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CASOS CLINICOS EM PSIQUIATRIA

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UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de
Psiquiatria e Neurologia da Faculdade de
Medicina - UFMG e da Residência de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas - UFMG
Editor Geral
Maurício Viotti Daker
Diretor Executivo
Geraldo Brasileiro Filho
Comissão Editorial
Alfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • Betty
Liseta de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • Carol
Sonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • Cleto
Brasileiro Pontes • Erikson Felipe Furtado • Irismar Reis
de Oliveira • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio
de Queiroz • Eduardo Iacoponi • Fábio Lopes Rocha •
Flávio Kapczinski • Francisco Baptista Assumpção Jr. •
Francisco Lotufo Neto • Hélio Durães de Alkmin • Helio
Elkis • Henrique Schützer Del Nero • Jarbas Moacir
Portela • Jerson Laks • John Christian Gillin • Jorge
Paprocki • José Alberto Del Porto • José Raimundo da
Silva Lippi • Luis Guilherme Streb • Michael Schmidt-
Degenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria Elizabeth
Uchôa Demichelli • Mário Rodrigues Louzã Neto •
Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Osvaldo Pereira
de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • Paulo
Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidt
do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo
Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões
Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio
de Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes •
Tatiana Tcherbakowsky Nunes de Mourão
Editora
Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed)
Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção
Folium Comunicação Ltda
Periodicidade: semestral
Tiragem: 5.000 exemplares
Assinatura e Publicidade
Coopmed 0800 315936
Correspondência e artigos
Coopmed
Casos Clínicos em Psiquiatria
Av. Alfredo Balena, 190
30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil
Fone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955
E-mail: ccp@medicina.ufmg.br
Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp
Capa:
Montagem de auto-retrato de Vincent van Gogh com
retrato de seu psiquatra Dr. Gachet.
Casos Clínicos 
em Psiquiatria Sumário
Editorial..................................................................................................1
Auto-relato
Quinze delírios ..........................................................................................2
Artigos Originais
Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y
terapéuticas................................................................................................10
Pilar Sierra San Miguel, Lorenzo Livianos Aldana, Luis Rojo Moreno
Discinesia tardia com predomínio de distonia ........................................13
Guilherme Assumpção Dias
Ataxia prolongada associada à intoxicação por lítio ...............................18
Yara Azevedo, Cíntia de Azevedo Marques, Eduardo Iacoponi
Cortical atrophy during treatment with lithium in therapeutic levels,
perphenazine, and paroxetine: case report and literature review...........21
Luiz Renato Gazzola
Caso Literário
Sales ...........................................................................................................29
Machado de Assis
Patografia
Patografia de Vincent van Gogh ..............................................................32
Andrés Heerlein
Caso Histórico
Freud e o uso de cocaína: história e verdade...........................................42
José Antônio Zago
Descrição Clássica/Homenagem
Heinroth e a melancolia: descrição, ordenação e conceito .....................48
Michael Schmidt-Degenhard
Seguimento...........................................................................................53
Index CCP ............................................................................................54
Normas de Publicação ................................................................55
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):1-55
Publicar uma revista de Casos Clínicos em Psiquiatria é uma
iniciativa inspirada. Achamos que devemos nos empenhar para seu
êxito. O estudo do caso constituiu sempre a base, o ponto de partida e
o campo de desenvolvimento da atividade médica: conhecimento dos
fatos, formulação da nosologia, elaboração das teorias, etiologias, desen-
volvimento dos tratamentos, ensino profissional. Na Introdução à
Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin explica sua intenção: oferece
sob forma de aulas escritas as apresentações de casos clínicos realizados
com seus alunos. O caso observado, descrito, sendo selecionados os
aspectos significativos para conceber um quadro clínico, um diagnósti-
co. É na medida em que analisa os casos que Kraepelin formula e clas-
sifica as doenças. Podemos seguir, com a leitura destas aulas, o nasci-
mento das entidades psiquiátricas, conforme Kraepelin.
Para identificar as alterações, lançar hipóteses etiológicas, tentati-
vas de entender, explicar, a apresentação do caso clínico é procedimen-
to clássico e, devido a sua importância, publicar em livros e revistas os
casos também era procedimento clássico. Indagações, pesquisas de labo-
ratório, hipóteses foram sugeridas e debatidas em torno do caso clínico.
Sem falar do seu uso para exemplificar, classificar, argumentar a favor
de teorias, de propostas terapêuticas. Nomes de certos casos tornaram-
se emblemáticos: Ellen West, Suzan Urban. O caso Elliot (retomado
por Damasio em 1994, para ilustrar suas teses) aparece em vários estu-
dos neurológicos, neurocirúrgicos. O ensino da medicina interna usou
muitas vezes a publicação de casos em revistas e mesmo em tratados de
muitos tomos.
Como exemplo, argumento, o caso clínico continua instrumento
precioso. Muitas revistas lhe dedicam seções especiais. Na psiquiatria o
espaço que lhe é dedicado é evidentemente pequeno. Não se trata aqui
de uma "pesquisa", mas examinando alguns números de revistas psi-
quiátricas recentes, é óbvio: nos cinco primeiros números do ano 2000,
o British Journal of Psychiatry não inclui nenhum artigo dedicado
a "caso clínico". Nem o número de abril de 2000 dos Archives of
General Psychiatry. O American Journal of Psychiatry, em cada
um dos números 7 e 8 deste ano, inclui um artigo de "clinical case
conference", um relacionado com terapia cognitivo-comportamental,
outro observando características de duas irmãs gêmeas.
A valiosa revista Arquivos de Neuropsiquiatria (SP) dedica às
apresentações de caso uma seção de proporções pouco comuns: no núme-
ro de junho de 2000, 60 do total de 200 páginas, e no número de setem-
bro 70 entre o total de 200 páginas. Trata-se de casos neurológicos.
Nas revistas psiquiátricas predominam (ou são exclusivos) artigos
dedicados à epidemiologia e pesquisas básicas, com amplo uso de esta-
tísticas, quantificação. Não podemos afirmar que isto represente o inte-
resse dos estudiosos, mas é claro que as revistas exigem tal orientação,
e para os autores publicar se tornou quase uma questão de sobrevivên-
cia na carreira.
A quantificação, considerada critério de cientificidade, parece
pouco aplicável no "caso particular", embora o "caso único" seja reco-
mendado como abordagem alternativa (Hersen M, p. 73-105) entre os
métodos de Pesquisa em Psiquiatria (LKG Hsu, Research in
Psychiatry, New York: Plenum Medical Book Company, 1992).
Os módulos, o isolamento de elementos mínimos, (moléculas, neu-
rotransmissores, receptores) são parte importante das pesquisas atuais.
Claro que a apresentação do caso leva a um nível complexo de estudo,
pouco compatível com a abstratização estatística que os elementos ou as
funções isoladas constituem. O relacionamento com os outros, as con-
dutas da pessoa, objetos da psiquiatria, não podem ser limitadas a regis-
tros quantitativos. Para pesquisá-los precisamos de conceitos e métodos
que não são os praticados na maioria dos estudos publicados.
Não consideramos que uma revista de casos clínicos pretenda cor-
rigir as omissões de outras publicações. Mas com certeza, ela nos evoca
a "complementaridade",da qual as ciências humanas e as da natureza
tanto falam.
Carol Sonenreich
Diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Servidor
Público Estadual - São Paulo
Publishing a magazine for Clinical Cases in Pschiatry is an
inspired enterprise. We think that we should strive for its success. The
case study is the basis, starting point and the development field of med-
ical work: knowledge of facts, formulation of nosology, theory elabora-
tion, etiology, treatment development and technical teaching. In his
Introdução à Psiquiatria Clínica (1990) Kraepelin tells us his
intention: offer the presentation of clinical cases carried on with his
students as written lessons. The cases are observed, described and the
main aspects are selected to form a clinical nosological picture, a diag-
nosis. While Kraepelin analyzes the cases, he formulates and classifies
the diseases. The reading of those lessons has allowed us to follow the
birth of psychiatric entities as Kraepelin.
It’s a classical procedure the understanding trials and explana-
tions of clinical cases, to identify their alterations and to start etiolog-
ical hypothesis. Due to its importance, publishing books and maga-
zines with cases was also a classical procedure. Questions, laboratori-
al researches, hypothesis were suggested and argued based upon clini-
cal cases, besides its uses to exemplify, classify and argument in favor
of theory and of therapeutical proposals. The names of some cases
become emblematic: Ellen West, Susan Urban. The Elliot’s case (as
described by Damasio in 1994 to enrich his thesis) appears in many
neurological and neurosurgery studies. The internal medicine took
advantage of published cases in magazines and even in tome books
many times.
As an exemplification, as an argument the clinical case is still a
precious instrument. Many magazines have special section dedicated
to them. In psychiatry the space dedicated to them is evidently small.
This is not a "research" but if we observe few recent editions of psy-
chiatric magazines, we will find that in the year 2000 the first five edi-
tions of British Journal of Psychiatry have no clinical case. It hap-
pens even in the April 2000 edition of Archives of General
Psychiatry. The 7th and 8th editions of the American Journal of 
Psychiatry of this year include one clinical case conference related
with cognitive behavioral therapy and another showing the characte-
ristics of twin sisters.
The very important magazine Arquivos de Neuropsiquiatria
(SP) dedicates an unusual large section to the presentation of cases: in
the June edition, 60 out of a total of 200 pages, and in the September
edition, 70 out of a total of 200 pages. They are neurological cases.
In psychiatric magazines, articles about epidemiology and basic
research predominate (or are exclusive), creating a wide use of statisti-
cal and quantifications methods. We cannot affirm that this represents
the interest of the scholars but it is clear that magazines have such ori-
entation, and for the authors, publishing is almost a survival problem
in their career.
