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Rio de Janeiro, 2020 A psiquiatria no cinema: registros de uma experiência didática com discentes do curso de medicina franco, Amanda Campos (org.) rodrigues, Joice Meire (org.) genelhu, Gustavo Fonseca (org.) isbn: 978-65-5531-000-0 1ª edição, novembro de 2020. Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda. Rua Mayrink Veiga, 6 – 10° andar, Centro rio de janeiro, rj – cep: 20090-050 www.autografia.com.br Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da Editora Autografia. SUMÁRIO PREFÁCIO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 7 INTRODUÇÃO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 11 I. A MULHER INVISÍVEL � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 13 Amanda Campos Franco André Campos Franco Daniel Souza Marques II. BICHO DE SETE CABEÇAS � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 27 Roberta Nantes Costa Joice Meire Rodrigues III. ESTAMIRA � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 35 Lorena Dias Araújo Hugo Henrique de Menezes Vieira Letícia Nacife Gomes IV. FRAGMENTADO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 49 Caroline Kelly de Alvarenga Thaís Carvalho Cunha V. GERAÇÃO PROZAC � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 65 Paula dos Santos Ribeiro Laborne de Mendonça VI. LOLITA � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 71 Olívia Vieira Amaral Andrea Marinho Cachapuz VII. MAR ADENTRO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 81 Letícia Torres Delunardo VIII. MEU NOME NÃO É JOHNNY � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 89 Thiago Dornelas de Oliveira IX. O HOMEM DUPLICADO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 99 Tamilis Guidi Venturim X. O MÍNIMO PARA VIVER � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 109 Joice Meire Rodrigues Tatiana Martins de Freitas Carmo Theresa Cristina Ricardo Soares XI. PRECISAMOS FALAR SOBRE KEVIN � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 117 Felipe Lamas Peixoto XII. SE ENLOUQUECER NÃO SE APAIXONE � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 127 Marcelli Eliotério Gaspar XIII. TRAINSPOTTING � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 137 Gustavo Gomes de Sá XIV. UM ELO DE AMOR � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 147 Katyusquya Pereira Guingo XV. UM ESTRANHO NO NINHO � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 153 Vanessa Loures Rossinol Bruno Loures Rossinol Cristiano Magno Silva Sampaio Daniel Pereira Balieiro CONSIDERAÇÕES FINAIS � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � 165 A psiquiatria no cinema • 7 PREFÁCIO Apresentar uma obra é sempre tarefa difícil. Dizer da escrita alheia, dos propósitos e dos desejos que se passavam na mente dos auto- res sempre incorre no risco de não se fazer justiça. Mas assim também é a tarefa do ensino e da clínica, em que sempre corremos o risco da ação não alcançar a intensão. Ainda sim, é preciso se lançar à aventura para colher os frutos, e nos deliciarmos com eles. O presente livro é o relato de uma aventura na qual os autores – docentes e discentes – se dispuseram a dividir parte do saber que adquiriram ao analisar obras cinematográficas que de alguma forma nos fazem pensar no campo da psiquiatria e da saúde mental Esta obra é o relato de uma estratégia inteligente de abrir o inte- resse de alunos médico e aproximá-los do território desconhecido e por vezes confuso e espinhoso da psiquiatria, tão apartada do restante da clínica médica por seu vocabulário próprio e um tanto enigmático, do descrédito social e dentro da academia, e do inevitável estigma que acompanha não só os portadores de transtornos mentais, mas também todos os assuntos e esforços direcionados ao que trata deles. A estratégia de ensino da psiquiatria através da arte é naturalmente pertinente. Dentre as especialidades médicas, a psiquiatria é a que mais se aproxima das humanidades, e nesse sentido, sempre dialogou com as ciências humanas e com as expressões artísticas. E se essa ligação parece ir esmorecendo na atualidade, torna-se ainda mais necessário e enriquecedor retomar essa irmandade de objeto: estamos aqui para 8 • A psiquiatria no cinema observar e pensar sobre as formas de ser e se expressar do ser humano. E se por um lado a psiquiatria se beneficia do contato com a arte, a seu turno a educação se beneficia da provocação - do belo, do feio e do es- panto - advinda da arte. Poucos casamentos parecem ser tão profícuos e naturais como provocar para a existência do negligenciado, provocar a reflexão sobre o que nos causa estranhamento e provocar o desejo de se aproximar e entender as manifestações da mente humana por meio da arte. E de todas as artes, possivelmente entre as mais acessíveis à diver- sidade do público e possíveis de se implementar numa tarde de aula, e que ao mesmo tempo permite no tempo contado em horas-aula entrar em alguma profundidade num tema ou atmosfera, o cinema parece ser uma escolha estrategicamente difícil de se superar. Pela utilização de uma linguagem acessível, mesmo a quem nunca teve contato com os conceitos da psiquiatria, este livro busca introduzir o leitor neste mundo conceitual. Assim sendo, podemos dizer que ele se destina e seria de proveito aos estudantes de diversas áreas da saú- de, e mesmo aos profissionaisque não possuem grande contato com a psiquiatria e a saúde mental. O seu espectro abrange uma diversidade de tópicos que vão além das doenças mentais, para se tornar focos da atenção clínica se tivermos uma concepção mais ampla das necessidades de saúde e dos papéis que os serviços de saúde poderiam e deveriam prestar às pessoas. Assim, temos análises e reflexões sobre aspectos da política de saúde mental, das questões de identidade de gênero – tão atuais – da eutanásia, da conduta antissocial e de várias condutas que merecem o eterno esforço da saúde mental em tentar navegar nessa fronteira entre o normal e o patológico sem naufragar. A estrutura da obra é de capítulos independentes que tratam cada um da análise de um filme. Se iniciam com um breve resumo da nar- rativa do filme, destacando em seguida os aspectos psicológicos que apontam para possíveis patologias, e se encerram com uma análise con- ceitual, baseada nas principais referências bibliográficas da atualidade, sobre as patologias em questão. Não se destinam a esboçar extensas A psiquiatria no cinema • 9 descrições sobre os transtornos mentais ou a examinar com o detalha- mento e precisão do especialista de conteúdo, mas nem por isso deixam de apresentar os principais conceitos e mesmo alguns menos conheci- dos pela maioria dos profissionais, como o de neologismo ou de alteração da consciência do eu, tão caros à psiquiatria na descrição da psicose. Aqui um alerta se faz necessário. Chamo a atenção para o fato de que os filmes são criados para o entretenimento e, portanto, nem sem- pre os sintomas e patologias são apresentados da forma como se os vê na vida real. Nem é a intenção desse projeto dar exemplos fidedignos de transtornos mentais através do cinema. Aliás, para se apreender essa realidade, só os cenários de prática seriam um bom instrumento peda- gógico. O relevante aqui é a discussão e apreensão conceitual que pode ser levantada através da análise dos filmes, e não o compromisso – que a ficção não tem – de se parecerem com a realidade. Esta obra, ao final, pode ser entendida como um disparador de ideias, um exemplo de instrumento factível de ser implementado em qualquer cenário de ensino – em graduações ou pós-graduações da área da saúde ou das humanidades – e que pode ser utilizado para auxi- liar o aluno ou profissional a levantar hipóteses que propiciem melhor entendimento do paciente, de seus sintomas e do mundo à nossa volta, além de ilustrar a rara oportunidade de se ter prazer com uma experiên- cia pedagógica. Alex Fabrício de Oliveira A psiquiatria no cinema • 11 INTRODUÇÃO A psiquiatria está mais viva do que nunca nesta obra. E nada mais genuíno do que a sétima arte para aproximar as mais singulares e complexas experiências humanas psicopatológicas aos olhos do público. E o ingresso para este espetáculo não tem preço. Aqui há o choro e a alegria, o embotamento e a euforia, a psicose e a realidade; aqui histórias fictícias ganham nomes, lembranças, projetam sonhos, nos permitem cair, levantar, sentir e viver a vida na sua mais profunda intensidade. O transtorno mental não é o inimigo, o sofrimento mental não é um pesadelo eterno, crônico, incurável. Sim, é um caminho a ser percorri- do, mais árduo ou longínquo que seja. Nesta jornada, somos o autor de nossa própria história. Surgem recaídas, mãos de novos personagens se estendem, renascem esperanças e reescrevemos nossos próprios capí- tulos. O epílogo é a consequência de como conduzimos nossos proble- mas e enfrentamos os nossos medos. A arte do cinema transcende a própria tela e transforma gerações. Muda paradigmas, mexe nas feridas da alma humana. A psiquiatria in- corpora este aliado na luta contra a psicofobia e contra todas as formas de discriminação e preconceito. E para que as pessoas se engajem nes- te ideal, é preciso conhecer profundamente vivências fenomenológicas dos transtornos mentais e como estes fenômenos se transformam em sintomas psicopatológicos. Esta obra constitui-se um conjunto de análises psicopatológicas que dissecam as personagens principais de filmes com tema relacionado