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GENEROS INTERCALADOS EM TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS COORDENAÇÃO DO MESTRADO ACADÊMICO EM LETRAS
	
OS GÊNEROS INTERCALADOS NO DISCURSO ROMANESCO DE TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA
Francisco Adelino de Sousa Frazão (UESPI)[1: Francisco Adelino de Sousa Frazão (adelinofrazao@hotmail.com). Mestrando em Letras (UESPI); Especialista em Docência Superior (UESPI); Graduado em Educação Artística com Habilitação em Música (UFPI). Professor de Música do IFPI.]
Maria do Socorro Rios Magalhães (UESPI)[2: Maria do Socorro Rios Magalhães (mriosmagalhaes@yahoo.com.br). Drª. em Letras (PUC-RS); Profª. do Mestrado Acadêmico em Letras (UESPI); Profª. Adjunta de Letras (UESPI).]
RESUMO: Este estudo objetiva apresentar uma análise dos gêneros intercalados presentes na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (1881-1922). A análise tem como pressupostos teórico-metodológicos os escritos de Bakhtin (1990, 2003) e Marcuschi (2002, 2008). Selecionamos esta obra por encontrarmos vários gêneros textuais na sua composição, como: o conto, a carta, letras de canções, reportagem jornalística, poesias, enfim, gêneros menores (primários) que se unem formando um todo de sentido dentro de um gênero maior (secundário), que é o romance. Com este estudo, concluímos que a intercalação dos gêneros acontece naturalmente na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, o que lhe confere uma maior verossimilhança, por conter, na sua estrutura, vários gêneros discursivos que refletem as práticas sociais da vida real.
Palavras-chave: Lima Barreto, Gêneros intercalados, Gêneros textuais;
ABSTRACT: This study aims to present an analysis of the interspersed genres present in the literary work Triste Fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto (1881-1922). The analysis has as fundaments the theoretical-methodological writings of Bakhtin(1990, 2003) and Marcuschi(2002, 2008). We selected this literary work by finding several text genres in its composition, as: the short story, letter, song lyrics, journalistic report, poetry, anyway, minor genres (primary) who unite to form a whole of sense within a larger genre (secondary), which is the romance. With this study, we conclude that the merge of genres comes naturally to work Triste Fim de Policarpo Quaresma, giving it a greater likelihood to contain in its structure, some genres that reflect the social practices of real life.
Key words: Lima Barreto, Interspersed genres, Text genres;
Considerações iniciais
O objetivo deste trabalho é o de desenvolver uma análise da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma (2005) em busca de mapear e caracterizar os gêneros intercalados presentes na obra de Lima Barreto (1881-1922). É importante salientarmos que a escolha desta obra se deu pela constatação da presença de vários gêneros textuais na sua composição, como por exemplo: o conto, a carta, letras de canções, reportagem jornalística, poesias. Enfim, gêneros menores (primários) que, de acordo com Bakhtin (1990), se unem a um gênero maior (secundário - romance), formando um todo de sentido. Sobre este assunto, elencamos os estudos e as fundamentações teóricas de Bakhtin (1990, 2003) e Marcuschi (2002, 2008), por considerarmos como fontes de basilar importância à nossa análise. Através desta pesquisa buscaremos entender a importância dos gêneros intercalados, para a construção romanesca realizada por Lima Barreto na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma.
Afonso Henrique de Lima Barreto (1881-1922) foi um dos mais importantes escritores brasileiros, considerado um sucessor de Machado de Assis. Ele desponta como personagem primordial do pré-modernismo brasileiro, pois foi autor de livros cruciais para compreensão da realidade brasileira do início do século XX. Esta foi uma época e um momento histórico de grande efervescência cultural, crises e conflitos, além de grandiosas transformações políticas, econômicas e artísticas (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 3). [3: As informações da biografia sobre Lima Barreto se encontram no texto introdutório de Sara Diva da Silva Ipiranga na edição de Triste Fim de Policarpo Quaresma de 2005, da ABC Editora. ]
Sara Ipiranga (2005) afirma que Barreto foi um autor de espírito crítico inigualável, e que ele “desponta com um estilo e uma temática renovadores para a prática ficcional”, pois demonstrava, através de seus textos, uma visão apurada sobre a realidade social e sobre a cultura brasileira do momento histórico em que viveu. Ele revela o impasse do Brasil no início do Século XX, que oscilava entre o dilema das formas econômicas ultrapassadas e o desejo de industrialização e modernização que caracterizaram a época. Órfão de mãe aos quatro anos de idade, Lima Barreto era mulato e pobre. Começou a trabalhar como auxiliar de escritório e jornalista após a internação de seu pai em um hospício, momento em que teve de abandonar a faculdade de engenharia e se tornar responsável pelo sustento dos irmãos. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 3).
Em seus livros, tem preferência por personagens simples, mas bem representativos. Seu estilo de escrita apresenta uma matéria narrativa bem próxima da vida social de sua época. E como afirma Sara Ipiranga:
A espontaneidade, as cenas do cotidiano e a narrativa despojada rompem com os modelos acadêmicos e acabam por lhe valer severas censuras da crítica, que enxergava graves imperfeições de estilo no uso distenso que ele fazia da língua. Sua escrita se aproximava muito da crônica, gênero por excelência mais descontraído e que coloca o cotidiano como protagonista da trama. Jornalista que foi, era natural que trouxesse para seus romances o clima e a ambientação típicas da produção jornalística. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 4).
Podemos perceber nas suas obras, além deste despojamento da linguagem, certo descontentamento e melancolia. Talvez por causa de sua vida pessoal, que era marcada por tratamentos médicos e internações. No entanto, Barreto sempre teve sua vida e obra em evidência, apesar de sua origem humilde e da perseguição que sofria por preconceito à sua cor. Além disso, sua vida era marcada e destroçada pelo alcoolismo (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 4).
A obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, o romance mais expressivo de Lima Barreto, foi primeiramente publicada em forma de folhetim no Jornal do Comércio no período de janeiro a março de 1911 (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 4). Este romance tem como temática principal, a crítica ao nacionalismo exagerado de seu protagonista, o major Policarpo Quaresma, subsecretário do Arsenal de Guerra do Exército. Quaresma era um homem metódico ao extremo. Sua pontualidade, sua rigidez e seu isolamento do mundo o diferenciam dos outros personagens da trama (BARRETO, 2005, p. 11).
Quanto ao exagerado patriotismo do protagonista da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, Sarah Ipiranga destaca que este apresenta “um amor sobrenatural e obsessivo por tudo o que diga respeito à Pátria”. Estuda com dedicação as tradições nacionais, tem anseio por construir um “projeto cultural para o País” que recupere “as mais genuínas expressões de brasilidade”. Chega a estudar violão, que era instrumento de má fama na sociedade da época, como instrumento acompanhador de modinhas; estuda costumes dos índios, que para ele eram os primeiros brasileiros; seu projeto prevê o tupi-guarani como a língua oficial do Brasil. Enfim, todos estes acontecimentos na vida de Quaresma resultam por todos acreditarem que ele estava louco, na perda de seu emprego de subsecretário e sua posterior aposentadoria, além da sua internação em um hospício. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 5-6).
Lima Barreto é autor de romances, contos e crônicas que, além de transitarem entre a autobiografia, a história, a ficção e a crítica social, refletem a vida do Rio de Janeiro no final do Século XIX e início do Século XX. Dentre suasprincipais obras, podemos destacar os romances: Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), Numa e a Ninfa (1915), Vida e Morte de J. M. Gonzaga de Sá (1918), Clara dos Anjos (1948). Dentre os contos: Histórias e Sonhos (1920), Outras Histórias e Contos Argelinos (1952). Crônicas: Feiras e Mafuás (1953), Marginália (1953), Coisas do Reino do Jambom (1963), Vida Urbana (1953). Sátira: Os Bruzundangas (1922). Diversos: Aventuras do Dr. Bogóloff (1912); Impressões de Leitura (crítica literária, 1956); Correspondência ativa e passiva (1956).
O gênero romance
Para Bakhtin, “O romance, tomado como um conjunto, caracteriza-se como um fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal”. E “estas unidades estilísticas heterogêneas ao penetrarem no romance, unem-se a ele num sistema literário harmonioso, submetendo-se à unidade estilística superior do conjunto” (BAKHTIN, 1990, p. 73-74).
O plurilinguismo é introduzido no romance pelo discurso bivocal e dialógico, pois as vozes presentes no romance são expressadas pela intenção direta do personagem que fala demonstrando também o discurso do outro, servindo aos dois locutores a partir da intenção do autor (BAKHTIN, 1990, p. 127). E o outro é a representação bivocal (voz do personagem x outro) dos discursos de classes, gêneros, etnia, reveladas pelo autor através da construção dos personagens do romance. Neste sentido, a voz não seria só do personagem, mas de um reflexo social (semelhança dos personagens de uma obra com pessoas da vida real) da sua construção (BAKHTIN, 1990, 127-128).[4: O dialogismo é uma importante ferramenta para na composição romanesca, pois nos diálogos que acontecem dentro do romance as diversas vozes coexistem, não se anulam, na sua consonância ou dissonância social, e este plurilinguismo social é uma singularidade da estilística romanesca. (BAKHTIN, 1990, p. 75).]