The quantification as a scientific standard is not applicable in the
"particular case” although the "single case" is recommended as alter-
native approach among methods from research in Psychiatry (LKG
Hsu, Research in Psychiatry, New York, Plenum Medical Book
Company, 1992)
The modules, the isolation of minimum elements (molecules, neu-
rotransmitters, receptors) are important part of nowadays research. It
is known that the explanation of the case leads to a complex level of
study that is not compatible with the abstractive statistical data
formed by elements or the single functions. The relationship, the
behavior of people, subject of psychiatry cannot be limited as quantita-
tive records. To research them, we need to have concepts and methods
that are not used in the majority of the published studies.
We do not assume that a magazine for clinical cases will fulfill all
the omissions of other publications. But certainly we can call the idea
of "complementary", which is now widely spread by social and natu-
ral sciences.
Carol Sonenreich
Director of the Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do
Servidor Público Estadual - São Paulo
Editorial
Luiz Ferri Barros
Na verdade não sou um bom contador de delírios. Isto por-
que segue-se às minhas crises maníacas uma amnésia a respeito
das crises que vivi.
Apenas com muita concentração e muito esforço de memó-
ria, fui capaz de reunir aqui lampejos de lembranças para relatar
alguns momentos esparsos das grandes fantasias delirantes e alu-
cinatórias que já vivi.
Antes de relatá-los, no entanto, acho importante dizer como
o delírio se estabelece. Ele não chega sem avisos.
As crises são precedidas por uma grande inquietação. Ocorre
intensa agitação motora e insônia durante dois ou três dias. Não
sei onde ficar, nenhuma posição me acomoda.
Depois, vem aos poucos de início e em seguida velozmente,
tomando conta de tudo, uma incontrolável euforia. A euforia é
uma sensação de bem estar, de poder, de plenitude. De força
perante o mundo. A euforia faz com que no meio de toda a des-
graça e sofrimento que é a loucura, ainda assim o mundo se apre-
sente com inigualável grandiosidade e beleza.
Com a euforia, o pensamento dispara e fica fora de controle.
É quando se perde o nexo e idéias disparatadas começam a nos
ocorrer. Mantém-se concentração absoluta num assunto ou dis-
persão total de pensamentos com a mente correndo solta entre os
mais variados contextos. Ocorre o que Schreber muito bem defi-
niu como “coação a pensar”. “A essência da coação a pensar con-
siste no fato de que o homem é forçado a pensar ininterruptamen-
te” e em grande velocidade.
Daí o pensamento começa cada vez mais a afastar-se da rea-
lidade, criando uma nova realidade delirante em que se acredita
firmemente. Às vezes, esta realidade delirante não nos atinge por
completo, justapondo-se à realidade de fato. Então, algumas coi-
sas são interpretadas pela parte sadia de nosso cérebro, outras
pela parte que está em delírio. Às vezes o delírio nos domina por
completo. É quando perdemos a noção de nossos atos.
Quando se entra em delírio, encasquetando-se que uma
determinada coisa irreal está acontecendo, não é possível com-
preender que os outros não percebam a mesma realidade. O
mesmo ocorre quando se alucina, ouvindo vozes ou enxergando-
se coisas inexistentes.
- 1 -
De repente, uma manhã, achei que iria ser preso imediata-
mente. Mas eu não achava que era só a polícia que estava atrás de
mim e nem que eu seria apenas preso.
Delirei que o próprio governador do Estado estava me per-
seguindo por minhas idéias políticas e que eu seria metralhado,
minha família também seria morta a tiros e minha casa seria des-
truída por bombas.
Então, alucinado, telefonei para o amigo com quem eu havia
comprado maconha em sociedade e disse para ele:
_ “O governador está atrás de mim. Eu vou embora daqui para
ele não matar minha família.”
Meu amigo falou-me para eu ficar em casa porque ele ia me
levar um médico. Eu disse que não, de jeito nenhum, porque
todos seríamos mortos. Desliguei o telefone, corri até a cômoda
onde guardava a maconha, peguei o pacote, joguei na privada e
dei descarga.
Depois saí correndo, descendo a escada na embalada, fugin-
do de casa. Mônica tentou me segurar, eu não deixei. Eu acha-
va que se saísse sozinho eu seria metralhado na rua e desta forma
pouparia Mônica e as crianças.
Mônica tentou segurar-me de todo o jeito e quando saí cor-
rendo pelo quintal e fui para a rua, ela saiu atrás de mim. Eu gri-
tava:
_ “Vai pra dentro. Fique em casa.”
E ela:
_ “O que foi? O que está acontecendo?”
_ “Fique em casa. Vai para dentro.”
Para mim era uma questão de vida ou morte. Se ela viesse
atrás de mim, seria metralhada também.Isto não podia acontecer.
Ela não podia morrer. O problema era apenas meu. Então eu gri-
tei de novo pra ela, na frente dos vizinhos que já tinham saído à
rua, para saber o que estava acontecendo:
_ “Não venha atrás de mim. Eu não gosto de você. Deixe-me
em paz. Eu tenho outra mulher. Eu tenho outra mulher, você
não entende?”
Ela chocou-se e se paralisou. Imediatamente uma vizinha
abraçou-a e ela acabou ficando parada, estupefata.
Eu corri dez, quinze quarteirões, ou mais. Quando minha
força acabou, fiquei andando ao léu, sem saber mais onde estava.
Daí Mônica chegou de carro com meu cunhado, desesperada, e
eles me puseram dentro do carro. Eu gritava alucinado:
_ “Deixem-me descer. Eu vou me matar. Eu quero morrer sozi-
nho. Eles vão me pegar. Você não pode morrer comigo
Mônica, você precisa cuidar das crianças.”
Mônica tinha chamado meu pai e ao chegarmos em casa ele
já estava me esperando para levar-me ao médico da família -
Auto-relato
QUINZE DELÍRIOS
FIFTEEN DELUSIONS
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 2
Mestre e doutorando em Filosofia da Educação pela USP
Presidente do Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde
Mental
Extrato do livro Anjo Carteiro - A Correspondência da Psicose. Editora Imago,
Rio de Janeiro, 1996, ps.297/324 (edição esgotada; no prelo segunda edição pelo
Projeto Fênix - Associação Nacional Pró-Saúde Mental; reproduzido com autori-
zação do autor)
Endereço para correspondência:
Projeto Fênix
Travessa Dornelas França, 59 - Pompéia
05023-000 - São Paulo- SP
0800 10 9636
E-mail: lfbarros@fenix.org.br
Quinze delírios
naquele tempo eu não tinha psiquiatra. Levei dez dias para sair
do delírio.
Naquele tempo eu e Mônica nos amávamos muito e ela, logo
depois do choque, percebeu rápido que eu apenas dissera “Eu
tenho outra mulher” para impedir que ela me seguisse. Então,
desvencilhando-se da vizinha, tomou providências para me acu-
dir. Com o passar do tempo o nosso amor sucumbiu às asperezas
da vida, até mesmo por causa das constantes situações de xeque-
mate em que eu a colocava nos meus delírios e depressões. Um
dia, muitos anos depois, ela chegou-se a mim e perguntou:
_ “Luiz, daquela vez que você saiu correndo de casa, lembra-se,
era mesmo verdade que você tinha outra mulher?”
Não era verdade e ela sempre soube disto, mas ao relatar o
caso à sua mãe, esta a manteve em eterna dúvida.
- 2 -
Na praia, tive um delírio místico, religioso, em que eu me jul-
gava um profeta. Eu estava em estado de beatitude e julgava que
todas as coisas aconteciam porque eu as fazia acontecer.
Se uma folha de árvore caísse ao vento era porque eu estava
olhando para ela e ordenando-lhe que caísse. Se uma pessoa
andasse era porque eu queria que andasse e assim por diante...
Logo depois entrei a estrebuchar. Pensei ter tido uma convul-
são. Muitos anos depois, meu irmão médico, que estava comigo
na ocasião, disse que na verdade tive uma crise histérica. Eu bal-
buciava sons ininteligíveis e para mim, dentro de mim, eu estava
falando com Deus em uma linguagem arcaica. Durante muito
tempo eu julguei ter tido um contato com Deus, até que o tempo
passou e essa impressão se dissipou.
Acredito, no entanto, que muitas das experiências místicas,
sobrenaturais, possam ser fruto de delírios e alucinações doentias.
Assim como acredito que as religiões todas nada mais são do que
uma resposta que o homem criou para sua maior dor psicológica:
a solidão perante o destino e o universo.
- 3 -
Houve uma ocasião em que passei dias brigando com um
computador inexistente. Eu me alimentava muito mal. O compu-
tador se comunicava comigo em linguagem binária e eu assim res-
pondia a ele dentro de meu cérebro. A uma determinada altura,
a briga se tornou uma livre associação de palavras. As palavras me
ocorriam em duplas, uma seguindo-se à outra em uma velocida-
de impressionante. Eu estava em Barra do Una e um dia meu
irmão médico levou-me até o outro irmão, psicólogo, em Guaecá.
Eu me alimentava muito mal. Não sei como foi, comecei o jogo
de livre associação de palavras com meu irmão psicólogo. Eu
dizia uma palavra, ele dizia outra. Para mim, cada palavra devia
vencer a anterior, ser mais forte, dominá-la. E assim ficamos
longo tempo. A uma determinada altura cheguei à palavra “leite”
e ele, sem me propor outra palavra, fixou-se na palavra “leite”.
Eu propunha outras palavras e ele repetia: “leite”. Acabei tam-
bém por me fixar na palavra leite e dizia: “leite, leite, leite.” Ele
me dizia: “Isto, Luiz: leite.” Levantei-me da praia e, com ele ao
meu lado, fui até dentro de casa na cozinha, onde encontrei leite.
Bebi mais de um litro de leite enquanto meu irmão dizia: “Isto,
Luiz: leite, leite, leite.” (Ele havia encontrado uma forma de me
alimentar).
