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Ana Carolina Gradowski Cagliari PROCESSO PENAL – 1º BIMESTRE Professor: Rodrigo Chemim INTRODUÇÃO Nós temos dois grandes grupos de doutrinadores: • Grupo mais tradicional. • Grupo mais moderno. O que diferencia um grupo do outro é primeiro, nós temos duas leituras do Processo Penal e esse grupo mais tradicional costuma muitas vezes dar mais preferência para interpretar o Processo a partir do Código, da Legislação infraconstitucional e o grupo mais moderno prefere a Constituição e parte de uma compreensão mais circular da Constituição para o Código e do Código para a Constituição, só por isso se pode dizer que esse grupo tem uma melhor percepção da importância Constitucional. Mesmo assim os dois grupos estão convivendo juntos no dia a dia. Porque os dois estão convivendo até hoje no dia a dia? Ocorre talvez pelo fato dessa lei infraconstitucional (Código de Processo Penal Brasileiro), ela colide ideologicamente falando com a Constituição. O Código de Processo Penal brasileiro ele é de 1941, é o mesmo Código que ainda usamos hoje. O Presidente da República em 1941 era o Getúlio Vargas (na versão ditador, Estado Novo). Normalmente os ditadores não se autoproclamam ditadores. Se dizem ser democratas apesar de agirem de maneira totalitária. Para se dizer democrata ele vai usar muito fortemente o Direito, ele vai dizer que está só usando a lei, lei que foi aprovada no parlamento. E que tipo de lei interessa a um ditador? Uma lei que permita o agir totalitariamente. Dentro de um universo legislativo (CC; CPC; CT...), o Código de Processo Penal é muito importante para quem pretende exercer poder de maneira a ser um sujeito que diminua suas liberdades individuais e que atue de forma mais totalitária. O Código Penal, o Direito Penal material ele seleciona condutas e prevê sanções. Só que ele só se efetiva no fim de um processo. Só no fim do processo que o Direito Penal vai aparecer de verdade na prática. O processo ao contrário chega antes. Ana Carolina Gradowski Cagliari É através das regras do Processo Penal, que alguém pode bater na porta da sua casa às 6 horas da manhã dizendo que você está preso. Não adianta discutir nessa hora, no momento você está preso. Então isso é poder. O processo invade a esfera de autonomia privada de liberdade, antes mesmo de você ter uma chance de arrolar definitiva de culpa. Portanto, a um ditador interessa o Processo Instrumental Legislativo que facilite isso. O Getúlio quando assume o poder, ele se depara com um “problema” para ele. Quando ele assume o poder nós tínhamos no Brasil autonomia dos Estados muito mais definitivo do que é hoje, inclusive no Plano Legislativo Processual Penal. Então, quando Getúlio assume o poder, cada Estado da Federação tinha o seu Código de Processo Penal. Nós tínhamos aqui o Código do Estado do Paraná que era diferente do Código do Estado do Rio de Janeiro, que era diferente do da Bahia. Então imagine um ditador que quer centralizar poder, quer exercitar esse poder no país inteiro, dá uma ordem e seus subalternos dizem que não deu porque lá no Estado do Paraná não fazem como o nosso. Então como ele quer uma legislação para que possa usar no país inteiro, ele faz um Código de Processo Penal para o país inteiro. Isso diminui a autonomia dos Estados. O grande inspirador de Getúlio Vargas era o Mussolini, na Itália. O Mussolini na Itália já tinha antecipado em tempo cronológico de Getúlio e não à toa o Mussolini encomendou um Novo Código de Processo Penal para a Itália. Encomendou para seu Ministro da Justiça a elaboração desse Código. Então o Código de 1930 da Itália, ele é um Código que servia do regime fascista de Mussolini. Então Getúlio diz para o seu Ministro da Justiça, Francisco Campos que precisa de um Código do modelo italiano aqui. Então, Francisco Campos, em certa medida, faz uma “cópia” mal feita do Código Italiano de 1930. O nosso Código de Processo Penal brasileiro de 1941, ele tem uma base ideológica fascista. Houveram já 2 grandes modificações em nosso processo, uma em 2008 e a outra em 2011. Várias vezes dentro do próprio Código de Processo Penal você tem uma situação de desarmonia, porque uma regra colide com a outra, além de colidir com a Constituição Federal também. A CF/88 já nasce com um modelo de garantias onde o discurso de Processo Penal e as garantias de Processo Penal, elas aparecem com toda sua potencialidade no texto da CF/88 (art. 5º.). Então é possível dizer que o nosso processo hoje também é constitucionalizado. Quando eu tenho uma regra infraconstitucional que colide com a regra constitucional, qual prevalece? A constitucional. Isso é óbvio, porém não tão óbvio assim em parte da doutrina ou não é tão óbvio assim muitas vezes na jurisprudência. Ana Carolina Gradowski Cagliari Como essa pergunta tão óbvia as vezes não se efetiva nem na doutrina (boa parte dela à tradicional) e nem tão pouco na jurisprudência? Qual é a dificuldade de entender isso que é tão óbvio? A dificuldade decorre muitas vezes da natureza humana. O ser humano tem dificuldades de olhar para o novo com os olhos do novo. Tem dificuldade de abrir mão daquilo que estava acostumado a fazer em nome de um novo modelo que lhes obrigue a ajustar e adaptar. Então, as vezes, o interprete que estudou naquele modelo anterior da Constituição de 88, que aprendeu a partir das regras do Código e que desde 1941 estava aplicando às regras do Código daquele mesmo jeito sempre, quando vem a Constituição e trás aquilo como princípio que colide com as regras, dá um jeito de continuar fazendo isso. Ele tem dificuldade de ajustar-se ao novo. Nós somos capazes de torturar nosso semelhante por prazer. Exemplo: Era medieval, Idade Média. O ser humano ainda continua com as dificuldades de olhar o novo com os olhos do novo. Exemplo contemporâneo: nós tivemos uma grande mudança no Código de Processo Penal em 2008. E dentre uma das regras que foram alteradas diz respeito a forma de inquirição da testemunha no Processo Penal. Era de um jeito que se fazia e passou a ser de outro, a partir da mudança no Código em 2008. à REGRA VELHA: como se fazia a inquirição de uma testemunha do Processo Penal brasileiro desde 1941 (quando o código foi feito) até 2008 quando mudou a regra. Funcionava assim na sala de audiência. O juiz fazia o comprometimento legal da testemunha dizer a verdade e começava a inquirição. SÓ quem perguntava para a testemunha era o juiz. O juiz era a única pessoa autorizada pela lei a formular perguntas a testemunha. O juiz começa a inquirir, ele perguntava, perguntava, perguntava. Fazia o escrivão anotar as respostas. Esgotou toda a curiosidade dele, ele não tem mais nada para perguntar. Aí ele vira para as partes (advogado e promotor) e pergunta quem foi que arrolou a testemunha. Ah, foi o promotor. Dr. Promotor diz o juiz, tem alguma repergunta para fazer além das que eu já fiz? Aí o promotor vira para o juiz e diz: tenho excelência, GOSTARIA que fosse reperguntado isso. O juiz então diz que é uma boa pergunta. Pega para ele a pergunta, reformula e com as suas palavras formula a pergunta para a testemunha que só então está autorizada a responder. Mais alguma pergunta diz o juiz ao promotor. Não, estou satisfeito excelência. O advogado tem alguma pergunta para fazer? No mesmo modelo responde o advogado a excelência: GOSTARIA que fosse reperguntado isso. O juiz diz boa pergunta, reformula e ele juiz com as suas palavras faz a pergunta para a testemunha a qual agora está autorizada a responder. Mais alguma pergunta Dr. Advogado? GOSTARIA que fosse perguntado isso também. Ojuiz diz que é impertinente esta pergunta, tem mais alguma? Não, estou satisfeito diz o advogado. Ana Carolina Gradowski Cagliari Juiz senhor absoluto da produção probatória. Tudo passa por ele, as partes não perguntam para a testemunha, quando muito elas sugerem uma pergunta complementar ao final. Testemunha e juiz são os dois únicos que conversam na produção probatória. Parte (advogado e promotor) não conversam com testemunha. à REGRA NOVA: em 2008 muda a lei (lei 11.690/2008). Nova redação do artigo 212. Art. 212 – As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. Parágrafo único: sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. As partes perguntam direto, o juiz indefere as que achar impertinentes e ele pode complementar sobre os pontos não esclarecidos. De acordo com a nova regra quem pergunta primeiro são as partes. Porém, está cheio de juiz que ainda continua perguntando primeiro. Para esses juízes não mudou nada, apenas que as partes perguntam direto para a testemunha, para ele não mudou, ele continua perguntando primeiro. Vários promotores e advogados entraram com recurso desta postura de alguns juízes, mencionando que está violando a regra. E a coisa chegou lá no Supremo. O Supremo disse que violou a regra, não pode, a regra nova não fala que o juiz pergunta primeiro, quem pergunta primeiro são as partes. Só que o Supremo fez o seguinte: “virgula” mas, não vejo prejuízo no fato do juiz perguntar primeiro. Então o Supremo disse que não havia prejuízo e legitimou dizendo que tanto faz. Como assim não tem prejuízo? Como assim, tanto faz? Como assim não tem problema? Veja a dificuldade do interprete brasileiro. Porque