É neste sentido que Bakhtin afirma que os vários estilos, as várias línguas e as várias vozes podem ser caracterizados como:
os diversos dialetos, sociais, maneirismos de grupos, jargões profissionais, linguagens de gêneros, fala das gerações, das idades, das tendências, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras, das linguagens de certos dias e mesmo de certas horas... enfim, toda estratificação interna de cada língua em cada momento dado de sua existência histórica constitui premissa indispensável do gênero romanesco. (BAKHTIN, 1990, p. 74). 
Enfim, o romance representa a união das várias vozes que a compõem, formando um todo de sentido. E junto com a construção de seus personagens e seu plurilinguismo dialógico é que podemos perceber que a intercalação de gêneros no romance é uma ferramenta essencial para a apresentação de diferentes vozes no decorrer da narrativa, contribuindo para a geração do sentido de um texto que se aproxime da realidade, verossimilhante. E é neste sentido que M. Bakthin (1990) afirma que “os gêneros intercalados ou enquadrados são as formas fundamentais para introduzir e organizar o plurilinguismo no romance.” (BAKHTIN, 1990, 127). Ou seja, os gêneros intercalados auxiliam na representação da multiplicidade de vozes existentes no romance e, na estrutura romanesca, frequentemente esses gêneros conservam “a sua elasticidade, a sua autonomia e a sua originalidade tanto linguística e estilística” (BAKHTIN, 1990, 124). E para evidenciar a importância dos gêneros intercalados no romance, acrescenta:
existe um grupo especial de gêneros que exercem um papel estrutural muito importante nos romances, e às vezes chegam a determinar a estrutura do conjunto, criando variantes particulares do gênero romanesco. São eles: a confissão, o diário, o relato de viagens, a biografia, as cartas e alguns outros gêneros. (BAKHTIN, 1990, 124).
Aqui podemos observar a importância dada ao gênero romance enquanto narrativa que tem o potencial de incorporar outros gêneros na sua estrutura, como forma de exprimir melhor seu caráter polifônico e dialógico. Dentro deste mesmo raciocínio, ainda podemos ressaltar outro conceito importante, no pensamento de Bakhtin a respeito dos gêneros intercalados, que é o conceito de transmutação:
diz respeito à possibilidade de os gêneros (geralmente) secundários absorverem primários, os quais perdem algumas de suas características originais e passam a existir em função do secundário, mais complexo. No caso, o exemplo de Bakhtin foi o romance (secundário), objeto de sua análise, que tinha como característica bastante comum absorver gêneros outros, como a carta e a conversa cotidiana. (LIMA-NETO, s.d., p.09).
Isso quer dizer que, quando um determinado gênero (carta, telegrama, poema) se intercala ao romance, “perde suas características naturais e ganha traços do gênero e da esfera que a absorveram”. (LIMA-NETO, s.d., p.09).
Podemos destacar ainda que os gêneros podem ser objetais ou intencionais. Os objetais (palavra mostrada) são gêneros desprovidos das intenções do autor, servem como elementos mostrados pelo autor apenas para completar um sentido determinado. Já os gêneros intencionais “se apresentam como máximas filosóficas, plenamente significativas do próprio autor”. (BAKHTIN, 1990, 125).
Maria do Socorro Rios Magalhães aponta que Lima Barreto, na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, utiliza a intercalação de gêneros, como: a modinha, o folclore, a sátira política, a correspondência oficial. Estes vários gêneros “se agregam à estrutura romanesca passando a fazer parte da obra” (MAGALHÃES, 1994, p. 97). E neste mesmo raciocínio, podemos dizer que Lima Barreto utiliza dos vários gêneros presentes na obra como recurso para produção de um texto coeso, verossimilhante, o que vai caracterizar sua marca pessoal de produção literária.
Os gêneros intercalados no discurso romanesco
O conceito de gênero diz respeito ao conjunto de traços comuns entre as coisas e os seres, caracterizando e constituindo um tipo, um grupo, um conjunto, uma espécie, uma classe ou variedade. E especificamente para a literatura, diz respeito a uma categorização das obras literárias definidas por um conjunto de regras ou de características em comum. A noção de gênero serve, portanto, como uma unidade de classificação: reunir entes diferentes com base em traços comuns (ENCICLOPÉDIA LAROUSSE, vol. 11, 1998. p. 2681). 
A maneira de categorizar os gêneros pode se apresentar como normas, ou descrição detalhada, demonstrada como regras inflexíveis ou apenas como um conjunto de traços que aparecem na obra predominantemente ou na sua totalidade. (SOARES, 2003, p. 7-8).
Para caracterizar os diferentes tipos de gêneros escritos, Marcuschi (2002, 2008) utiliza o termo gênero textual, apesar de não ser um consenso entre os pesquisadores, pois Bakhtin (1990, 2003) utiliza o termo gêneros discursivos ou gêneros do discurso. Marcuschi opta pela designação de gêneros textuais, por se tratar de textos materializados, ao passo que o discurso é o que o gênero desenvolve ou põe em circulação nas práticas sociais. 
Dentre outros autores, Angélica Soares (2003) utiliza a denominação gêneros literários. Acreditamos que sua escolha terminológica se deva ao fato de que ela se detém apenas nas produções de caráter escrito, voltadas para a sua concepção do conceito de literaturidade textual. Independente do termo adotado, concordamos com a ideia de Bakhtin, quando reflete que os gêneros intercalados constituem-se como tipos textuais (primários), com características peculiares, que são incorporados ou são absorvidos por um gênero mais complexo (secundário). [5: É importante destacar que a maioria dos autores utiliza a terminologia gêneros literários para classificar os tipos de textos aceitos como literários. Essa divisão em gêneros, que é diferenciada pelas características e pela intenção do autor ao produzir um texto, é tema de estudo desde as teorizações de Aristóteles (384 — 322 a.C.).]
Não é nosso objetivo fazer uma diferenciação clara entre gênero textual, gênero discursivo ou gênero do discurso,já que esta é uma distinção difícil e cada vez mais tênue, e talvez não chegássemos a por um ponto final numa questão tão complexa. Vamos adotar a entendimento de que todas essas expressões podem se usadas como sinônimo, tendo em vista que, na prática, os textos e os discursos são de certa forma, indissociáveis.
Para Bakhtin, os gêneros do discurso resultam em formas-padrão relativamente estáveis de um enunciado, fundindo o conteúdo temático, estilo e construção composicional. Neste sentido, podemos entender os gêneros textuais como entidades de natureza sociocultural que materializam a língua em situações comunicativas diversas. (BAKHTIN, 2003, p. 282).
Ou seja, os gêneros textuais são textos materializados em situações comunicativas que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos definidos pela organização, propósitos, funções enunciativas e estilo, realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Podemos citar como gêneros textuais: o telefonema, sermão, a carta comercial, a carta pessoal, o romance, o bilhete, a reportagem jornalística, a aula expositiva, a reunião de condomínio, a notícia jornalística, o horóscopo, a receita culinária, a bula de remédio, a lista de compras, o cardápio de restaurante, as instruções de uso, o inquérito policial, a resenha de livro, o edital de concurso, a piada, a conversação espontânea, a conferência, o e-mail, o bate-papo por computador e assim por diante. (MARCUSCHI, 2002. p. 19-23).
Gêneros intercalados na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma
A intenção deste estudo não é mapear todos os gêneros contidos na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, mas sim fazer uma análise dos gêneros que se configuram como mais importantes no contexto da obra, refletindo a importância dos gêneros intercalados na construção do romance de Lima Barreto. Para este estudo, utilizaremos como teorias basilares e os estudos desenvolvidos por Bakhtin (1990, 2003) e Marcuschi (2002, 2008).
O conceito de romance 
O conceito do gênero romance diz respeito a uma produção literária que abriga “uma diversidade social de linguagens organizadas artisticamente, às vezes de línguas e vozes individuais” (BAKHTIN, 1990, p. 74). Tendo em vista este conceito, ao analisarmos a obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, percebemos uma semelhante concepção de Lima Barreto sobre a construção romanesca no episódio em que descreve os infrutíferos estudos do doutor Armando Borges, esposo de Olga, e sua busca por distração na leitura de romances franceses, Goncourt, Anatole France, Daudet, Maupassant, que o faziam dormir da mesma maneira que os tratados científicos:
Ele não compreendia a grandeza daquelas análises, daquelas descrições, o interesse e o valor delas, revelando a todos, à sociedade, a vida, os sentimentos, as dores daqueles personagens, um mundo! (BARRETO, p. 121).
