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1 PETER DRUCKER, AUTOGERENCIAMENTO E O SÉCULO XXI Por Heloisa Sampaio Machado1 Peter Drucker (1909 – 2005) é considerado um dos maiores especialistas em Administração Moderna. Como professor de Administração da Graduate School da New York University, bem como consultor em estratégia e política para empresas, Drucker pôde correlacionar teoria e prática, tornando “Gestão” uma disciplina respeitada e acessível. De forma crescente, Peter Drucker passou a analisar não somente os fatos do presente, mas também realizar previsões e escrever sobre tendências para o mundo do trabalho a partir do século XXI, o que ele chamou de “Sociedade do Conhecimento”. Suas contribuições neste campo, além de muito importantes, tornam-se a cada dia mais confirmadas ao longo do desdobramento das primeiras décadas deste século. É assim que, em um mundo que preza e reconhece, cada vez mais, a relevância da singularidade dos fenômenos, a compreensão da organização como figura autárquica que se sobrepõe à importância e riqueza de seus diversos colaboradores – bem como a figura centralizadora de um líder absoluto que carrega a ideia de uma empresa – se torna antiquada e ineficiente, principalmente se considerarmos o mundo contemporâneo, caracterizado pela permanente transformação. Percebe-se que, como indicado por Drucker, a existência do indivíduo separado da organização não é apenas disfuncional, como também insustentável. Em poucas palavras: quando pessoas se reúnem para gerar um produto ou serviço (no meio corporativo ou não) é necessário que este ambiente possibilite o reconhecimento das pessoas em suas particularidades, que se perceba que os indivíduos não podem ser reduzidos à mera operacionalização de regras e leis que desconsiderem a sua inteireza. Pelo contrário, falamos agora de uma compreensão de um todo que não se reconhece sem o valor de suas partes; de uma relação que exige uma visão orgânica para funcionar. Como sabemos, o mundo está em transformação. A organização da sociedade em rede estabelece novos desafios para profissionais e empresas. Traz riscos e oportunidades. Empresas desaparecem, como aconteceu com a indústria fonográfica. Outras ganham escala planetária, como Netflix, Airbnb, Uber e Amazon. Nunca se investiu tanto em tecnologia e inovação. Poucos momentos da história registraram tamanha revolução. E tantas armadilhas. 1 Fonte: DRUCKER, Peter. In: Seja Seu Próprio Gerente. HSM Management, São Paulo, v. 3, n. 16, 1999. Resenha de: MACHADO, Heloisa Sampaio. Peter Drucker, autogerenciamento e o século XXI. Rio de Janeiro: [s.n.], 2018. HUNTER, Jeremy; SCHERER J. Scott. Knowledge worker productivity and the practice of self- management. In: PEARCE, Craig L.; MACIARIELLO, Joseph A.; YAMAWAKI, Hideki (Eds.) The Drucker difference: what the world’s greatest management thinker means to today’s business leaders. New York: McGraw-Hill, 2009. Resenha de: MACHADO, Heloisa Sampaio. Peter Drucker, autogerenciamento e o século XXI. Rio de Janeiro: [s.n.], 2018. 2 O avanço das redes sociais expõe as empresas de uma forma como nunca estiveram, enquanto as mídias tradicionais determinavam o certo e o errado, o bom e o ruim. A exposição ao público é total, permanente, 360 graus. Num território minado, sem nuances, onde se confrontam o amor e o ódio. Like or hate. Onde as versões superam os fatos. O dicionário de Oxford definiu este cenário como mundo pós-verdade. O que se pode ter por certo, desde já, é que a maneira das empresas se organizarem, se apresentarem e se relacionarem mudou para sempre. Valores éticos e de conduta se tornam mais importantes que a propaganda e os preços. O mundo de negócios funciona em tempo real. A cobrança é enorme. Os desafios do nosso tempo pedem um novo modelo de organização: a empresa ao vivo. A empresa moderna, inovadora e criativa precisa estar em sintonia com o nosso tempo. Estar exposta, como transmissão ao vivo, em que os acontecimentos se desenvolvem diante dos olhos de todos. Reagir baseada em sua história e em seus valores, nos laços que estabelece com a sociedade. Saber ouvir e compartilhar. E, se souber ouvir, saberá que o mundo pede ética, atitude, compromisso