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Sociologia da Educação 1 Sociologia da Educação IBETEL Site: www.ibetel.com.br E-mail: ibetel@ibetel.com.br Telefax: (11) 4743.1964 - Fone: (11) 4743.1826 2 Sociologia da Educação 3 (Org.) Prof. Pr. VICENTE LEITE Sociologia da Educação 4 Sociologia da Educação 5 Declaração de fé A expressão “credo” vem da palavra latina, que apresenta a mesma grafia e cujo significado é “eu creio”, expressão inicial do credo apostólico -, provavelmente, o mais conhecido de todos os credos: “Creio em Deus Pai todo-poderoso...”. Esta expressão veio a significar uma referência à declaração de fé, que sintetiza os principais pontos da fé cristã, os quais são compartilhados por todos os cristãos. Por esse motivo, o termo “credo” jamais é empregado em relação a declarações de fé que sejam associadas a denominações específicas. Estas são geralmente chamadas de “confissões” (como a Confissão Luterana de Augsburg ou a Confissão da Fé Reformada de Westminster). A “confissão” pertence a uma denominação e inclui dogmas e ênfases especificamente relacionados a ela; o “credo” pertence a toda a igreja cristã e inclui nada mais, nada menos do que uma declaração de crenças, as quais todo cristão deveria ser capaz de aceitar e observar. O “credo” veio a ser considerado como uma declaração concisa, formal, universalmente aceita e autorizada dos principais pontos da fé cristã. O Credo tem como objetivo sintetizar as doutrinas essenciais do cristianismo para facilitar as confissões públicas, conservar a doutrina contra as heresias e manter a unidade doutrinária. Encontramos no Novo Testamento algumas declarações rudimentares de confissões fé: A confissão de Natanael (Jo 1.50); a confissão de Pedro (Mt 16.16; Jo 6.68); a confissão de Tomé (Jo 20.28); a confissão do Eunuco (At 8.37); e artigos elementares de fé (Hb 6.1- 2). A Faculdade Teológica IBETEL professa o seguinte Credo alicerçado fundamentalmente no que se segue: (a) Crê em um só Deus eternamente subsistente em três pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo (Dt 6.4; Mt 28.19; Mc 12.29). (b) Na inspiração verbal da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé normativa para a vida e o caráter cristão (2Tm 3.14-17). (c) No nascimento virginal de Jesus, em sua morte vicária e expiatória, em sua ressurreição corporal dentre os mortos e sua ascensão vitoriosa aos céus (Is 7.14; Rm 8.34; At 1.9). (d) Na pecaminosidade do homem que o destituiu da glória de Deus, e que somente o arrependimento e a fé na obra expiatória e redentora de Jesus Cristo é que o pode restaurar a Deus (Rm 3.23; At 3.19). 6 (e) Na necessidade absoluta no novo nascimento pela fé em Cristo e pelo poder atuante do Espírito Santo e da Palavra de Deus, para tornar o homem digno do reino dos céus (Jo 3.3-8). (f) No perdão dos pecados, na salvação presente e perfeita e na eterna justificação da alma recebidos gratuitamente na fé no sacrifício efetuado por Jesus Cristo em nosso favor (At 10.43; Rm 10.13; 3.24- 26; Hb 7.25; 5.9). (g) No batismo bíblico efetuado por imersão do corpo inteiro uma só vez em águas, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, conforme determinou o Senhor Jesus Cristo (Mt 28.19; Rm 6.1-6; Cl 2.12). (h) Na necessidade e na possibilidade que temos de viver vida santa mediante a obra expiatória e redentora de Jesus no Calvário, através do poder regenerador, inspirador e santificador do Espírito Santo, que nos capacita a viver como fiéis testemunhas do poder de Jesus Cristo (Hb 9.14; 1Pe 1.15). (i) No batismo bíblico com o Espírito Santo que nos é dado por Deus mediante a intercessão de Cristo, com a evidência inicial de falar em outras línguas, conforme a sua vontade (At 1.5; 2.4; 10.44-46; 19.1-7). (j) Na atualidade dos dons espirituais distribuídos pelo Espírito Santo à Igreja para sua edificação conforme a sua soberana vontade (1Co 12.1-12). (k) Na segunda vinda premilenar de Cristo em duas fases distintas. Primeira - invisível ao mundo, para arrebatar a sua Igreja fiel da terra, antes da grande tribulação; Segunda - visível e corporal, com sua Igreja glorificada, para reinar sobre o mundo durante mil anos (1Ts 4.16.17; 1Co 15.51-54; Ap 20.4; Zc 14.5; Jd 14). (l) Que todos os cristãos comparecerão ante ao tribunal de Cristo para receber a recompensa dos seus feitos em favor da causa de Cristo, na terra (2Co 5.10). (m) No juízo vindouro que recompensará os fiéis e condenará os infiéis, (Ap 20.11-15). (n) E na vida eterna de gozo e felicidade para os fiéis e de tristeza e tormento eterno para os infiéis (Mt 25.46). Sociologia da Educação 7 Sumário Declaração de Fé 5 CAPÍTULO 1 A Educação – Sua Natureza e Função 9 1.1 As definições da educação - exame crítico 9 1.2 Definição de Educação 14 1.3 Por que educar? Por que o ser humano precisa se educar? 