Para o narrador de Triste Fim de Policarpo Quaresma, o romance é a uma produção textual o que apresenta uma grandiosidade de descrições, de análises, de valores, além de revelar várias experiências de vida (individual e social). A partir deste pensamento, entendemos que o romance é um mundo virtualizado num texto (que reflete – ou não – a realidade), e que pode ser vivenciado através da leitura. Nesta perspectiva, salientarmos o pensamento de D’Onofrio, quando afirma que:
Especialmente no século XX, o romance tornou-se... a forma artística mais apta a expressar as perplexidades da nossa realidade. Os melhores ficcionistas em prosa da modernidade souberam revestir de fábulas e personagens do mais profundo sentido humano, enriquecendo suas histórias imaginárias com a reflexão histórica, o ensaio filosófico, a descoberta científica, o pensamento político, a introspecção psicológica, a revolução ética, a renovação linguística... o romance deu mostra de uma extraordinária vitalidade, impondo-se como a forma de arte mais rica e mais surpreendente. (D’ONOFRIO, 2001, p. 118).
Observamos que em Lima Barreto, encontramos todas estas características. A sua produção literária, como já indicamos anteriormente, representa uma renovação do estilo que aponta para o modernismo da literatura brasileira. E no romance mais especificamente, apresenta traços de denúncia e crítica social explorando uma narrativa que se mostra muito próxima da realidade. Para isso, utiliza uma linguagem mais próxima à crônica, que é um gênero mais descontraído e que utiliza o cotidiano como ferramenta para a construção do romance. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 3-4). 
Os traços de crônica da obra
As características do gênero crônica estão inseridas no estilo composicional da obra e na voz do narrador. Como citamos anteriormente, a escrita de Lima Barreto “se aproximava muito da crônica, gênero por excelência mais descontraído e que coloca o cotidiano como protagonista da trama”. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 4). Assim sendo, discutiremos a semelhança deste gênero com alguns trechos que evidenciam essa afirmação.
A crônica é um gênero textual com características de uma reportagem, como se fosse preparada para ser publicada em jornais e revistas. Geralmente o autor dispõe de pouco tempo para escrever seu texto e é uma obra que vive para a transitoriedade, ou seja, seu entendimento depende de um contexto de uma época e lugar. Do ponto de vista formal, sua linguagem é mais solta e dinâmica, em tom de reportagem. A crônica e o conto se parecem, contudo, no conto, o autor tem maior preocupação formal com o desenvolvimento do personagem, do tempo e do espaço da narrativa. Na crônica, o narrador se identifica com o próprio autor que, via de regra, emite comentários pessoais sobre o assunto tratado (LITERATURA BRASILEIRA, 2010, p. 25). 
Já Antônio Cândido afirma que, pelo fato de ser consumida diariamente em quantidade muito maior do que qualquer outro gênero literário, o gênero crônica apresenta um certo déficit de prestígio, como se naturalmente fosse lida para o esquecimento. Caracteriza-se por ser uma espécie de janela dos fatos, pois pela crônica, vemos obscuramente os acontecimentos pelo fato de não ter pretensão de ser um mero comentário objetivo, pois utiliza um certo fazer artístico em sua composição. A crônica se caracteriza pelo texto curto que estiliza uma linguagem simples, quase que coloquial, que aparece às vezes com um tom lírico, outras com certo humor, que varia do irônico ao mais sarcástico. (CÂNDIDO, 1981 apud OLIVEIRA, 2010, p. 01). E ainda sobre crônica, Cândido (1992) reitera:
deixando de ser comentário mais ou menos argumentativo e expositivo para virar conversa aparentemente fiada, foi como se a crônica pusesse de lado qualquer seriedade nos problemas... É curioso como elas mantêm o ar despreocupado, de quem está falando coisas sem maior consequência; e, no entanto, não apenas entram fundo no significado dos atos e sentimentos do homem, mas podem levar longe a crítica social... Quero dizer que por serem leves e acessíveis talvez elas comuniquem mais do que um estudo intencional a visão humana do homem na sua vida de todo o dia. (CANDIDO, 1992, p.17-19).
No início da Idade Média o conceito de crônica dizia respeito “a uma relação de acontecimentos organizada cronologicamente, sem nenhuma participação interpretativa do cronista.” Já no século XIX, a noção de crônica se aproxima do conto e do poema, no entanto, não chega a se confundir com estes dois gêneros por apresentar uma forma especial de composição. A crônica não se contenta somente como reprodutora de fatos. Mas, enquanto literatura, ela capta poeticamente uma determinada situação, eternizando-a. Ao compor uma crônica, um autor pode utilizar o diálogo, o monólogo, a alegoria, a confissão, a entrevista, o verso, a resenha, de personagens reais, de personagens ficcionais. Também podemos destacar que esse gênero se apresenta como fragmentário, ou seja, não tem intenção de captar uma totalidade dos fatos. (SOARES, 2003, p. 64-65).
D’Onofrio (2001), faz a distinção entre a crônica científicada crônica literária. A primeira, não visa uma criação artística, mas diz respeito a uma crônica produzida por profissionais que possuem um saber específico e que usam uma metodologia científica na produção o seu trabalho. A crônica literária é aquela que aplica a arte de compor um texto literário. Este tipo de crônica é “produzida por poetas e ficcionistas que, embora possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do dia a dia pela força criadora da fantasia”. D’Onófrio ainda afirma que “a crônica pode ser considerada a mais curta forma de narrativa literária”. (D’ONOFRIO, 2001, p. 123).
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma podemos perceber a característica do gênero crônica em diversos momentos, como por exemplo, quando o autor/narrador faz uma espécie de incursão histórica tecendo comentários acerca da corte de D. João VI:
Não havia ainda cem anos que as carruagens d’El Rei Dom João VI, pesadas como naus, a balouçarem-se sobre as quatro rodas muito separadas, passavam por ali para irem ter ao longínquo Santa Cruz. Não se pode crer que a cousa fosse lá muito imponente; a Corte andava em apuros de dinheiro e o rei era relaxado. Não obstante os soldados remendados, tristemente montados em “pangarés” desanimados, o prestígio devia ter a sua grandeza, não por ele mesmo, mas pelas humilhantes marcas de respeito que todos tinham que dar à sua lamentável majestade. (BARRETO, 2005, p. 24).
Na descrição deste episódio, Lima Barreto conta, de um jeito peculiar, a vinda da corte portuguesa ao Brasil em 1808, evidenciando a semelhança do seu estilo romanesco com a crônica. (BARRETO, 2005, p. 24).
No entanto, acreditamos que uma das partes da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma que mais demonstra a semelhança com a crônica é:
Os subúrbios do Rio de Janeiro são a mais curiosa cousa em matéria de edificação de cidade. A topografia do local, caprichosamente montuosa, influiu decerto para tal aspecto, mais influíram, porém, os azares das construções... (BARRETO, 2005, p. 79-81).
Neste trecho da obra, Lima Barreto traça uma rica descrição social e humana dos subúrbios do Rio de Janeiro na época da virada do século XIX para o século XX, dando papel de destaque para as pessoas trabalhadoras e humildes de sua época, além da condição de sua existência. (BARRETO, 2005, p. 79-81).
Podemos destacar na sua obra, ainda com a semelhança de crônica, o tom de crítica social e política que demonstram tristeza e, por vezes, uma certa indignação no autor:
Como em todas as portas dos nossos infernos sociais, havia de toda a gente, de várias condições, nascimentos e fortunas. Não é só a morte que nivela; a loucura, o crime e a moléstia passam também a sua rasoura pelas distinções que inventamos. (BARRETO, 2005, p. 52-57).
Noutro momento, que se assemelha à crônica, Lima Barreto faz crítica à política positivista do Marechal Floriano Peixoto:[6: De acordo com um artigo intitulado: República da Espada. Disponível em: http://www.historiatecabrasil.com/ 2010/03/republica-da-espada.html. Acessado no dia 02/02/2013 – Floriano Peixoto ficou conhecido como Marechal de Ferro. Todos os movimentos contrários ao seu governo foram reprimidos com violência. [Floriano Peixoto já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Cláudio Cavalcanti na minissérie "República" (1989) e Othon Bastos no filme "Policarpo Quaresma, Herói do Brasil" (1998). Também teve sua efígie impressa nas notas de Cr$ 100 (cem cruzeiros), em circulação no Brasil entre 1970 e 1980].]
Bastava a mínima crítica, para se perder o emprego, a liberdade, - quem sabe? - a vida também... Não havia distinção de posição e talentos. Mereciam as mesmas perseguições do governo um pobre contínuo e um influente senador... Demais surgiam as vinganças mesquinhas, a revide de pequenas implicâncias... Todos mandavam; a autoridade estava em todas as mãos... Em nome do Marechal Floriano, qualquer oficial, ou mesmo cidadão, sem função pública alguma, prendia e ai de quem caía na prisão, lá ficava esquecido... Eram os adeptos desse nefasto e hipócrita positivismo, um pedantismo tirânico, limitado e estreito, que justificava todas as violências, todos os assassínios, todas as ferocidades em nome da manutenção da ordem, condição necessária, lá diz ele, ao progresso e também ao advento do regime normal, a religião da humanidade... O prestígio dele era, portanto, enorme. (BARRETO, 2005, p. 118-119).