à 12 • A psiquiatria no cinema psiquiatria e à saúde mental, revelando sintomas e comportamentos anormais com rigor descritivo e semiológico. Destina-se, não exclu- sivamente, a alunos de graduação, de pós-graduação, mas também a profissionais que dedicam o trabalho à saúde mental e aos amantes da sétima arte. Que comecem as mais desafiadoras interfaces do espetáculo da Vida e da Mente Humana. Apresentamos-lhe a psiquiatria no cinema: regis- tros de uma experiência didática com discentes do curso de medicina. Gustavo Fonseca Genelhu Soares A psiquiatria no cinema • 13 I. A MULHER INVISÍVEL Amanda Campos Franco André Campos Franco Daniel Souza Marques 1. Apresentação/ sinopse Gênero: comédia� Direção: Cláudio Torres� Roteiro: Cláudio Torres� Idioma: português� Lançamento: 5 de junho de 2009� A mulher invisível é um filme brasileiro que tem no elenco Selton Mello, Luana Piovani, Maria Manoella, Fernanda Torres, Vladimir Brichta, entre outros. Esta produção cinematográfica retrata a vida de Pedro (Selton Mello) e sua preocupação em amar e ser amado. O filme inicia com uma cena em que dois homens entram em seus apartamentos, um ao lado do outro em um condomínio. Um deles che- ga e passa direto pela esposa Vitória (Maria Manoella) que está sentada na sala de casa, senta-se no sofá e ignora a presença dela. O outro ho- mem, Pedro, tem nas mãos um buquê de flores e procura sua amada pela casa com nomes carinhosos. Ao encontrar com ela, a mesma pede o divórcio e sai de casa. Por ser abandonado pela esposa, Pedro passa a levar uma vida pro- míscua por alguns dias com muitas mulheres que eram diferentes dele. Passa então a viver triste e se isolando de todos. Após três meses assim, bate à sua porta a mulher mais bonita que ele já havia visto, pedindo 14 • A psiquiatria no cinema uma xícara de açúcar, era Amanda (Luana Piovani), sua mais nova vi- zinha. Pedro logo se apaixona pela mulher linda, incrível, que faz tudo por ele e ainda gosta de futebol. A trama segue com Pedro e sua mulher perfeita cujo único defeito era não existir. Enquanto seu melhor amigo Carlos (Vladimir Brichta) tenta lhe mostrar que ela é apenas fruto de uma imaginação. 2. A mulher invisível e a Psiquiatria 2.1 Análise Psicopatológica A primeira cena que o telespectador presencia é a voz de um ho- mem dizendo que ama uma mulher e que tem o desejo de se casar e ter filhos com ela. Tal momento evidencia um homem apaixonado e que idealiza um futuro feliz. Essa voz mais adiante pode ser reconhecida como sendo do personagem protagonista, Pedro. Logo em seguida o ambiente muda para o hall de um prédio, onde dois vizinhos entram em seus apartamentos. Um deles tem em mãos uma arma de fogo, passa pela esposa que está na sala de estar, igno- rando a presença dela naquele ambiente, senta-se em frente à TV e re- clama do seu dia. A esposa então, Vitória, vai até a parede da cozinha com um copo ouvir o que ocorria com seus vizinhos. Enquanto o ou- tro homem, Pedro, leva consigo um buquê de flores e procura por sua mulher em todos os ambientes da casa com apelidos carinhosos. Quan- do ele encontra a esposa, a trata bem, entretanto, ela diz que deseja o divórcio. Tanto Vitória que ouvia tudo quanto quem assiste a cena se chocam com aquela reação. O filme intercala as cenas dos dois apar- tamentos para que o espectador possa comparar as situações opostas naquele momento. Marina (Maria Luísa Mendonça) pede o divórcio e completa dizendo que apesar da vida do casal ser perfeita, ela se sente sufocada por ele. Ela pega sua mala e se prepara para ir embora com um estrangeiro que A psiquiatria no cinema • 15 havia conhecido há alguns meses. Pedro então pergunta como ela pode ter feito isso com ele sem que ao menos percebesse, e tem a seguinte resposta: “Há seis meses eu saio com ele, você via eu fazer isso, mas vocêsó vê o que você quer ver. Vive em um mundo perfeito que você criou e não enxerga nada que não se encaixe nele. Nada do que eu fizes- se importava, era como se eu fosse invisível.” Nesse instante, é possível começar perceber como o protagonista vê o mundo, a partir do fato de que ele ignora tudo que não se encaixa na perfeição por ele criada. Carlos, melhor amigo de Pedro, tenta ajudá-lo, levando-o para vá- rias festas. Ocorre então um conjunto de cenas de Pedro com mulheres diferentes onde se evidencia o defeito, na visão dele, de cada uma de- las. Uma tem namorado, a outra é tabagista, outras são homossexuais, outra tem transtorno psiquiátrico e assim em diante. Esse momento evidencia o quanto ele procura por uma mulher irreprovável. Mais uma vez cenas intercaladas com a do casal que mora no apartamento ao lado, onde o marido vive reclamando de sua vida de policial e a esposa é tratada de maneira grosseira. Não se sentindo bem nessa vida de farra e festas, Pedro se isola em seu apartamento e passa a aumentar o consumo de bebidas alcoólicas. O personagem aparece escrevendo diversas cartas e poemas para Ma- rina, em um momento em que fica evidente o transtorno depressivo enquanto três meses se passam. Em um momento de etilismo e deslei- xo total do protagonista, a campainha toca. Ao abrir, ele vê um mulher linda, Amanda, que diz ser a outra vizinha dele, e que precisa de uma xícara de açúcar. Ao entrar na casa toda bagunçada, Pedro diz a ela que sua luz e te- lefone foram cortados e que ele está com sua despensa vazia, mas que tem o açúcar para dar. Mesmo vendo o personagem em estado lastimá- vel, Amanda o elogia. Nesse instante, Pedro desmaia. A cena seguinte é com Lúcia (Fernanda Torres) dizendo para Vitória não se culpar pela morte do marido. Pode-se perceber então que a viúva não se sentiu mal com a morte de um homem que a tratava mal e que se sentia livre para 16 • A psiquiatria no cinema procurar seu vizinho, que ela sempre ouvia sendo carinhoso com a ex- -esposa. Lúcia aconselha sua irmã a bater na porta dele pedindo uma xícara de açúcar (assim com Amanda havia feito). Após dois dias, Pedro acorda em sua cama com Amanda olhando para ele. A casa está toda limpa, pois a bela moça havia limpado tudo e cuidado dele durante o tempo em que ficou desacordado. Pedro se declara para ela e é bem correspondido. Amanda diz que é como se ela fosse parte dele, conta que leu as cartas que o mesmo escreveu para Marina e diz que ele é bom com literatura. O mocinho levanta da cama com vigor e ânimo e grita que se sente muito bem, logo pergunta a amada: “Quem é você?” “Eu sou quem você é. Sou solidão em busca de companhia, carinho em busca de afeto, mulher em busca de um marido e pai de seus filhos, alguém que queira amar, trabalhar e viver em paz e longe das loucuras do mundo, alguém para dividir a aventura que é viver!”, responde Amanda. É possível per- ceber claramente que Amanda é a mulher incrível e sem defeitos que o rapaz procurava para dividir a vida. Durante o momento da conversa, Vitória chega na porta com a xí- cara e ouve tudo, desistindo então de tocar a campainha por pensar que Pedro estava acompanhado. Em seguida, o rapaz procura o ex-pa- trão e tenta retomar o emprego de controlador de tráfego e toda sua vida. Carlos, que também trabalha no local, diz que arrumou todo o apartamento enquanto Pedro se encontrava em estado alcoolizado no sofá. Pode-se ver então que não foi Amanda que cuidou de tudo e que o estado mental do personagem poderia estar comprometido pelo uso de álcool. O protagonista aproveita a oportunidade do encontro com o amigo para contar da nova namorada, exaltando suas qualidades e é aconselhado a não se envolver tanto e a conhecer mais sobre o passado da moça. Voltando para casa, uma cena onde Vitória e Lúcia sobem o eleva- dor do prédio com Pedro e ele sequer repara a existência das moças. Ao entrar em casa, ele encontra a amada limpando a casa vestindo roupas A psiquiatria no cinema • 17 íntimas e ele fica entusiasmado com a mulher mais linda que já havia visto. Resolve então saber do passado dela e tem a seguinte resposta: “O passado não importa, comecei a existir quando conheci você.” Em vários momentos, Amanda evidencia que sua existência está ligada a Pedro e que ela depende dele para viver, o telespectador pode entender como algo romântico, mas também é possível perceber que a moça dá sinais de ser apenas fruto da consciência de Pedro. Por insistência do jovem, Amanda conta uma história sobre seu pas- sado, onde a moça se revela com defeitos e obsessão sexual, mas nada disso importa para ele. Mais uma vez, as duas irmãs no apartamento ao lado ouvindo a conversa, porém se queixam de ouvir apenas a voz dele, evidenciando ao público que não há ninguém com Pedro na sala e que o mesmo tem transtorno psicótico com alucinações visuais. O filme mostra imagens de Amanda no cotidiano, exaltando as qua- lidades que Pedro considera que uma mulher deve ter. A moça cada vez mais bonita e sensual, boa dona de casa e ainda gosta de futebol. Sendo assim, na visão do personagem, tudo era como ele queria. Como no início do filme, demonstrado pela ex-esposa Marina, ele não enxerga os defeitos daqueles que ama e seu desejo por uma vida perfeita é tão grandioso que o personagem tem transtorno conversivo-dissociativo para lidar com as situações do dia a dia que o incomodam. O relacionamento do casal é de bastante intensidade e em pouco tempo de convivência eles decidem se casar. Porém, Carlos mais uma vez o aconselha ir mais devagar com o relacionamento e diz querer co- nhecer a moça. Enquanto isso, Carlos vê Vitória na rua algumas