com o planeta e transparência, não apenas num slogan publicitário, mas em cada ação e tomada de decisão, na atuação de cada funcionário, de cada fornecedor e de cada parceiro. Como as empresas devem se organizar? Qual o modelo de liderança a ser adotado? Como se dá a comunicação nos dias de hoje? Como ter sucesso em meio a tantas armadilhas? Como construir uma carreira e uma empresa de reputação? Profissionais, gestores, executivos e empresas precisam se atualizar: entender as transformações em curso e trocar discurso por ação. De nada adianta ter um belíssimo código de valores escrito. O que importa é praticar os valores de forma coerente por parte de todos os elementos que atuam ou representam a empresa. Não se pode mais conviver com manuais que exortam o “respeito às pessoas” se as lideranças desrespeitam suas equipes em ações, linguagens etc. Peter Drucker se referiu a esta sociedade como a “Era do Conhecimento”. Em seu texto “Seja seu Próprio Gerente”, Drucker destaca a importância do Autoconhecimento como forma de se poder ter êxito e desenvolver habilidades essenciais para este momento: 1. Analisar as próprias forças 2. Analisar os próprios valores 3. Encontrar o lugar ao qual pertencemos 4. Descobrir a contribuição que podemos dar 5. Assumir a responsabilidade pelo relacionamento com chefes e outros profissionais do trabalho O destaque que Peter Drucker dá ao Autoconhecimento neste momento em que escreveu o texto (1999) se confirma cada vez mais nos dias atuais. São inúmeros os esforços que a “Ciência da Gestão” tem feito para o desenvolvimento e aplicação de ferramentas de autoconhecimento, pelo desenvolvimento de lideranças para considerar os aspectos de personalidade e das emoções dentro do trabalho, a crescente produção de literatura sobre Sentido e Propósito no trabalho e a inclusão de contribuições da Antropologia, da Filosofia e 3 das Ciências Sociais dentro do ambiente do trabalho, além dos aspectos tecnológicos e técnicos. Torna-se, assim, importante frisar a relevância das recentes visões do indivíduo – a partir das descobertas técnico-científicas e do pensamento corporativo – para se montar o quadro a partir do qual nós podemos pensar o indivíduo em sua relação com a organização e o que a harmonização destes dois campos significa para o mundo corporativo de hoje. A preocupação de Peter Drucker sempre foi com o conceito de produtividade. O interessante é que ele ancorou no indivíduo a resposta essencial para isto. Sem querermos reduzir a importância inegável de revisões de processos de trabalho, práticas administrativas, estruturas organizacionais, tecnologia da informação e ergonomia, sabemos que estas iniciativas não dão todas respostas esperadas para o mundo em transformação. Constatamos, como Drucker afirmou, o ativo primário de uma economia de conhecimento está “entre as orelhas” dos profissionais, ou seja, em cada indivíduo per si. Drucker ressaltava que na Era do Conhecimento “os profissionais devem ser considerados como ativo de capital”. Isto significa que a maior retenção desses ativos passa pela cultura organizacional em que os estados internos de cada um possam se manifestar a partir do sentimento de que há possibilidade e um terreno fértil para tal. Nos dias atuais são fundamentais para a produtividade: 1. A forma como os profissionais usam a atenção para se focarem e se engajarem com o trabalho e com o grupo 2. Mudança de mentalidades críticas e rígidas para mentalidades abertas quepermitam que o aprendizado e a transformação se manifestem e, consequentemente, a inovação e a solução rápida a problemas 3. Possibilidade de emoções positivas se manifestarem no ambiente de trabalho criando ambiente propício à inovação e à mudança (em contrapartida à manifestação de emoções negativas que corroem a moral do grupo e não permitem o aprendizado a partir dos erros) 4. Retenção de talentos (ambientes não acolhedores a partir de lideranças sarcásticas podem gerar perda de talentos) 5. Capacidade de comunicação plena e atenta (em contrapartida com ambiente em que a comunicação é interrompida ou não estimulada permanentemente pelo fato das pessoas estarem ligadas às “telas” – do celular, do