E ainda:
Nós vivemos do governo e a revolta representava uma confusão nos empregos, nas honrarias e nas posições que o Estado espalha. Os suspeitos abririam vagas e as dedicações supririam os títulos e habilitações para ocupa-las; além disso, o governo, precisando de simpatias e homens, tinha que nomear, espalhar, prodigalizar, inventar, criar e distribuir empregos, ordenados, promoções e gratificações. (BARRETO, 2005, p. 120).
E ainda:
A sua concepção de governo não era o despotismo, nem a democracia, nem a aristocracia; era a de uma tirania doméstica. O bebê portou-se mal, castiga-se. Levada a cousa ao grande, o portar-se mal era fazer-lhe oposição, ter opiniões contrárias às suas e o castigo não eram mais palmadas, sim, porém, prisão e morte. (BARRETO, 2005, p. 131).
Observamos a crítica veemente e busca pela aproximação do personagem da obra com o personagem real da História do Brasil, Marechal Floriano Peixoto. Aqui, Lima Barreto expõe sua crítica ao positivismo enquanto ferramenta essencial para o estabelecimento da ordem e do progresso, às violências sem justificativas plausíveis e as distribuições de recompensas e cargos que serviam ao propósito de adquirir apoio dos diversos atores sociais próximos ao governo. Enfim, demonstra ao mesmo tempo seu conhecimento sobre a política estabelecida na época e sua indignação sobre os fatos, arremetendo a obra a uma comparação com a vida real. (BARRETO, 2005).
Dentro deste raciocínio, podemos considerar a obra Triste Fim de Policarpo Quaresma bastante importante e atual, por abordar temáticas políticas e sociais recorrentes na sociedade hodierna. É como se o autor nos revelasse um pouco de sua opinião, transgredindo assim os modelos romanescos vigentes em sua época, revelando de certa forma, outra característica de seu estilo de escrita, que é e seu tom autobiográfico. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005 p. 03-07).
Os traços autobiográficos da obra 
É importante reiterarmos que a obra Triste Fim de Policarpo Quaresma não é uma autobiografia, mas sim um romance que apresenta, como uma de suas características, trechos em que o autor/narrador expõe suas impressões e opiniões, e onde percebemos, através da intimidade da narrativa, uma descrição de si mesmo, um desabafo (às vezes num tom sarcástico), acerca de sua própria personalidade ou de sua vida. Como um exemplo importante, podemos citar as semelhanças do personagem Policarpo Quaresma (protagonista da trama) com Lima Barreto (autor da obra): a saúde frágil; o fato de não terem prosseguido os estudos; o amor pelos livros. (IPIRANGA apud BARRETO, 2005, p. 4-5).
 Na concepção de D’Onófio (2001), a autobiografia “é um composto de três termos gregos: autos (‘próprio’, ‘de si mesmo’); bíos (‘vida’); e gráphein (‘escrever’): é o autor que descreve a história de sua própria vida”. No entanto, uma autobiografia só é obra literária quando o autor faz uso da linguagem poética, e portanto artística (fictícia), revestindo os fatos de sua vida com idéias, sentimentos, emoções. As obras autobiográficas podem assumir variadas formas: as confissões (sondagem de sua consciência), as memórias (descrição do relacionamento do autor com as pessoas de sua época – vida social num tempo e num espaço determinados), o diário íntimo (registro, dia-a-dia, de acontecimentos, sensações, reflexões) e a epistolografia (do grego epistole, “carta” – é uma forma narrativa que se utiliza da correspondência para constar histórias), além da autobiografia propriamente dita. (D’ONOFRIO, 2001, p. 124).
Lejeune (2008) conceitua que autobiografia é uma “narrativaem prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE, 2008, p.14). 
Dentro da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, podemos perceber traços autobiográficos numa crítica que o autor/narrador tece aos textos produzidos pelo personagem “doutor Armando Borges”. 
De fato, ele estava escrevendo ou mais particularmente: traduzia para o “clássico” um grande artigo sobre “Ferimentos por arma de fogo”. O seu último truc intelectual era este do clássico. Buscava nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo, um doutor, não podia escrever da mesma forma que eles. A sua sabedoria superior e o seu título “acadêmico” não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatecos. Veio-lhe então a ideia do clássico. O processo era simples: escrevia do modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral. (BARRETO, 2005, p. 136).
Neste momento, é como se Lima Barreto estivesse falando de si mesmo, num momento de autocritica. No entanto, ao longo do texto, percebemos seu tom de sarcasmo ao demonstrar que o que Armando Borges fazia era, com a substituição de palavras simples por sinônimos menos usuais, tentar tornar seu texto num clássico da literatura médica.
A canção e a modinha
A partir deste ponto, é importante frisarmos que as características do gênero crônica e do gênero autobiografia aparecem ao longo da obra, inseridas nela indissociavelmente. Diferentemente, observamos que o conto, a modinha (canção), a historiografia, a poesia, o folclore (cantigas), o requerimento, as notícias de jornais, o telegrama e a carta, foram inseridas intencionalmente e pontualmente pelo autor para complementar o sentido da narrativa, como vamos perceber ao longo de nossa análise. E é nesta perspectiva que reiteramos o pensamento de Bakhtin, quando reflete que os gêneros primários são absorvidos pelo secundário, perdendo suas características originais, e sua independência, para existir em função deste secundário mais complexo. (BAKHTIN apud LIMA-NETO, s.d., p.09).
Na obra, podemos perceber uma espécie de desabafo do narrador/autor através da voz de Ricardo Coração dos Outros ao falar sobre o padrão de composição métrica para os versos, vigente na época:
- Muito injusta! Acrescentou Ricardo. Todos os críticos se atêm a essa questão de metrificação. Dizem que os meus versos não são versos... São, sim; mas são versos para violão. Vossa Excelência sabe que os versos para música têm alguma cousa de diferente dos comuns, não é? Não há, portanto, nada a admirar que os meus versos, feitos para violão, sigam outra métrica e outro sistema, não acha? (BARRETO, p. 32).
Aqui, Coração dos Outros revela que aplica um jeito peculiar de compor seus versos, transgredindo os padrões da época. Ele diz que seus versos são compostos para serem acompanhados ao violão, o que nos arremete ao gênero músico-literário canção, e, mais especificamente à modinha.
A modinha é um tipo de canção sentimental brasileira de provável origem erudita portuguesa, muito famosa nos séculos XVIII e XIX. A princípio, neste gênero musical, o canto era acompanhado de cravo ou piano e possuía o caráter lírico das árias das óperas italianas. Mas no século XIX, popularizou-se, sendo introduzido o violão como instrumento acompanhador das modinhas, tendo como um dos principais precursores, Domingos Caldas Barbosa (ENCICLOPÉDIA LAROUSSE. Vol. 17, 1998, p. 4035). 
A modinha (ou a canção) é uma temática recorrente na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, principalmente por causa da inserção do personagem Ricardo Coração dos Outros, que é violonista e cantor de modinhas (BARRETO, 2005, p. 16). 
Costa (2002) diz que o gênero canção é resultado da união entre a linguagem verbal e a musical. (COSTA, 2002, p. 107). No mesmo sentido, D’Onófrio (1995), complementa que a palavra portuguesa canção, corresponde à francesa chanson e à italiana canzone, sendo que as três derivam do termo latino cantionem, e indicam toda poesia relacionada com a música e, mais especificamente, com o canto. (D’ONOFRIO, 1995, p. 74).
Explicando sobre alguns tipos de canção que configuram os importantes estilos musicais da história luso-brasileira, Soares (2003) afirma:
distinguem-se três tipos: a trovadoresca (composição dos trovadores galego-portugueses da fase medieval e podia ser cantiga de amor ou de amigo); a clássica (da época renascentista e do século XVIII), de temática amorosa, obedecendo a regras fixas: na introdução, se indica uma circunstância; no texto, faz-se o desenvolvimento do poema; na ata, que é uma estrofe menor, estrutura-se algo semelhante ao ofertório das baladas - é construída em estrofes longas, que alternam versos decassílabos e hexassílabos e obedecem a um esquema simétrico regular e igual de rimas; a romântica ou moderna, de grande liberdade formal e de temática variada
(religiosa, patriótica, amorosa...), considerando-se de importância que encerre um sentimento vibrante. (SOARES, 2003, p.31).
Ao longo da obra, podemos perceber a intercalação de trechos de modinhas como: “Prometo pelo Santíssimo Sacramento... Que serei tua paixão...” (BARRETO, p. 20) e “Prometo pelo Santíssimo Sacramento...” (BARRETO, p. 144).
Também encontramos trechos de uma modinha de Ricardo Coração dos Outros, entoada por Dona Alice, uma moça que cantava ao lavar roupa no prédio em que ele vivia: “Da doçura de teus olhos... A brisa inveja já tem” (BARRETO, p. 82).