vezes e se encanta por ela. O que futuramente será importante para o desen- volver da história. Para agradar o amigo, Pedro sai com Amanda em público pela pri- meira vez e várias situações são apresentadas, como uma ida ao cine- ma, o casal em um restaurante e os dois dançando em uma boate. Com isso, não restam dúvidas que a moça faz parte apenas do mundo ima- ginário do protagonista, uma vez que todos ao redor do casal veem o 18 • A psiquiatria no cinema rapaz sozinho a todo momento e com comportamento estranho. Car- los tenta alertar o amigo sobre seu transtorno psiquiátrico, entretanto não existe insight. Pedro tenta então provar que Amanda existe e tira uma foto dela dormindo, ao mostrar para Carlos, ele diz ao amigo que na foto não tem mulher alguma. Nesse momento o protagonista tem o insight e percebe que realmente a fotografia é de uma cama vazia. Ao chegar em casa e conversar com a mulher perfeita, ela conta seu defeito, diz que é uma pessoa criada por Pedro, ou seja, é uma alucinação visual e audi- tiva do personagem. Ele grita que gostaria de ser amado por alguém e não por ninguém e tem consciência que estava sozinho a todo instante. Durante alguns dias, Amanda continua importunando a vida do ra- paz que ama enquanto ele tenta a todo instante ficar livre dela. O fil- me mostra mais cenas de Vitória tentando bater no apartamento dele, porém sempre há algum empecilho. Para sumir com suas alucinações, Pedro tem a ideia de começar a escrever um livro com a história de um homem que se apaixonou por uma mulher invisível. Triste por não conseguir ser sequer vista pelo vizinho que ama, Vitória decide se mudar para o interior de Minas Gerais, mas é acon- selhada pela irmã a bater na porta dele mais uma vez. Ela toca cam- painha e pede a xícara de açúcar, do mesmo modo como Amanda havia feito. Tal fato confunde a cabeça do personagem, que acha que sua alucinação voltou e o mesmo desmaia novamente. Diversas cenas seguintes fazem com que o personagem tenha cada vez mais certeza que a nova moça também é imaginação sua. Em uma tentativa de acabar com a psicose, ele manda a moça ir embora e a trata grossei- ramente. Após esse momento, a vizinha real fica extremamente triste com tudo e resolve procurar pelo rapaz que sempre a admirava na rua, que por sua vez eraCarlos. Ao perceber todo mal entendido, ele não conta a verdade a Pedro com medo de perder a bela senhorita a qual cortejou algumas vezes. Há então uma cena onde os três se encontram e Pedro A psiquiatria no cinema • 19 percebe que dessa vez se tratava de uma mulher real. Após, ambos bri- gam pelo amor de Vitória e ela recusa os dois. Um período de dois anos se passa e há uma cena de Pedro lançando o livro que escreveu sobre Amanda e Carlos aparece para pedir uma de- dicatória. Os amigos que não se viam desde o último ocorrido e fazem as pazes. Em um final previsível, Pedro volta a procurar Vitória e eles acabam juntos no final. 2.2 Transtorno conversivo–dissociativo O transtorno conversivo é descrito pelo Manual Diagnóstico e Es- tatístico de Transtornos Mentais – Quinta Edição (DSM-V) como uma perturbação e descontinuidade da consciência normal, sintomas moto- res, emoções, memória, entre outros. Tais sintomas podem afetar to- das as áreas psicológicas. Pode estar relacionado como consequência de traumas, refletindo uma relação próxima entre os diagnósticos de trans- torno conversivo-dissociativo e transtorno do estresse pós-traumático. É um transtorno somatoforme que apresenta sintomas que acometem a função motora voluntária ou sensorial. Tem semelhança com condi- ções neurológicas, mas não podem ser originados por essa causa, nem por efeito de substâncias, mas por fatores psicológicos. Causam sofri- mento significativo, prejuízo ocupacional e no meio social (DSM-V). De acordo com o DSM-IV, os sintomas sensoriais podem ser tais como cegueira, surdez, diplopia, convulsões e inclusive alucinações, como é o caso do personagem Pedro apresentado no filme descrito. Em pacientes leigos na área médica, mais inimagináveis são os sintomas, aqueles mais cultos podem simular perfeitamente condições médicas neurológicas e físicas. O diagnóstico deve ser concluído somente após longa e criteriosa avaliação médica geral e neurológica para evitar erros (DSM-IV). Deve-se levar em consideração também a classificação feita pelo CID- 10 (Código Internacional de Doenças), cujo capítulo V apresenta os transtornos mentais e comportamentais. Os transtornos dissociativos e 20 • A psiquiatria no cinema de conversão têm o código F44 e são descritos como perda parcial ou to- tal das funções psicológicas normais da consciência, identidade, lembran- ças e até mesmo dos movimentos corporais. Os sintomas tendem a de- saparecer após semanas ou meses, principalmente quando existe relação com trauma. Esses transtornos apresentam uma subdivisão no CID 10, sendo as subclasses: F44.0 - Amnésia dissociativa; F44.1 - Fuga dissociati- va; F44.2 - Estupor dissociativo; F44.3 - Estado de transe e de possessão; F44.4 - Transtorno dissociativo do movimento; F44.5 - Convulsões dis- sociativas; F44.6 - Anestesia e perda sensorial dissociativa; F44.7 - Trans- torno dissociativo misto [e de conversão]; F44.8 - Outros transtornos dissociativos; F44.9 - Transtorno dissociativo [e de conversão] não espe- cificado. O subitem F44.8 aborda temas como a confusão psicogênica, o estado crepuscular psicogênico, a personalidade múltipla e a síndrome de Ganser. Dessa forma é o mais adequado nesse contexto (CID-10). Segundo Fiszman, em 2007, os transtornos conversivos eram rela- cionados à ideia de histeria até a década de 80 e eram citadas por auto- res com Freud, Janet e Breuer. Derivavam de uma única doença psiquiá- trica, a neurose histérica de acordo com o DSM-II (FISZMAN, 2007). O termo histeria teve seu desmembramento com relação à origem e à localidade dos sintomas e ocorreu a partir do DSM-III com a evolução da psiquiatria e nosologia. Os sintomas de natureza física, como sensi- tivos-motores, ganharam a denominação de somatoformes, que são os transtornos conversivos e as somatizações. Já as manifestações psicológicas passam a ser denominadas como dissociativas. Esta última deve ser compreendida como um comporta- mento, uma vez que o paciente apresenta sintomas direcionados para imitar uma determinada doença. Tal comportamento possibilita ao pa- ciente um ganho primário inconsciente e fornece ainda um solução so- cialmente aceitável para a inviabilidade da resolução de seus problemas pessoais (GALLUCCI NETO, 2009). Segundo a psicanálise, a conversão tem como causa a repressão de conflitos psíquicos inconscientes, transformando sintomas ansiosos A psiquiatria no cinema • 21 em físicos. Tais situações permitem aos pacientes que os mesmos pos- sam expressar sentimentos e necessidades pessoais e podem funcionar como um meio não verbal para controlar e ou manipular os outros (SADOCK, SADOCK 2008). O aspecto epidemiológico dos transtornos somatoformes são mais comuns em populações rurais, em pacientes cujo quociente de inteligência é inferior, pessoas com menos instrução. Tem relação di- reta com outras comorbidades psiquiátricas como a depressão maior, transtornos de ansiedade e esquizofrenia (SADOCK, SADOCK 2008) (KAPLAN, SADOCK, GREBB 1997). O atendimento de um paciente onde existe a mínima suspeita de um quadro conversivo-dissociativo deve contar com uma avaliação clínica criteriosa cujo objetivo seja excluir condições médicas gerais, uso de drogas e substâncias psicoativas e doenças neurológicas que justifiquem o quadro. Podem ser sintomas motores como paralisias, paresterias, ataxias, convulsões, entre outros considerando a conversão. Existem aqueles relacionados à dissociação, sendo eles perturbações das funções miméticas ou da consciência, como fugas, transes, despersonalização e desrealização, amnésias e alucinações. Deve-se ainda observar se tais sintomas surgem de maneira voluntária e consciente com objetivos evidentes, sendo assim uma simulação, ou natureza voluntária e moti- vo inconsciente, chamado então de sintoma factício, onde há apenas o desejo de estar doente. Após comprovação do total estado psicológico inconsciente, pode ser feito o diagnóstico. Deve-se levar em considera- ção que a conversão e dissociação podem ocorrer juntamente com ou- tras doenças psiquiátricas em conjunto ou independentes (GALLUCCI NETO, 2009). . O atendimento de pacientes com esses transtornos ocorre primei- ramente nas unidades básicas de saúde e se houver necessidade por maior gravidade ou complexidade, os centros de atenção psicossociais (CAPS) são mais indicados. Quando os pacientes estão descompensa- dos, prontos-socorros hospitalares podem ser utilizados. O tratamento 22 • A psiquiatria no cinema e acompanhamento desses pacientes é ambulatorial, não necessitando primariamente de internação hospitalar. Primeiramente deve ser for- mada uma relação entre médico e paciente onde haja confiança por parte do doente, em seguida deve haver confrontação do paciente me- diante os sintomas apresentados, levando-o para a razão. A terapêutica é de suporte e apoio, em casos graves é necessário o uso de psicoterápi- cos. Pode ser associado junto ao trabalho do médico psiquiatra, outros profissionais de saúde como os psicólogos (RAPS-SC, 2015). 