- 4 -
Em meu trabalho eu usava uma calculadora HP 38C, consi-
derada na época a melhor calculadora financeira existente e às
vezes eu costumava carregá-la na cintura.
Um dia cismei que minha calculadora era capaz de fazer
tudo. Não ela sozinha, naturalmente. Julguei que ela estivesse
acoplada por radiotransmissão a uma central de computação
mundial, de espionagem estatal. Ela era um elo do Grande Irmão
de Orwell em 1984.
Primeiro falei com minha chefe, no alto escalão de uma
Secretaria de Estado:
_ “Sabe, eu tenho participado de reuniões sigilosas e se alguma
informação importante vazar, a culpa não é minha, é de
minha calculadora.”
Ela era psicóloga, por coincidência, e logo percebeu que eu
estava delirando. Telefonou para minha mulher e ela veio me bus-
car no escritório, tendo já marcado hora no meu psiquiatra. Eu
fui com ela ao médico e chegando lá, mostrei-lhe a calculadora.
Que ele cuidasse dela porque ela é que era perigosa, estava desa-
justada; não eu.
Depois saímos do médico e enquanto Mônica dirigia, na
Avenida Paulista, eu encaixei a calculadora no lugar do cinzeiro
do carro e lhe disse:
_ “Pode largar do volante, de tudo isto de controle mecânico do
carro que é obsoleto e desnecessário. Já programei a calcu-
ladora e em conexão com as centrais eletrônicas ela vai levar
nosso carro até em casa.”
- 5 -
Um delírio que me perseguia sempre, em várias crises subse-
qüentes, era o delírio da espionagem eletrônica. Para mim todos
os aparelhos eletrônicos, em especial os rádios e as televisões,
estavam conectados entre si mandando informações para uma
central nacional, às vezes mundial, de computação. Lá eu era
observado pelos senhores do mundo, como se eu fosse espionado
pelo Grande Irmão de Orwell. Quando eu estava na rua, ou às
vezes à janela de minha casa, onde não havia aparelhos eletrôni-
cos, eu estava sendo filmado a grandes altitudes por aviões ou
satélites espiões que eu não via, mas tinha certeza que estavam lá.
Nas televisões eu sempre via um botão qualquer ou uma luz
que me filmavam. Então, a central de televisão podia me ver e
escutar, da mesma forma que eu via e escutava o programa que
estavam passando.
Assim, durante dias, eu falava com o rádio ou a televisão,
conversando ou com a emissora ou com os participantes do pro-
grama.
Já fiquei conversando, por este método delirante, com as
grandes estrelas nacionais e internacionais de TV e também com
Tatcher, Bush, Gorbatchov...
3 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9
Naqueles momentos, então, que o entrevistado, ou o ator,
olha para a câmera e fala para os telespectadores, ah, eles estavam
falando diretamente para mim... Eles me olhavam no olho. Então,
eu também olhava no olho deles e respondia.
De noite, em meu quarto, eu achava que havia câmaras de fil-
magem escondidas, filmando o meu sexo com Mônica.
- 6 -
De tarde, na praia, apareceu-me um relógio em visão. A visão
me acompanhou o tempo todo. Não importa o que eu fizesse,
para onde olhasse, o relógio _ sempre com a hora certa _ apare-
cia no fundo.
Então, à noite, no apartamento de praia que meu irmão alu-gava, veio-me a explicação da visão: “Vou morrer à meia-noite.” E
fiquei com a idéia fixa de que ia morrer à meia noite. Mas não
disse para ninguém.
Às dez horas, por aí, Mônica, eu e as crianças saímos do apar-
tamento e fomos para o rancho que tínhamos em Barra do Una
antes de construir nossa casa. Arrumamos as camas e nos deita-
mos para dormir. A visão do relógio e a certeza de morrer à meia-
noite não me abandonavam, no entanto.
Daí pensei:
_ “Eu sou como Matraga, chegou minha hora e minha vez.
Como ele, não vou esperar meu destino passivamente: vou
enfrentá-lo.”
Saí do rancho e fui para a rua onde fiquei andando, pronto
para brigar pela vida com quem viesse me desafiar. A rua estava
vazia e eu não sabia de onde viria o inimigo. Eram onze e meia em
meu “relógio-visão” quando pensei diferente:
_ “Se querem me matar, vão ter de vir à minha toca. Me pegar
no meu lugar.”
Voltei para o rancho, afastei a cama das crianças e a da
Mônica e deitei-me num acolchoado bem em frente da porta.
Antes de deitar, no entanto, peguei um facão de cozinha e segu-
rei-o na mão direita, firme, pronto para dar o golpe se alguém
invadisse o lar de minha família.
De manhã cedo, Mônica encontrou-me dormindo no chão
com a faca do lado.
Enquanto eu esperava a meia-noite, dormi... E não morri.
- 7 -
Fui a um churrasco no interior, na casa de um tio meu. Eu
estava de bermuda curta, camiseta leve e um par de chinelos.
Chegando lá havia aquela festa toda, todo mundo animado, fes-
teiros mesmo, e eu me senti muito mal porque todos estavam ves-
tidos muito bem, traje esporte fino e só eu de bermudas e chine-
lo.
Como acontecia em outras crises, eu havia emagrecido em
poucos dias mais de dez quilos.
Percebi que as pessoas me evitavam na festa e às vezes olha-
vam para mim de soslaio. É claro que me olhavam de soslaio e
evitavam vir falar comigo porque eu estava em delírio. Devia estar
muito estranho. Mas eu achei que estavam me evitando porque
eu estava com AIDS. Percebendo minha magreza, olhando
minhas pernas finas, logo concluí que de fato eu estava com
AIDS.
Chamei a Mônica para irmos embora. Enquanto ela e as
crianças almoçavam rapidamente fui para fora da casa, esperá-los
na rua. Minha tia quis me levar de volta para a festa, me dar comi-
da e tal e eu nada. Queria ir embora pra casa, deitar na minha
cama.
Quando Mônica veio com as crianças, pegamos o carro e
fomos embora. Havíamos andado uns vinte quilômetros talvez,
sem falarmos nada um ao outro, quando cheguei-me ao ouvido
dela e falei baixinho:
_ “Eu estou com AIDS.”
Ela me respondeu:
_ “Fique quieto. Não fale uma palavra!”
Dirigiu até um retorno que havia na pista, onde pode parar o
carro num lugar seguro. Mandou as crianças brincarem num
canto da praça e sentou-se comigo no meio de um gramado.
Disse-me, então:
_ “Fala Luiz. O que está acontecendo?”
_ “Eu estou com AIDS, Mônica. Peguei AIDS.”
_ “Você fez alguma coisa para achar que tenha pego AIDS?
Você saiu com alguém, fez alguma coisa assim?”
_ “Não. Eu juro que não fiz nada. Mas veja minha magreza.
Veja como as pessoas me evitaram na festa...”
_ “Você está magro porque está em crise, isto sempre acontece.
Quanto às pessoas, foi você quem as evitou. Você quis vir
embora, não quis falar com ninguém.”
_ “Eu estou com AIDS!”
_ “E como você pegou?”
_ “Pelos mosquitos, você sabe. Pela picada dos pernilongos.”
_ “Luiz, AIDS não se pega assim, você sabe disso. Agora, vou
lhe falar uma coisa e você preste muita atenção senão eu vou
ficar muito brava com você. Nós estamos no meio da estrada.
Faltam duas horas pra chegar em casa. Nós vamos entrar no
carro e ir embora pra casa. Lá nós conversaremos com calma.
Mas, por favor, ouça o que estou lhe dizendo; isto é uma coisa
muito séria: você não vai falar mais neste assunto até chegar-
mos em casa. Nós temos dois filhos pequenos que não podem
ficar pensando que o pai deles está com AIDS apenas porque
você está delirando. Entendeu?”
_ “Entendi.”
_ “Então vamos embora. Vou chamar as crianças.”
Viemos para São Paulo sem conversar uma palavra sequer
durante a viagem. Passei quase uma semana obcecado pela idéia
de AIDS e pernilongos. Às noites, eu ficava acordado com uma
toalha de rosto na mão matando pernilongos no quarto das crian-
ças.
Minha obsessão era evitar o contágio das crianças e para
mim, em meu delírio, as formas de contágio foram se multiplican-
do. Ao fim de alguns dias eu tinha separado para meu uso exclu-
sivo copos, louças e talheres e não deixava ninguém usá-los além
de mim.
Estranhamente, o sexo, a própria forma de contágio da
AIDS, não me incomodava. Eu não achava que a Mônica, minha
parceira sexual, estivesse com AIDS. Apenas eu estava. Tinha
pego dos pernilongos.
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 4
Quinze delírios
Daí ela teve de pegar os livros que tínhamos em casa sobre
AIDS e me fazer reler, explicando-me como se pegava a doença,
como se eu nunca tivesse sabido. Depois me disse:
_ “Se você está tão preocupado, vá fazer um exame de sangue.
Mas eu lhe proponho outro teste. Você sabe que eu não estou
com AIDS. E que sou uma pessoa consciente, lúcida, que não
quero pegar AIDS. Pois você também não tem, e para você
ter certeza disso eu lhe ofereço o meu corpo. Venha deitar
comigo.”
- 8 -
De uma das vezes em que estive internado, lembro-me de
estar amarrado na cama num dos quartos do Bezerra de Menezes
e pensar que estava enterrado vivo numa espécie de catacumba
que eu imaginava ser vizinha do cemitério do Araçá.
Neste dia eu fiquei, talvez, amarrado das dez horas da manhã
até quatro da tarde. O delírio evoluiu. Após algum tempo eu não
estava mais enterrado vivo. Eu era um morto sem condições de
ser enterrado.