Outro trecho de canção (modinha) de Ricardo Coração dos Outros, intitulada “Os lábios de Carola”:
Naquela tarde estava sentado à mesa, corrigindo um dos seus trabalhos, um dos últimos, aquele que compusera no sítio de Quaresma - “Os lábios de Carola”... É mais bela que Helena e Margarida... Quando sorri meneando a ventarola... Só se encontra a ilusão que adoça a vida... Nos lábios de Carola. (BARRETO, p. 124).
Historiografia
Na obra, também podemos encontrar um trecho de um livro historiográfico de “Rocha Pita da História da América Portuguesa” como: “Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno, nem madrugada mais bela a aurora; o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios mais dourados...” (BARRETO, 2005, p. 16). [7: Historiografia diz respeito à ciência e arte de escrever a história. (Miniaurélio Eletrônico, 2004).][8: Sebastião da Rocha Pitta (1660-1738), historiador e poeta baiano que escreveu o livro "HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA" (sua obra de maior reconhecimento), publicada em Lisboa no ano de 1730 . Neste livro, Pitta descreve o país, a bondade do clima, a fertilidade da terra sempre fecunda nas suas produções, além dos aspectos políticos, sociais e econômicos. (TAVARES, 1988).]
Sabemos que o livro em si, não é considerado um gênero textual, mas sim “um suporte para os gêneros ou gênero que comporta” (COSTA, s.d., p. 15). No caso citado, o trecho do livro historiográfico de Rocha Pitta descreve uma das partes do Brasil com certa paixão singular, e até mesmo uma impressão de poeticidade. 
Entretanto, é importante frisarmos que a obra está cheia de outros exemplos de historiografia que se entrelaçam com a trama da obra – nomes de personagens da história que são inseridos na obra, como por exemplo: Floriano Vieira Peixoto Deodoro da Fonseca, D. Pedro II; descrições de lugares importantes do Brasil, seus minérios, vegetais e animais; detalhes arquitetônicos de ruas e prédios do Rio de Janeiro; citação de cidades e estados brasileiros, além de várias instituições importantes; relatos de acontecimentos históricos e sociais do Brasil, como por exemplo,algumas transformações sofridas na passagem do Império à República, algumas guerras e revoluções; dentre outros (BARRETO, 2005).
Lima Barreto cita nomes de alguns autores (da vida real) na obra, como: Domingos Caldas Barbosa (1739-1800), que era poeta e violeiro a quem se deve a popularidade da modinha em Portugal (TABORDA, 2006, p. 559); William Thomas Beckford (1760-1844), aristocrata inglês e romancista. Autor de Memoirs of extraordinary painters (1783) e Vathek (1786), dentre outras obras; Bento Teixeira (1560-1600), autor de Prosopopéia; Gregório de Matos Guerra (1623-1696), o “Boca do Inferno”; autores como José Basílio da Gama (1740-1795), Frei José Santa Rita Durão (1722-1784), José Martiniano de Alencar (1829-1877), Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882), Antônio Gonçalves Dias (1823-1864); cronistas que se ocuparam com a História do Brasil como: Gabriel Soares de Sousa (1540-1592), Pedro Magalhães Gândavo (?- 1579), Frei Vicente do Salvador (1564-1639), John Armitage (1806-1856), Manoel Aires do Casal (1754-1821), dentre outros (BARRETO, p. 13-14).
Enfim, Triste Fim de Policarpo Quaresma está cheio de enxertos historiográficos que inserem esta obra num tempo e num contexto, o que Lima Barreto desenvolveu com o objetivo de provocar um efeito de sentido que gere maior verossimilhança de sua produção.
 
A poesia
O conceito de poesia nos remete a sua raiz etimológica grega poiesis, que indica o ato de criar, do fazer artístico, independente de sua forma de expressão. A poesia, de acordo com a estética clássica, se caracterizava pelo: uso da versificação; da escolha adequada de palavras a partir de um pressuposto estético, de figuras de estilo e de tópicos canonizados; apresenta uma estrutura baseada em esquemas formais dentro de uma realidade sentida e descrita artisticamente. (D’ONOFRIO, 2001, 24-25).
A partir do pré-romantismo, o conceito de poético vem se alargando. Neste sentido, a prosa literária tendeu a se poetizar pelo uso de imagens, símbolos e ritmos, enquanto a poesia se aproximou da prosa literária pela renúncia aos esquemas métricos, rítmicos, estróficos. A poesia se diferencia da prosa literária pelo maior grau de presença de elementos fônicos, lexicais, sintáticos e semânticos constitutivos da linguagem poética, mesmo que os elementos da narrativa literária (narrador, ação, personagem, espaço e tempo) também possam estar presentes, ainda que de reduzidamente, no poema. Já a poesia, denominada lírica, apresenta uma maior concentração de relações fono-semânticas e de figuras de estilo. (D’ONOFRIO, 2001, 24-27).
A palavra lirismo deriva de lira, que é um instrumento musical com o qual os poetas gregos acompanhavam seus poemas ao recitá-los, ou cantá-los. O poeta lírico centraliza sua produção textual no próprio “eu”, por Interessar-lhe a expressão singular do seu íntimo: sentimentos, força interior, angústias, paixões, reflexões. Como características da poesia, podemos citar: texto breve, não apresenta personagens ou enredo, é a expressão de um estado de espírito e não de uma história. (LITERATURA BRASILEIRA, 2010, p. 25). 
Mesmo quando a poesia lírica deixou de ser composta para ser cantada, passando a ser declamada, ainda conservou traços de sonoridade através dos elementos fônicos do poema: metros, acentos, rimas, aliterações, onomatopeias. (D’ONOFRIO, 1995, p. 56).
De acordo com Bakhtin (1990), o estilo poético, ou a maior parte dos gêneros poéticos, tem como características básicas: a unidade do sistema linguístico e individualidade linguística e verbal do poeta, sendo algo realizado espontaneamente. Diferentemente, o gênero romance apresenta uma diversidade social de linguagens (plurilinguismo) e as divergências de vozes individuais (dialógicas) que são apresentadas no discurso romanesco. (BAKHTIN, 1990, p. 76).
Ainda neste raciocínio, os gêneros poéticos são resultado da expressão de “um discurso único e incontestável”, “privado de qualquer interação com o discurso alheio”. Ou seja, “a unidade e a unicidade da linguagem são condições obrigatórias para realizar a individualidade intencional e direta do estilo poético e da sua estabilidade monológica”. (BAKHTIN, 1990, 93-94). 
Na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, destacamos a descrição de uma declamação de poema com fundo musical de piano, no momento da festa do pedido de casamento de Ismênia por Cavalcanti:
Cavalcanti ia recitar. Atravessou a sala triunfantemente, com um largo sorriso na face e foi postar-se ao lado do piano. Zizi acompanhava. Tossiu e, com a sua voz metálica, apurando muito os finais em “s”, começou: - A vida é uma comédia sem sentido,... Uma história de sangue e de poeira... Um deserto sem luz... E o piano gemia. (BARRETO, p. 44).
Relacionando os pensamentos de Bakhtin (1990) e o conceito de D’Onofrio (2001) chegamos a conclusão que neste trecho poético há a expressão de um ponto de vista único, o do poeta. Que se preocupa em colocar a palavra adequada, no lugar certo, para gerar um efeito de sentido direcionado ao caráter estético e estilístico de sua intenção composicional. Ou seja, a obra é uma composição artística (poética) e não um mero fruto do acaso, ou uma aglomeração de palavras.
Além da inserção do poema anteriormente citado, encontramos eventualmente em alguns trechos da obra, momentos em que Lima Barreto faz algumas descrições poéticas, como se fossem fragmentos de uma poesia ou de um poema. Como exemplo, podemos citar: “A tarde ia adiantada. A terra já começava a amolecer, pelo fim daquele beijo ardente e demorado do sol. Os bambus suspiravam; as cigarras ciciavam; as rolas gemiam amorosamente.” (BARRETO, 2005, p. 96).
O folclore
No Miniaurélio Eletrônico (2004) encontramos uma rasa conceituação da palavra folclore que a conceitua como o “conjunto ou estudo das tradições, conhecimentos ou crenças de um povo, expressos em suas lendas, canções e costumes”. No entanto, Brandão (2007) já aponta que o conceito de folclore é complexo e se confunde com o conceito de cultura.
 Aqui no Brasil, já há um consenso de que a Carta do Folclore Brasileiro, que é resultado do I Congresso Brasileiro de Folclore, estabeleceu o que se deve considerar folclore (BRANDÃO, 2007, p. 31). E logo no primeiro capítulo desta carta encontramos:
Folclore é o conjunto das criações culturais de uma comunidade, baseado nas suas tradições expressas individual ou coletivamente, representativo de sua identidade social. Constituem-se fatores de identificação da manifestação folclórica: aceitação coletiva, tradicionalidade, dinamicidade, funcionalidade. Ressaltamos que entendemos folclore e cultura popular como equivalentes, em sintonia com o que preconiza a UNESCO... (CNF, 1995, p. 01).