2.3 Transtorno depressivo de humor Alegria e tristeza são sentimentos comuns e normais que existem no psíquico da vida afetiva de qualquer pessoa. Entretanto, o termo de- pressão na linguagem leiga é utilizado para indicar esses estados afeti- vos. Tristeza é uma resposta global decorrente de situações de perda, desapontamento ou qualquer adversidade comum entre os seres huma- nos. Deve-se lembrar que esse sentimento serve como alerta, pois pode ser indício de futuras doenças, necessidade de companhia ou ajuda. O luto ocorre em decorrência da perda e se caracteriza por uma tristeza profunda, deve durar no máximo por dois anos e são preservadas as res- postas positivas ao ambiente e seus estímulos, não ocorrendo inibição psicomotora observada nos estados melancólicos (PORTO, 1999). A depressão como um sintoma pode aparecer em diversos quadros clínicos, entre eles o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), de- mência, transtornoesquizoafetivo, alcoolismo, doenças clínicas, situa- ções pessoais (sociais e econômicas), entre outras. O termo depressão pode ainda indicar uma síndrome, nesse caso inclui outros sintomas como alterações cognitivas, psicomotoras, mudanças no sono e na fome. Por último, pode também significar doença e tem sido classificada de mo- dos diversos considerando o período histórico utilizado (PORTO, 1999). Os transtornos do humor fazem parte de um grupo diagnóstico que abrangem os transtornos unipolares como depressão maior e distimia e os A psiquiatria no cinema • 23 bipolares, como a depressão bipolar, mania, hipomania, ciclotimia e esta- dos mistos. O humor do indivíduo é a exteriorização verbal de sentimen- tos que ocorrem em decorrência de emoções. As patologias são aquelas que onde há alteração de modo constante de tais estados emocionais por período maior que duas semanas (GREVET e KNIJNIK, 2001). A característica mais comum nos estados depressivos são sintomas de vazio e tristeza, embora nem todos os pacientes relatem estes sen- timentos. Muitos referem incapacidade de experimentar coisas novas, prazer nas suas atividades e diminuição do interesse em geral, tem fre- quente associação com redução da energia, cansaço, fadiga e lentifica- ção (WIDLÖCHER, 1983). Pelo CID-10, o episódio depressivo é classificado como F32 e pos- sui outras subclassificações, sendo elas: F32.0 - episódio depressivo leve; F32.1 - episódio depressivo moderado; F32.2 - episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos; F32.3 - episódio depressivo grave com sinto- mas psicóticos; F32.8 - outros episódios depressivos; F32.9 - episódio de- pressivo não especificado. Há ainda o transtorno depressivo recorrente cujo código é F33 (CID-10). O diagnóstico da depressão leva em consideração sintomas psíqui- cos, fisiológicos e comportamentais. Dentre os sintomas psíquicos tem- -se o humor depressivo, com sensação de culpa e tristeza, falta de capa- cidade de sentir alegria e prazer na vida. Pode haver um sentimento de falta de sentimento e pode ainda se sentir um estorvo para seus paren- tes próximos. Além disso, são frequentes os motivos para pensamen- tos suicidas. Os pacientes sentem qualquer dificuldade como obstáculo intransponível e surge então o desejo de dar fim à sua própria vida. O pensamento suicida é variável, indo do simples desejo de estar morto até a criação de planos estratégicos de como se matar. Tal pensamen- to deve ser avaliado com atenção e cuidado e deve sistematicamente ser investigado com cautela para que possa haver a prevenção desses episódios. Para o diagnóstico, também são avaliadas situações como di- minuição do prazer em realizar atividades que antes eram agradáveis, 24 • A psiquiatria no cinema fadiga e redução do pensamento e tomada de decisões. Além de evidên- cias comportamentais como crises de choro, pensamentos e comporta- mentos suicidas, retração social e retardo psicomotor (PORTO, 1999). Para tratar o paciente com depressão, deve-se entender a pessoa de forma universal, levando em consideração o paciente como um todo. É necessário, portanto, tomar mão da psicoterapia, farmacoterapia e al- terações no estilo de vida (STAHL, 1998). Existem muitos tipos de tra- tamento, casos leves e moderados e também a prevenção de recorrên- cias podem usufruir da psicoterapia. Entretanto, tratamentos isolados são menos eficazes, devendo portanto ter associação de medicamentos (PAMPALLONA, 2004). A duração do tratamento varia de acordo com a necessidade de cada paciente. Em um primeiro episódio, o medicamento deve ser mantido por nove meses após a remissão dos sintomas, 16 enquanto pacientes com depressão recorrente tem maior duração (GARDARSDOTTIR et al, 2009). Fonte: DUAILIBI e SILVA, 2014. A droga psicoterápica de escolha vai ser decidida de acordo com o diagnóstico final e depende de cada especialista, levando em considera- ção preço de mercado, disponibilidade no SUS (Sistema Único de Saú- de) e efeitos colaterais e adversos (SOUZA, 1999). 3. Considerações Finais Após refletir sobre os sintomas psicopatológicos apresentados, é possível perceber que o cinema usado como auxílio à psiquiatria é de suma importância. Uma vez que permite tanto a população leiga A psiquiatria no cinema • 25 quanto aos profissionais de saúde entenderem e discutirem tais temas. Transtornos psiquiátricos muitas vezes são interpretados erroneamen- te pelo público geral e com o acesso aos filmes podem ter melhor en- tendimento. A análise psicopatológica do filme A mulher invisível nos permite en- tender um pouco mais a respeito do transtorno conversivo-dissociativo e do transtorno depressivo de humor, o que evidencia a importância do cinema no auxílio ao aprendizado de forma prazerosa e dinâmica. Explorar o caso clínico ao longo de uma produção cinematográfica au- menta a capacidade de entender a doença e, além disso, permite um melhor entendimento sobre as terapias a serem realizadas. Quanto an- tes for realizado o diagnóstico, melhor prognóstico terá o paciente e assim sua melhora psicológica e social em seu meio de convivência. 4. Referências Bibliográficas CID 10 Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde-F44. Dis- ponível em: <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f44/transtornos-dissociati- vos-de-conversao>. Acesso em 25/10/2017. CID 10 Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde-F44.8. Dis- ponível em: <http://cid10.bancodesaude.com.br/cid-10-f/f448/outros-transtornos- -dissociativos-de-conversao>. Acesso em 25/10/2017. CID 10 Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde-F33.0. Dis- ponível em: < http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f30_f39.htm>. Acesso em 30/10/2017. DEL PORTO, José Alberto. Conceito e diagnóstico. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 1999, vol.21, suppl.1, pp.06-11. ISSN 1516-4446. http://dx.doi.org/10.1590/S1516- 44461999000500003. DSM-IV: Transtornos somatoformes, parte 2. Transtornos conversivos. Disponível em: <http:// www.psiquiatriageral.com.br/dsm4/sub_index.htm>. Acesso em: 26/10/2017. DSM-V: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. American Psychiatric Association. 2013. Disponível em: <http://c026204.cdn.sapo.io/1/c026204/cld-fi- le/1426522730/6d77c9965e17b15/b37dfc58aad8cd477904b9bb2ba8a75b/obaudoe- ducador/2015/DSM%20V.pdf>. Acesso em 25/10/2017 26 • A psiquiatria no cinema FISZMAN, Adriana. As crises não-epilépticas psicogênicas como manifestações clínicas do transtorno de estresse pós-traumático. J. epilepsy clin. neurophysiol., Porto Alegre , v. 13, n. 4, supl. 1, p. 32-35, dez. 2007 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1676-26492007000500007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 25 out. 2017. GALLUCCI NETO, J.; MARCHETTI, R L. Histeria, Somatização, Conversão e Dis- sociação. 2009. Disponível em: http://www.medicinanet. com.br/conteudos/ revises/2325/histeria_somatizacao_conversao_e_dissociacao.htm. Acesso em: 24/10/2017. GARDARSDOTTIR H, EGBERTS TC, STOLKER JJ, HEERDINK ER. Duration of antidepressant drug treatment and Its Influence on risk of relapse/recurrence: immortal and Neglected Time Bias. Am J Epidemiol 2009; 170:280-5. GREVET, Eugênio H., KNIJNIK, Lais. Simpósio sobre Depressão: Diagnóstico de depres- são maior e distimia. Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (3,4): 108-110, jul.-dez. 2001 KAPLAN, Harold; SADOCK, Benjamin; GREBB, Jack. Compêndio de Psiquiatria. 7ed. Porto Alegre: Artmed, 1997. PAMPALLONA S, BOLLINI P, TIBALDI G, KUPELNICK B, MUNIZZA C. Combined pharmacotherapy and psychological treatment for depression: a systematic review. Arch Gen Psychiatry. 2004; 61(7):714-9 SADOCK, Benjamin James; SADOCK, Virginia Alcott. Manual conciso de psiquiatria clínica. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. SANTA CATARINA. Transtornos dissociativos, conversivos e somatoformes: protocolo de acolhimento. RAPS_Protocolo da Rede de Atenção Psicossocial, SUS. 2015. Disponívelem: <file:///C:/Users/usuario/Downloads/Transtornos%20dissociativos,%20con- versivos%20e%20somatoformes.pdf>. Acesso em: 25/10/2017 SOUZA, Fabio GM. Depressão. Rev Bras Psiquiatria - vol. 21 - maio 1999. WIDLÖCHER DJ. Psychomotor retardation: clinical, theoretical and psychometric aspects. Psychiatric Clinics of North America 1983;6:27-40. A psiquiatria no cinema • 27 II. BICHO DE SETE CABEÇAS Roberta Nantes Costa Joice Meire Rodrigues 1. Apresentação/ sinopse Gênero: Drama� Direção: Laís Bodanzky� Roteiro: Laís Bodanzky, Luiz Bolognesi� Autor: Austregésilo Carrano Bueno� Idioma: português� Lançamento: 22 de junho de 2001� Bicho de sete cabeças é inspirado no livro Cantos dos Malditos, no qual o autor, Austregésilo Carrano, conta fatos reais de sua vida. Este filme narra a história de um relacionamento conturbado entre pai e filho, que piora no dia em que Seu Wilson (Othon Bastos), pai de Neto (Ro- drigo Santoro), descobre um cigarro de maconha no casaco dele. Por pensar que o filho se transformará em um viciado, senhor Wilson o interna em um hospital psiquiátrico de forma involuntária. No decor- rer do filme, são mostradas condições desumanas usadas como for- ma de tratamento nos manicômios, sendo essas a principal causa da deterioração da psique dos pacientes. Quando Neto recebe alta pela primeira vez, tenta se readaptar à sociedade, porém as consequências do abuso sofrido no hospital irão surtir efeitos maléficos no cotidiano do personagem. 