o legislador mudou essa regra? Tem uma razão de ser. E porque o Supremo não enxergou isso? O supremo são 11 pessoas que julgam HC, incompetência originária, ação penal originária do país inteiro. No ano de 2015 o Supremo julgou 93 mil processos só no ano passado (11 pessoas julgaram 93 mil processos). Por esse motivo o Ministro para de estudar. Mudou a lei e eles não tem tempo de estudar. E se não tem tempo de estudar como faz para decidir a interpretação de uma regra nova. Saiu uma lei nova, e daí? Vê alguém aí que tem tempo para estudar, escrever um livro e ver o que o cara diz, nós vamos por aí. Ana Carolina Gradowski Cagliari Nesse caso aqui, o Supremo usou uma doutrina que permitiu dizer o que ele diz. Eles pegaram o Guilherme de Souza Nucci para sustentar esta tese lá no Supremo. E logo que saiu a nova lei em 2008, o Nucci começou a dar palestras convidado pelos Tribunais para explicar o que mudou na nova lei. E nessa palestra o que Nucci disse a respeito desse art. 212, que a única coisa que tinha mudado era que agora as partes perguntavam direto para a testemunha, mas que o juiz continuava perguntando primeiro. Até porque disse ele: “Se o juiz não puder perguntar primeiro, seria como transformar o juiz numa samambaia de sala de audiência”. Essa foi uma expressão que foi incorporada nos acórdãos. O problema do juiz perguntar primeiro é que tem que entender que um modelo anterior ele facilitava o exercício de um poder mais arbitrário de um juiz em comparação com o modelo novo que diminui a possibilidade de um arbítrio não necessariamente consciente do juiz. O ser humano, qualquer um de nós quando detêm poder tende a buscar, até inconscientemente, em qualquer esfera, inclusive em relações de micro poder (exemplo: professor – aluno). Então o modelo anterior facilitava o abuso. A doutrina tradicional não trabalha com a compreensão da complexidade, das relações interpessoais lidas a partir de uma transdisciplinaridade. E isso a doutrina moderna já faz. Para estudar o direito, não basta ficar lendo o Código, tem que estudar o ser humano, tem que entender outras coisas que sustentam, que dão base, que fundamentam os discursos legislativos. Hoje, tudo o que fazemos na vida tem uma regra tutelando, difícil alguma situação no nosso dia a dia que não tenha um regramento dizendo como fazer, se pode ou não pode fazer. Por uma questão didática se resolveu organizar esses regramentos em pequenos grupos (direito civil, direito empresarial, direito ambiental). Foi se organizando por grupos de regras que vão tentando dizer o que se faz, o que não se faz, qual é a sanção do desvio de comportamento. E tem um pequeno grupo de regras que está lá no cantinho e a gente criou para tentar atuar como dizia Nelson Hungria: “Esse conjunto de regras ao qual damos o nome de Direito Penal, ele atua como se fosse um soldado de reserva. Só vai para a linha de frente em último caso”. Ele está para estabelecer a pior sanção prevista em todo o conjunto de regras quando os demais conjuntos de regras não foram capaz de dar conta, de organizar a relação interpessoal. O ser humano tem uma condição própria de não ser muito fácil na convivência. Kant dizia que o ser humano é de uma sociabilidade insociável, ao mesmo tempo eu que dependo para viver, porque viver isolado é para poucos, a maioria precisa de outras pessoas por sermos seres sociáveis, ao mesmo tempo somos egoístas, primeiro eu e depois o outro. Ana Carolina Gradowski Cagliari A natureza humana faz com que a gente seja refratário quando qualquer coisinha possa ser diferente daquilo que a gente acha que deva ser. Somos naturalmente conflitivos, e somos agressivos por natureza, em maior ou menor medida. Para Freud, nós somos constituídos por uma grande falta que a gente não sabe bem o que é. Freud chamava isso de “a coisa” que seu discípulo vai chamar de “objeto A”, ou seja, “a coisa” ou “objeto A” tanto um quanto o outro dizem que nós temos uma grande falta constitutiva do nosso ser, que a gente não sabe o que é. E como nós não sabemos o que é, isso nos angustia. E para tentar viver nós substituímos essa grande falta por pequenas faltas no cotidiano. Essas pequenas faltas geram desejos que precisam ser gozados. E na medida em que são gozados imediatamente em seguida ressurge uma nova falta que gera um novo desejo e que precisa ser gozado, e assim por diante. É isso que faz a gente viver, a levantar e ir para a faculdade cedo, por exemplo. Se fomos até a faculdade é porque alguma coisa falta para nós. Para uns o que motiva é aprender, para outros receber apenas o diploma, para outros porque o pai manda. É isso que faz a gente viver. O dia em que acordarmos e não sentirmos falta de nada, a tendência é entrar em depressão. (Depressão é a ausência de falta). Então nós somos constituídos de uma grande falta, dizia Freud, que nós substituímos por pequenas faltas que geram desejos e precisam ser gozados. Freud diz que o ser humano é agressivo instintivamente por natureza. E daí que na primeira infância ele começa a constituir uma capa de contenção de sua instintividade agressiva que faz com que ele não queira gozar sem limites. Quando o pai diz para o filho “não”, e o filho começa a entender que não é o único ser do mundo, que tem outras pessoas que existem, que são importantes, que interferem na sua liberdade de gozar na sua plenitude. Este pai castrador vai moldando e dizendo ao filho pode fazer, não pode fazer. E o resultado entre o “id” e o “ego” é o “EU”. Quantos mais “não” você receber na sua primeira infância, mais contensão de gozo absoluto você terá, mais sociável você será. Quanto menos “não” você receber na primeira infância,mais facilmente você violará as normas de convivência social. No segundo momento vai ser já adulto, se você não recebeu os suficientes “não” na primeira infância, talvez você não queira desviar do comportamento nas relações interpessoais levando em conta o colega e a possível vergonha que você possa ter do colega em relação ao seu comportamento. O colega não atura o seu tipo de comportamento. Para a sociologia seria um controle social interno, vergonha do colega. Isso eu não vou fazer porque as pessoas com quem eu convivo já me deixaram claro que não toleram esse meu comportamento. Então eu me contenho mesmo que na infância eu não tenha recebido “não” o suficiente, eu vou procurar construir uma capa de conduta para mim nas relações interpessoais. Ana Carolina Gradowski Cagliari Se você não se conteve suficientemente pelos “não” recebidos na primeira infância e não tem mais vergonha do seu colega, nada te segura a não ser o direito. O direito vem com a tentativa de organizar aqueles que não receberam os suficientes “não” da vida e que perderam totalmente a vergonha do colega. Freud explica que são 3 fatores que causam o desconforto do homem (3 fatores que geram tristeza e angustia no homem). 1- Incapacidade humana em relação a natureza. Nós não somos capazes de conter os fenômenos da natureza (tsunami, terremoto, vulcão) e isto nos angustia. 2- Incapacidade relacionada a fragilidade dos próprios corpos. Somos seres finitos, temos uma única certeza, que é que todos vamos morrer. E a fragilidade dos próprios corpos também nos incomoda. 3- Regra: o ser humano não gosta de regra, de ser tutelado. Mas segundo Freud, se não houvesse regra pela natureza humana instintiva o ser humano mataria que quisesse matar, estupraria quem quisesse estuprar, roubaria quem quisesse roubar. Tudo para ele, pensando só nele. Nós somos contidos pelos “não” que recebemos e pelas regras da sociedade. O conjunto de regras que organiza a vida em sociedade ele provoca um mal-estar no ser humano mas ao mesmo tempo ele é necessário. Dentro desse universo de regras a coisa tem que ser organizada de uma forma tal qual que nos permita viver de uma forma mais ou menos harmônica em sociedade. E aí o Direito Penal está ali para servir de auxilio para isso. O Direito Penal material, ele olha para essa vida toda em sociedade, procura identificar quais são os comportamentos mais graves, o que diz por em risco a convivência social, comportamentos estes que os demais ramos jurídicos não estão dando conta de minimizar sua incidência. E aí o Direito Penal seleciona aquele comportamento, desvalora aquele comportamento e prevê uma sanção para ele. Quando se diz que desvalora não é no sentido de retirar valor, é ao contrário, é no sentido de agregar, acrescentar uma carga de valor negativa para aquele comportamento (não mate, não furte, não estupre). Ele desvalora, atribui uma carga de valor negativo, seleciona e prevê a pior sanção de todo o conjunto de regras. Isso faz o Direito Penal. Só que o Direito Penal não é autoaplicável. Não basta verificar que alguém realizou aquele comportamento que foi selecionado pelo Direito Penal para que automaticamente aquela pena prevista ali seja aplicada. Por exemplo: matar alguém é o comportamento selecionado pelo Direito Penal. Ele diz que se alguém matar outra pessoa ela receberá uma sanção que começa com 6 anos de reclusão ou então eu verifico uma pessoa que acabou de matar outra pessoa. Automaticamente vem o Estado e diz: recebe 6 anos já, vai começar a cumprir. Não! Porque se fosse assim o poder punitivo seria muito forte, muito Ana Carolina