A catacumba onde eu estava era uma espécie de purgatório
com objetivos de purificação. Era um lugar intermediário entre o
Hospital das Clínicas e o Cemitério do Araçá para onde eram
mandados os mortos de graves doenças infecciosas. Havia um
pessoal burocrata que decidia quem podia ser enterrado, e quem
podia subia pelo elevador até o cemitério. Quem não podia, con-
tinuava amarrado. (Não havia elevador no local).
Meu corpo estava numa estranha transmutação e de repente
eu não era mais eu. Perdi todas as esperanças de ser solto pois eu
era, afinal, o vírus da AIDS que tinha sido isolado naquele estra-
nho lugar para ser estudado pelos médicos. Eu era um vírus e
tinha sido capturado. Meu corpo todo tinha sido envolto por uma
película plástica para que não contaminasse ninguém. Após um
tempo, perdi as esperanças de ser solto e parei de gritar. Foi
quando, um tempo depois, fui solto da cama.
Andei até a sala de televisão sem ver ninguém e fiquei senta-
do num dos bancos de madeira que havia no local. Os bancos
estavam postos em L, como devem estar até hoje, e assim pare-
ciam delimitar um espaço máximo de ação de cerca de dez metros
quadrados. Daí eu vi ao meu lado, sentado, assistindo televisão,
um companheiro paciente. Era um preto gordo, já um senhor,
bonacheirão, com um gorro enfiado na cabeça. Eu não sabia que
ele estava vendo televisão. Nem sabia que ali havia televisão - eu
não a via, pendurada alta na parede. Para mim, eu continuava
preso para toda a eternidade naquele quadrado delimitado pelos
bancos e o preto era o meu vigia.
- 9 -
O haldol, assim como outros neurolépticos, causa efeitos
colaterais, comumente chamados de “impregnação” e que consis-
tem basicamente numa crescente robotização dos movimentos
por uma rigidez muscular que se espalha pelo corpo todo. Para
deter a impregnação usam-se outros remédios junto com os neu-
rolépticos.
Neste delírio, após ser medicado em São Paulo, fui para a
praia com Mônica e as crianças e também com meu irmão médi-
co e sua família.
Desta vez tive a maior impregnação de haldol de todas as
minhas crises. Aliás, mesmo em minhas internações, nunca vi nin-
guém tão impregnadoquanto eu fiquei. O akineton não foi sufi-
ciente para deter a impregnação.
Primeiro meu corpo ficou todo rígido e eu só me movimen-
tava muito lentamente, com o andar estranho dos robôs.
Depois, uma tarde, fui acometido por um repuxamento mus-
cular na nuca e no pescoço e eu ficava com o rosto de lado, com
a musculatura toda estirada. Meu maxilar se travou e o trismo não
permitia que eu abrisse a boca.
Minha cunhada deitou-me numa esteira de taboa e me fez
massagens. Assim fiquei sabendo que massagens não adiantam
nada para isto.
Meu irmão me pegou pelo braço, pôs-me no carro e levou-
me até a farmácia em Boissucanga. No caminho, havia enormes
máquinas de terraplanagem que abriam naquele tempo o novo
leito da Rio-Santos.
Durante todo o percurso, eu achava que seríamos esmagados
por aquelas máquinas imensas. Estava certo que elas estavam ali
apenas para nos perseguir, triturando-nos entre suas pás e estei-
ras. Os barreiros que havia no caminho tinham sido feitos de pro-
pósito pelas máquinas para nos fazer atolar. Depois elas viriam e
nos esmagariam enquanto estivéssemos atolados.
Em Boissucanga, na farmácia, na calçada do lado de fora,
lembro-me de uma mulher índia com um facão na mão que olha-
va para mim desconfiada. Eu tinha medo que ela me atacasse com
o facão.
De fato, como eu estava, com a cabeça estirada de lado, o
maxilar teso, repuxando músculos faciais e andando feito robô -
acho que ela estava me estranhando. Lembro-me até hoje de seu
olhar fixo e seu facão enorme seguro pelo braço direito, em posi-
ção de alerta.
Na realidade, ela estava mesmo preparada para me atacar,
tanto que meu irmão me puxou para dentro da farmácia, dizen-
do-me:
_ “Cuidado com a índia. Você não vê o facão dela e que ela está
pronta para atacar? Ela está com medo de você. Fique comi-
go. Não vá mais lá.”
Daí meu irmão me fez beber meio vidrinho de Fenergan e
poucos minutos depois, como por milagre, toda minha muscu-
latura se relaxou e eu me livrei da impregnação. O delírio com
as máquinas de terraplanagem, no entanto, continuou e eu vivi
na volta até Barra do Una o mesmo terror de que elas iriam nos
triturar.
- 10 -
Uma noite, na praia, fiquei de meia noite até sete horas da
manhã condicionando um bagre num balde de água.
Eu estava certo de estar progredindo em meu intento que era
o seguinte: cada vez que eu batesse no balde três vezes “toc, toc,
toc,” o bagre viria até a superfície falar comigo. Então eu batia
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com um pau no balde “toc, toc, toc” e em seguida jogava comida
de peixe na água.
De manhã cedo, vendo-me na faina com o balde, depois de
eu explicar o que estava fazendo, meu irmão me disse: “Agora é
hora de escovar os dentes, olha a pasta para o bagre.” E eu, acredi-
tando mesmo no que fazia, peguei um pouco de pasta de dente e
“toc, toc, toc,” joguei nágua para ele.
Nesta manhã meu irmão me trouxe para São Paulo para
medicar-me e eu só concordei em vir depois que ensinei o pedrei-
ro de minha obra a tomar conta do bagre.
Foi assim: eu fui com ele até o rio, soltei o bagre na
margem e ele logo sumiu na água funda. Eu disse para o
Armando:
_ “Você não se preocupe. Ele está logo num buraco ali. De
tarde você vem até aqui e bate com este pauzinho na beira.
Vai fazer toc, toc, toc. Daí ele vem e você dá comida pra ele.
Vê se cuida bem do meu bagre enquanto eu estiver em São
Paulo.”
- 11 -
Estava em transcurso uma revolução separatista. São Paulo
novamente lutava contra o Brasil. (Hoje acho engraçada esta ver-
são, pois, como paulista, nunca aceitei a expressão “revolução
separatista” e sim “revolução constitucionalista”). Sou paulista
ferrenho. Desci a serra, com Mônica e as crianças, para Barra do
Una. Minha missão era no litoral.
À noite, antes de deitar, angustiado, eu disse à Mônica senta-
do na cama, dentro do rancho:
_ “Se eu morrer, você diz ao Governador que eu morri por São
Paulo?” Ela disse que sim. Eu insisti:
_ “Você promete?” Ela prometeu.
Dormi.
Acordei com Mônica vestindo o biquini. Ela estava defronte
à janela aberta, de costas para a cama, amarrando o sutiã do
biquini. Eu comecei a chorar. Eu era um covarde. Minha mulher
precisava ficar mostrando os peitos para o inimigo, pela janela,
para que não bombardeassem o meu rancho. (A praia era deser-
ta e entre o rancho e a praia havia uma touceira de bambu;
Mônica não estava se exibindo, apenas estava à vontade, como o
local permitia).
Saí para levar meus filhos para a praia. Grudei o menor deles
para atravessar o rio. (Entre meu terreno e a praia existe o Rio
Una. Havia chovido muito e o rio estava com grande correnteza).
Logo percebi que o inimigo, para me capturar, havia lançado mão
de um interessante ardil: ele baixara o nível do mar para o rio cor-
rer ligeiro e eu me atrapalhar na correnteza. Vocês acham que isto
é impossível porque não conhecem a astúcia e os recursos de meu
inimigo: ele fazia isto com gigantescas bombas hidráulicas na
barra do rio, onde o rio encontra o mar, escondido por trás da
restinga de areia. Pus o menino no barquinho e saí remando em
diagonal à correnteza. Dei risada. Era a força bruta deles contra
a minha habilidade. Deixei o menino na praia e vim buscar o
outro, do lado de cá do rio. (O barco era pequeno; o rio estava
forte: não dava pra levar os dois ao mesmo tempo). No meio do
rio o barco começou a afundar. Logo percebi o que houve. O ini-
migo tirara a tampa do barco com sensores remotos. Percebi a
tempo que o barco estava destampado e voltei a tampá-lo. Sorri
comigo mesmo. Eram os sensores remotos deles contra minha
percepção e rapidez. Mudei de lugar no barco e controlei o nível
d’água. Remei com vigor e cheguei à margem de casa, muito abai-
xo de meu terreno, devido à correnteza. Meu filho chorava, gri-
tando do lado de lá do rio, na praia:
_ “Paiê, Paiê, vem me buscar...”
_ “Já vai, meu filho. Não sai daí. Não tenha medo, eu já vou
voltar.” (Entre nós havia um rio de 40 m de largura, corren-
do em grande correnteza).
Os vizinhos vieram me ajudar a esvaziar o barco. Eles esta-
vam de óculos escuros: eram inimigos. Deixei-os fazer força sozi-
nhos para esvaziar o barco, não sou besta, vou deixá-los cansados.
Eles esvaziaram o barco e levaram-no até em frente a minha casa,
no lugar de atravessar de novo. (Perderam a tampa do
barco mas eu sabia que era espionagem, roubaram a minha
tampa).
_ “Paiê, Paiê, me tira daqui...”
_ “Espera, espera. Não saia do lugar!”
Corri até o rancho. Encontrei uma tampa de lata de spray e
peguei a faca. Cortei um pedaço do plástico para ajustar no local,
arranquei o pedaço com o dente - meu inimigo me olhando,
vendo onde eu ia falhar para ele atacar - tapei o buraco do barco
e atravessei de novo o rio.
Peguei meu filho e voltei para casa. Falei para a Mônica:
_ “Não dá pra ir à praia hoje. Os inimigos estão todos por aí.
Fizeram uma correnteza no rio que você precisa ver. Quase
me pegaram.”