28 • A psiquiatria no cinema 2. Bicho de sete cabeças e a Psiquiatria 2.1 Análise psicopatológica A história do filme Bicho de sete cabeças mostra a rotina dos hospícios brasileiros, contada em forma de flashback, na qual senhor Wilson co- meça lendo uma carta feita pelo seu filho, Neto, e relembra os aconteci- mentos que motivaram a redação – um texto que continha um desaba- fo agressivo e furioso do filho para com o pai. Neto era um adolescente rebelde, contemporâneo dos anos 2000, que saía nas horas vagas com os amigos para se divertir e usar drogas. Ao ser descoberto pelo pai, foi encaminhado para uma consulta, em que o médico, doutor Cintra Araújo, não o examina e o diagnostica como dependente de drogas. A partir desse momento, Neto é interna- do de forma involuntária, sendo contido química e fisicamente. A partir deste momento, a trama é voltada para o dia a dia do tra- tamento manicomial encarcerado, onde Neto passa por abusos vindos desde a má higiene, uso excessivo de remédios, falta de profissionais capacitados, até o uso de camisas de força, eletrochoque sem anestesia e quarto “forte”, como forma de punição. Demonstrando como esse tratamento tira o paciente da sociedade e do seio familiar, causa deso- rientação e alienação, além de deixar sequelas sociais, físicas e mentais, desumanizando o paciente e o transformando em um bicho, o que re- mete ao título do filme Bicho de sete cabeças. Depois de algum tempo e muitas súplicas do filho, senhor Wilson decide levar o filho embora para casa. Como tentativa de ser reinserido na sociedade, Neto consegue um emprego, porém, com as sequelas do tempo passado no manicômio, ele não cumpre suas obrigações. Nes- ta fase, o personagem não recebe nenhuma assistência pós-recupera- ção, ainda tem dificuldades de adaptação, tem alucinações auditivas e visuais, além de atitudes agressivas e incongruentes com os episódios do momento da trama. O que faz com que o próprio personagem A psiquiatria no cinema • 29 queira voltar ao manicômio, pois acreditava ser lá que ele estava me- lhor adaptado. Ao ir para uma nova instituição, o adolescente passa pelos mesmos tratamentos que já havia recebido antes. Desta vez, Neto, revoltado com as atitudes do enfermeiro Ivan, relata a violência do funcionário para um superior, o que provoca uma perseguição ainda maior contra o paciente. Em uma de suas prisões no quarto “forte”, Neto tenta sui- cídio e ateia fogo na cela, de onde é socorrido depois de um tempo e levado definitivamente para casa pelo pai. Todo o roteiro do filme é baseado na história de Austregésilo Car- rano, que escreveu o livro Canto dos Malditos, no qual relata sua prisão em um manicômio, descrevendo desde o preconceito recebido pelos “anormais” da sociedade, até a falta de um humanismo e presença dos psiquiatras nas instituições. Apesar do filme ser ilustrado nos anos 2000, depois da reforma psiquia- tra, é possível perceber como a mudança foi lenta e submetida à corrupção e ganância, que encarcerava pessoas que poderiam receber um tratamen- to simples e domiciliar ou até mesmo sem um diagnóstico confirmado. O filme revela ainda o descaso dos médicos que, muitas vezes, pela ambição de trabalhar em vários locais e receber proporcionalmente mais, prestavam um atendimento/acompanhamento inadequado aos pacientes, com a justificativa da falta de fiscalização do trabalho exer- cido. Fica evidente que o lugar que teoricamente propunha a tratar e curar os pacientes, nestes casos, contribuía para esgotar a saúde mental dos internos. No mundo, há cerca de meio bilhão de pessoas com transtornos mentais, que necessitam de cuidados intensivos, eficazes e humanos. O que a história conta ao espectador foi a realidade de muitas instituições onde pessoas, com algum tipo de comportamento indesejável para a sociedade modelo, eram depositadas e às vezes, esquecidas. O cotidiano dos encarcerados nestes locais acaba se resumindo em espancamentos, torturas, alimentação contaminada, frio, fome, 30 • A psiquiatria no cinema doenças não curadas e aos que não suportam, a morte. Na época pré- -reforma psiquiátrica, as instituições se colocavam como bem feitoras de uma sociedade civilizada, disciplinada e moderna, tirando do conví- vio social tudo que lhes parecia diferente, mesmo que os fins não jus- tificasse os meios – afinal, o mundo deveria ser gerido e habitado por pessoas de razão e juízos de perfeitos estados. No tempo em questão, os psicofármacos e a eletroconvulsoterapia eram amplamente usados, inclusive como forma coercitiva, o que acar- retava danos físicos e psíquicos aos pacientes. No entanto, com o ad- vento do modelo psicossocial que viria entrar em vigor, esse cenário mudou e trouxe uma associação racional entre a psicoterapia e todos os outros instrumentos disponíveis para uma boa remissão de sintomas apresentados pelos pacientes psiquiátricos. 2.2 Reforma Psiquiátrica Como retratado no filme, muitas pessoas eram internadas sem um diagnóstico prévio ou ainda com um diagnóstico que não necessitava de um tratamento conservador e agressivo. Ao serem encarcerados e despro- vidos de direitos, os pacientes, que tinham quadros leves, acabavam mer- gulhando no “mundo dos loucos” e perdendo sua sanidade mental, assim como menciona Guimaraes at al (2013) nas narrativas de profissionais de enfermagem que serviram de base para o trabalho intitulado “Tratamen- to em saúde mental no modelo manicomial entre 1960 a 2000”. De certa forma, todos os direitos humanos dos pacientes eram feridos, passando pelos direitos da dignidade, da saúde até da liberdade, o que fez com que a sociedade se mobilizasse. A partir de então, se iniciou uma luta antimanicomial, que previa um tratamento digno, humanizado e assegu- rados de direitos para os portadores de doenças mentais. Conforme aborda Jr. Bezerra (2007), o movimento contra o cárce- re em hospícios começou na década de 70 e objetiva a conscientiza- ção do sofrimento trazido por esse tipo de tratamento e a importância A psiquiatria no cinema • 31 de um convívio afetuoso e digno para os pacientes. E o movimento de reforma foi compreendida como um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e sociais. É no cotidiano da vida das instituições, dos serviços e das relações interpessoais que o processo da Reforma Psiquiátrica avança, marcado por impasses, tensões, conflitos e desafios (MS, 2005), conforme os relatórios do Ministério da Saúde, intitulado como documentos da ConferênciaRegional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos após Caracas ficou registrado des- de 1987, o que acontecera da primeira conferência de saúde mental do Brasil até aquele ano. Ficando explicito que além de racionalizar e mo- dernizar os serviços de saúde, o Estado se dispôs a prestar direitos à saúde, justiça e melhoria na qualidade de vida de toda minoria social. A partir de então, a visão de loucura e hospitais psiquiátricos foi reestruturada, garantindo aos pacientes psiquiátricos cidadania e a saú- de mental começou a ser vista como uma área que abrangeria de forma multidisciplinar, saindo dos simples postos de saúde e dos manicômios macabros para o Centro de Atenção Psicossocial, o CAPS. O documento detalha desde o histórico da realidade vivenciada nas instituições psiquiátricas no Brasil, aponta o início da reforma em 1978; o processo de desinstitucionalização que propunha redução de leitos, avaliação anual dos hospitais, implementava as residências terapêuticas, se preocupava com o retorno do paciente para a casa; a rede de cuidados na comunidades e o importante papel de ter a saúde mental na atenção primária; um programa de inclusão social pelo trabalho; e ainda o re- pensar de estratégias para redução de danos e riscos associados ao con- sumo de álcool e drogas, e finalizando quais os desafios foram enfrenta- dos durante toda a Reforma Psiquiátrica como acessibilidade, equidade, recursos financeiros e humanos e o debate no âmbito científico quanto à valorização da vida destes pacientes enquanto seres humanos. Neste cenário vale destacar que a Reforma Psiquiátrica confunde-se com o próprio movimento pela Reforma Sanitária e com o processo de redemocratização do país. As lutas pela abertura política e por uma 32 • A psiquiatria no cinema saúde pública de acesso universal caminharam juntas com a busca por uma assistência psiquiátrica mais humana e voltada para a melhoria da qualidade de vida por meio da ampliação das redes afetivas e sociais (CAVALCANTI, 2008). Como vimos, o debate sobre os rumos e diretrizes para o setor saúde culminaram com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990, e na saúde mental, a oposição ao modelo assistencial he- gemônico