17 1.4 Educação na Sociedade 21 1.5 Os sete saberes necessários à educação do futuro 24 1.6 A Educação Face os Desafios do Mundo Contemporâneo 36 CAPÍTULO 2 A Educação como tema da Sociologia 43 2.1 O que torna possível a educação 43 2.2 A educação e a escola 45 2.3 A educação escolar e a educação fora da escola 46 2.4 Cultura/educação/conhecimento 47 CAPÍTULO 3 O Contexto Brasileiro: Capitalismo e as explicações da Sociologia 49 3.1 Brasil, país capitalista 49 3.2 As idéias liberais e a escola 50 3.3 Compreendendo a realidade com o auxílio da Sociologia 51 CAPÍTULO 4 A escola no Brasil 59 4.1 A escola no contexto capitalista brasileiro 60 4.2 A organização da escola 65 CAPÍTULO 5 Educação e Cidadania 73 5.1 Estado e educação - definições necessárias 74 5.2 A escola e a cidadania negada 78 Referências 83 8 Sociologia da Educação 9 Capítulo 1 A Educação – Sua Natureza e Função 1.1 As definições da educação - exame crítico A palavra educação tem sido muitas vezes empregada em sentido demasiadamente amplo, para designar o conjunto de influências que, sobre a nossa inteligência ou sobre a nossa vontade, exercem os outros homens, ou, em seu conjunto, realiza a natureza... Ela compreende, diz STUART MILL, «tudo aquilo que fazemos por nós mesmos, e tudo aquilo que os outros intentam fazer com o fim de aproximar-nos da perfeição de nossa natureza. Em sua mais larga acepção, compreende mesmo os efeitos indiretos, produzidos sobre o caráter e sobre as faculdades do homem, por coisas e instituições cujo fim próprio é inteiramente outro: pelas leis, formas de governo, pelas artes industriais, ou ainda, por fatos físicos independentes da vontade do homem, tais como o clima, o solo, a posição geográfica». Essa definição engloba, como se vê, fatos inteiramente diversos, que não devem estar reunidos num mesmo vocábulo, sem perigo de confusão. A influência das coisas sobre os homens é diversa, já pelos processos, já pelos resultados,daquela que provém dos próprios homens; e a ação dos membros de uma mesma geração, uns sobre outros, difere da que os adultos exercem sobre as crianças e adolescentes. É unicamente esta última que aqui nos interessa e, por conseqüência, é para ela que convém reservar o nome de educação. Mas em que consiste essa influência toda especial? Respostas muito diversas têm sido dadas a essa pergunta. Todas, no entanto, podem reduzir-se a dois tipos principais. Segundo KANT, “o fim da educação é desenvolver, em cada indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz”. Mas, que se deve entender pelo termo perfeição? Perfeição ouve-se dizer muitas vezes, é o desenvolvimento harmônico de todas as faculdades humanas. Levar ao mais alto grau possível todos os poderes que estão em nós realizá- 10 los tão completamente como possível, sem que uns prejudiquem os outros - não será, com efeito, o ideal supremo? Vejamos, porém, se isso é possível. Se, até certo ponto, o desenvolvimento harmônico é desejável e necessário, não é menos verdade que ele não é integralmente realizável; porque essa harmonia teórica se acha em contradição com outra regra da conduta humana, não menos imperiosa: aquela que nos obriga a nos dedicarmos a uma tarefa, restrita e especializada. Não podemos, nem devemos, nos dedicar, todos, ao mesmo gênero de vida; temos, segundo nossas aptidões, diferentes funções a preencher, e será preciso que nos coloquemos em harmonia com o trabalho, que nos incumbe. Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação. Inversamente, há necessidade de homens que tenham, como ideal de vida, o exercício e a cultura do pensamento. Ora, o pensamento não pode ser exercido senão isolado do movimento, senão quando o indivíduo se curve sobre si mesmo, desviando-se da ação exterior. Daí uma primeira diferenciação que não ocorre sem ruptura de equilíbrio. E a ação, por sua vez, como o pensamento, é suscetível de tomar uma multidão de formas diversas e especializadas. Tal especialização não exclui, sem dúvida, certo fundo comum, e, por conseguinte, certo banco de funções tanto orgânicas como psíquicas, sem o qual a saúde do indivíduo seria comprometida, comprometendo, ao mesmo tempo, a coesão social. Mas não padece dúvida também que a harmonia perfeita possa ser apresentada como fim último da conduta e da educação. Menos satisfatória, ainda, é a definição utilitária, segundo a qual a educação teria por objeto “fazer do indivíduo um instrumento de felicidade, para si mesmo e para os seus semelhantes” (JAMES MILL); porque a felicidade é coisa essencialmente subjetiva, que cada um aprecia a seu modo. Tal fórmula deixa, portanto, indeterminado o fim da educação, e por conseqüência à própria educação, que fica entregue ao arbítrio individual. É certo que SPENCER ensaiou definir objetivamente a felicidade. Para ele, as condições da felicidade são as da vida. A felicidade completa é a vida completa. Que será necessário entender aí pela expressão "vida"? Se se trata unicamente da vida física, compreende-se. Pode-se dizer que, sem