Gradowski Cagliari perigoso. Então para tentar conter esse poder punitivo que é necessário por um lado mas que deve ser contido por outro para que não se abuse, porque afinal de contas quem vai exercer esse poder é um ser humano em relação ao se semelhante. Nós precisamos ter um conjunto de regras que nos permita fazer toda uma verificação das circunstâncias em que aquele fato ocorreu (circunstâncias, tudo que está ao redor de alguma coisa). Então eu verifico o comportamento matar alguém. Eu quero saber quem foi. Será que foi mesmo aquela pessoa que estão dizendo que foi? De repente foi outra pessoa. Se foi ela, matou em que circunstância? Porque dependendo da circunstância o próprio direito vai legitimar. O Direito Penal diz que posso matar alguém em legítima defesa. Há um regramento que exclui a licitude do comportamento. Ou outro regramento que exclui a culpabilidade. Será que ele era capaz de entender o caráter ilícito do fato? Será que era exigido dele um comportamento diverso? Eu tenho que fazer toda uma verificação das circunstâncias que envolvem aquele comportamento. Como fazer isso? Eu creio um segundo conjunto de regras ao lado desse primeiro chamado Direito Penal e este segundo conjunto de regras damos a ele um nome chamado Direito Processual Penal. O Direito Processual Penal vem então como um instrumental de permitir fazer uma verificação do comportamento de uma determinada pessoa. Saber tudo que envolve aquela situação permitindo a essa pessoa (a acusada de ter praticado tal comportamento) de se defender, de mostrar o seu lado da história. De fazer com que se consiga ter uma melhor compreensão. Para que se possa finalmente decidir se a pena prevista no Direito Penal será ou não será aplicada aquele sujeito. E mais que isso, em qual medida ela será aplicada porque a pena prevista é de 6 a 30 anos. Para fazer essa verificação toda, eu vou precisar de um ritual de verificação. É um conjunto de regras vai disciplinar como isso vai acontecer. Nós chamamos esse conjunto de regras de Direito Processual Penal. Como deve atuar o Direito Penal e como deve atuar o Direito Processual Penal na coletividade? Hoje em dia temos variados discursos que procuram ou legitimar ou procuram desvelar funções escondidas tanto da própria razão do Estado quanto função do Direito Penal, quanto também do processo. Tudo vai depender agora da forma a qual você vai entender a razão de ser do Estado e pena. Existem diversas maneiras de pensar no que vai ser falado a partir daqui. Tem alguns doutrinadores que trabalham com teorias abolicionistas, muitas vezes vinculadas as Teorias da Pena. O Zaffaroni, por exemplo, tem uma forma de entender a pena como o que ele chama de Teoria Agnóstica da Pena. Ana Carolina Gradowski Cagliari As funções da pena são retributiva, preventiva e para o Zaffaroni não tem função nenhuma, seria uma Teoria Agnóstica. Teorias preventivas da pena. - Geral Positiva (reafirmação da lei na norma): fazer com que toda vez que eu aplique a pena eu comunique a sociedade que a norma foi observada. Para que a sociedade tenha mais confiança na norma. Porque a confiança é um valor importante na vida em sociedade. - Geral Negativa (intimidação): visa evitar que as pessoas cometam crime. Não faça porque você será punido. - Especial Positiva (ressocialização) - Especial Negativa (neutralização) Zaffaroni diz que não acredita em nenhuma dessas funções. Diz que isso tudo é coisa furada, por afinal de contas as pessoas continuam cometendo crimes. Toda vez que uma pessoa comete um crime, eu diria que função geral não adotou para ela, a função especial não vai ressocializá-la, por que prender alguém não socializa ninguém e sim desocializa tirando-a da sociedade e jogando numa jaula. Ele (Zaffaroni) vai criticando uma a uma das funções, dizendo que não tem razão de ser, por isso ele não acredita em nada e por isso ele é agnóstico (não acredita nas funções da pena). Então se elas são funcionam porque eles punem,Zaffaroni diz que é porque isso é assim desde que o homem é homem, ele é vingativo por natureza e ele quer se vingar das pessoas. Mas para que ele se vingue invidualmente o Estado substitui e acaba sendo o Estado vingador. Mas aí dentro dessa leitura é preciso conter o poder do Estado. Então, toda a preocupação do Zaffaroni e de quem segue a linha dele, Teoria Agnóstica, é enxergar o Direito Penal e o Direito Processual Penal como instrumento de contenção do poder política, só. Só para isso que ele serviria. Professor acha pensamento do Zaffaroni muito exagerado. Claro que o Direito Penal tem que ter essa função, mas não é só isso. Ele discorda um pouco dos radicalismos de não chegar a função preventiva da pena, principalmente a preventiva geral negativa. O Zaffaroni diz que toda vez que alguém comete um crime é porque a função preventiva geral negativa não atuou sobre esse cara. Tanto não atuou que ele cometeu esse crime. Não atuou em relação a ele, mas em quantas outras pessoas não atuou, que não cometeram o crime. Por isso o professor acha um pouco exagerado dizer que não tem função de prevenção geral negativa. Daí Zaffaroni diz que você não precisa do Direito Penal para formatar na cabeça das pessoas ideia de que elas não podem ter desvio de comportamento, basta dar educação. A educação resolve. Professor acha importante a educação e entende que a educação é fundamental. Mas para ele, mesmo assim, uma coisa não afasta a outra, porque Isolar indivíduo da sociedade Ana Carolina Gradowski Cagliari por mais que você tenha educação com as pessoas coletivamente falando e isso vai diminuir a criminalidade (principalmente se essa educação vier da primeira infância como falava Freud.). Vai diminuir o desvio de comportamento, mas não vai evitar que pessoas cometam. Toda vez que você pensar “não vou fazer porque vai dar merda” é a função preventiva geral negativa atuando. Se Zaffaroni e seguidores dizem assim: a única função do Direito Penal e do Processo Penal é conter o poder punitivo. Nesta fase está presente a necessidade da existência do poder punitivo. Porque a frase não é “preciso eliminar o poder punitivo”, “é preciso conter o poder punitivo”. E se eu digo que preciso conter o poder punitivo é porque na leitura as avessas dessa frase eu estou legitimando o poder punitivo. Se ela está dizendo que precisa conter o poder punitivo então ele precisa existir. E aí se ele tem que existir ele tem que ter alguma finalidade. É a partir daqui que o professor discorda um pouco. Ele acha que deve conter o poder punitivo, porem, sem esse poder tem que ter alguma efetividade, porque senão não haveria motivo para sua própria existência. E aí vem o outro lado da moeda, que é a dificuldade de estabelecer um equilíbrio entre razão de ser do poder punitivo e a necessidade da existência do poder punitivo, e a contenção deste poder punitivo. Efetividade contida. Por isso o professor acha que não dá para trabalhar só de um lado, enxergar só freio do exercício do poder. Ele acha que também tem uma função de orgazinar a vida em sociedade. Ele acredita na função de prevenção negativa da pena no momento da cominação. Porque aí você pode trabalhar a função de prevenção na cominação, função de repressão na aplicação e função de ressocialização na execução. São momentos diferentes. O Estado comina na lei, o Estado o aplica, o Estado executa. Basta olhar para nossa sociedade complexa hoje sem que exista alguém exercitando um poder para tentar organizar a bagunça? Dá para viver nessa sociedade sem exercício do poder? Professor acha que não, é muito complexa, cada vez mais complexa. Quão complexa ficou a vida depois da internet, do Google, do Facebook. Se não tiver alguém, por exemplo, no Facebook para dizer e organizar imagine o que não seria. Se mesmo assim tem gente que viola imagine se não tivesse gente cuidando e organizando. Então o exercício do poder ele é necessário. Como funciona a razão de ser do Estado? Nós tivemos 3 grandes momentos pós revolução francesa que vão repercutir na nossa Constituição de 88. A CF/88 é o resultado de uma somatória histórica, uma sucessão de modelos de Estado que deságua nela. E muita fortemente pós revolução francesa. Porque esta revolução francesa como dizia era o poder absoluto do monarca. O rei dizia o mundo. Aí vem a revolução francesa patrocinada em grande parte pela burguesia, classe comerciante burguesa, detentora do poder econômico, pega o povão, chega para o rei e diz: chega, chega de se Ana Carolina Gradowski Cagliari intrometer na nossa vida. Não queremos mais. Está se intrometendo demais e a gente não consegue nem se organizar aqui. Está exagerado o negócio. Sai fora você. E o que se coloca no lugar? Simbolicamente o povo. E aí passam a dizer que não é mais vontade do rei e sim vontade popular. Não é mais o rei que dita a regra, é o povo. O fato é que tiro alguém e coloco outra pessoa para exercer o poder. Vai ter um exercício de poder, só que um exercício de poder contido. Então, Estado fica na tua você só vai ser chamado aqui para algumas coisinhas bem pontuais. O resto fica na tua, não se meta. Então vem o Estado Liberal de Direito, que é o que acontece depois da revolução francesa. Estado Liberal a proposta é “deixa fazer, deixa passar”. Não se mete. Deixa que a gente dá