centrado no hospital psiquiátrico deu origem à chamada Reforma Psiquiátrica, impulsionada pelo Movimento da Luta Anti- manicomial, que veio pressionar as autoridades na busca por soluções e serviu de cenário para o estruturação e apresentação de estratégias fomentadas pelo Ministério da Saúde para criação de serviços de assis- tência comunitária – como o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial que surgiram na década de 80 e passaram a ter uma linha de finan- ciamento específica do MS em 2002) e outros serviços residenciais terapêuticos, centros de convivência, ambulatórios de saúde mental e hospitais gerais, oferecidos pela rede pública de cuidados na comu- nidade de base municipal. Dentre as diversas estratégias de redimensionamento da assistên- cia à saúde mental comunitária, cabe aqui mencionarmos a função do CAPS, conforme apresentação do Ministério da Saúde no relatório de 2005 e Figueredo (2014), como um local que presta atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospi- tais psiquiátricos; promove a inserção social das pessoas com transtor- nos mentais através de ações intersetoriais; regula a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dá supor- te à atenção à saúde mental na rede básica. Trata-se de uma rede assistencial que garante serviços sociais, tera- pias ocupacionais, atendimento psicológico, consultas médicas, tiran- do a necessidade de internação integral e reinserindo o paciente a uma vida estimada como normal. Uma forma de garantir que o sofrimento psíquico fosse aliviado e garantir ao indivíduo uma família, trabalho e A psiquiatria no cinema • 33 cultura, sempre com cuidados personalizados e individuais, desempe- nhados pelos agentes. Junto ao CAPS foi criado o NAPS, Núcleo de Assistência Psicosso- cial, que é assegurado por três estratégias: regionalização, debate aos ci- dadãos e terapêutica, para que todas as necessidades de uma pessoa em tratamento fossem abrangidas e entendidas, sendo elas culturais, reli- giosas e sociais. Ambas estratégias inegavelmente impulsionaram a im- plementação do SUS, atendendo ao compromisso da integralidade da atenção à saúde e proporcionando ganhos no contexto do atendimento a pacientes psiquiátricos, ao se preocupar em garantir uma unidade psi- quiátrica obrigatória em todos os hospitais e equipes multidisciplinares preparadas para todos os tipos de atendimento, inclusive crises. Entretanto, apesar dos avanços das políticas públicas, novas desco- bertas e informações sobre determinadas patologias, e conhecimentos que possibilitam diagnósticos evitando tratamentos desnecessários con- forme o filme Bicho de Sete Cabeças revela, no Brasil e no mundo, ainda presenciamos dificuldades dos pacientes e suas famílias em compreen- der algumas patologias e direcionar ao tratamento que lhe é devido. Trata-se não apenas de novas legislações, mas de uma nova cultura, vi- são e conscientização popular. 3. Considerações Finais Ao conhecer o enredo do filme, o público passa a conhecer o cotidiano dos internos psiquiátricos e perceber a falta de valorização da vida, mesmo após Reforma Psiquiátrica no Brasil. Trata-se de um convite para repensar, discutir sobre os ideais antimanicomiais, exigindo a prática de todas as leis criadas em favor de uma vida digna aos pacientes psiquiátricos. É possível concluir que muito além da lei que está no papel, é preci- so prática, é preciso que a população entenda o que acontece nas ins- tituições, cobre seus representantes e lute pelos direitos humanos, que seus parentes perdem ao receberem esse tipo de abordagem. 34 • A psiquiatria no cinema E quanto ao CAPS e os NAPS não podemos negar que tiveram im- portante papel durante o processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil ao proporcionarem o acolhimento e a atenção às pessoas com transtor- nos mentais graves e persistentes na tentativa de fortalecer vínculos e proporcionar laços sociais aos pacientes. Neste sentido, acredita-se ser necessário maiores investimentos para sua manutenção como suporte válido ao tratamento dos pacientes. 4. Referências Bibliográficas BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordena- ção Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005. CAVALCANTI, Maria Tavares. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 24(9):1962-1963, set, 2008. FIGUEIREDO M.L.R., DELEVATI D.M., TAVARES M.G., Entre loucos e manicômios: história da loucura e a reforma psiquiátrica no Brasil. Ciências humanas e sociais, Ma- ceió, v. 2, n.2, Nov 2014. GUIMARÃES A.N., BORBA L.O., LAROCCA L.M., MAFTUM M.A., Tratamento em saúde mental no modelo manicomial (1960 a 2000): histórias narradas por profissionais de enfermagem. Texto Contexto Enferm, Florianópolis, 2013, Abr-Jun; 22(2): 361-9. JR BEZARRA B. Desafios da reforma psiquiátrica no Brasil. Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 17(2):243-250, 2007. A psiquiatria no cinema • 35 III. ESTAMIRA Lorena Dias Araújo Hugo Henrique de Menezes Vieira Letícia Nacife Gomes 1. Apresentação/ sinopse Gênero: documentário� Direção: Marcos Prado� Roteiro: Marcos Prado� Idioma: português� Lançamento: 28 de julho de 2006� O documentário brasileiro Estamira relata a rotina da personagem prin- cipal, Estamira Gomes de Sousa, no lixão de Jardim Gramacho – RJ. Uma senhora de 63 anos com quadro de transtorno psicótico de curso crônico, alucinações auditivas, ideias de influência e discurso místico que revela sua visão de mundo a partir de seu distúrbio psiquiátrico, com inúmeros dis- cursos contra Deus, contra alienação dosseres humanos em uma socie- dade controladora estruturada para calar a voz daqueles que se rebelam e trazem a “verdade”, reflexões sobre a vida, o trabalho e sobre sua própria existência. Ela acreditava que sua missão era revelar a “verdade”. Estamira, mãe de três filhos: Hernani, Carolina e Maria Rita que du- rante o documentário ajudam a esclarecer sobre a alteração mental vi- vida pela mãe, a partir de fatos e histórias. A protagonista veio a falecer em 2011 devido a uma septicemia. Quando criança, morava com a mãe que também apresentava trans- tornos psiquiátricos e com o pai Leopoldo. Esse forçou a internação da 36 • A psiquiatria no cinema mãe de Estamira em um hospital em Engenho de Dentro (um bairro no Rio de Janeiro), onde a dopavam e batiam. Depois de certo período, assim que deixou Leopoldo foi buscar sua mãe. E viveu com ela até a morte. Durante a narrativa é revelado que o avô de Estamira (por parte de mãe) estuprava tanto sua mãe quanto ela. E aos 12 anos de idade foi le- vada por esse avô para um bordel, onde conheceu Miguel Hernani, pai de Hernani (seu primeiro filho) com quem morou por certo período. Entretanto, o relacionamento não deu certo e Estamira foi com o filho para Brasília. Na capital federal conheceu um italiano, com quem teve uma filha, Carolina e um filho “invisível”. Esse relacionamento durou 12 anos. E a partir daí Estamira começou a trabalhar no aterro sanitário de Jardim Gramacho. Convencida pelos filhos a largar esse emprego, mudou de ocupação e aos finais de semana saía com os amigos da firma. Certo dia, voltando para casa foi estuprada no centro de Campo Grande e uma terceira vez na rua da própria casa. Como era muito religiosa nessa época, acredi- tava ser uma provação de Deus. As alucinações começaram um tempo depois e a partir daí o documentário consegue captar toda a mensagem trazida por Estamira, com toda sua lucidez e “loucura”. A ênfase dada no documentário é com relação à “verdade” trazida por Estamira, dando destaque na narrativa para seus pensamentos e sua forma de enxergar a vida que esboça para nós a realidade do quadro de Esquizofrenia Paranoide. Abordando de uma forma fidedigna, sem artifícios e interpretação equivocada. 2. Estamira e a Psiquiatria 2.1 Análise Psicopatológica A primeira cena mostra imagens do lixão onde Estamira trabalhava e ela fala sobre sua missão: “A minha missão, além de ser a Estamira, é re- velar a verdade e somente a verdade, seja mentira, seja capturar a mentira A psiquiatria no cinema • 37 e tacar na cara ou então ensinar a mostrar o que eles não sabem, os ino- centes, não tem mais inocente, tem esperto ao contrário.” No relato dela percebemos uma alteração de linguagem típica da Esquizofrenia, um neo- logismo – palavras novas, criadas ou um novo sentido dado à uma palavra já existente, evidenciado com a expressão “esperto ao contrário”. Em um segundo momento, conversando com os cinegrafistas, mos- trando as montanhas e a natureza ao redor do lixão de Jardim Grama- cho, ela fala: “Olha lá, os morros, as serras, as montanhas, a paisagem… Estamira está em tudo quanto é canto, tudo quanto é lado, até meu sentimento mesmo vê, todo mundo vê a Estamira”. Temos aí uma al- teração da consciência dos limites do eu, onde o indivíduo se expande para o meio externo, não há um limite nítido entre o ser e o ambiente. O embotamento afetivo, um sintoma de segunda ordem da Esqui- zofrenia (segundo Kurt Schneider) é um tipo de comportamento em que o indivíduo apresenta dificuldade em expressar emoções. É comum de acontecer na Esquizofrenia. Entretanto, no documentário, esse sin- toma psicopatológico não fica tão evidente e a forma como reage a di- versas situações pode ser parte de suas características pré-mórbidas. Há uma cena, com flash em preto e branco e Estamira fala: “Visivelmente, naturalmente, se eu me desencarnar eu tenho a impressão que eu serei muito feliz e talvez eu poderia ajudar alguém. Porque o meu prazer sempre foi esse, ajudar alguém”. Com isso, percebemos que os outros não são indiferentes para ela. Os sintomas negativos da esquizofrenia não ficam bem definidos durante o documentário. Não há diminuição da fluência verbal, len- tificação psicomotora, hipobulia, nem retraimento social (mostra um bom relacionamento com colegas de trabalho, por exemplo). Um sin- toma negativo presente é a negligência consigo mesma, uma aparência descuidada, com poucos cuidados higiênicos e estéticos em relação ao corpo. Mas esse descuido deve ser bem analisado, tomando como base o contexto sociocultural em que vive e como era esse cuidado antes do início da doença. 