- 12 -
Logo após a publicação de Memórias do Delírio, de minha
autoria, uma série de artigos e resenhas sobre o livro foram publi-
cados pela imprensa. Para a resenha da revista Veja eu fui entre-
vistado. A reportagem que a revista publicou, com uma foto
minha, ainda que de costas, deu-me uma sensação incrível de des-
conforto pela grande exposição a que eu me submetia e principal-
mente pelo fato de que considerei a matéria muito crua e dura,
ainda que desse grande destaque ao livro. Logo comecei a deses-
tabilizar-me. E em poucos dias eu estava em delírio.
Semanas antes havia sido publicada uma resenha em
Curitiba. Por um erro de composição do jornal, a matéria que
saiu sob o título da resenha e ao lado de uma reprodução da capa
do livro era uma notícia sobre o Cartel de Medellin. No dia
seguinte é que o jornal publicou corretamente a resenha. Mas
fiquei com este fato na cabeça e quando a reportagem da Veja me
desestabilizoupassei a achar que o jornal de Curitiba estava me
mandando uma mensagem cifrada. Que como eu falava mal da
maconha no livro eu seria alvo dos traficantes do Cartel.
Passei uns quinze dias sendo perseguido pelo Cartel de
Medellin. Para cada instante eu esperava um ataque. Minha famí-
lia, como de hábito, de início lutou contra minha convicção deli-
rante, mas, a partir do momento em que ficou claro que eu esta-
va com o delírio estabelecido, em seguida entrou no jogo. Não me
contrariavam e apenas diziam que para que os traficantes pudes-
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 6
Quinze delírios
sem me pegar teriam de pegar todo mundo. Em que pese o ligei-
ro alívio em termos de segurança que eu sentia, passei a ficar
muito preocupado com todos da família e a sentir-me culpado
pela insegurança em que agora todos viviam. Apenas ao final de
meu delírio, quando comecei a duvidar de minhas certezas, é que
meus pais e irmãos fizeram força para me convencer de que nin-
guém me perseguia. 
Há sabedoria no ditado que diz que não se deve contrariar os
loucos. Dá conforto ter gente a seu lado que “acredite” nas per-
cepções desvairadas. Negar, fazer força contra na hora errada,
além de nos tornar mais isolados, às vezes faz com que pensemos
que quem está contrariando a evidência do delírio está do outro
lado, faz parte dos “inimigos.”
- 13 -
Em 1993, minha instabilidade era tão grande, eu entrando e
saindo sucessivamente de crises alternadas de depressão e euforia
que meu médico sugeriu-me e acabou por convencer-me e à
minha família de que seria interessante tentar uma nova medica-
ção. Havia também a conveniência de se tentar um novo neuro-
léptico, pois o uso a longo prazo que eu fazia do haldol estava
dando sinais de estabelecimento da discinesia tardia. (A discine-
sia é um sintoma colateral da medicação e que se caracteriza por
aqueles esgares de lábio tão marcantes da loucura. Em grande
parte dos casos, é efeito de remédio e não sintoma da doença).
Eu concordei, esperançoso, e entrei na “aventura de ser
sujeito experimental de um medicamento que estava em teste no
Brasil, antes de ser lançado no mercado”. Era a risperidona. O
experimento foi conduzido na USP e na UNICAMP, entre outros
centros de pesquisa, e eu fui inscrito no grupo piloto do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Quando iniciei com a medicação eu estava em leve crise, mas
logo a seguir entrei em forte delírio. Um tipo novo de delírio que
eu ainda não conhecia. Tive meu primeiro delírio cenestésico, que
se caracterizava por fortes dores e sensações musculares e corpo-
rais.
O que eu sentia era uma tremenda e insuportável dor toráxi-
ca e nas costas. Era uma dor aguda e lancinante que me atraves-
sa em diagonal desde o peito até a base da coluna, verticalmente.
Eu tinha certeza de que havia uma espada enorme, do tipo das
que os cruzados usavam, afiadíssima, atravessada em minhas cos-
tas e em meu peito, fincada de baixo para cima. E eu não podia
me mexer, pois a cada movimento a espada cortava mais. Ficava
horas sentado, parado numa mesma posição retorcida para tentar
evitar a dor.
Neste mesmo delírio eu quase explodi. Literalmente.
Mexendo, um dia, com minha binga (aquele tipo de isqueiro anti-
go), eu, ao abastecê-la de fluido, derramei grande quantidade de
líquido na mesa e sem me aperceber inalei todo o gás que se vola-
tilizava. Quando me dei conta do sucedido, passei a ficar apavo-
rado, achei que eu iria explodir. Principalmente porque, fumante
inveterado, mesmo diante da minha absoluta convicção do risco
de explosão, eu não deixava de acender um cigarro atrás do
outro. Mas eu fumava com uma tremenda preocupação em não
peidar, porque estava certo de que se eu peidasse ocorreria uma
explosão. Eu me sentia uma bomba ambulante. O único cigarro
que fumei tranqüilo, neste dia, foi no consultório de meu médico,
que me garantiu que eu podia fumar e peidar o quanto quisesse
que não explodiria. Lembro-me até hoje da esdrúxula conversa
que tivemos, ele divertido e sério a me explicar que eu não corria
o risco de explodir.
A experiência com a risperidona não deu certo para mim;
pelo contrário, foi aterradora por deflagrar minha fase de delírios
cenestésicos. Tive notícias, no entanto, de que o uso do remédio
foi aprovado e de que alguns doentes têm-se dado bem com ele.
Mesmo sem questionar a competência e a ética dos médicos que
conduziram este experimento, duvido, entretanto, que o protoco-
lo final deste teste discorra sobre a possível interferência desta
droga na instalação de delírios cenestésicos. Possivelmente, por-
que sou uma irrelevância estatística. 
- 14 -
O uso da risperidona, ainda que por pouco tempo, deixou-
me de herança os delírios cenestésicos que voltei a ter mesmo sem
estar mais usando esta droga. Sei lá o que aconteceu, ela deve ter
aberto algum novo tipo de sinapse patológica no meu repertório
neurológico.
Sei que um dia eu precisava ir a um cartório no centro da
cidade para passar a escritura definitiva de um imóvel que eu
havia vendido muitos anos antes. Peguei meu carro e fui. Ou,
antes, tentei ir. 
Não pude lá chegar porque a meio caminho envolvi-me no
centro de uma revolução. Era, para repetir o enredo, alguma
coisa de confusão de São Paulo com o resto do país. Mas, de
repente, a revolução virou uma guerra e eu de paulista virei bra-
sileiro e tudo se tratava de defender o solo pátrio.
Só que as forças armadas não se entendiam e o exército não
se dava com a marinha e nem os dois com a aeronáutica. Eu era
um agente de informações e espionagem da marinha. E quando
estava passando pela Rua Santo Antônio, no Bexiga, em frente a
um posto de gasolina, levei um tiro na perna, certamente desferi-
do pelas forças da aeronáutica. A dor foi lancinante e tive uma
tremenda contração. Sorte que o trânsito estava parado e então
eu coloquei o pé sobre o painel do carro e então pude massagear
a perna.
O frentista do posto de gasolina me olhava com estranheza e
o mesmo fazia um motoqueiro parado a meu lado e assim, logo
que o farol abriu, eu saí dirigindo com dificuldade porque eles
eram inimigos e eu não podia me expor mais, ainda mais agora
que estava ferido.
Desisti de ir ao cartório e resolvi dirigir-me de volta ao
Pacaembu, para voltar para casa e buscar socorro. Minha perna
direita doía violentamente e pesava uns quinze quilos. Eu tinha
de fazer uma força enorme para não deixar meu pé afundar no
acelerador. Observei que não havia sangue no lugar do tiro, mas
isso não me surpreendeu, pois estava claro que eu havia sido atin-
gido por uma arma nova que me introduzira na barriga da perna
um projétil de chumbo líquido, razão pela qual eu também não
localizava a bala quando nas paradas do trânsito voltava a massa-
gear a perna.
7 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9
Na Rua Maria Antônia havia um pedágio de calouros do
Mackenzie. Perto da Rua Sergipe, com um trânsito novamente
parado, chegou à minha janela um estudante em trote e pediu-me
um trocado para o chope dos veteranos. Eu, sem querer e sem
poder evitar, talvez passei-lhe o grande trote de sua entrada na
faculdade.
Eu precisava de socorro. Não achava que agüentaria chegar
ao Pacaembu e, desesperado de dor, contei-lhe do tiro que eu
levara, pedi socorro, que ele providenciasse um médico. Meu
sofrimento e minha dor eram tão autênticos que ele, mesmo sem
entender nada e mesmo sem o sangue que seria a evidência do
tiro, parece de fato ter acreditado na história toda. 
Ao mesmo tempo que as manifestações cenestésicas se inten-
sificavam, minha cabeça não parava e eu via naquilo tudo, de o
calouro de engenharia do Mackenzie tentando me ajudar, a mim,
um ex-estudante de Filosofia da USP, uma amostra de como o
destino dá voltas e de como os inimigos de ontem podem ser os
aliados de hoje na história das verdadeiras guerras.
Tudo foi, afinal, tão rápido que sequer deu tempode o rapa-
zola sair da estupefação em que o coloquei, posto que em segui-
da achei que o melhor mesmo era eu ir até em casa e num ato
reflexo, para despistá-lo, apontei com vivacidade para a esquina
da frente e disse-lhe que visse... se ele não tinha visto aquele carro
assim-assim atropelar a moça que atravessava a rua e ele, ao se
virar para mais esta insuspeita ocorrência, distraiu-se de mim e saí
quase cantando pneu em direção à minha casa.
Por rápido que tudo fosse, o tempo ainda foi suficiente para
eu colocá-lo a par de importante mensagem, de cujo teor não
lembro, que ele deveria por questão de vida ou morte fazer che-
gar a um alto líder nacional, depois de eu ter-lhe declinado minha
patente, para o caso de eu ser morto no caminho.
