a intersec¸a˜o e´ finita, podemos estimar o nu´mero de pontos con- tando o nu´mero de suas abscissas, que e´ limitado pelo grau da resultante R(X). Este procedimento e´ muito grosseiro, pois podem ocorrer va´rios pon- tos de intersec¸a˜o com a mesma abscissa. 2.11. Exemplo. Sejam f = X2 + Y 2 − 2X, g = Y 2 −X. ........... .......... .......... .......... .......... .......... ................... ......................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................... ................... .......... .......... .......... .......... .......... ............... ............ ............... ............... ................. ...... ....... ....... ....... ........ ........ ........ ......... ......... ......... .......... .......... ................................................................ ...... ....... ....... ....... ........ ........ ........ ......... ......... ......... .......... .......... . .................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................. . ................................. ................................ . ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... . ................................ . .................... ............ ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... . ...... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... ....... O 1 • −1• 1• A resultante e´ R(X) = ∣∣∣∣∣∣∣∣ 1 0 X2 − 2X 1 0 X2 − 2X 1 0 −X 1 0 −X ∣∣∣∣∣∣∣∣ = X2(X − 1)2. figura 2.2 Nesse exemplo, o mero ca´lculo da resultante na˜o permite prever o nu´mero de intersec¸o˜es. A multiplicidade dois da raiz x = 0 pode ser interpretada, na 2.2 A resultante 25 figura, como causada pela tangeˆncia. Ja´ a raiz dupla x = 1 e´ devida ao fato de que ha´ dois pontos de intersec¸a˜o com a mesma abscissa. Se trocarmos X por Y , eliminando X, obtemos R(Y ) = ∣∣∣∣∣∣ 1 −2 Y 2 −1 Y 2 −1 Y 2 ∣∣∣∣∣∣ = Y 2(Y − 1)(Y + 1). Agora, os pontos de intersec¸a˜o aparecem fielmente refletidos nas ra´ızes da re- sultante. A multiplicidade dois da raiz y = 0 persiste, pois ela corresponde a um fenoˆmeno geome´trico, que diz respeito a` posic¸a˜o relativa das curvas f e g, e na˜o depende do particular sistema de coordenadas empregado. Voltaremos a esta discussa˜o no cap´ıtulo V. 2.12. Exerc´ıcios 33. Resolva os sistemas: a)X(Y 2 −X)2 = Y 5, X4 + Y 3 = X2. b)(X2 + Y 2)2 = X2 − Y 2, X2 + Y 2 = X − 4. 34. Calcule a resultante do par de polinoˆmios (a) f(X) = aX2 + bX + c, f ′(X) = 2aX + b. (b) f(x) = (X − a)(X − b)(X − c), g(X) = (X − d)(X − e),(a, b, . . . , e constantes). 35. Seja K um corpo e sejam f, g ∈ K[X]. Mostre que se L e´ uma extensa˜o de K tal que f, g admitem um fator comum em L[X], enta˜o o mesmo ocorre ja´ em K[X]. Idem para polinoˆmios a mais de uma varia´vel. 36. Seja K um corpo e sejam f, g, h ∈ K[X] polinoˆmios tais que f = g2h. Prove que f e sua derivada f ′ sa˜o divis´ıveis por g. Reciprocamente, se f e f ′ admitem um fator na˜o constante g, enta˜o g2 divide f . 37. Construa pares de coˆnicas fi, gi irredut´ıveis tais que fi ∩ gi consiste em i pontos distintos para i = 1, 2, 3, 4. Calcule as resultantes com relac¸a˜o a X e com relac¸a˜o a Y em cada caso. 38. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que a resultante dos polinoˆmios f = Y − a e g = bnY n + · · ·+ b0 ∈ A[Y ] e´ igual a (−1)ng(a). 26 Intersec¸o˜es de Curvas Planas 39. Seja ϕ : A → B um homomorfismo de ane´is e denotemos pelo mesmo s´ımbolo o homomorfismo induzido A[Y ] → B[Y ] definido por ϕ(ΣaiY i) = Σϕ(ai)Y i. Prove que ϕ(Rf,g) = Rϕ(f),ϕ(g) para todo f, g ∈ A[Y ], onde os graus formais atribuidos a ϕ(f) e ϕ(g) sa˜o os mesmos de f, g. 2.3 O grau da resultante E´ conveniente introduzir o conceito de direc¸a˜o assinto´tica de uma curva f . Intuitivamente, trata-se de uma direc¸a˜o limite de retas OP , onde P percorre f afastando-se indefinidamente de O. 2.13. Definic¸a˜o. Escreva f = f0 + f1 + · · ·+ fd, onde cada fi e´ homogeˆneo de grau i, e fd 6= 0. Cada componente aX + bY de fd e´ dita uma direc¸a˜o assinto´tica de f . (Veja o exerc´ıcio I.15(a), p. 12.) 2.14. Exemplos. (1) f = 1−XY tem as direc¸o˜es assinto´ticas X e Y . (2) f = Y 2 − X tem apenas a direc¸a˜o assinto´tica Y . Note que aqui a direc¸a˜o assinto´tica na˜o e´ uma ass´ıntota, no sentido da Geometria Anal´ıtica elementar (quando se fala em tangeˆncia no infinito; veja os exemplos 4.8, p. 52, em especial as figuras.). Calculando a resultante de cada uma dessas curvas com uma reta ` = Y − (aX + b), o leitor verificara´ que o grau de Rf,` e´ em geral 2, sendo menor somente se ` tem a mesma direc¸a˜o assinto´tica que f . 2.15. Proposic¸a˜o. O grau da resultante de duas curvas sem direc¸a˜o assin- to´tica em comum e´ igual ao produto dos graus. Em s´ımbolos, d◦Rf,g = (d◦f)(d◦g). A resultante aqui e´ tomada atribuindo-se a f, g seus graus efetivos com res- peito a` varia´vel Y . Demonstrac¸a˜o. Para cada polinoˆmio f = d∑ 0 fi, com fi homogeˆneo de grau i, fd 6= 0, ponhamos f ∗(X, Y, Z) = Zdf0 + Zd−1f1 + · · ·+ Zfd−1 + fd, 2.3 O grau da resultante 27 onde Z e´ uma nova varia´vel (independente de X, Y ) (veja a definic¸a˜o 4.4, p. 49). Observemos que f ∗ e´ um polinoˆmio homogeˆneo de grau d = d◦f , e evidentemente temos f ∗(X, Y, 1) = f(X, Y ). Reescrevamos f ∗, g∗ na forma f ∗ = A0Y d + · · ·+ Ad g∗ = B0Y e + · · ·+Beonde Ai, Bj ∈ K[X,Z] sa˜o homogeˆneos e d◦Ai = i, d◦Bj = j. Calculemos a resultante R(X,Z) = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣ A0 · · · · · · Ad· · · · · · · · · · · · A0 · · · · · · Ad B0 · · · · · · Be· · · · · · · · · · · · B0 · · · · · · Be ∣∣∣∣∣∣∣∣∣ . 2.16. Lema. O polinoˆmio R(X,Z) acima definido e´ homogeˆneo de grau d·e, se na˜o for identicamente nulo. Demonstrac¸a˜o. Em geral, um polinoˆmio na˜o nulo p(X1, . . . , Xn) a n vari- a´veis e´ homogeˆneo de grau m se e so´ se vale a identidade p(TX1, . . . , TXn) = T mp(X1, . . . , Xn) em K[X1, . . . , Xn, T ], onde T e´ uma nova varia´vel independente. Com efeito, sendo p homogeˆneo, e´ imediato que a relac¸a˜o vale. Reciprocamente, suponhamos va´lida a relac¸a˜o e escrevamos p = p0 + p1 + · · ·+ pr, onde o lado direito e´ soma de polinoˆmio homogeˆneos com d◦pi = i, pr 6= 0. Abreviando X = (X1, . . . , Xn), temos p(TX) = p0 + Tp1 + · · ·+ T rpr = Tmp donde, (pela definic¸a˜o de igualdade de polinoˆmios!), segue m = r e p = pm. Continuando a demonstrac¸a˜o do lema, mostremos agora que R(TX, TZ) = T deR(X,Z) em K[X,Z, T ]. Ora, R(TX, TZ) = ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ A0 TA1 · · · T dAd A0 · · · T d−1Ad−1 T dAd ... ... ... ... B0 TB1 · · · ... ... T eBe · · · ... ... ... ... ... ∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣ . 28 Intersec¸o˜es de Curvas Planas Multiplicamos a segunda linha por T , a terceira por T 2, . . . , a e−e´sima por T e−1, a segunda linha de B’s por T, . . . , a u´ltima por T d−1. Resulta que a 2a coluna fica divis´ıvel por T , a 3a por T 2, etc. Obtemos TNR(TX, TZ) = TMR(X,Z), onde N = (1+ · · ·+e−1)+(1+ · · ·+d−1), M = 1+2+ · · ·+d+e−1. Logo, M −N = (d+ e)(d+ e− 1) 2 − e(e− 1) 2 − d(d− 1) 2 = d · e. 2 Para completar a demonstrac¸a˜o da proposic¸a˜o 2.15 vamos compararR(X,Z) com R(X). Veja o exerc´ıcio [39, p. 26]. E´ evidente que R(X, 1) e´ a resultante de f, g considerados formalmente como polinoˆmios em Y de graus d, e. Agora observemos que os coeficientes A0, B0 de Y d e Y e em f ∗ e g∗ sa˜o constantes, sendo nulos se e so´ se Y d e Y e na˜o ocorrem em fd e ge respectivamente. Esta u´ltima condic¸a˜o e´ equivalente a` condic¸a˜o de X ser fator de fd. Como f, g na˜o teˆm direc¸o˜es assinto´ticas em comum, segue-se que, por exemplo, A0 6= 0. Seja j o menor ı´ndice tal que Bj 6= 0. Desenvolvendo o determinante que define R(X,Z) pelas j primeiras colunas, obtemos R(X, 1) = Aj0R(X). Visto que f, g na˜o teˆm direc¸a˜o assinto´tica em comum, em particular na˜o teˆm componente em comum. Logo R(X) 6= 0 e portanto R(X,Z) 6= 0. Assim, o grau de R(X,Z) e´ d · e. Segue-se que R(X, 1) tem grau d · e, a menos que R(X,Z) seja mu´ltiplo de Z. Mas neste u´ltimo caso, R(1, 0) = 0, acarretando f ∗(1, y, 0) = g∗(1, y, 0) para algum y, donde fd(1, y) = ge(1, y) = 0. Segue que f, g admitiriam ambos a direc¸a˜o assinto´tica yX − Y , proibido por hipo´tese. 2 2.17. Exerc´ıcios 40. Seja f = f0+f1+ · · ·+fd, onde cada fi ∈ K[X, Y ] e´ homogeˆneo de grau i e fd 6= 0. Prove que f(X, aX + b) tem grau exatamente igual a d se e so´ se a reta Y = aX + b tem direc¸a˜o assinto´tica distinta das de f . 2.4 O teorema dos zeros 29 41. Sejam f = a0X d + a1X d−1Y + · · ·+ adY d, g = b0X e + b1X e−1Y + · · ·+ beY e, polinoˆmios homogeˆneos 6= 0 a coeficientes em K. Mostre que f, g admitem uma direc¸a˜o assinto´tica comum se e so´ se a resultante de f(1, Y ) e g(1, Y ) e´ nula. 42. Prove que o grau da resultante de duas curvas sem componente comum e´ sempre menor do que ou igual ao produto dos graus, com igualdade somente na situac¸a˜o da proposic¸a˜o [2.15, p. 26]. 2.4 O teorema dos zeros Finalizamos este cap´ıtulo discutindo uma versa˜o particular do ce´lebre Null- stellensatz de Hilbert. Trata-se de elucidar em que condic¸o˜es um sistema de equac¸o˜es polinomiais admite soluc¸a˜o. Observemos inicialmente que, dado um sistema de equac¸o˜es, f1 = · · · = fN = 0, toda soluc¸a˜o e´ tambe´m soluc¸a˜o de qualquer equac¸a˜o do tipo g1f1 + · · ·+ gNfN = 0, onde os gi’s sa˜o polinoˆmios arbitra´rios. Denotemos por I o ideal gerado pelos f1, . . . , fN , ou seja, o conjunto de todos os polinoˆmios da forma Σgjfj. Dizemos que um ponto P e´ um zero do ideal I se f(P ) = 0 para todo f ∈ I. E´ evidente que o conjunto dos zeros de I coincide com o conjunto das soluc¸o˜es do sistema proposto. Por outro lado, se o polinoˆmio constante 1 