38 • A psiquiatria no cinema Em certo momento, Estamira reflete sobre como entende a morte: “… a carne se for para o chão, dissolve, derrete, fica só os ossos e raios, cabelos. E acontece que ele fica formato a mesma coisa, só que acon- tece que fica transparente perto da gente. Meu pai tá perto de mim, minha mãe, os amigos… ó, tô vendo… Lá em casa eu vejo é muito, vai muito lá em casa”. Nesse trecho temos a representação de um delírio associado a alucinação, onde ela relata ver e ter a sensação de que pa- rentes mortos ficam por perto. A personagem começa a contar quando nasceu (07/04/41) e um pouco sobre a vivência com o pai, demonstrando certo saudosismo. Quando perdeu o pai, viveu com a mãe até a morte da mesma. “Coita- da da minha mãe, mais perturbada do que eu. Eu sou perturbada, mas lúcida e sei distinguir a perturbação e a coitada da minha mãe não con- seguia, mas pudera eu, sou a Estamira, se eu não der conta de distinguir a perturbação eu não sou a Estamira.” A demonstração de um dos fatores causais mais seguramente impli- cados no desenvolvimento da esquizofrenia vem dos estudos em gené- tica epidemiológica que, por meio de mais de oito décadas de investi- gações, confirmaram a influência genética para o transtorno (Vallada e Samaia, 2000). Estamira explica que há dois “controles”, o controle remoto supe- rior e o controle remoto artificial. Depois mostra uma cena dela tra- balhando e de repente sente uma dor: “… passei menos mal depois daquele dia, mas depois voltou a atacar, aqui ó (aponta para a região lombar), é o controle remoto mesmo, é a força. A câmera natural não me faz mal, é artificial. É na costela, em tudo quanto é lugar. Ai até na cabeça.” Fica explícito uma alucinação cenestésica, interoceptiva, um erro sensorial em relação ao próprio corpo, uma vivência de influência corporal. É como se a pessoa sentisse algo dentro de si, o objeto aqui no caso seria o “controle remoto”. “Agora tem o registrador do pensamento, você já viu? Você não viu, rapaz? Você tá brincando comigo! Puxa vida! É a mesma coisa que o A psiquiatria no cinema • 39 eletroesferograma.” Além do neologismo já citado anteriormente, evi- denciado quando ela diz “eletroesferograma”, temos também um sin- toma psicopatológico de publicação do pensamento, no qual Estamira dá a entender que alguém registra e conhece os seus pensamentos. Um fenômeno muito encontrado no documentário é a condensação de conceitos. É assim chamada quando dois ou mais conceitos são fun- didos, ou seja, quando, na produção da fala, o esquizofrênico, involun- tariamente, condensa ideias em uma única palavra que, portanto, pode ser tomada como um neologismo (Dalgalarrondo, 2008, p. 195). Em meados de dezembro, época do Natal, Estamira é questionada sobre o que pensa sobre essa festividade: “Eu não tenho nada contra o homem que nasceu. Para eles o que era bom era o Deus, depois eu revelei quem é Deus, porque eu posso… Revelei porque eu pos- so, porque sei consciente, lúcido e ciente.” Inúmeras vezes durante o documentário a personagem apresenta delírios de grandeza, uma forte crença de ter poder, de ser portadora da verdade, de saber mais do que os outros. Nesse trecho se refere superior a Deus, visto que ela mesma O revelou. O delírio constitui uma vivência individual. Todo delírio é de certa forma autorreferente, nosentido de que o seu conteúdo está direta e indiretamente relacionado ao enfermo. O delírio se transforma no eixo em torno do qual passa a girar a vida do indivíduo (CHENIAUX, 2011). Delírios são experimentados subjetivamente com características mais de saber do que acreditar (SEDLER, 1995). O indivíduo possui uma con- vicção irremovível, não necessitando comprovar e convencer as pessoas de seu juízo. Carolina, filha de Estamira, conta aos cinegrafistas como começou as alucinações e delírios da mãe: “Ela chegava em casa e falava com minha sogra que quando tinha chegado em seu quarto depois do tra- balho, tinham feito trabalho de macumba para ela. Ela pisou na tal ma- cumba e a jogou fora dizendo que não ia acreditar nessas coisas, que Deus a protegia, que Deus era tudo e a guiava e guardava”. 40 • A psiquiatria no cinema Um mês após esse episódio, Estamira dizia ter gente do FBI atrás dela. Tinha a impressão que quando andava de ônibus as pessoas a fil- mavam, com câmeras escondidas. Temos nesse trecho a exemplificação de um delírio persecutório, em que a personagem acredita estar sendo vigiada, filmada. Uma alteração do juízo de realidade, um delírio pri- mário que surge de uma desestruturação do próprio pensamento. Carolina continua contando que certa vez sua mãe estava no quintal observando os coqueiros e falou: “Isso que é o poder, isso que é tudo que é real”. A filha diz: “Naquele dia acho que ela desistiu mesmo de Deus, agora é só eu e eu, o poder real e acabou”. Estamira a partir de uma vivência normal (observar os coqueiros) dá uma significação nova a esse evento, caracterizando uma percepção delirante, sintoma de pri- meira ordem da Esquizofrenia. A percepção delirante se caracteriza em se atribuir a percepções reais, sem motivo emocional ou racionalmente compreensível, um sig- nificado anormal. Este significado é de natureza particular, é importan- te, enérgico e pessoal, como uma mensagem do outro mundo, ou um sinal (SCHNEIDER, 1968). Seguindo o documentário, mostra uma cena de Estamira, aparen- temente conversando sozinha: “Trocadilo safado, canalha, assaltante de poder, manjado, desmascarado”. O “trocadilo” é a forma como se refere a uma entidade com a qual discute. O solilóquio é um indicativo de alucinação auditiva, em que o indivíduo apresenta o comportamento de falar sozinho. Mas é válido elucidar que pode ocorrer em pessoas saudáveis. Hernani, primogênito de Estamira, conta que já tentou internar a mãe. Estamira diz: “O desgraçado da família Itália juntamente com aquele meu filho me pegaram aqui dentro (no lixão) como se eu fosse uma fera, um monstro algemado e aquele meu filho ficou contaminado pela terra suja, pelo baixo nível, pelo insignificante.” Estamira fala mais uma vez sobre sua alucinação cenestésica: “Contro- le remoto atacou desde manhã, a noite inteira pelejando pra ver se atinge A psiquiatria no cinema • 41 alguma coisa, que é o coração meu. Ou então a cabeça.” Há sempre um conteúdo delirante, a ideia de estar lutando contra determinada força. Mais uma evidência de alucinação auditiva é detectada em mais uma das reflexões da personagem: “Eu estou num lugar bem longe, num espaço bem longe, a Estamira está longe, Estamira está em todo lugar” … de repente fica com o olhar fixo, como que perplexa com algo e fala: “Espera aí que eu tô descendo”, como se alguém tivesse conversado algo com ela. Logo em seguida, Estamira começa a escutar algo e colo- ca um objeto no ouvido, conversando em uma língua diferente, estra- nha. Esse ato de conversar em uma língua estranha, produzindo sons ininteligíveis, é caracterizado como glossolalia. Estamira era atendida no Centro de assistência social José Miller, em Nova Iguaçu. Relata sobre suas consultas: “… eu conheço médicos. Ela é copiadora. Eles estão fazendo sabe o quê? Dopando quem quer que seja com um só remédio… O tal do Diazepam então. Se eu beber Dia- zepam, se eu sou louca, visivelmente, naturalmente eu fico mais lou- ca.” Ela mostra alguns medicamentos que receitaram. “Toda coisa tem limite. Esses remédios são da quadrilha da armação do dopante, pra cegar os homi.” O conteúdo delirante de sua vivência leva a uma baixa adesão ao tratamento farmacológico. “Eu tô desgovernada, querendo falar sem poder, agoniada… Eu já tive pensando em ficar um ano sem beber o remédio porque tem vez que a minha cabeça tá parecendo sabe o quê? Um copo cheio de Sonri- sal fervendo”. “Olha tem uma coisa zuando aqui no meu ouvido, fazendo – tiiimm – e eu acho que é os remédios, entendeu? Porque eu bebo muito remé- dio e eles é tudo dopante”. No documentário é possível observar uma ruptura de temporalida- de, a perda de referência do Eu no tempo e espaço, uma cisão na inte- gralidade, identidade do Eu: “Antes deu nascer eu já sabia disso tudo, antes deu tá com carne e sangue… É claro que eu sou a beira do mun- do, eu sou a Estamira…” 42 • A psiquiatria no cinema Há uma autointitulação grandiosa, com discurso místico que envol- ve temas religiosos: “Eu sou perfeita, meus filhos são comuns. Eu sou melhor do que Jesus e orgulho por isso…” “Agora vou revelar a verdade, quem quiser me matar pode matar, não mataram Jesus?” Há um comprometimento social gerado pela doença da persona- gem. Estamira tem um relacionamento instável com o filho Hernani, visto que ele frequenta a Igreja Adventista do 7° dia e a ira de sua mãe contra Deus o afasta. Ele acredita que a mãe é possuída por forças ma- lignas. Ela diz: “ A minha cabeça trabalha muito, mas o trocadilo fez com que eu me separasse até dos meus parentes…” “Se queimar o espaço todinho e eu tô no meio, pode queimar e eu tô no meio, invisível. Se queimar meu sentimento, minha carne, meu sangue, se for pra verdade, pela lucidez de todos os seres, por mim pode ser agora nesse segundo. E agradeço ainda.” 