O novo conceito de folclore se torna mais abrangente na questão da autoria, pondo a aceitação coletiva e a tradicionalidade da forma acima do anonimato autoral. Ou seja, uma obra pode ter autor conhecido e mesmo assim ser considerada folclórica.
O conto
D’Onofrio (2001) considera o conto como a forma narrativa mais cultivada na modernidade pelo fato de responder melhor a exigência da rapidez dos leitores atuais (D’ONOFRIO, 2001, 122). 
Um dos tipos de conto é o conto popular, que é uma das formas de transmitir a cultura de um povo por documentar usos, costumes, valores, folclore, etc. “Reflete as inclinações do ser humano para o maravilhoso, visto como natural, para a bondade, a justiça, a verdade, a beleza física e espiritual, o amor romanticamente vivido”. (D’ONOFRIO, 2001, 110). 
É importante aqui enfatizarmos a importância dos estudos de Vladimir Propp (2006), que demonstram a dificuldade de conceituar o que vem a ser o conto, ao mesmo tempo em que estabelecem categorias para análise do conto maravilhoso levando em consideração: a função do personagem que é o “procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua importância para o desenrolar da ação” (PROPP, 2006, p. 22); a esfera de ação do conto, como lugar e tempo do mover da narrativa através das ações dos personagens; a construçãodos personagens em si, sendo que, para Propp, o que importa não é o que os personagens querem fazer nem os sentimentos que os motivam, mas suas ações em si, a definição e a avaliação do seu ponto de vista, do significado de um determinado personagem para o desenvolvimento da história e para o desencadear das ações do herói (PROPP, 2006, p. 79).
Como características dos contos populares, podemos citar: a antiguidade, a transmissão oral, o anonimato tanto do autor quanto dos personagens, a persistência ao longo dos tempos, a universalidade (histórias semelhantes em povos de contextos diferentes), entre outras. (D’ONOFRIO, 2001, 111-112).
Os contos populares podem classificar em:
1. contos de encantamento - histórias de fadas, da carochinha e de magia, onde predomina o elemento sobrenatural; 2. contos de exemplo, com intenção moralística; 3. casos edificantes; 4. contos de animais – as fábulas; 5. contos religiosos, com a intervenção divina; 6- contos etiológicos – sobre a origem de objetos ou de costumes; 7. contos de adivinhações; 8. contos acumulativos – casos de intertextualidade, de contos de nunca acabar de travalíngua; 9. facécias – anedotas e patranhas; 10. natureza denunciante – um ato criminoso é revelado por um elemento natural; 11. demônio logrado – a vitória sobre o princípio do mal; 12. ciclo da morte. (CÂMARA CASCUDO apud D’ONOFRIO, 2001, 110-111).
Para D’Onófrio, há também o conto literário (ou erudito) que se diferencia do conto popular por dois motivos: 1- por ser uma forma narrativa produzida por um autor historicamente conhecido e 2 por ser um episódio ficcional, mas verossímil, ou seja, é um fato que poderia acontecer na vida real. Ele cita que, em geral, o conto erudito não foge ao princípio da verossimilhança, apesar de haverem exceções, como os escritos de Holfman, Poe e outros. (D’ONOFRIO, 2001, 120-121).
Como características do conto (tanto literário quanto popular), podemos citar que: não tem intenção de idealizar, mas sim de contestar os valores sociais; é mais curto que o romance e que a novela; possui todos os ingredientes do romance, só que em dose diminuta; geralmente, o foco narrativo é no narrador onisciente ou numa personagem; apresenta poucas personagens e uma fábula é reduzida a apenas um episódio da vida, além do seu tempo e espaço serem limitados; as descrições e reflexões, quando existem, são muito rápidas, dentre outras características. A pequena quantidade de elementos estruturais do conto conferem a ele uma grande densidade dramática, assim sendo, o desfecho do conto se revela ao leitor de forma mais rápida, fazendo com que este complemente, através de sua imaginação, a parcela de sentido do mundo que a narrativa encerra. (D’ONOFRIO, 2001, 121).
Em Triste Fim de Policarpo Quaresma, encontramos um conto popular (que faz parte do ciclo de histórias da onça e do macaco) descrito pelo personagem Simão. Se trata de uma das quarenta histórias do macaco, que reuniu e que deseja publicar sob o título Histórias do Mestre Simão. Neste momento do romance, ele aproveita para expor este conto para Albernaz e Quaresma:
O macaco perante o juiz de direito. Andava um bando de macacos em troça, pulando de árvore em árvore, nas bordas de uma grota. Eis senão quando um deles vê no fundo uma onça que lá caíra. Os macacos se enternecem e resolvem salvá-la. Para isso, arrancaram cipós, emendaram-nos bem, amarraram a corda assim feita à cintura de cada um deles e atiraram uma das pontas à onça. Com o esforço reunido de todos, conseguiram içá-la e logo se desamarraram, fugindo. Um deles, porém não pôde fazer a tempo e a onça segurou-o imediatamente. - Compadre Macaco, disse ela, tenha paciência. Estou com fome e você vai fazer-me o favor de deixar-se comer. O macaco rogou, instou, chorou; mas a onça parecia inflexível. Simão então lembrou que a demanda fosse resolvida pelo juiz de direito. Foram a ele; o macaco sempre agarrado pela onça. É juiz de direito entre os animais o jabuti, cujas audiências são dadas à borda dos rios, colocando-se ele em cima de uma pedra. Os dois chegaram e o macaco expôs as suas razões. O jabuti ouviu-o e no fim ordenou: - Bata palmas. Apesar de seguro pela onça, o macaco pôde assim mesmo bater palmas. Chegou a vez da onça, que também expôs as suas razões e motivos. O juiz, como da primeira vez, determinou ao felino: - Bata palmas. A onça não teve remédio senão largar o macaco, que se escapou, e também o juiz, atirando-se n’água. (BARRETO, 2005, p. 28).
Os contos populares fazem parte dos contos folclóricos de uma sociedade. Soares (2003) reflete que o conto é uma forma narrativa que se diferencia do romance ou a novela por ser menos extenso, mas também por ter características estruturais próprias. O conto aparece como uma espécie de amostragem, ou seja, não tem intenção de abarcar a totalidade. Neste sentido, “o conto elimina as análises minuciosas, complicações no enredo e delimita fortemente o tempo e o espaço”. No entanto, não devemos confundir o conceito de conto literário com o conto popular, pois este último, ainda é caracterizado pela oralidade. (SOARES, 2003, p. 54-55).[9: É importante evidenciarmos que o conto popular também pode ser considerado folclórico a partir do I Congresso Brasileiro de Folclore, a partir do novo conceito de folclore contido na Carta de Folclore Brasileiro.]
Além da inserção do conto da onça e do macaco (que faz parte do folclore brasileiro), podemos encontrar outros exemplos de inserção de folclore como cantigas, festas folclóricas, rituais e costumes. 
Cantigas e festas folclóricas
O folclore é inserido na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, no momento em que o general Albernaz, e sua família, despertam o gosto pelas festanças, cantigas e hábitos genuinamente nacionais. Tudo isso por causa de uma visita do personagem Ricardo Coração dos Outros. E é na busca pela preparação de uma festividade de caráter folclórico tradicional, que o general acompanhado de Quaresma, sai em busca de pessoas que tenham na memória as importantes cantigas e danças tradicionais brasileiras. (BARRETO, p. 23-24). Essa festa seria uma exaltação ao folclore, mas também um meio de “chamar atenção sobre sua casa, atrair gente e... casar suas filhas.” (BARRETO, p. 27).
Procuraram uma velha senhora negra, dona Maria Rita, antiga lavadeira da família Albernaz, julgando que ela seria a fonte para todas as informações necessárias. No entanto, sentiram-se contrariados, pois ela não conhecia o “Bumba-meu-Boi”, nem “Boi Espácio”. (BARRETO, p. 25). Dona Maria Rita, no entanto, lembra e entoa uma cantiga folclórica de ninar de nome Bicho Tutu: “É vêm tutu... Por detrás do murundu... Pra cumê sinhozinho... Com bucado de angu” (BARRETO, p. 26).
Albernaz e Quaresma não ficaram muito felizes com esta cantiga folclórica pelo fato de não ser de caráter festivo. Mas, logo depois, puderam encontrar “um literato, teimoso cultivador dos contos e canções populares” que “se entretinha em publicar coleções que ninguém lia, de contos, canções, adágios e ditados populares”. (BARRETO, p. 26-27).
A palavra cantiga tem a mesma raiz etimológica do termo canção e cantar, e se refere às “primeiras manifestações poéticas em galaico-português, ainda do tempo em que a poesia não era separada da música, do canto e da dança”. (D’ONOFRIO, 1995, p. 86).