conta aqui, só precisamos para dar uma organizada basicona, o resto a gente se vira aqui. Isso durou um tempo até que vai girar uma situação perversa em relação a classe mais economicamente desfavorecida. O que facilita a vida do comerciante, mas o comerciante explora até o limite e gera uma pobreza toda generalizada, uma classe privilegiada e uma classe desfavorecida. Então não é a toa que já vem em seguida, que o Marx surge aí. Não é a toa que o discurso Marxista vem e diz: Precisamos repensar nisso aí, isso aí está complicado. Todos os discursos socialistas vem da sociedade econômica, para fazer com que o Estado regularize esse negócio para favorecer a classe desfavorecida. Precisamos de um Estado Social de Direito, não mais em Estado Liberal. Percebemos com o passar do tempo que o direito não conseguiu segurar duas grandes guerras. Precisando então de um novo modelo de Direito, nem um Estado Social, mas sim um Estado Democrático. Democracia onde a vontade da maioria prevalece, porém que ela não aniquile a minoria. Que mantenha a vontade da maioria desde que a minoria seja também protegida. Por isso vem as cláusulas pétreas da CF, para que as gerações seguintes não elimine tudo que foi conquistado pela geração antecedente, porque não viveu tudo que foi vivido. Vai ter na CF aquilo que existia de importante no Estado Liberal, contenção do poder punitivo, mas vai ter também aquilo de importante que existia no estado social, que é a atuação positiva do estado em favor da população. A Constituição brasileira vai trazer não só uma única baliza de contenção, mas duas balizas. A razão de ser do Estado, e aí a razão do direito Penal e Processo Penal estão também relacionadas e orientadas e só são legitimadas a partir disso. Proibição de excesso de um lado (evidente que decorre do estado liberal), proibição de proteção insuficiente do outro lado. Não adianta ter poder se não tiver o mínimo de efetividade. A proteção que o Estado me dá não pode ser insuficiente ao ponto que eu não possa viver sem ter que me preocupar de ser morto ali na esquina, por exemplo. Punir acaba sendo um ato civilizatório em certa medida. Ana Carolina Gradowski Cagliari Se vende muito na academia a ideia de que aumentar pena não resolve para nada. Os crimes e as razões pelas quais aspessoas cometem crimes variam dependendo do tipo de crime. O que leva alguém a matar uma pessoa não tem nada que vê com alguém que recebe o dinheiro para vender uma sentença. São razões completamente diferentes. Então aumentar a pena do crime de homicídio talvez não tenha muita efetividade, mas aumentar a pena, por exemplo, para punir um desvio de comportamento de um juiz que vendeu sua própria sentença em troca de dinheiro, de um prefeito que frauda uma licitação que era destinada a construir escola para as crianças, de um médico que forja um dedo de silicone e dá para o colega fraudar sua presença no postinho de saúde para ele atender no particular. Para esses caras a racionalidade deles é diferente para aquele que comete um homicídio. Para esses caras, eles não tem medo do direito penal hoje. Do jeito que está hoje no Brasil o Direito Penal não os alcança. Nesses casos tem que aumentar a pena. E não adianta pegar no bolso. É uma falácia dizer: “siga o dinheiro que você chegará no dono”. Prescrição retroativa favorece quem tem poder. E só existe no Brasil. ANÁLISE DAS NORMAS DE PROCESSO PENAL EM COMPARAÇÃO COM AS NORMAS DE DIREITO PENAL MATERIAL v Jorge de Figueiredo Dias. Ø Direito Penal Material: - Lícito - Punível - Ilícito - Não punível Ø Direito Processual Material: - Existência - Validade - Inexistência - Não validade Figueiredo Dias trabalha com critério axiológico quanto a observar ou não observar a regra e a consequência que daí decorre. Ele diz mais ou menos o seguinte: regras de Direito Penal, o que o Direito Penal faz, do que o Direito Penal se ocupa. Ana Carolina Gradowski Cagliari O Direito Penal ele acaba selecionando determinados comportamentos em sociedade, ele recruta comportamentos mais gravosos que o restante do ordenamento não deu conta de resolver, desvalora esse comportamento (atribui uma carga de valor negativa para esse comportamento) e prevê sanções estabelecendo as regras que permitirão punir ou não punir esse sujeito. Então ele seleciona esse comportamento, classifica esse comportamento como um ilícito. Então uma das coisas que ele faz é separar o que é ilícito do que é lícito, por exclusão. Que não foi selecionado por exclusão ele é lícito. Então Figueiredo diz: observar ou não observar uma regra do ponto de Direito Penal Material depende de dizer se a conduta é lícita ou ilícita. Então um dos planos de valoração, de observância ou não observância, uma regra de Direito Penal, trabalha com essa dicotomia lícita e ilícita. Então se a regra está regulamentando uma discussão em torno disso, comportamento é lícito ou é ilícito esta regra é uma regra de Direito Penal Material. No mesmo plano o Direito Penal também se ocupa de regrar as situações nas quais eu posso ou não posso punir o sujeito. Então regras que regulamentam uma possibilidade de punir ou não punir alguém também são regras de Direito Penal Material. Então o segundo plano de análise é verificar se a regra está discutindo se a conduta é punível ou não punível. Então, de acordo com Figueiredo Dias regras que discutem licitude ou ilicitude no comportamento; punição ou não punição no comportamento são regras de Direito Penal Material. O Direito Processual Penal ele não está preocupado em selecionar condutas ou criar hipóteses punitivas ou não. O Processo Penal está preocupado em construir um ritual através do qual nós vamos poder esclarecer, construir um fato, instruindo um juiz que não conhece, para que esse juiz então conheça e possa tomar uma decisão ao final estabelecendo mecanismos que deem efetividade a aplicação da jurisdição. Então o Processo Penal está preocupado em estabelecer uma sequência pré-ordenada de atos que ritualize essa mecânica de verificação do fato e permita que se tome uma decisão ao final de todas as garantias do cidadão sendo preservadas. Está discutindo o que eu tenho que fazer para que as garantias processuais sejam observadas para que o Estado não exceda, para que ao mesmo tempo a coisa chegue ao fim, qual é o ritual, qual ato tem que fazer primeiro e depois, como fazer cada ato, então ele está discutindo o ritual. Regras que regulamentam o ritual, observância ou não observância dessas regras gera um tipo de análise em termos de consequência. Num primeiro momento observar ou não observar uma regra do Processo Penal permite dizer se o ato processual existiu ou não existiu. Ana Carolina Gradowski Cagliari O primeiro plano de análise trabalha com a dicotomia de existência ou inexistência do ato. Observei a regra e o ato realizado existiu, não observei, não realizei o ato, não existiu. Quando se fala de existência aqui, ele não esta falando apenas de uma existência física, mas também de uma existência jurídica. O ato deve existir juridicamente falando, e não apenas fisicamente falando. Se pudéssemos imaginar que haveria um portal que nos separa do mundo real, do mundo virtual das regras. O ato processual deve existir tanto aqui quanto lá, desse mundo virtual. Como é que faz para existir também do mundo virtual, do jurídico, do mundo das regras do Direito Processual Penal. Eu tenho que passar esse portal. Para passar esse portal eu preciso observar uma determinada regra, que serviria como se fosse uma chave de passagem, que me permitisse abrir esse portal e passar para lá também. Então determinadas regras de processo servem para permitir que o ato exista no mundo jurídico, e não apenas no mundo físico. Essas regras me permitem dizer que o ato existente no mundo jurídico sem observadas permitirão concluir pela existência do ato juridicamente falando. Se não observadas permitem dizer a inexistência do ato juridicamente falando. Então uma regra que regulamenta ritual será uma regra processual quando a observância ou não observância desta regra permitir dizer se o ato existe juridicamente ou não existe juridicamente. Exemplo: Júri simulado da faculdade. Como é que funciona geralmente um júri simulado da faculdade. Normalmente o professor que vai organizar o júri, ele escolhe um caso verídico, de preferência de um processo já encerrado. Fotocopia esse processo inteiro, entrega um jogo de cópias para os alunos que fará as vezes de Ministério Público, o outro jogo de cópias para os alunos que farão a defesa, um terceiro jogo de cópias para o aluno que fará as vezes de juiz. A ideia do júri simulado é treinar na prática as regras que regulamentam o ritual do júri. Vamos por exemplo no júri simulado observar a regra que diz que para começar o júri tem que ter pelo menos 15 jurados presentes na sessão. Se tiver 14 presentes o júri não sai, essa é uma regra. Aí desses 15 ou mais, ate 25 jurados que devem estar presentes nós vamos sortear 7. Porque 7? Porque 7 é uma regra do júri que diz que o nosso júri é composto no seu conselho de sentença por 7 jurados. Esses jurados serão compromissados. Porque compromissados? Porque essa é uma regra que regulamenta o rito que deve ser observado. Depois disso acontece instrução processual. Vamos ouvir