pertence a I, e´ claro que I na˜o admite zero. O Nullstellensatz afirma que, reciprocamente, se I e´ um ideal pro´prio do anel dos polinoˆmios a coeficientes num corpo algebricamente fechado, enta˜o I admite um zero. Vamos nos ater ao caso de duas varia´veis. Lembremos que um ideal I ⊂ K[X, Y ] e´ pro´prio se e so´ se estiver contido em algum ideal maximal. Por exemplo, um ideal de K[X,Y ] da forma m = 〈X − x, Y − y〉, 30 Intersec¸o˜es de Curvas Planas i.e., gerado por X − x, Y − y, onde x, y sa˜o constantes, e´ maximal, pois e´ o nu´cleo do epimorfismo “substituir X = x, Y = y”, K[X,Y ] −→ K f(X, Y ) 7−→ f(x, y). (Veja o Apeˆndice, exerc´ıcio [165, p. 138]) Agora observemos que, se I estiver contido no ideal 〈X − x, Y − y〉 enta˜o P = (x, y) e´ um zero de I, e reciproca- mente. Este argumento mostra que o Nullstellensatz e´ consequ¨eˆncia imediata do seguinte resultado. 2.18. Proposic¸a˜o. Se K e´ um corpo algebricamente fechado, enta˜o todo ideal maximal m de K[X,Y ] e´ do tipo 〈X − x, Y − y〉 para algum ponto (x, y) ∈ K2. Observemos que e´ essencial aqui a hipo´tese de fechamento alge´brico. O ideal 〈X2 + 1, Y 〉 de R[X,Y ] e´ maximal e na˜o admite zero real. Demonstrac¸a˜o. Seja f ∈ m um polinoˆmio na˜o constante. (Leitor: justi- fique a existeˆncia de f). Podemos supor f irredut´ıvel porque “maximal ⇒ primo”. SendoK algebricamente fechado, na˜o ha´ dificuldade em se garantir a existeˆncia de um zero de f ; digamos f(x0, y0) = 0. Se m = 〈X − x0, Y − y0〉, ponto final. Se na˜o, existe g ∈ m tal que g(x0, y0) 6= 0. Em particular, f na˜o divide g. Aplicando o lema [2.2, p. 19] obtemos uma relac¸a˜o af+bg = c, onde c e´ um polinoˆmio na˜o constante de uma so´ varia´vel, seja X ou Y , a` nossa escolha. Visto que c ∈ m, conclu´ımos que m conte´m elementos da forma X − x, Y − y. (Este e´ outro ponto em que a hipo´tese sobre K e´ impres- cind´ıvel). Tendo em conta que 〈X − x, Y − y〉 e´ maximal, conclu´ımos que 〈X − x, Y − y〉 = m. 2 2.19. Exerc´ıcios 43. Seja f uma curva e sejaA = K[X, Y ]/(f). Mostre que os ideais maximais de A esta˜o em correspondeˆncia bijetiva natural com os pontos (x, y) tais que f(x, y) = 0, i.e., com os pontos do trac¸o de f . 44. Seja S um subconjunto de K2. Mostre que S e´ o conjunto das soluc¸o˜es de um sistema de equac¸o˜es polinomiais f1(X, Y ) = f2(X, Y ) = 0 se e somente se S = K2 ou S = φ ou S = unia˜o de um nu´mero finito de curvas irredut´ıveis e de um conjunto finito de pontos. 2.4 O teorema dos zeros 31 45. Verifique se a demonstrac¸a˜o da proposic¸a˜o 2.18 se aplica para concluir um resultado ana´logo em mais de duas varia´veis. 46. Mostree que os ideais maximais de R[X, Y ] sa˜o da forma 〈f, g〉 com d◦f = 1 e d◦g ≤ 2. 32 Intersec¸o˜es de Curvas Planas Cap´ıtulo 3 Multiplicidades A noc¸a˜o de multiplicidade e´ central na teoria de curvas alge´bricas. Histori- camente, descende do simples fato de que todo polinoˆmio de grau n em uma varia´vel admite exatamente n ra´ızes, contadas com as devidas multiplici- dades. Isto significa, intuitivamente, atribuir um peso que indica quantas ra´ızes coincidem com um mesmo valor. As sucessivas extenso˜es do conceito de multiplicidade marcaram avanc¸os importantes na a´lgebra e na geometria (veja o cla´ssico de Serre, [30]). Nosso objetivo e´ dar um sentido preciso a` ide´ia de uma curva passar um certo nu´mero de vezes por um mesmo ponto. A multiplicidade ou ı´ndice de intersec¸a˜o, que avalia a ordem de contato ou tangeˆnciaentre duas curvas, merece tratamento rigoroso e sera´ o principal to´pico tratado neste cap´ıtulo. 