Sei dizer que pelo espelho vi o rapaz sair correndo para um
grupinho de estudantes, tão logo meu carro se afastava. 
O que ele contou aos outros e o que pensou de mim e desta
estranha guerra que eu travava eu não sei. Mas naquele momen-
to eu dava de mim o melhor para minha causa e minha causa era
o meu país.
Ao chegar em casa, vi que eu estava isolado. Em casa não
havia ninguém, e trabalhando ao longo dos fios telefônicos de
minha rua, bem em frente de onde eu moro, havia muitos homens
fazendo reparos nos postes, erguidos por aquelas caçambas auto-
máticas dos caminhões de serviço. Tudo aquilo nada mais era do
que uma operação para interferir com minha linha telefônica de
tal forma que eu estava incomunicável. 
Tanto isto era verdade que todos os números para os quais eu
tentava ligar davam ocupado ou eram ligações para o número
errado. Só conseguia falar com gente estranha que me desligava o
telefone na cara.
Um lampejo de lucidez alucinada me conduziu a procurar
meu médico. Mas não sem antes render-me à dor e deitar-me na
cama para não exaurir minhas forças. Minhas preocupações eram
três, entre outras, durante os minutos em que descansei em meu
quarto. Preocupava-me sobretudo a morte que adviria de duas
formas certas. A primeira, inexorável se eu não conseguisse
socorro médico imediato e não tivesse minha perna amputada,
era que o chumbo líquido se solidificaria e causaria uma gangre-
na que se estenderia pelo meu corpo todo. A segunda preocupa-
ção com a morte era que eu poderia a qualquer momento ser atin-
gido por um tiro de longa distância, disparado pelo vão da janela
de meu quarto, razão porque eu precisava ficar deitado sem tra-
vesseiro para não deixar minha cabeça à mostra, na linha de tiro.
A terceira grande preocupação era com meu seguro de vida para
garantir a educação de meus filhos depois que eu morresse.
Acabei, afinal, localizando meu psiquiatra por telefone, jus-
tamente para que ele me providenciasse a urgente remoção que
eu necessitava para um centro cirúrgico, a fim de amputar minha
perna. Ele acabou por convencer-me de que meu problema esta-
va na cabeça e não na perna e de que eu precisava era de uma
consulta e uma medicação com urgência. E a única alternativa
rápida que havia para isto era eu ir até o seu consultório na Vila
Mariana, pois de lá ele não tinha condições de sair naquela hora.
Andei mancando o quarteirão que me separa da avenida e
tomei um taxi. Para meu azar o motorista era inimigo. Pois a
guerra continuava e durante dias ainda se estendeu. Mas eu sabia
como lidar com este inimigo que estava no volante. Para não
deixá-lo raciocinar resolvi contar-lhe piadas e assim fui durante a
meia hora do trajeto. Não sei de onde minha memória foi sacar
tanta piada, eu que não sou de contar piada. E as piadas se suce-
diam sem cessar, todas com duplo sentido e, ainda, por requinte,
tenho a lembrança de que a maioria delas era de política e de
caserna. Só que o cara não ria. E eu gargalhava sozinho, mas isso
não importava porque cada piada que eu conseguia terminar
representava uma vitória minha.
Cheguei salvo ao consultório. E de lá saí, noitinha já, com
minhas receitas e a recomendação expressa de meu médico de ir
direto para a farmácia e para casa, sem parar em lugar nenhum,
sem conversar com pessoa qualquer a respeito de assunto
nenhum e principalmente sem contar piadas.
O taxi que eu tomei na volta para casa era dirigido por um
velho veterano da defesa civil, que também participava do esfor-
ço de guerra. Com ele não falei nada durante o trajeto, seguindo
a orientação de meu médico, mas fiquei alarmado com as muta-
ções que seu rosto assumiu durante a corrida, fruto de alucina-
ções visuais que comecei a ter naquele instante. Era particular-
mente desagradável o fato de durante todo o caminho o velho vir
pondo e tirando o céu da boca, enquanto dirigia.
Para meu conforto, ao chegar em casa meus pais ali estavam
e com eles e meus remédios reiniciei minha verdadeira e perma-
nente guerra que é a luta contra a loucura.
Ao cartório fui no dia seguinte, de Metrô, amparado por
minha mãe que me guiou pelos labirintos das escadarias das esta-
ções e através das multidões do centro de São Paulo, porque
compromisso de negócio não pode esperar a guerra acabar e eu
mesmo, no fundo, sabia que honrar minha palavra numa transa-
ção comercial era mais importante do que continuar guerreando.
Há anos atrás a venda daquele terreno ajudara a pagar meus
remédios. Estes mesmos remédios de que depende a manutenção
de minha sanidade, mas que até hoje não conheço nenhum sem
algum tipo de efeitozinho colateral. O efeito colateral que a rispe-
ridona me deu foi este de me instalar na fase dos delírios cenesté-
sicos. Justo ela, cuja vantagem alardeada era a de não ter efeito
colateral algum. Hoje faz tempo que não tenho delírios e alucina-
ções cenestésicos, mas justo no lugar em que levei o tiro de chum-
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9 8
Quinze delírios
bo líquido, na barriga da perna direita, costumo ter, agora, de vez
em vez, uma cãibra feroz.
Quando ouço falar de remédio psiquiátrico sem efeito cola-
teral, hoje em dia, tenho um medo que me pélo. Penso que sejam
efeitos desconhecidos ou não relatados na literatura médica.
- 15 -
Ocorre-me que talvez mais útil seja eu encerrar este texto não
com o relato de mais um delírio qualquer, mas com a reafirmação
de que sou amnésico a respeito de meus delírios depois que eles
se desfazem.
Imagino que alguém possa achar estranha essa afirmação
após ter lido várias páginas de relatos variados de delírios recen-
tes e até bem antigos, alguns com diversos detalhes. Mas o fato é
que o relatado corresponde à minha memória mais significativa
em cada caso e os detalhes são mínimos comparados à multiplici-
dade dos episódios que se desenvolvem em cada momento do
delírio e à complexidade das sensações e emoções que vivo numa
crise. Principalmente no que se refere à intensidade das vivências.
Relatar um delírio dando destaque ao lado humorístico das
situações, como fiz em alguns casos, é importante para realçar o
surrealismo das experiências e para tentar tornar a leitura mais
agradável, mas pode levar à falsa impressão de que tudo não
passa de uma grande curtição. Nada mais enganoso. A tônica oni-
presente em cada uma dessas situações é a de um medo tenebro-
so. Um pavor e uma angústia inenarráveis. Nada é vivido pelo
lado engraçado, exceto nas pequenas tréguas de conversações
com pessoas que me conhecem muito bem e sabem me acompa-
nhar no desvario.
A fase de bem estar nas crises corresponde, para mim, ao iní-
cio do descontrole eufórico. Seria, como se diz, a fase pré-manía-
ca. Quando o delírio se estabelece em plenitude, a vivência é ater-
rorizante. O sofrimento é superlativo.
Cada delírio destes, de que relatei passagens, durou muitos
dias, às vezes até duas ou três semanas, e cada minuto desses dias
foi um momento de pânico, de urgência, de situação emergencial,
onde alguma ameaça fatal me assolava de forma acachapante. O
medo de vir a morrer numa explosão causada por um peido de
gases inflamáveis não é menor do que o devir a ser esmagado por
uma motoniveladora no canteiro de obras de uma estrada em
construção. Nem a angústia é menor.
Diante das situações intensa e ininterruptamente vividas ao
longo de vários dias e noites, aquilo que minha memória retém
não passa de fragmentos. De dezenas ou mesmo centenas de delí-
rios não guardo a menor recordação. E de muitas das crises cujos
fragmentos eu relatei, minha ex-mulher ou meus pais e irmãos tal-
vez tenham melhor memória do que eu.
Por isso não sou um bom contador de delírios. O que deles
me lembro e o que consigo transmitir numa narrativa nem de
longe se assemelham à reconstituição das situações que vivi.
A única forma de saber o que é um delírio ou uma alucina-
ção é passando pela própria experiência. Não desejo isso a nin-
guém, e que ninguém pense que esta é uma experiência que vale
a pena. Não vale. O surrealismo vivido é a pior das realidades
existentes.
Conheço pessoas, no entanto, que admiram minha vivência.
Creio que imaginam que me enriqueci espiritual ou existencial-
mente com ela. É ao contrário. Esse “enriquecimento” a que se
referem, algum tipo de crescimento, só se dá ao nível da expan-
são da consciência, não com o contato patológico com o incons-
ciente. Se algum crescimento a doença me trouxe, este é referen-
te a ela mesma e se constitui no desenvolvimento da consciência
de minha fragilidade e no reforço de meu lado sadio para dar
conta de suportar e conviver com as crises, tentando não destruir
minha vida a cada novo episódio delirante.
O contato com o sublime e com o tenebroso que existe no
inconsciente é, de fato, uma fonte de crescimento e energia, e
tanto mais quando nos apropriamos conscientemente de seus
conteúdos. Mas com limites. Qualquer um pode fazer isso inten-
sa e proficuamente se souber curtir seus sonhos. O lado tenebro-
so do inconsciente à solta na vida, dominando em delírio todas as
ações e sensações, é literalmente uma loucura. É patológico e em
qualquer instante, sem mais aviso, pode levar à morte num ato
qualquer desvairado durante uma crise. Por isso nenhum delírio
é engraçado, a despeito das situações hilariantes que possa criar.
Quem quiser se aproximar da compreensão do que vem a ser
um delírio, tome contato profundo com os seus próprios sonhos.
Principalmente com os pesadelos. Experimente imaginar o que
viria a ser o seu pior pesadelo e imagine o que seria de você viven-
do este pesadelo ininterruptamente durante duas ou três sema-
nas, acordado, enquanto tenta continuar dando conta da sua
vida, trabalhando, cuidando dos filhos, se relacionando com as
pessoas e com os fatos do mundo real. Misture as vicissitudes de
seu cotidiano com o lado mais tenebroso de seu inconsciente e
depois me diga que minha experiência ou a de qualquer outro
psicótico é enriquecedora.