tablete ou do computador – enquanto conversam uns com os outros) Os referidos pré-requisitos para a produtividade, nos levam, novamente, para a relevância dos Indivíduos se autogerenciarem. Já que entendemos o indivíduo como uma identidade última e absolutamente indivisível, que define alguém como aquilo que ele é, o que o faz ser ele mesmo e não outro, é fundamental que ele (o indivíduo) seja capaz de se conhecer e ter a possibilidade de tomar as decisões sobre seu futuro. Apesar de sermos/estarmos em um mundo, nós não somos determinados plenamente por este mundo. Existir é sempre uma tarefa carregada por alguém ser aquilo que se é. 4 Dado este conceito, a prática da autoadministração tal como descrito por Drucker está diretamente relacionada a como cada um pode administrar seus ambientes internos para ser mais eficaz e manter permanente aperfeiçoamento. É a arte de jogar luz nas “caixas pretas” internas de cada um de forma a transformá-las em mecanismos positivos para a eficácia individual (e não em processos autodestrutivos). Felizmente a neurociência, a medicina e psicologia têm trazido cada vez mais contribuições para este campo. Estas ciências fornecem elementos, de maneira crescente, para que os profissionais do conhecimento possam melhor se administrarem, aperfeiçoarem seu trabalho e seus relacionamentos. A produtividade individual aumenta, assim como a coletiva. Gera-se mais capital para a organização. No texto “Produtividade do Profissional do Conhecimento e a Prática da Autoadministração” (Jeremy Hunter e J. Scott Scherer) os autores descrevem os resultados de pesquisa com profissionais bem-sucedidos e que desenvolveram a prática da atenção plena. Esta prática consiste em um método de desenvolvimento que realça a autopercepção, a autorregulação e a autotransformação. O resultado desta pesquisa revela um estado comum entre os executivos: a vida de todos era tão exigente e complexa que se não tivessem desenvolvido as práticas de atenção plena, certamente não estariam onde estavam. A neurociência ajudou a explicar, com dados científicos, como a atenção plena funciona, descrevendo o processo biológico que se desencadeia a partir desta prática. Podemos concluir, então: 1. A Autoadministração significa administrar seu sistema nervoso, especialmente o cérebro: os profissionais da Era do Conhecimento devem usar seu cérebro para focar, decidir e agir 2. A Atenção é a base para a Autoadministração: o primeiro passo para o autoconhecimento, autocontrole, autotransformação e conexão com os outros é dominar a atenção 3. É necessário treinar a Percepção: é natural da perspectiva humana que nós vejamos sempre uma versão fragmentada do todo que nos aparece. Isto faz com que aquilo que nós vemos seja sempre uma versão curta daquilo que se mostrou para nós, ou, ainda, uma visão pessoal. Em uma empresa – lugar fundamentalmente compartilhado –, a constituição de uma visão comum é tão importante quanto imprescindível. 4. É necessário desenvolver o Foco: operações mentais complexas não acontecem sem uma mente focada. A distração diminui a eficiência cognitiva. As interrupções no fluxo do pensamento prejudicam o ritmo porque forçam intervalos na cadeia do pensamento, havendo perda de energia e, consequentemente, perda de produtividade. 5. Multitarefas devem ser combatidas: hoje há estímulo crescente – e certa glamorização – das multitarefas. Está comprovado que estas danificam a produtividade, os relacionamentos e o próprio cérebro. As multitarefas dividem a atenção e pesquisas comprovam que estas desaceleram o desempenho e aumentam os erros. Falar com alguém que está de olho no celular ou na tela do computador é extremamente desanimador para que se estabeleça um verdadeiro contato. Multitarefas têm efeito negativo para o aprendizado. 5 REFERÊNCIAS: DRUCKER, Peter. In: Seja Seu Próprio Gerente. HSM Management, São Paulo, v. 3, n. 16, 1999. HUNTER, Jeremy; SCHERER J. Scott. Knowledge worker productivity and the practice of self-management. In: PEARCE, Craig L.; MACIARIELLO, Joseph A.; YAMAWAKI, Hideki (Eds.) The Drucker difference: what the world’s greatest management thinker means to today’s business leaders. New York: McGraw-Hill, 2009.