3.1 Intersec¸a˜o de uma curva com uma reta Seja f uma curva, e seja ` uma reta de equac¸a˜o Y = aX + b. Os pontos de f ∩ ` podem ser obtidos eliminando Y e resolvendo a equac¸a˜o f`(X) := f(X, aX + b) = 0. Eis as possibilidades: (1) f`(X) e´ identicamente nulo, caso em que ` e´ uma componente de f ; (2) f`(X) e´ uma constante 6= 0, quando f ∩ ` = φ. (3) f`(X) e´ um polinoˆmio na˜o constante, decompondo-se na forma f`(X) = c r∏ i=1 (X − xi)mi , 34 Multiplicidades onde c e´ uma constante e os xi sa˜o as abscissas (duas a duas distintas) dos pontos de intersec¸a˜o. Procede-se de maneira evidente quando ` e´ da forma X = cY + d. 3.1. Lema. Os inteiros mi independem do referencial afim. Demonstrac¸a˜o. O processo de substituir Y = aX + b em um polinoˆmio g(X, Y ) define um epimorfismo K[X, Y ] −→ K[X] g 7−→ g(X, aX + b), cujo nu´cleo e´ o ideal 〈`〉 gerado por ` = Y − (aX + b). Logo, obtemos um isomorfismo K[X, Y ]/〈`〉 ∼−→ K[X] tal que a classe f de f mo´dulo 〈`〉 corresponde a f`. Visto queK[X] e´ fatorial, a` decomposic¸a˜o ∏ (X − xi)mi de f` corresponde uma (u´nica!) decomposic¸a˜o de f em fatores irredut´ıveis, com o mesmo nu´mero r de fatores irredut´ıveis distintos, o i-e´simo repetido mi vezes. Agora, se T e´ uma afinidade, T induz um isomorfismo (1.9) K[X, Y ]/〈`〉 ∼→ K[X, Y ]/〈T•`〉 tal que f + 〈`〉 e T•f + 〈T•`〉 se correspondem, juntamente com as decom- posic¸o˜es em fatores irredut´ıveis. 2 3.2. Definic¸a˜o. A multiplicidade ou ı´ndice de intersec¸a˜o de `, f no ponto P e´ dada por (`, f)P = 0 se P 6∈ ` ∩ f ∞ se P ∈ ` ⊂ f mi se P = (xi, axi + b) como no caso (3) acima. Se ` 6⊂ f , chamamos o inteiro m∞ := d◦f − r∑ i=1 mi de multiplicidade de intersec¸a˜o de `, f no ponto impro´prio ou ponto de ` no infinito. 3.1 Intersec¸a˜o de uma curva com uma reta 35 Deixamos a cargo do leitor a verificac¸a˜o de que m∞ e´ positivo se e so´ se a direc¸a˜o de ` e´ uma direc¸a˜o assinto´tica de f . O significado intuitivo dessas multiplicidades e´ que, arbitrariamente pro´- ximo a` curva f , existem curvas do mesmo grau que cortam ` em d◦f pon- tos distintos, mi dos quais esta˜o pro´ximos a (xi, axi + b), os m∞ restantes distanciando-se para ∞ sobre `. 3.3. Exemplos. (1) Sejam f = Y −X2, ` = Y − (aX + b). Se a2+4b 6= 0, temos dois pontos de intersec¸a˜o distintos. Se a2 + 4b = 0, temos um so´, com multiplicidade 2. - 6. ................ ... ............... .. ................ .............. ............. ........... ........... .......... .......... ......... ......... ......... ......... .......... .......... ........... ........... ............. .............. ................ ................. ................... . ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... . .............................................................................................................................................................................................................................................................. O figura 3.1 (2) Sejam f = Y −X3, ` = aX + bY + c. Se b 6= 0 = a = c, temos uma intersec¸a˜o na origem, com multiplicidade 3. Se a 6= 0 = b, temos uma intersec¸a˜o a distaˆncia finita, com multiplicidade 1, e outra no infinito, com multiplicidade 2. Se b 6= 0, podemos ter 1, dois ou treˆs pontos de intersec¸a˜o, todos a distaˆncia finita. - 6 ............................................... ................ ............. ................. ............... ..... ........... ............ ......................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................................................... . .................................................................................................................................................................................................... figura 3.2 (3) Sejam f = Y 2 −X2(X + 1), `a = Y − aX. 36 Multiplicidades A origem O absorve pelo menos duas intersec¸o˜es. Se a = ±1, a multiplicidade de intersec¸a˜o (`, f)O = 3. . ......................... ....................... ..................... ................... .................. .................. ............... ............... ............... ........................ ......................................................................................................................................................................................... .......... ......... ....... ....... ....... ........ ........ ....... ......... ......... .......... ............ ............ ............ ............... ............... ............... .................. .................. ................... ..................... ....................... ......................... - 6. ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ... . ............................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... `−1 `+1 O figura 3.3 3.2 Pontos mu´ltiplos Apresentamos nesta sec¸a˜o a noc¸a˜o de multiplicidade de um ponto sobre uma curva. 3.4. Proposic¸a˜o. Seja f uma curva e seja P um ponto de f . Existe um inteiro m = mP (f) ≥ 1, tal que, para toda reta ` passando por P , temos (`, f)P ≥ m, ocorrendo a desigualdade estrita para no ma´ximo m retas e no mı´nimo uma. Demonstrac¸a˜o. Suporemos, sem perda de generalidade, P = O. Escreva- mos f = fm + · · ·+ fd, com fi homogeˆneo de grau i para m ≤ i ≤ d, e fm 6= 0. Lembrando que P ∈ f , temos m ≥ 1. Mudando coordenadas se necessa´rio, podemos supor que X 6 | fm. O leitor verificara´ facilmente que f(0, Y ) = Y m(fm(0, 1) + · · ·+ fd(0, 1)Y d−m) e fm(0, 1) 6= 0. Da´ı segue que (X, f)O = m. Para as demais retas passando por O, ponhamos `t = Y − tX. Temos enta˜o, f(X, tX) = Xm(fm(1, t) + fm+1(1, t)X + · · ·+ fd(1, t)Xd−m). Deduzimos que (`t, f)O ≥ m, 3.2 Pontos mu´ltiplos 37 ocorrendo igualdade se e so´ se fm(1, t) 6= 0. Como X 6 | fm, segue-se que fm(1, t) e´ um polinoˆmio em t de grau m (≥ 1) e que portanto se anula para ao menos um e no ma´ximo m valores de t distintos. 2 3.5. Definic¸a˜o. O inteiro m = mP (f) descrito na proposic¸a˜o acima e´ a multiplicidade do ponto P na curva f ou multiplicidade de f em P . Se P 6∈ f , convencionamos mP (f) = 0. Se P = (x, y)
Compartilhar