testemunhas, interrogar o réu dentro de um conjunto de regras que regulamentam isso. Depois vamos para os debates orais, 1 hora e meia para o promotor falar, 1 hora e meia para o advogado falar. Porque 1 hora e meia? Porque a regra diz que é 1 hora e meia. Depois o promotor tem oportunidade de réplica por mais 1 hora e a defesa de tréplica por mais 1 hora. Encerrados os debates o juiz lê um questionário para os jurados. Como é a Ana Carolina GradowskiCagliari ordem das perguntas? Tem uma regra que diz que a primeira pergunta é da materialidade do crime, a segunda pergunta da autoria, a terceira pergunta é se o réu absolve quarta pergunta eventual qualificadora. Tem uma ordem. Tudo isso é observado no júri simulado. Então vamos imaginar que esse júri simulado na faculdade, que todas essas regras de processo são observadas. No caso verídico o réu foi condenado a 20 anos de reclusão e está cumprindo pena na Penitenciária Central do Estado. E o caso dele é reapreciado no júri da Faculdade de Direito, e vamos imaginar que o resultado do júri simulado seja que o réu foi absolvido. Aí os alunos filmaram esse júri simulado e jogaram na internet (youtube, facebook) e aquilo circulou tanto que bateu no ouvido do nosso amigo que está cumprindo pena de 20 anos de reclusão porque foi condenado no caso concreto. Imagine o cara preso lá e ele fique sabendo que o caso dele foi “reapreciado” pela Faculdade de Direito e o resultado é que ele foi absolvido. O cara pira lá, “finalmente entenderam o meu caso”, “finalmente alguém entendeu que sou inocente, eu sou inocente” “agora o meu caso foi reapreciado na Faculdade de Direito e não por qualquer um”. Ele documenta isso tudo, faz uma petição de próprio cunho, pede uma revisão criminal ao Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, anexando todas as provas, que no caso dele foi reapreciado na Faculdade de Direito tendo como resultado a absolvição, requerendo que ele seja colocado imediatamente em liberdade já que ele foi absolvido na Faculdade de Direito. Protocoliza isso que virá um pedido revisão criminal no Tribunal de Justiça do Paraná. E esse pedido chega ao Presidente do Tribunal de Justiça. O que faz o Presidente? Arquiva, porque o júri simulado que está embasando o pedido observou várias regras de Processo Penal, esta é a razão do júri simulado. Só que observou quase todas as regras menos uma regra que é essencial para que aquilo que aconteceu na faculdade pudesse ingressar no mundo jurídico. O que ficou faltando? Qual regra não foi observada? Faltou poder. Quem está sentado na cadeira do juiz não é o juiz, é um estudante de direito. Quem está sentado na cadeira do promotor, não é promotor, é um estudante de direito. Quem está sentado na cadeira do advogado não é advogado, é um estudante de direito. As pessoas não são, do verbo “ser”. Elas não existem como tais. Então se elas não são, os atos que elas realizam, mesmo que observem todas as outras regras de processo, não conseguem ingressar no universo jurídico do Processo Penal. Ficam só no plano da realidade física. Afinal de contas as pessoas estavam lá, falaram, observaram as regras, o júri simulado aconteceu. Só que ele ficou só no plano físico, ele não ingressou no mundo jurídico do Direito Processual Penal, porque a chave para ingressar nesse universo paralelo era a exigência que fosse tudo aquilo precedido por um juiz com jurisdição, que o promotor tivesse poder para atuar no caso concreto e que o advogado fosse um bacharel inscrito na OAB. Como nada disso aconteceu, aquilo foi uma simulação de algo que juridicamente é um nada.Não tem efeito nenhum a Ana Carolina Gradowski Cagliari realização de um júri simulado no universo jurídico. Por isso o Presidente diz que o pedido está embasado em ato juridicamente inexistente. Então a não observância de uma regra de processo (regra que exige que o processo seja conduzido por um juiz com poder jurisdicional, que o promotor tenha prestado concurso e recebeu o poder para atuar ali e o advogado a mesma coisa), o ato realizado por pessoas que não tenham poder é um ato juridicamente inexistente. A violação dessa regra implica na inexistência do ato. A observância dessa regra implica na existência do ato. Por isso Figueiredo Dias diz: regras que regulamentam a possibilidade de se discutir se o ato existe ou não existe são regras de Processo Penal. Tem um segundo plano de análise que é o plano da validade, do aproveitamento ou não do ato. Não basta existir, é preciso ser válido. Não basta então que o ato exista no mundo jurídico. É preciso que ele seja aproveitável. Para ser aproveitável tem que observar as demais regras. A não observância em outro grupo de regras permite ser que o ato não é válido. A observância das outras regras permitirá dizer que o ato é válido. Então observar ou não observar as regras que discutem validade ou não validade do ato, esse tipo e regra é uma regra de Processo Penal. Em síntese, regras de Direito Penal material discutem no plano da licitude, ilicitude, da punição ou não punição do sujeito. Regras do Direito Processual Penal discutem o ritual de existência, não existência, validade ou não validade. Isso é importante porque dependendo da análise que você faça ao se deparar com uma regra nova, se você disser que essa regra nova é uma regra do Direito Penal material, como é que você vai interpretá-la. Como se interpreta uma nova regra do Direito Penal material? Tem que analisar se ela é mais benéfica ou não em comparação a lei velha. Se for mais benéfica retroage para alcançar fatos que ocorreram antes da vigência da lei. Se ela for mais gravosa ela só se aplica para novos fatos, novos crimes. No processo, se a regra for processual a análise num primeiro momento não é feita nestes termos. Se a regra for processual do art. 2º do CPP dá outro tipo de orientação. Art 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Então daqui se extraem 2 princípios de interpretação: à Princípio da imediatidade – 1ª parte. àPrincípio da irretroatividade – 2ª parte. Ana Carolina Gradowski Cagliari É diferente interpretar uma regra nova do Direito Penal material e do Direito Processual Penal. No entanto algumas regras vão se misturar. v Regra de Conteúdo Misto ou Variado. Essa regra indica que ela trás no mesmo artigo uma parte de Direito Penal material e outra parte de Processo Penal, só que a regra é uma só. Regra Exemplo art. 366, CPP. Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do discurso no art. 312. Essa regra foi alterada em 1996. A regra velha regulamentava a seguinte situação. O processo começa quando o promotor oferece a denúncia (petição inicial). Protocoliza a petição inicial chamada Denúncia. E daí o juiz decide se recebe ou não essa denúncia. Recebida a denúncia, o próximo passo é o juiz determinar a citação do acusado (citação serve para informar e chamar). Eu informo que existe um processo contra ele e chamo para que ele venha a se defender. Essa citação tem que ser a principio pessoal. Emite-se um mandado de citação, entrega-se esse documento na mão do oficial de justiça que irá então no endereço do indicado bater na porta, buscar a pessoa e formalizar essa citação entregando uma cópia da citação onde consta que ele deve comparecer num determinado dia, num determinado horário por exemplo na 4ª Vara Criminal. Então o oficial de justiça vai no endereço, vamos imaginar que ele chegue no endereço, bata na porta e a pessoa que atende na porta não é o acusado. Então ele pergunta a respeito do acusado e o morador do endereço diz: olha, eu não conheço essa pessoa, mas eu sei da existência dela porque muita gente vem atrás dela aqui, e eu fui me informare ele é o antigo morador daqui. Esse imóvel eu aluguei fazem 6 meses. Ele não D.P D.P.P Ana Carolina Gradowski Cagliari reside aqui já há 6 meses e eu não faço a menor ideia do seu paradeiro até porque eu não conheço esse sujeito. O oficial de justiça através dessa informação vira o mandado no verso e escreve o seguinte: Certifico que compareci no endereço indicado e fui informado pelo atual morador que o acusado não reside ali a mais de 6 meses e que não se sabe do seu paradeiro estando para mim em local incerto e não sabido. Devolve este documento e o MP vai tentar localizar o endereço dele atualizado. O endereço que vem é sempre o velho, não tem mais o que fazer, enfim, o que a lei dizia nesse caso: bom: se esgotaram as tentativas de citação pessoal resta a citação por edital, que é uma citação ficta. Fica fixado no edital por 60 dias. Para dar mais publicidade o juiz publica também no Diário da Justiça. Isso faz com que na prática a possibilidade do sujeito ficar sabendo que tem um processo contra ele. A possibilidade do sujeito saber que tem um processo contra ele é zero, probabilidade nula. Não várias vezes o processo chega ao fim sem o réu saber da existência dele. Na prática funcionava assim, citado por edital, quando do dia marcado para o comparecimento do réu, o juiz abria formalmente a audiência, perguntava para o escrivão, tá presente o réu? Não. Aí o juiz dizia, vamos aguardar 15 minutos. Passou 15 minutos, compareceu? Não. Bom, então dizia a lei velha, decreto a revelia do acusado, nomeio um advogado para ele e toco o barco. O advogado nomeado assim sem ter contato