As músicas ou cantigas folclóricas tinham como características principais: ser uma canção de caráter popular, na sua maioria de caráter lúdico (envolvendo jogos e brincadeiras); possuem letras simples e com muita repetição, o que facilita a memorização; apresentam temáticas que envolvem situações do cotidiano (amor, namoro, casamento, relacionamentos, etc.); algumas cantigas envolvem personagens do folclore; podem ser acompanhadas pela viola ou violão; costumam ser transmitidas oralmente; não tinham autor conhecido; dentre outras características.[10: Estas informações estão de acordo com um pequeno texto intitulado Músicas do Folclore Brasileiro. Pesquisado em: http://www.brasilcultura.com.br/cultura/musicas-do-folclore-brasileiro/- publicado neste site no ano de 2011. Acessado no dia 11/02/2013.]
É importante ressaltarmos que na nova conceituação de folclore, a partir da Carta do Folclore Brasileiro da Comissão Nacional de Folclore (CNF, 1995), várias características que haviam sido atribuídas ao folclore desaparecem, ou são relativizadas. Dentre estas características, destacamos a que ressalta o folclore como uma manifestação sem autor conhecido, anônima. Esta característica colocada em termos absolutos tem sido progressivamente relativizada, chegando, hoje em dia, a abarcar o artesanato e a poesia dos repentistas, cujos autores são identificados no ato da sua criação.
Mestre Simão também fala sobre uma canção que recebeu em uma carta de “Urubu-de-Baixo”, no entanto, não deixa claro se este nome se refere a um lugar ou ao nome do artista. Segue descrevendo a canção composta em rima: 
“Se Deus enxergasse pobre... Não me deixaria assim: Dava no coração dela... Um lugarzinho pra mim... O amor que tenho por ela... Já não cabe no meu peito; Sai-me pelos olhos afora... Voa às nuvens direito.” (BARRETO, p. 27).
O personagem Mestre Simão, não só conhece o tão almejado Tangolomango, como os ensina a prepará-lo, e Quaresma logo se prontifica a ser o personagem estrambólico da festa. Nesta parte da obra, Lima Barreto conceitua e descreve o tangolomango:
Arranjem dez crianças, uma máscara de velho, uma roupa estrambólica para um dos senhores, que eu ensaio... Quaresma fez o “Tangolomango”, isto é, vestiu uma velha sobrecasaca do general, pôs uma imensa máscara de velho, agarrou-se a um bordão curvo, em forma de báculo, e entrou na sala. As dez crianças cantaram em coro: - Uma mãe teve dez filhos... Todos os dez dentro de um pote... Deu o Tangolomango nele... Não ficaram senão nove... Por aí, o major avançava, batia com o báculo no assoalho, fazia hu! hu! hu!; as crianças fugiam, afinal ele agarrava uma e levava para dentro. (BARRETO, p. 28-29).
Aqui, entendemos que o tangolomango é uma festividade que une a linguagem teatral, a dança e a música, numa brincadeira folclórica que envolve dez elementos, o personagem principal, e os secundários que vão sendo retiradas pelo personagem do tangolomango, um por um a cada estrofe, até que não sobre nenhum deles na roda. (BARRETO, p. 28-29).
De acordo com o Dicionário do Folclore Brasileiro, Cascudo (1988) define o tangolomango como uma cantiga popular ou uma forma tradicional da parlenda, uma espécie de parlenda longa, às vezes cantada, com estrutura cumulativa ao contrário ou, digamos, enumerativo decrescente. Em suma, o tangolomango se constitui como uma cantiga de roda, uma brincadeira cantada, na qual os participantes vão saindo da roda, a cada rodada, em cada estrofe. Um a um todos vão sendo eliminados, excluídos da roda, até o desfecho.
Existem algumas variações do termo tangolomango, dentre elas podemos citar: tangolo-mango, tango no mango, tanglomango, tango mar ango, tango mango, tangoromango, tangro mangro, trango mango, tangue mangue, tângano-mângano, tango-redemango, sendo que, todos estes nomes se referem à mesma coisa, e é um dos temas fascinantes do folclore.
Pereira da Costa, em Folclore pernambucano (1908, p. 527), define o tangolomango como uma espécie de “parlenda muito antiga e vulgar, não só no Brasil como em Portugal”. E ainda:
O tangoromango tinha também a sua música, de um tom alegre e expressivo, como a do lundu ou baiano; teve mesmo a sua época, entre nós, por meados do século passado [XIX], e nos jantares de brindes ruidosos era preferencialmente cantada para solenizar as saúdes, como então se costumava. (COSTA, 1908, p. 527, grifo nosso).
Ainda sobre cantigas folclóricas, encontramos mais adiante um trecho de trova roceira no canto de Mané Candeeiro:
Mané Candeeiro falava pouco, a não ser que se tratasse de cousas de caça; mas cantava que nem passarinho. Estava a serrar, estava a cantar trovas roceiras, ingênuas, onde com surpresa o major não via entrar a fauna, a flora locais, os costumes das profissões roceiras. Eram vaporosamente sensuais e muito ternas, melosas até; por acaso lá vinha uma em que um pássaro local entrava; então o major escutava: - Eu vou dar a despedida... Como deu o bacurau... Uma perna no caminho... Outra no galho de pau. (BARRETO, 2005, p. 106).
Rituais e costumes
Também observamos algumas descrições de rituais e/ou costumes. O conceito destas práticas são intimamente ligados ao que consideramos folclore, à cultura popular ou aos costumes tradicionais que são “preservados e transmitidos oralmente de uma geração à outra”, como por exemplo: os códigos sociais de orientação da conduta (moral, valores), as celebrações cerimoniais populares (BRANDÃO, 2007, p. 28). 
Ao longo da narrativa, vemos um exemplo a tradição de um cerimonial guaitacás, um cumprimento tupinambá realizada por Quaresma ao receber seu compadre Vicente Coleoni e sua afilhada Olga: 
Abriu, mas não apertou a mão. Desandou a chorar, a berrar, a arrancar os cabelos, como se tivesse perdido a mulher ou um filho. A irmã correu lá de dentro, o Anastácio também, e o compadre e a filha, pois eram eles, ficaram estupefatos no limiar da porta. [...] Fora, pois, ao seu compadre Vicente e à sua afilhada Olga que ele recebera com o mais legítimo cerimonial guaitacás, e, se não envergara o traje de rigor de tão interessante povo, motivo não foi o não tê-lo. Estava até à mão, mas faltava-lhe tempo para despir-se. (BARRETO, p. 29-30).
E também destacamos as cerimônias ou rituais de cura de médiuns e feiticeiros:
Os médiuns chegavam perto da moça, davam um estremeção, ficam com uns olhos desvairados, fixos, gritavam: “Sai, irmão!” - e sacudiam as mãos, do peito para a moça, de lá para cá, rapidamente, nervosamente, no intuito de descarregar sobre ela os fluidos milagrosos... Os feiticeiros tinham outros passes e as cerimônias para entrar no conhecimento das forças ocultas que nos cercam eram demoradas, lentas e acabadas. Em geral, eram pretos africanos. Chegavam, acendiam um fogareiro no quarto, tiravam de um cesto um sapo empalhado ou outra cousa esquisita, batiam com feixes de ervas, ensaiavam passos de dança e pronunciavam palavras ininteligíveis. O ritual era complicado e tinha a sua demora. (p. 152).
O requerimento
O requerimento também é um dos gêneros utilizados por Lima Barreto. A partir de Zanotto (2002) podemos afirmar que “o requerimento é o meio pelo qual pessoas e entidades pedem algo a uma autoridade pública”... é uma “solicitação que o requerente considere de direito ser atendida, mesmo que supostamente” (ZANOTTO, 2002, p. 147). 
No trecho a seguir, Policarpo Quaresma faz uma petição que, além de servir como chacota aos leitores do mesmo, o faz passar por maluco pelo pedido tão inusitado:
“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro. [...] O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática. Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-seperfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura científica e filosófica. [...] Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade. [...] P. e E. deferimento.” (BARRETO, p. 45-46).
O ofício
Noutro momento obra, Policarpo chega a traduzir para o tupi, um ofício oficial sobre coisas do Mato Grosso, que tratava de Aquidauana e Ponta Porã. Lima Barreto não insere o texto deste ofício na obra, e nem a tradução feita por Quaresma. Apenas sugere que este documento foi enviado por engano ao ministério, e que a sua existência foi muito importante por ter resultando na perda do emprego do major e por ter gerado a declaração de sua loucura. (BARRETO, p. 52-57). 
O ofício é uma forma de comunicação escrita entre os órgãos públicos. É uma carta ou correspondência oficial por meio da qual se comunicam os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (ZANOTTO, 2002, p. 27).