Verdade é que, em momentos meus de desalento e desespe-
rança perante o mundo e as pessoas, eu às vezes já fantasiei que
seria muito instrutivo para alguns experimentar uma crisezinha
psiquiátrica para largar mão de tanta onipotência ou de tanto
chorar de barriga cheia. Mas isso não passa de meus rancores. Na
verdade, volto a dizer que não desejo a experiência a ninguém,
nem mesmo a meus desafetos.
Quanto a meu próprio destino, acalanta-me a esperança de
que Deus seja sábio. Talvez ele dê o frio conforme o cobertor.
Comentários deste e de outro auto-relato de delírios por Othon
Bastos no próximo número de CPP.
9 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):2-9
Pilar Sierra San Miguel*
Lorenzo Livianos Aldana**
Luis Rojo Moreno**
Resumen
El síndrome de Kleine-Levin es un síndrome caracterizado por la
triada clásica de hipersomnia periódica, trastornos de la alimentación
en forma de megafagia y diversos síntomas neuropsiquiátricos. Se
trata de un trastorno de difícil diagnóstico, que puede iniciarse con
sintomatología muy inespecífica. Hasta el momento, se han descrito
unos 100 casos. El presente artículo expone el caso de un hombre
de 22 años inicialmente diagnosticado de trastorno de somatización
y que finalmente lo fue de síndrome de Kleine-Levin, tras perfilarse
la sintomalogía clásica de somnolencia excesiva, hiperfagia e hiperse-
xualidad. En este trabajo, los autores exponen el cuadro clínico insis-
tiendo en los tratamientos utilizados y resultados obtenidos.
Palabras-claves: Síndrome de Kleine-Levin; Hipersomno-lencia;
Hiperfagia; Sexualidad
Satterley describió por primera vez en 1815 un caso con un
perfil similar a lo que actualmente denominamos síndrome de
Kleine-Levin. Posteriormente, Dana (1884), Anfimot (1898),
Kleine (1925)1 y Levin2 (1929) aportaron casos con una sintoma-
tología coincidente. El término de “síndrome de Kleine-Levin”, se
debe a Critchley y Hoffmann3,4 quienes lo propusieron en 1942.
Aparece de forma más frecuente en varones, en la última
etapa de la adolescencia y a partir de la segunda década de la vida,
posteriormente se observa una disminución gradual tanto en la
frecuencia como en la duración de los episodios.5 También exis-
ten casos descritos con una clínica muy similar en mujeres, en
relación con el periodo menstrual pudiendo ejercer un impor-
tante papel etiopatogénico la progesterona.6
En cuanto a la hipersomnia, puede instaurarse de forma
brusca o gradualmente, tiene un carácter recurrente y una
duración variable, desde un día hasta seis semanas como caso
extremo.7
Billiar,8 uno de los autores que más ha publicado en torno a
este tema, escogió el término “sobrealimentación”, a la hora de
describir los trastornos alimentarios, ya que incluyen megafagia,
polifagia e hiperfagia. Orlosky9 en una revisión de 33 casos,
encontró como alteración más frecuente la confusión (73%), irri-
tabilidad (58%), amnesia (39%), ilusiones (30%), letargia (24%),
depresión (21%) y desinhibición sexual (18%).10
La diversidad etiológica es notable. Por una parte, se ha pos-
tulado un trastorno funcional del sistema mesencéfalo-hipotála-
mo-límbico, al encontrar diferentes altera-ciones hormonales
hipotálamo-hipofisarias y de neurotransmisores. Ademas, con
frecuencia existen antecedentes de infecciones víricas o gripales
los días previos al primer episodio, encontrando infiltrados de
linfocitos que evocarían una encefalitis viral localizada.11 Incluso
se han descrito casos en los que los síntomas aparecieron des-
pues de experiencias psicológicas estresantes o traumatismos
craneoencefálicos.12 Por otra parte, anomalías neuroendocrino-
lógicas comunes podrían explicar la coexistencia entre el síndro-
me de Kleine-Levin y la enfermedad de Parkinson en algunos
pacientes.13
Caso clínico
Paciente varón de 22 años que acude al Centro de Salud
Mental, derivado por su médico de familia refiriendo somnolen-
cia excesiva y estado de ánimo depresivo.
Embarazo, parto y desarrollo psico-motor normal. Sin
antecedentes médicos, ni psiquiátricos propios o familiares. En
cuanto a su biografía, segundo de tres hermanos, soltero, convive
con sus padres. Obtuvo el Graduado Escolar y actualmente tra-
baja como taxista. Personalidad dependiente con tendencia a la
introversión y retraimiento social.
En el momento de la primera consulta, se mostraba empáti-
co y con conciencia de enfermedad. Según relataba, la enfer-
medad actual se había iniciado hacía dos años. En un principio,
definía unos síntomas vagos consistentes en “sensación de
mareo”, inestabilidad y parestesias en zona frontal y temporal
derecha, de presentación matutina. La inespecificidad de estos
síntomas, motivó un diagnóstico inicial de trastorno de somati-
zación. Progresivamente el cuadro se fue agravando, llegando a
interferir notablemente en su vida diaria, especialmente en el
plano laboral, dada la imposibilidad de acudir a su trabajo como
taxista en los turnos matutinos. El paciente refería episodios de
hipersomnia matutina, despertándose solo mediante estímulos
intensos, con amnesia posterior y sensación de extrañeza. LaArtigos Originais
SÍNDROME DE KLEINE-LEVIN: CONSIDERACIONES DIAGNÓSTICAS Y
TERAPÉUTICAS
KLEINE-LEVIN SYNDROME: DIAGNOSTIC AND THERAPEUTIC CONSIDERATIONS
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 10
* Médico Interno Residente de Psiquiatría, Hospital La Fe.
** Prof. Titular de Psiquiatría, Universidad de Valencia y Hospital
La Fe.
Endereço para correspondência:
Lorenzo Livianos Aldana
Dpto. Medicina, U.D. Psiquiatría
Avd. Blasco Ibañez, 17
E-46010 Valencia
España
Síndrome de Kleine-Levin: consideraciones diagnósticas y terapéuticas
evolución seguía un curso cíclico, pero sin relación con el perio-
do estacional.
Al mismo tiempo, presentaba aumento del apetito con acce-
sos compulsivos de hiperfagia, aumento de la líbido e hipersexu-
alidad (traducidos en episodios de masturbación muy frecuentes)
Según sus familiares, las fases en las que se reagudizaba la
clínica se acompañaban de sintomatología afectiva, consistente en
ánimo triste, pobre control emocional y apatía. En ningún
momento se evidenciaron alteraciones psicopatológicas de otra
índole.
Exploraciones complementarias:
• hemograma y bioquímica sin hallazgos patológicos;
• función tiroidea dentro de valores normales;
• electroencefalograma anodino;
• registro poligráfico del sueño: Ha sido imposible su real-
ización por la dificultad del paciente en acudir al hospital en
los horarios previstos.
Tratamiento
Ante la inespecificidad inicial del cuadro, instauramos trata-
miento con antidepresivos inhibidores de la recaptación de sero-
tonina, junto con sulpiride. Posteriormente, añadimos un antide-
presivo dopaminérgico con marcado efecto estimulante como el
amineptino. En ambos casos, no obtuvimos respuesta positiva.
Una vez perfilado el diagnóstico, utilizamos carbonato de
litio hasta llegar a niveles terapeúticos. Sin embargo, pese a con-
siderarse el tratamiento de primera elección en la actualidad, en
nuestro caso seguimos sin obtener el efecto previsto.
Posteriormente, añadimos un psicoestimulante como el metil-
fenidato, los resultados fueron esperanzadores en un principio,
mejorando el conjunto de la sintomatología de forma global y más
específicamente la somnolencia matutina y la hiperfagia. No
obstante, tras un periodo de cuatro meses, la clínica se reinstauró
con las mismas características del principio. Por último, se añadió
reboxetina a dosis de 4 mg al día, logrando una sustancial mejoría
del cuadro clínico con una notable disminución del número de
episodios hipersomnes, si bien no se ha logrado el blanqueo abso-
luto. Por medio de los registros diarios que lleva a cabo el
paciente, observamos que la frecuencia de los episodios se ha
reducido a un 10% de la original, no así la intensidad que per-
manece inalterable. Esta mejoría se mantiene desde hace unos
seis meses, lo que permite abrigar unas ciertas esperanzas.
Discursión
El diagnóstico del síndrome de Kleine-Levin puede verse
oscurecido debido a la presencia de cambios comportamentales y
psicológicos.14 Con gran frecuencia, dada la gran variedad de
alteraciones neuropsiquiátricas posibles, los pacientes consultan
por sintomatología afectiva, letargia, amnesia e incluso por tras-
tornos psicóticos. Consecuentemente, los diagnósticos iniciales
pueden ser trastorno de somatización, depresión, histeria, esqui-
zofrenia15… lo que nos puede conducir a un tratamiento inade-
cuado. Ademas no debemos olvidar, que antecedentes de infec-
ciones respiratorias de vías altas, encefalitis, accidentes cerebro-
vasculares, traumatismos craneoencefálicos, tumores de afecta-
ción supraselar,16 síndromes de apnea-sueño, fármacos sedantes o
anticomiciales, pueden estar presentes. Es decir, la etiología mul-
tifactorial puede retrasar un diagnóstico certero.