2.2 Esquizofrenia O conceito moderno de Esquizofrenia foi formalizado pelo psiquia- tra alemão Emil Kraepelin no final do século XIX, e o termo, criado por Eugenio Bleuler em 1911, a partir do grego schizo (dividir ou clivar) e phren (mente), significa literalmente mente desdobrada, ou seja, cisão das funções mentais, pensamento “separado” da realidade, dissociação entre o pensamento do doente e a realidade física do seu corpo e do ambiente (SADOCK e SADOCK, 2008). A Esquizofrenia segundo a Organização Mundial de Saúde (2000) é conhecida como uma das doenças psiquiátricas mais graves e desa- fiadoras e ainda por muito a ser estudada até hoje. Segundo a Classi- ficação Internacional das Doenças é uma enfermidade complexa, ca- racterizada por distorções do pensamento, da percepção de si mesmo e da realidade externa, além de inadequação e embotamento do afeto (OMS, 1998). A psiquiatria no cinema • 43 Trata-se de uma doença bastante prevalente dentre as condições psi- quiátricas. Atualmente, os pacientes com esquizofrenia são maioria nos leitos de hospitais psiquiátricos. No Brasil aparecem cerca de 75.000 no- vos casos desse transtorno por ano, o que representa 50 casos para cada 100.000 habitantes (CHAVES, 2000). As causas da esquizofrenia são ainda desconhecidas. Porém, há con- senso em atribuir a desorganização da personalidade, verificada na es- quizofrenia, à interação de variáveis culturais, psicológicas e biológicas, entre as quais destacam-se as de natureza genética (SILVA, 2006). Os primeiros sinais e sintomas da doença aparecem mais comumen- te durante a adolescência ou início da idade adulta. Apesar de poder surgir de forma abrupta, o quadro mais frequente se inicia de maneira insidiosa. Sintomas prodrômicos pouco específicos, incluindo perda de energia, iniciativa e interesses, isolamento, comportamento inadequa- do, negligência com a aparência pessoal e higiene, podem surgir e per- manecer por algumas semanas ou até meses antes do aparecimento de sintomas mais característicos da doença. Familiares e amigos em geral percebem mudanças no comportamento do paciente, nas suas ativi- dades pessoais, contatosocial e desempenho no trabalho e/ou escola (SILVA, 2006). Segundo o DSM-V, apresenta os seguintes critérios diagnósticos: (a) Dois (ou mais) dos itens a seguir, cada um presente por uma quantidade significativa de tempo durante um período de um mês (ou menos, se tratados com sucesso). Pelo menos um deles deve ser (1), (2) ou (3): 1. Delírios. 2. Alucinações. 3. Discurso desorganizado. 4. Com- portamento grosseiramente desorganizado ou catatônico. 5. Sintomas negativos (i.e., expressão emocional diminuída ou avolia). (b) Por período significativo de tempo desde o aparecimento da per- turbação, o nível de funcionamento em uma ou mais áreas importantes do funcionamento como trabalho, relações interpessoais ou autocuida- do, está acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou quando o início se dá na infância ou na adolescência, incapacidade de 44 • A psiquiatria no cinema atingir o nível esperado de funcionamento interpessoal, acadêmico ou profissional). (c) Sinais contínuos de perturbação persistem durante, pelo menos, seis meses. Esse período de seis meses deve incluir no mínimo um mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso) que precisam satisfa- zer ao Critério A (i.e., sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas prodrômicos ou residuais. Durante esses períodos prodrô- micos ou residuais, os sinais da perturbação podem ser manifestados apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas listados no Critério A presentes em uma forma atenuada (p. ex., crenças esquisitas, experiências perceptivas incomuns). (d) Transtorno esquizoafetivo e transtorno depressivo ou transtor- no bipolar com características psicóticas são descartados porque 1) não ocorreram episódios depressivos maiores ou maníacos concomitante- mente com os sintomas da fase ativa ou 2) se episódios de humor ocor- reram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve em relação aos períodos ativo e residual da doença. (e) A perturbação pode ser atribuída aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica. (f ) Se há história de transtorno do espectro autista ou de um trans- torno da comunicação iniciado na infância, o diagnóstico adicional de esquizofrenia é realizado somente se delírios ou alucinações proemi- nentes, além dos demais sintomas exigidos de esquizofrenia, estão tam- bém presentes por pelo menos um mês (ou menos, se tratados com sucesso). O DSM-5 abandonou a divisão da esquizofrenia em subtipos: para- noide, desorganizada, catatônica indiferenciada e residual. Os subtipos apresentavam pouca validade e não refletiam diferenças quanto ao cur- so da doença ou resposta ao tratamento (ARAÚJO e NETO, 2014). Estamira, no documentário, apresenta dois critérios maiores (Alucinações auditivas e delírios, em curso crônico). O tratamento A psiquiatria no cinema • 45 medicamentoso contínuo é fundamental no controle da sintomatolo- gia do transtorno, especialmente quando associado a outras modalida- des terapêuticas (Silva et. al 2012). A não adesão é um problema persistente e relevante entre pessoas que tomam antipsicóticos. É um fenômeno complexo e multifatorial. Carac- terísticas do contexto, cultura e crenças do indivíduo influenciam signi- ficativamente a adesão ao tratamento medicamentoso (CHANG et. al 2013). É de extrema importância o acompanhamento psiquiátrico desses pacientes e o uso de estratégias que visem maior adesão ao tratamento. O objetivo principal do acompanhamento psiquiátrico é a preven- ção de recaídas, pois essas contribuem para a deterioração do paciente. Como objetivos secundários estão a prevenção do suicídio, a reabilita- ção do paciente e a diminuição do estresse familiar. O sucesso do tra- tamento depende da adesão do paciente. Mesmo após várias crises e remissões, os pacientes param de tomar os antipsicóticos e voltam a ter recaídas. A relação médico-paciente e o vínculo devem ser trabalhados constantemente para o êxito do acompanhamento psiquiátrico. As es- tratégias do tratamento variam conforme o paciente, sua família, a fase e a gravidade da doença (SHIRAKAWA, 2000). Considerando a complexidade, a severidade, o intenso sofrimento e os inúmeros prejuízos que a esquizofrenia pode causar nos diversos aspectos da vida de seus portadores e seguindo as ideias de transformação dos concei- tos de doença mental e assistência psiquiátrica, é importante um novo olhar para os portadores deste transtorno, dando-lhes voz, acolhendo e valorizan- do seus sofrimentos neste processo de descoberta de novo sentido para a convivência com a esquizofrenia (MARQUES, BIM e SIQUEIRA, 2012). 3. Considerações Finais O documentário nos traz uma reflexão acerca do estigma associa- do à doença, que ocorre principalmente devido a sua contextualiza- ção a eventos de cunho religioso, espiritual. No início dos tempos, os 46 • A psiquiatria no cinema distúrbios mentais eram vistos como uma revolta dos deuses ou posses- são demoníaca. A importância dessa reflexão é desmistificar as falsas crenças com relação à Esquizofrenia e nos fazer enxergar o ser humano que há por trás, trazendo à tona toda a dificuldade social enfrentada por esses in- divíduos. É uma forma de alertar tanto a população quanto as autori- dades sobre a necessidade de criar estratégias de saúde que recebam da melhor maneira esses pacientes, dando a eles toda acessibilidade e os acolhendo. Minimizando assim, os danos sociais e ocupacionais por eles vivenciados. Além disso, favoreceria a uma maior adesão e procura dos portado- res ao tratamento, visto que o principal obstáculo é o estigma envolto nas doenças mentais. 4. Referências Bibliográficas AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. ARAUJO, Álvaro Cabral; LOTUFO NETO, Francisco. A nova classificação Americana para os Transtornos Mentais: o DSM-5. 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Porto Alegre: Artes Médicas, p. 82- 3, 1998. SADOCK, V. A.; SADOCK, B. J. Manual conciso de psiquiatria clínica. Porto Alegre, 2ª Edição: Artmed, 2008. 100 p SEDLER MJ. Understanding delusions. The Psychiatric Clinics of North America 18(2): 251-62, 1995. Schneider, K. – Psicopatologia Clínica. Ed. Mestre Jou, São Paulo, 1968. SILVA, Amanda Mendes et al. Esquizofrenia: Uma Revisão Bibliográfica. UNILUS Ensino e Pesquisa, v. 13, n. 30, p. 18-25, 2016. SILVA, Regina Cláudia Barbosa da. Esquizofrenia: uma revisão. Psicol. USP, São Paulo, v. 17, n. 4, p. 263-285, 2006. SILVA, Tatiana Fernandes Carpinteiro da et al. Adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes do espectro esquizofrênico: uma revisão sistemática da literatura. J bras Psiquiatr, v. 61, n. 4, p. 242-51, 2012. VALLADA FILHO, Homero P.; SAMAIA, Helena. Esquizofrenia: aspectos genéticos e es- tudos de fatores de risco. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 22, p. 2-4, 2000. A psiquiatria no cinema • 49 IV. FRAGMENTADO Caroline Kelly de Alvarenga
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