com o réu vai fazer uma defesa com limitações próprias de quem nunca conversou com o réu. Fará uma defesa com menor potencia se tivesse conversado com o réu. Então várias vezes o processo caminhava e no final tinha uma sentença condenatória, e muitas vezes o advogado nem recorria, deixava transitar em julgado. Cadê o réu que ninguém achou ele. Ele está condenado à 15 anos de reclusão, expeça-se mandado de prisão, e ficava o mandado de prisão aberto. Vamos imaginar que o nosso amigo réu mudou de endereço porque ficou desempregado e não tinha condição de pagar aluguel, então foi morar com a irmã na mesma rua. Mas como ele foi morar com a irmã o endereço dele não apareceu em lugar nenhum. Ele estava desempregado, passa um tempo e ele finalmente consegue um emprego. Como burocracia da empresa sempre é pedido uma certidão negativa, mesmo que você já tenha dito que nunca respondeu a processo criminal e tal. Aí ele vai ao cartório do distribuidor, pede uma certidão negativa de antecedentes criminais. O cartório o manda voltar em 48 horas. Então dois dias depois ele retorna, se apresenta no balcão para o funcionário. O funcionário percebe que é ele, diz para ele esperar um pouco. Nisso chega à polícia militar, algema ele, ele pergunta o que está acontecendo. Dizem para ele que ele está preso. Aí ele diz como assim? O senhor não é fulano, filho de beltrano? Sim, sou eu mesmo. Então não há dúvidas, o senhor está condenado a 15 anos de pena de reclusão. Por favor, o senhor nos acompanhe até a penitenciária. Não tem o que discutir, o senhor tem que cumprir a pena, o seu tempo de discutir já passou à Era assim até 1996. Ana Carolina Gradowski Cagliari A partir de 1996 a lei passou a ser como é hoje. Até 96 o réu não aparecia, o juiz decretava a revelia, nomeava um advogado e tocava o processo. Na lei nova, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, se fosse o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. Agora mudou a história. Se o réu não compareceu e não ficou sabendo da existência do processo, suspende o processo até que o Estado ache o réu. Enquanto não achar o processo não segue. Porque o princípio constitucional da ampla defesa que pressupõe ampla defesa exige que o réu pelo menos saiba formalmente que existe um processo contra ele, para evitar uma surpresa à Agora suspende o processo. Essa regra nova, quando ela fala que ficará suspenso o processo, esse pedaço da regra “ficará suspenso o processo” tem natureza processual. Se o juiz quiser fazer mesmo assim a audiência, está violando a regra, portanto como consequência não haverá validade do ato à a regra diz, fica suspenso o processo, o juiz diz, mas eu vou fazer. O que fizer não será válido porque violou a regra. Então se violar a regra implica em dizer que eu não aproveito o ato, a regra é de processo. Agora o art. prossegue dizendo que fica suspenso também o curso do prazo prescricional. Regras que regulamentam prescrição tem natureza de Direito Penal material. Se esta regra é de natureza Penal material parcela que diz que fica suspenso o prazo prescricional, esse pedaço é de direito penal material. Então percebe-se que o art. 366 do CPP tem um pedaço que fala em Processo Penal quando diz que ficará suspenso o processo e o outro pedaço do mesmo artigo que é de direito penal material quando diz que suspende o prazo prescricional àexemplo clássico de uma regra de conteúdo misto ou variado. Se nós olharmos para a parcela de direito penal desse dispositivo o que a gente vai perceber que suspender o curso do prazo prescricional é melhor ou pior para o réu? É pior, porque vou ter mais tempo para punir (o Estado vai ter mais tempo para me punir). Então a lei é mais grave do que eu tinha antes. Na parte do direito penal material eu posso dizer que suspender o prazo é uma lei mais gravosa do que a lei velha. Se ela é mais gravosa, eu posso retroagir? Eu posso aplicar para um processo que está em curso? Não. Ela só pode ser aplicada para novos fatos. No dia que a lei entrou em vigor aplica o art. 366 ou não? Os juízes aplicaram de tudo. Teve juiz que aplicou o artigo por inteiro, teve juiz que não aplicou nada e teve juiz que cortou a regra no meio (aplicou a parte processual e não aplicou a parte de direito material) à depois de muita discussão o que prevaleceu no STJ, prevaleceu o seguinte critério de interpretação da regra. O primeiro critério de uma regra de conteúdo misto e variado disse o STJ é manter a unidade do dispositivo (do artigo). Ana Carolina Gradowski Cagliari O STJ disse que devo manter o dispositivo, por que ele entendeu que o juiz é ser humano e ser humano é criativo por natureza. E se deixar que um juiz pegue uma regra e diga que vai aplicar um pedaço dela e outro não, se dá para imaginar o que vem depois disso aí. Abriu a porteira ninguém segura mais. Se eu tenho que manter a unidade do dispositivo, eu não posso separar uma coisa da outra, o que vai prevalecer na interpretação? Evidente que vai prevalecer a parcela de direito penal material, porque ela é mais severa que as regras de processo. O Direito Penal material ele é o principal e o processo é o acessório. Como é que vou interpretar uma regra de conteúdo misto ou variado? Eu vou olhar só para a parcela de direito penal, vou desconsiderar a parcela de direito processual. Olhando só para a parcela de direito penal material eu vou verificar se é melhor ou pior para o réu em relação a matéria, e vou aplicar o critério de interpretação de uma lei nova de direito pena material. Se for melhor ela retroage e o processo aplica junto. Se for pior, só para novos fatos e o processo também. Para onde for o direito penal vai o processo junto. Então nesse art. 366 do CPP, a parcela do direito penal ela é mais gravosa para o réu, porque amplia o prazo prescricional. Se é mais gravosaquem acertou lá em 96 foi o juiz que não aplicou e continuou aplicando a lei velha. A lei velha tinha um problema, ela era inconstitucional, mas aí a solução era outra. A solução era declarar a inconstitucionalidade daquela regra e dizer que ela violava a ampla defesa e resolve por ali, mas eu não podia aplicar a lei nova. Acertaram os juízes que só aplicaram esse art. 366 na nova redação para novos crimes que ocorreram a partir de sua vigência, e continuaram aplicando até os processos que já estavam em curso, nos crimes que ocorreram antes de 17/04/1996. Em síntese podemos dizer assim, regra de conteúdo misto ou variado interpretam como se fosse regra de direito penal material. v Regra Processual com Conteúdo Material. Regra A regra aqui inteira é de direito processual penal, só que ela tem conteúdo de direito penal. D.P.P D.P Ana Carolina Gradowski Cagliari Exemplo: regras que regulamentam a prisão preventiva. Regras que regulamentam prisão preventiva são regras de processo. Porque prisão preventiva não decorre de uma sentença, decorre de uma necessidade. Visa a cautelar uma situação de momento. Então ela é uma medida cautelar processual. E ela é cheia de regras. Para decretar a prisão preventiva o juiz tem que observar regras que regulamentam que dizem quando pode fazer isso. Se ele viola a regra que prevê a prisão preventiva a consequência é a não validade da decretação da prisão. Então observar ou não observar uma regra que regulamenta a prisão preventiva gera a validade ou não validade da prisão em si. O critério de Figueiredo Dias nos permite dizer que esta é uma regra processo penal. Mas o cara vai preso, não está punindo o cara de certa forma? É uma regra processual, só que tem um conteúdo material. 2011 no Brasil foi alterado o código de processo penal justamente neste ponto, naquela regra que dizia qual tipo de crime eu posso decretar prisão preventiva e qual não posso. Porque a prisão preventiva não cabe para qualquer caso. O critério até 2011 era um, a partir de 2011 passou a ser outro critério. Mudou a lei. Qual era o critério mínimo para decretar prisão preventiva na lei de 1941 até 2011? Só caiba prisão preventiva em crime doloso punido com reclusão. Crimes mais graves à punidos com reclusão. Crimes menos graves à punidos com detenção. Na cadeia reclusão e detenção é tudo igual. Qual a diferença então? A diferença é mais processual do que penal. O processo penal usa o critério reclusão e detenção para estabelecer algumas possibilidades processuais para um tipo de crime para outro não. Por exemplo, intercepção de comunicação telefônica, não cabe para todo crime. Só cabe para crime punido com reclusão. Nos crimes punidos com detenção eu não posso nem com autorização judicial fazer interceptação de comunicação telefônica, gravar uma conversa de duas pessoas sem que elas saibam. Mas se é punido com reclusão então pode. Esse era o critério da lei até 2011, tinha que ser doloso punido com reclusão. Em 2011 muda a lei. O critério que passa ser agora é que o continua sendo doloso (aqui não mudou), porém agora eu não discuto mais reclusão ou detenção. O critério novo é que o crime tem que ter uma pena máxima prevista em abstrato na lei superior a 4 anos. Até 4 anos tanto faz reclusão ou detenção, não cabe prisão preventiva. Acima de 4 anos tanto faz pena de reclusão ou detenção cabe prisão preventiva. Então vários crimes que permitiam prisão preventiva até 2011 porque a pena era de reclusão, não permitem mais porque a pena máxima é igual ou menor do que 4 anos. Ana Carolina Gradowski Cagliari à Regras de processo penal com conteúdo material devem ser interpretadas como se fosse direito penal material (posição dominante) Ø Como saber se eu estou diante de uma regra com conteúdo material. Tem dois doutrinadores de leitura mais moderna que usam critérios que não dá para usar, estão errados. - Aury Lopes Jr à para ele não tem diferença nenhuma, regra de direito penal e regra de processo, para ele é tudo igual. Para ele toda regra de processo tem conteúdo material à toda regra de processo deve ser interpretada de direito material (não dá para usar esse critério). - Luiz Flávio Gomes à para ele toda regra de processo cujo conteúdo toque em direitos e garantias do cidadão, do art. 5º da CF, tem conteúdo material. O problema do critério de Luiz Flávio está na própria frase, direito e garantia. Direito é material e garantia é processual. ü Rito Comum Ordinário. • Lei Velha. 