Por lo que respecta al tratamiento, Hart17,18 en 1985 desta-
có el papel del carbonato de litio debido a su acción sobre el
metabolismo de la serotonina, que se encuentra aumentada en el
líquido cefalorraquídeo de estos pacientes, con una renovación
aumentada, al igual que la dopamina. Desde entonces, numero-
sos autores hecho notar su efecto beneficioso,19 de modo que en
la actualidad, el litio se considera la mejor opción terapeútica
pudiendo resultar efectivo en la fase aguda y especialmente 
en la prevención de recaídas. Las dosis recomendadas son de 
800 mg/d, hasta llegar a litemias estables de 0,4 mEq/l. Tras 
un periodo asintomático no concreto y con la normalización en
el estudio polisomnográfico, la medicación puede ser retirada
para evitar efectos secundarios, aunque con frecuencia se ha de
reinstaurar.
Se ha defencido el uso de eutimizantes del tipo de la carba-
macepina20 o el ácido valpróico. Otra posibilidad terapeútica la
constituyen los psicoestimulantes del tipo de la efedrina, anfeta-
minas o metilfenidato, que actúan sobre la hipersomnolencia,
pero no sobre el resto de la sintomatología y que en ocasiones
pueden servir para prevenir la recurrencia.
Pese a que el acento se ha marcado, como hemos visto, en la
participación de la serotonina y dopamina, los fármacos activos
en estos sistemas no lograron efecto alguno en nuestro paciente.
La respuesta ha aparecido única y exclusivamente con psicofár-
macos activos en la vía noradrenérgica. Así pues, conviene consi-
derar esta vía como una alternativa terapeútica.
Summary
Kleine-Levin’s syndrome is characterised by the classic triad of peri-
odic hypersomnia, hyperphagia and hypersexuality along with other
neuropsychiatric symptoms. The diagnosis is often difficult as it can
begin with very vague simptomatology. About a hundred cases have
been described worldwide.The present work exposes the case of a
22 year-old man initially diagnosed of somatization dysfunction and,
after the classic triad of excessive drowsiness, hyperphagia and
hypersexuality has been profiled, finally received the diagnose of
Kleine-Levin syndrome. In this work, the authors expose the clinical
picture stressing the treatments used and the results obtained.
Key-words: Kleine-Levin Syndrome; Hypersomnia; Hyperphagia;
Sex Behavior
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Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):10-12 12
resumo
bula
Efexor
13 Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17
Guilherme Assumpção Dias
Resumo
A discinesia tardia é uma complicação do uso de antipsicóticos que
ainda desafia os especialistas. É apresentado, após breve introdução
ao tema, o caso de um paciente de 42 anos, sexo masculino, que
depois de oito anos de uso de antipsicóticos desenvolveu forma
grave de discinesia tardia com predomínio de sintomatologia distô-
nica. Analisa-se a conduta terapêutica adotada e as diretrizes atuais
para o tratamento da discinesia tardia, bem como as principais
hipóteses fisiopatológicas.
Palavras-chaves: Discinesia Tardia; Distonia Tardia; Patologia,
Terapêutica; Agentes Antipsicóticos
A discinesia tardia (DT) é um efeito colateral decorrente do
uso prolongado de drogas bloqueadoras de receptores dopami-
nérgicos centrais, como os antipsicóticos e a metoclopramida. A
síndrome caracteriza-se por movimentos repetitivos, involuntá-
rios, hipercinéticos, mais comumente afetando a região orofacial,
manifestos como protusão da língua, movimento de beijar, masti-
gar, franzir. Esses movimentos são usualmente denominados de
coreiformes na psiquiatria1 e de estereotipias na neurologia.2
Além de movimentos propriamente coréicos e de estereotipias,
são descritos distonia, acatisia, mioclonias, tremores e tics.
Embora freqüentemente coexistam, vários autores separam a DT
em subformas correspondentes a esses movimentos, avaliando
para cada uma delas os fatores de risco, a epidemiologia e a res-
posta a tratamentos. O termo geral discinesia tardia pode ser
substituído pelos termos estereotipia tardia, distonia tardia,
coréia tardia, etc. Conforme os critérios diagnósticos do DSM-IV,
é necessário que os sinais e os sintomas se desenvolvam dentro de
quatro semanas após a abstinência de um neuroléptico oral (oito
semanas no caso de medicações de depósito) e que haja um perío-
do de exposição ao medicamento de pelo menos três meses (um
mês se o indivíduo tem 60 anos ou mais).3
Na população psiquiátrica que usa antipsicóticos típicos, a
prevalência média gira em torno de 15% a 25% para a DT clás-
sica; 1,5% a 13,4% para a distonia tardia. A acatisia tardia4 pos-
sui a maior prevalência, de até 48%.1 Em idosos, a prevalência
pode chegar a 50%.3 Em geral, a DT instala-se lentamente, seu
curso é bastante variado e freqüentemente estabiliza-se ao longo
dos anos. Pode, em alguns casos, melhorar gradualmente, mesmo
com o uso continuado de antipsicóticos.5 Quando o antipsicótico
é descontinuado, estima-se que 5% a 40% dos casos em geral, e
50% a 90% dos casos leves, regridam, 30% deles em três meses
e mais de 50% em 12 a 18 meses.3
Devido à presença de sintomas semelhantes em populações
esquizofrênicas não tratadas,6 e muitas vezes com taxa de inci-
dência semelhante à dos pacientes que receberam antipsicóticos,
alguns autores sugerem que a DT possa ser mais um sintoma tar-
dio da esquizofrenia ao invés de um efeito de drogas.7 Essas dis-
cinesias espontâneas, na verdade, assim como outros distúrbios
de movimento, constituem importante diagnóstico diferencial da
DT. Discinesias orais leves, por exemplo, podem ser observadas
em idosos com próteses dentárias mal fixadas, que nunca recebe-
ram antipsicóticos.5 O DSM-IV cita como principais diagnósticos
diferenciais as seguintes condições: doença de Huntington, doen-
ça de Wilson, coréia de Sydenham, lupus eritematoso sistêmico,
tireotoxicose, envenenamento por metais pesados, próteses den-
tárias mal fixadas, discinesias devidas a outros medicamentos, tais
como L-dopa, bromocriptina ou amantadina, discinesias espontâ-
neas e outros transtornos de movimento induzidos por neurolép-
ticos (p.ex. distonia aguda e acatisia aguda).3
São fatores de risco para DT: a idade,8 o sexo feminino quan-
do acima de 65 anos,9 fatores genéticos possivelmente ligados ao
metabolismo de drogas,1 o uso de álcool, de drogas ilícitas e de
fumo,10 o diabetes mellitus,11 os transtornos de humor,12 os trans-
tornos mentais orgânicos, a presença de alterações neurológicas
ou estruturais13 e, dentre os quadros esquizofrênicos, aqueles
com predomínio de sintomas negativos.14 O risco aumenta com a
duração e gravidade da doença1 e com a dose acumulada de
antipsicóticos,15 embora faltem mais dados empíricos elucidati-
vos.9 A presença de sintomas extrapiramidais agudos é forte fator
preditor de risco.9 O tratamento intermitente parece aumentar o
risco de DT.9 O emprego de eletroconvulsoterapia não predispõe
à DT, ao contrário do que alguns estudos da década de 60 indi-
cam.1 Embora alguns autores tenham sugerido um papel para os
anticolinérgicos como fator de risco para DT, a maioria dos estu-
dos encontrou ausência de relação causal.1 Ghandirian et al
(1996) mostraram que o uso de lítio com antipsicóticos aumenta
o risco de DT.13
DISCINESIA TARDIA COM PREDOMÍNIO DE DISTONIA
TARDIVE DYSKINESIA WITH PREDOMINANT DYSTONIA
Residente do segundo ano da Residência de Psiquiatria do 
HC-UFMG
Endereço para correspondência:
Residência de Psiquiatria
Hospital das Clínicas - UFMG
Av. Prof. Alfredo Balena, 110
30130-100 - Belo Horizonte - MG
Casos Clin Psiquiatria 2000; 2(1):13-17 14
Caso Clínico
Identificação
P.P.M., sexo masculino, 42 anos, leucoderma, solteiro, natu-
ral e procedente da grande Belo Horizonte, MG. Reside com a
mãe. Há 10 anos afastado do trabalho (trabalhava com pintura de
equipamentos).
História da Moléstia Atual
O paciente foi atendido pela primeira vez no Ambulatório
Bias Fortes do Hospital das Clínicas da UFMG (HC-UFMG) em
14/06/99, onde chegou acompanhado do irmão, com a queixa
principal de “agitação”.
Referia-se a uma série de movimentos involuntários que
apresentava na cabeça, no tronco e nos membros, e que já sabia
serem decorrentes do uso prévio de certos medicamentos. Tais
movimentos se iniciaram há sete meses e eram generalizados e
contínuos, embora de intensidade variável, apresentando dimi-
nuição com o decúbito. Interferiam com o sono e com a habilida-
de para execução de tarefas corriqueiras, posto que predomina-
vam no membro superior dominante (direito). Produziam grande
sofrimento, além de cansaço físico, pois lhe consumiam muita
energia.
Na época estava em uso de olanzapina (5 mg/d), clonazepam
(2 mg à noite), flurazepam (30 mg à noite), biperideno (4 mg/d),
prometazina e vitamina E (800 mg/d). A olanzapina fora introdu-
zida há quatro meses, sem melhora do quadro.
Sua história psiquiátrica se iniciou em 1990. Segundo o
irmão, começou a apresentar tendência ao isolamento, dificulda-
de para dormir e absenteísmo ao emprego. Sempre fora trabalha-
dor, responsável e tinha bom relacionamento, tanto em casa
quanto no trabalho, apesar de mais reservado. Na época, foi lhe
prescrito bromazepam para dormir. Em pouco tempo (algumas
semanas), passou a “cismar” com as pessoas. Dizia que colegas de
trabalho o estavam perseguindo, “pegando no seu pé”, “zomban-
do” dele. Tinha medo de que os próprios familiares estivessem
colocando veneno em sua comida. Ouvia vozes que identificava
como de vizinhos ou de familiares,

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