Notícias de jornais
Encontramos, ao longo da obra, descrições da atuação de jornais, enquanto instituições, e trechos de notícias veiculadas pelos mesmos:
Assinado e devidamente estampilhado, este requerimento do major foi durante dias assunto de todas as palestras. Publicado em todos os jornais, com comentários facetos, não havia quem não fizesse uma pilhéria sobre ele, quem não ensaiasse um espírito à custa da lembrança de Quaresma. Não ficaram nisso; a curiosidade malsã quis mais. Indagou-se quem era, de que vivia, se era casado, se era solteiro. Uma ilustração semanal publicou-lhe a caricatura e o major foi apontado na rua. Os pequenos jornais alegres, esses semanários de espírito e troça, então! eram de um encarniçamento atroz com o pobre major. Com uma abundância que marcava a felicidade dos redatores em terem encontrado um assunto fácil, o texto vinha cheio dele: o Major Quaresma disse isso; o Major Quaresma fez aquilo. Um deles, além de outras referências, ocupou uma página inteira com o assunto da semana. Intitulava-se a ilustração: “O matadouro de Santa Cruz, segundo o Major Quaresma”, e o desenho representava uma fila de homens e mulheres a marchar para o choupo que se via à esquerda. Um outro referia-se ao caso pintando um açougue, “O Açougue Quaresma”; legenda: a cozinheira perguntava ao açougueiro: - O senhor tem língua de vaca? O açougueiro respondia: - Não, só temos língua de moça, quer? (BARRETO, p. 46-47).
Outro exemplo é o artigo que criticava e atacava pessoalmente Quaresma:
O artigo de fundo intitulava-se “Intrusos” e consistia em uma tremenda descompostura aos não nascidos no lugar que moravam nele - “verdadeiros estrangeiros que se vinham intrometer na vida particular e política da família curuzuense, perturbando-lhe a paz e a tranqüilidade”... Procurou o lugar e deu com estas quadrinhas: - POLÍTICA DE CURUZU - Quaresma, meu bem, Quaresma!... Quaresma do coração!... Deixa as batatas em paz... Deixa em paz o feijão... Jeito não tens para isso... Quaresma, meu cocumbi!... Volta à mania antiga... De redigir em tupi... Olho vivo. (BARRETO, p. 97).
Noutro momento, Lima Barreto assinala o papel na formação como formador de opinião exercido por um jornal:
“Ontem, o forte Acadêmico fez um maravilhoso disparo. Com o canhão tal, meteu uma bala no ‘Guanabara’.” No dia seguinte, o mesmo jornal retificava, a pedido da bateria do cais Pharoux, que era a que tinha feito o disparo certeiro. (BARRETO, p. 143).
O jornal, assim como o livro, funciona como suporte aos mais diversos gêneros nele contidos. Existem vários gêneros que comumente encontramos em jornais como: notícias, reportagens, editoriais, receitas culinárias, história em quadrinhos, charge, entrevistas, cartas do leitor, notas sociais, anúncios fúnebres, convites para missas de sétimo dia, previsões meteorológicas, resumos de filmes, horóscopo diário, etc. (COSTA, s.d., p. 15-16).
Mensagem de telégrafo ou telegrama
O telegrama é forma de comunicação rápida e eficaz e utilizada em ocasiões especiais e para correspondências urgentes (HAIKAL, 2009, p. 50). 
Na obra, encontramos uma mensagem de telégrafo de Policarpo Quaresma: “Marechal Floriano, Rio. Peço energia. Sigo já. - Quaresma.” (BARRETO, p. 113). 
Nesta situação, telégrafo funciona como o canal de transmissão da mensagem. E a mensagem materializada (o bilhete) é uma carta simples, informal e breve. (ZANOTTO, 2002, p. 85).
A carta
Dentro da obra, também observamos o gênero carta. A carta é um tipo de comunicação (correspondência) endereçada a uma ou várias pessoas, empresas (comerciais, bancárias), repartições públicas ou privadas. Zanotto (2002) classifica os tipos de correspondências em: empresarial (comunicação entre empresas), oficial (comunicação entre repartições públicas e/ou privadas), pessoal (comunicação entre pessoas), literária (com finalidade estética, artística, literária), religiosa. (ZANOTTO, 2002, p 39-40). 
Neste gênero encontramos trechos e até mesmo cartas pessoais inteiras. Aqui, podemos destacar a carta de Policarpo à Dona Adelaide onde descreve os horrores da guerra vivenciados por ele na revolução contra o Marechal Floriano:
“Querida Adelaide. Só agora posso responder-te a carta que recebi há quase duas semanas. Justamente quando ela me chegou às mãos, acabava de ser ferido, ferimento ligeiro é verdade, mas que me levou à cama e tratar-me-á uma convalescença longa. Que combate, milha filha! Que horror! Quando me lembro dele, passo as mãos pelos olhos como para afastar uma visão má. Fiquei com um horror à guerra que ninguém pode avaliar... Uma confusão, um infernal zunir de balas, chorões sinistros, imprecações - e tudo isto no seio da treva profunda da noite... Houve momentos que se abandonaram as armas de fogo: batíamo-nos à baioneta, a coronhadas, a machado, a facão. Filha: um combate de trogloditas, uma cousa pré-histórica... Eu duvido, eu duvido, duvido da justiça disso tudo, duvido da sua razão de ser, duvido que seja certo e necessário ir tirar do fundo de nós todos a ferocidade adormecida, aquela ferocidade que se fez e se depositou em nós nos milenários combates com as feras, quando disputávamos a terra a elas... Eu não vi homens de hoje; vi homens de Cro-Magnon, do Neanderthal armados com machados de sílex, sem piedade, sem amor, sem sonhos generosos, a matar, sempre a matar... Este teu irmão que estás vendo também fez das suas, também foi descobrir dentro de si muita brutalidade, muita ferocidade, muita crueldade... Eu matei, minha irmã; eu matei! E não contente de matar, ainda descarreguei um tiro quando o inimigo arquejava a meus pés... Perdoa-me! Eu te peço perdão, porque preciso de perdão e não sei a quem pedir, a que Deus, a que homem, a alguém enfim... Não imaginas como isto faz-me sofrer... Quando caí embaixo de uma carreta, o que doía não era a ferida, era a alma, era a consciência; e Ricardo, que foi ferido e caiu ao meu lado, a gemer e pedir - “capitão, meu gorro; meu gorro!” - parecia que era o meu próprio pensamento que ironizava o meu destino... 
Esta vida é absurda e ilógica; eu já tenho medo de viver, Adelaide. Tenho medo, porque não sabemos para onde vamos, o que faremos amanhã, de que maneira havemos de nos contradizer de sol para sol... 
O melhor é não agir, Adelaide; e desde que o meu dever me livre destes encargos, irei viver na quietude, na quietude mais absoluta possível, para que do fundo de mim mesmo ou do mistério das cousas não provoque a minha ação o aparecimento de energias estranhas à minha vontade, que mais me façam sofrer e tirem o doce sabor de viver... 
Além do que, penso que todo este meu sacrifício temsido inútil. Tudo o que nele pus de pensamento não foi atingido; e o sangue que derramei, e o sofrimento que vou sofrer toda a vida foram empregados, foram gastos, foram estragados, foram vilipendiados e desmoralizados em prol de uma tolice política qualquer... 
Ninguém compreende o que quero, ninguém deseja penetrar e sentir; passo por doido, tolo, maníaco e a vida se vai fazendo inexoravelmente com a sua brutalidade e fealdade.” (BARRETO, p. 168-169).
Temos também a carta do general Albernaz a Ricardo:
“Meu caro Ricardo - Saúde - Minha filha Quinota casa-se depois de amanhã, quinta-feira. Ela e o noivo fazem muito gosto que você apareça. Se o amigo não estiver comprometido com alguém, agarre o violão e venha até cá tomar uma chávena de chá conosco - Seu amigo Albernaz.” (BARRETO, p. 83).
E um trecho de carta de D. Adelaide:
Na última carta que recebera de Dona Adelaide, havia uma frase de que, no momento, se lembrava sorrindo: “Não te exponhas muito, Policarpo. Toma muita cautela.” Pobre Adelaide! Estava a pensar que esse negócio de balas é assim como a chuva?!... (BARRETO, p. 158).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este estudo, concluímos que a intercalação dos gêneros acontece naturalmente na obra Triste Fim de Policarpo Quaresma, o que lhe confere uma maior verossimilhança, por conter, na sua estrutura, alguns gêneros textuais que refletem as práticas sociais da vida real. Outra questão importante que encontramos na nossa pesquisa, e que acreditamos que deve ser aprofundada em estudos futuros, se refere à questão da utilização dos termos: gênero discursivo, gênero textual e gênero literário, pelo fato de haver certa discordância terminológica por parte dos teóricos e pesquisadores sobre o assunto. Neste sentido, para a nossa análise, concordamos com Marcuschi (2002, 2008), que prefere a aplicação do termo gênero textual, pelo sua relação ao texto materializado, relacionado o gênero com a palavra escrita e não à oralidade da mesma. Finalizando nosso raciocínio, encontramos na nossa análise da obra Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, um riquíssimo repertório de gêneros intercalados, que de acordo com os estudos de Backtin (1990, p. 127), servem para “introduzir e organizar o plurilinguismo no romance”.
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