1. MP fornecendo a denúncia. 2. Juiz recebe. 3. Citação. 4. Interrogatório. 5. Defesa prévia. 6. Audiência inquirição MP. 7. Audiência inquirição testemunha defesa. 8. Alegações finais. 9. Sentença. • Lei Nova. 1. MP fornecendo a denúncia. 2. Juiz recebe. 3. Citação. 4. Resposta técnica. 5. Absolvição sumária (possibilidade). 6. Audiência de Instrução e Julgamento: a) Ouvir vítima. b) Ouvir testemunhas do MP. c) Ouvir testemunhas defesa. Ana Carolina Gradowski Cagliari d) Interrogatório do réu. 7. Alegações finais. 8. Sentença. No rito da lei velha o interrogatório do réu é o primeiro ato de instrução. Já na lei nova o interrogatório do réu está lá no fim. Na velha lei interrogava o réu e depois ouvia as testemunhas. Na lei nova primeiro ouço as testemunhas para depois interrogar o réu. A lei nova ao deslocar o interrogatório de primeiro ato de instrução para o último ato de instrução, ela ampliou a defesa. Para o réu é melhor falar depois. A lei nova é mais benéfica para o réu, ela ampliou a defesa. Agora usa o critério do Aury e usa o critério do Luiz Flávio e vê o que acontece na prática. Na prática significa dizer, vamos anular todos os processos que existiram na história do país. Então como é que eu sei que estou diante de uma regra com conteúdo material? Uso o critério do Figueiredo Dias. Se o conteúdo de fato tocar no direito punitivo é direito penal, se não, não. INTERPRETAÇÃO DA REGRA DE PROCESSO NO ESPAÇO E UTILIZAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO O art. 1º. do CPP trás uma regra que decorre do problema que Getúlio Vargas enfrentava que era o fato de cada Estado da Federação tinha o seu código de processo penal. E ele então unifica a legislação. Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo território brasileiro, por este código. Este código aplica-se em todo território brasileiro, com algumas ressalvas, diz o legislador relacionadas: I – Os tratados, as convenções e regras de direito internacional. Ana Carolina Gradowski Cagliari Então o Brasil é signatário de vários tratados, de várias convenções que submete a regra do direito internacional. Vários desses tratados tratam inclusive de matéria processual penal. E um deles é bastante importante para o processo que é a: ü Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) – Decreto 678/92. Essa convenção trás várias regras de processo penal, por isso ela é bastante destacada. O STF interpreta a Convenção dizendo que a Convenção Americana, ela está entre a Constituição e o Código de Processo Penal, hierarquicamente falando em termos de importância. Então está acima do Código de Processo Penal e um degrau abaixo da Constituição. Então nós podemos fazer em relaçãoao Código de Processo Penal tanto um controle de constitucionalidade como um controle de convencionalidade. Um exemplo prático para a importância da convenção e como ela se sobrepõe até o código de processo é a Audiência de Custódia. Se for procurar no código de processo penal sobre audiência de custódia não vai achar nada a respeito dela. Não existe uma regra no código de processo. Já na Convenção Americana de Direitos Humanos está lá um disciplinado que quem foi preso em flagrante delito tem o direito de ser apresentado a um juiz, imediatamente apresentado a um juiz. Então até o final do ano passado, começo desse ano (2016), nunca demos muita bola para a Convenção Americana no Brasil nesse ponto. E era da tradição interpretativa brasileira não exigir que o preso em flagrante delito fosse imediatamente apresentado a um juiz. O código trabalha com a interpretação a um delegado de polícia. E o delegado quando muito comunica ao juiz em 24 horas que alguém foi preso. Mas a pessoa que foi presa não era apresentada para se entrevistar com o juiz. Então o Pacto de San José diz que as pessoas tem o direito de serem apresentadas a um juiz. Por isso começou um movimento há mais ou menos um ano e meio para fazer valer a Convenção. Ainda que eu não tenha uma regra no Código a Convenção diz isso a respeito e portanto se começou um movimento nesse sentido, que foi acolhido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que resolveu disciplinar como é que esse negócio vai ser feito. Cada Estado da Federação está criando regras a respeito disso aí, o que é perigoso, o ideal seria ter uma lei. Já estão fazendo a audiência de custódia porém com uma dificuldade de ajuste para fazer funcionar, pois não foi feito um cargo de juiz só para fazer isso. Ana Carolina Gradowski Cagliari Falta estrutura mas tem que fazer. O Código não se aplica quando colide com uma convenção de natureza internacional com a qual o Brasil é signatário à isso que está dizendo o art. 1º do CPP em última análise. O Código também não se aplica. II - As prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do supremo tribunal federal, nos crimes de responsabilidade. Isso aqui na verdade é infração política, não é crime propriamente dito. Quando ele fala de crime de responsabilidade ali está se referindo a ação de natureza política, é o famoso processo de impeachment, regulado por uma lei da década de 50. Então no processo de impeachment você não usa o código de processo penal, você usa a lei especial que regulamenta o processo de impeachment. O inciso III também excepciona o uso do código de processo penal para: III – Os processos da competência da justiça militar. Essa é uma regra de 1941, permanece vigente ainda hoje porque saindo de ditadura militar, lá na década de 80, caminhamos para uma redemocratização do país um dos acordos que foi feito para que a coisa fosse uma transição não bélica, foi que os militares não abriram mão de manter a sua justiça. Então esse acordo vai afrontar. A constituição brasileira manteve a Idea de uma justiça militar à existe um código de processo militar. Os processos de competência da justiça militar você não usa o código de processo penal, você usa o código de processo penal militar. O inciso V, regra lá de 1941 fala que eu não uso o código de processo penal para: V – Os processos por crime de imprensa. Esse inciso V tem que ser hoje em conjunto do parágrafo único do art. 1º. Parágrafo único – aplicar-se-á, entretanto, este código aos processos referidos nos ns. IV e V, quando as leis especiais que os regulam não dispuserem de modo diverso. Ana Carolina Gradowski Cagliari Na conjugação do inciso V com o parágrafo único interpreta-se esse inciso V hoje como relacionado a qualquer lei especial preveja um rito especial que não apenas a belíssima lei de imprensa. Então qualquer lei especial hoje traga um regramento de processo penal, a lei especial prepondera sobre o código de processo penal e poderá ser usado subsidiariamente naquilo que não conflitar com o código de processo penal. Então, se tem várias leis especiais que trazem regramentos de processo penal e elas estão então são usadas preferencialmente em relação ao código. àExemplo: Lei 9.099/95 – Lei que regulamenta os juizados especiais criminais. Trás todos um regramento diferente de como funciona o processo no juizado especial. Lá tem a chamada transação penal, a possibilidade do promotor fazer um acordo com um autor do delito e não processá-lo. Tem também regras da suspensão do processo. Enfim, tudo isso está naquela lei, no código não vai achar. Usa aquela lei e o código só se aplica subsidiariamente. Art. 3º. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito. v Regras de interpretação quanto ao alcance. • Interpretação Declarativa. É aquela que não exige nenhum esforço do interprete, é a regra clara. Exemplo: no futebol, a bola caiu dentro da área é pênalti, caiu fora da área não é pênalti. • Interpretação Extensiva. Amplia o alcance da regra na hora de interpretar, porque o legislador acabou sendo de certa forma econômico na redação da lei. Esqueceu de regrar alguma coisa que deveria ter regrado. Como ele não lembrou e aquilo que ele não lembrou é igual aquilo que ele lembrou, você que está interpretando a lei pode fazer uma interpretação que amplie, estenda o alcance da regra para que ela venha tutelar também aquela situação que ela não regrou. Então na hora de interpretar você amplia o alcance da regra. Exemplo: no art. 581 do CPP trata de um recurso chamado Recurso em sentido estrito e diz: “caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença: I – que não receber a denúncia ou a queixa.” Se a gente lembrar da aula passada foi passado um rito comum ordinário. E ali como é que funcionava então o processo à O promotor oferece a denúncia. O Ana Carolina Gradowski Cagliari próximo passo é o juiz decidir se recebe ou não recebe essa denúncia. Se ele recebe ele começa o processo, citação e vai para frente. Se ele não recebe acaba ali. O juiz pode não receber a denúncia? Pode. O que o juiz vai analisar para decidir se recebe ou não recebe a denúncia? Ele vai analisar se o promotor observou as condições para o exercício da ação (denúncia é a materialização da ação). A ação direito de evocar a tutela do Estado tem condições para fazer isso. Se ele não observou essas condições, o juiz diz: bom, você não poderia ter exercitado a ação porque você não observou as condições. Você não tinha condições para fazer isso. Então eu não recebo a denúncia. O promotor pode querer discutir isso, e como discutir? Através de um recurso do Tribunal de Justiça. Então se o juiz não recebe a denúncia, o que entende ele juiz? Promotor não tinha as condições exigidas para fazer. E o promotor entende ao contrário, que o juiz errou na análise, que na verdade tinha essas condições. Promotor recorre dessa decisão, de não receber a denúncia. E quem vai dizer quem tem razão é o Tribunal de Justiça. Nós temos uma situação agora no processo que é a possibilidade do promotor tendo oferecido uma denúncia, o juiz ter recebido essa denúncia. O processo está em curso e o promotor no meio do processo (desde que antes da sentença) atravessa uma petição fazendo um aditamento a denúncia (aditamento vem do verbo aditar que é somar, acrescentar).Então o promotor ele pode (a lei permite) que ele atravesse uma petição a qualquer momento desse para acrescentar alguma coisa que ficou faltando da denúncia por variadas razões. Por exemplo, ele sabe que foram duas pessoas que cometeram o crime, mas até agora só foi identificada uma delas, a outra pessoa ninguém sabe o nome dela, nem identificação dela, nem nada. Então o promotor ofereceu a denúncia apenas aquela que ele sabia quem era. Dizendo que o crime foi cometido por duas pessoas, a outra não identificada. Passa um tempo e se descobre quem era essa outra pessoa. Aí o promotor atravessa uma petição no meio do processo e diz: olha, vim aditar a denúncia para dizer que aquela outra pessoa que eu não sabia quem era, é fulano e denuncia ele também. Pode acrescentar um novo fato, pode acrescentar um novo réu, pode reescrever o fato... Quando ele faz isso ele submete a uma apreciação do juiz. E o juiz vai decidir se recebe ou não recebe o aditamento a denúncia. Que tipo de análise o juiz vai fazer para decidir se recebe ou não o aditamento à denúncia? A mesma análise que ele fez quando resolveu decidir pelo recebimento da denúncia. Se a natureza da decisão, que decide receber ou não receber o aditamento à denúncia é exatamente igual a natureza da decisão que decide não receber eventualmente a própria denúncia, ainda que não esteja escrito na lei que cabe recurso da decisão que não receber o aditamento à denúncia, que não esta escrita ali porque o legislador esqueceu, você pode usar essa regra para interpor um recurso em sentido estrito da decisão que eventualmente não recebeu o aditamento. Fazendo uma interpretação extensiva do inciso I. Você vai ler o inciso Ana Carolina Gradowski Cagliari primeiro de uma maneira a dizer que ele alcança também a decisão que não recebeu o aditamento ainda. Interpretar extensivamente, portanto é pegar uma regra e aplicar uma situação que não está nela expressamente regrada, que deveria estar. • Interpretação restritiva. Nessa interpretação você tem o legislador que acabou exagerando na hora de regrar. Ele regrou de forma tal que a regra ficou muito ampla. Na hora de interpretar essa regra vai diminuir o alcance da regra pela via de interpretação. Nesse caso o legislador disse mais do que deveria ter dito. Na interpretação vai restringir o alcance de aplicação daquela regra. Exemplo: o art. 312 do CPP diz que eu posso decretar prisão preventiva como garantia da ordem pública. Já vimos que tinha que ser crime doloso, pena superior a 4 anos e agora tem que ter além disso ser também por uma finalidade. Qual finalidade? Garantia da ordem pública. O que é ordem pública? Então, é uma expressão muito aberta. O Mirabete quando vai falar de ordem pública ele não faz interpretação restritiva, ao contrário, ele encaixa tudo e mais um pouco nesse conceito, que é um conceito aberto do tamanho de um bonde. Dizendo Mirabete que eu posso decretar prisão preventiva como forma de dar credibilidade à justiça. Essa não é uma interpretação restritiva, e aí o que a jurisprudência recomenda é que, pera aí, isso aí não dá. O legislador aqui exagerou, a expressão é muito aberta. Então, você que está interpretando isso vai ter que dar um jeito de diminuir o alcance disso aí porque senão você encaixa tudo, vai prender todo mundo. É um conceito muito aberto. Então na interpretação você restringe o alcance não admitindo a interpretação que Mirabete dá. O que se admite muito hoje jurisprudencialmente falando é que quando você tem um dado concreto no processo e evidencia o sujeito em liberdade com destinos para reinterar o comportamento antigo. A lei não diz quando usar interpretação extensiva e interpretação restritiva. Há alguns critérios de orientação para quando usar uma e quando usar outra. Um desses critérios, que parece bem interessante para o professor, e é dado pelo código canônico da igreja católica. A igreja católica tem um código que regulamenta como é que funciona o processo penal canônico. Lá eles punem padre. E lá tem uma regra dizendo assim: “Toda vez que você estiver diante de uma regra que regulamente um direito, você pode interpretá-la extensivamente.” “Toda vez que você estiver diante de uma regra que limite o direito, você deve interpretá-la restritivamente.” Não resolve tudo, mas organiza . Ana Carolina Gradowski Cagliari O art. 3º do CPP, ele só faz menção a interpretação extensiva. Mesmo não estando escrito ali você pode fazer tanto uma interpretação declarativa como restritiva. O art. 3º também faz menção a aplicação analógica. Aplicação analógica que engloba tanto a analogia o que é bem parecida com a interpretação extensiva. Interpretação extensiva eu tenho uma regra e eu pego essa regra e estendo o alcance dela. Interpretação analógica eu não tenho regra, não está regrado o assunto. Mas tem uma regra em outro lugar, não ali. Então você pode buscar lá e aplicar aqui. Você tem uma lacuna, a ideia é de preencher a lacuna interpretativa. Por exemplo, nós temos o art. 621 do CPP que trata da chamada Revisão Criminal. A Revisão Criminal é uma ação que pode usar depois de esgotado todos os recursos, dentro de alguns critérios para tentar desconstituir coisa julgada. Acabou o processo, o sujeito foi condenado. Cabe Revisão Criminal em alguns casos. Por exemplo, inciso III, art. 621. Art. 621, III – Quando após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Exemplo: então o sujeito foi condenado, acabou o processo, esgotado os recursos, está cumprindo pena. Imagine que você é o advogado e uma família inteira vai te procurar no seu escritório contando a seguinte história. A mulher lá do sujeito condenado diz que eles foram procurá-lo porque o marido foi condenado injustamente diz ela. Mas já foi condenado? Já. Mas está em fase de recurso o processo? Não senhor. Acabou tudo, nós perdemos tudo, fomos até Brasília não teve jeito. Acabou tudo e agora ele está cumprindo pena. Então porque vocês só me procuraram agora? Porque aconteceu o seguinte doutor, nós trouxemos aqui essas pessoas, essas 4 pessoas aqui para o doutor ouvir porque essas pessoas elas sabem na verdade que meu marido é inocente porque elas viram o crime quando ocorreu, inclusive elas sabem dizer quem foi que cometeu esse crime, e não foi o meu marido. E elas querem falar agora. Mas elas não falaram durante o processo? Não, porque tinham medo, não queriam se envolver. Mas daí viram que meu marido foi condenado e aí não conseguiam dormir mais com peso na consciência, porque eles sabem que meu marido é inocente. Então eu trouxe eles aí para o doutor dá um jeito nesse negócio. Então você lembra das aulas da faculdade e sabe que a saída é a Revisão Criminal. Porque surgiu uma prova nova, melhor do que aquelas que foram usadas, capaz de alterar o quadro probatório e reverter a condenação. Só que você abre o código de processo e está escrito nele que você tem que ter uma nova prova de inocência. Aí tem um problema técnico, que é como transformar a palavra dessas 4 pessoas que estão ali no meu escritório em prova testemunhal pré-constituída (pré-constituída porque a ação de Revisão Criminal, ela não admite instrução probatória). Eu não posso peticionar no tribunal Ana Carolina Gradowski Cagliari dizendo, reintero que se sejam ouvidas as testemunhas arroladas... ou você tem a prova pronta já na mão ou então nem perca seu tempo. E aí você vai ler o código inteiro tentando achar onde que está a saída, e você não encontra. O Código não diz como fazer para
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