isso, a felicidade seria impossível; ela implica, com efeito, certo equilíbrio entre o organismo e o meio, e, uma vez que esses dois termos são dados definíveis, definível deve ser também a relação. Mas isso não acontece senão em Sociologia da Educação 11 relação às necessidades vitais imediatas. Para o homem e, em especial, para o homem de hoje, essa vida não é a vida completa. Pedimos-lhe alguma coisa mais que o funcionamento normal de nosso organismo. Um espírito cultivado preferirá não viver a renunciar aos prazeres da inteligência. Mesmo do ponto de vista material, tudo o que for além do estritamente necessário escapa a toda e qualquer determinação. O Padrão de vida mínimo abaixo do qual não consentiríamos em descer, varia infinitamente, segundo as condições, o meio e o tempo. O que, ontem, achávamos suficiente, hoje nos parece abaixo da dignidade humana; e tudo faz crer que nossas exigências serão sempre crescentes. Tocamos aqui no ponto fraco em que incorrem as definições apontadas. Elas partem do postulado de que há educação ideal, perfeita, apropriada a todos os homens, indistintamente; é essa educação universal a única que o teorista se esforça por definir. Mas, se antes de o fazer, ele considerasse a história, não encontraria nada em que apoiasse tal hipótese. A educação tem variado infinitamente, com o tempo e o meio. Nas cidades gregas e latinas, a educação conduzia o indivíduo a subordinar-se cegamente à coletividade, a tornar-se uma coisa da sociedade. Hoje esforça-se em fazer dele personalidade autônoma. Em Atenas, procurava-se formar espíritos delicados, prudentes, sutis, embebidos da graça e harmonia, capazes de gozar o belo e os prazeres da pura especulação; em Roma, desejava-se especialmente que as crianças se tornasse homens de ação, apaixonados pela glória militar, indiferentes no que tocasse às letras e às artes. Na Idade Média, a educação era cristã, antes de tudo; na Renascença, toma caráter mais lego, mais literário; nos dias de hoje, a ciência tende a ocupar o lugar que a arte outrora preenchia. Dir-se-á que isso não representa o ideal ou que, se a educação tem variado, tem sido pelo desenvolvimento do que deveria ser. O argumento é insubsistente. Se a educação romana tivesse tido o caráter de individualismo comparável ao nosso, a cidade romana não se teria podido manter; a civilização latina não teria podido constituir-se nem, por conseqüência, a civilização moderna, que dela deriva, em grande parte. As sociedades cristãs da Idade Média não teriam podido viver se tivessem dado ao livre exame o papel de que hoje ele desfruta. Importa, pois 12 para o esclarecimento do problema, entender a necessidades inelutáveis, de que é impossível fazer abstração. De que serviria imaginar uma educação que levasse à morte a sociedade que a praticasse? O postulado tão contestável de uma educação ideal conduz a erro ainda mais grave. Se se começa por indagar qual deva ser a educação ideal, abstração feita das condições de tempo e de lugar, é porque se admite, implicitamente, que os sistemas educativos nada têm de real em si mesmo. Não se vê neles um conjunto de atividades e de instituições, lentamente organizadas no tempo, solidárias com todas as outras instituições sociais, que a educação exprime ou reflete, instituições essas que, por conseqüência, não podem ser mudadas à vontade, mas só com a estrutura mesma da sociedade. Pode parecer que isso seja simples jogo de conceitos, uma construção lógica, apenas. Imagina-se que os homens de cada tempo organizam a sociedade voluntariamente, para realizar fins determinados; que, se essa organização não é, por toda parte, a mesma, os povos se têm enganado, seja quanto à natureza dos fins que convém atingir, seja em relação aos meios com que tenham tentado realizar esses objetivos. E, desse ponto de vista, os sistemas educativos do passado aparecem como outros tantos erros, totais ou parciais. Não devem, pois entrar em consideração; não temos de ser solidários como os erros de observação ou de lógica cometidos por nossos antepassados; mas podemos e devemos encarar a questão, sem nos ocupar das soluções que lhe tenha sido dadas; isto é, deixando de lado tudo o que tem sido, devemos; indagar agora o que deve ser. Os ensinamentos da história podem servir, quando muito, para que pratiquemos os mesmos erros. Na verdade, porém, cada sociedade considerada em momento determinado de seu desenvolvimento, possui um sistema de educação que se impõe aos indivíduos de modo geralmente irresistível. É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos.Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, os quais não encontrarão harmonia. Que eles tenham sido educados segundo idéias passadistas ou futuristas, não importa; num caso, como no outro, não são de seu tempo e, por conseqüência, não estarão em condições de vida normal. Sociologia da Educação 13 Há, pois, a cada momento, um tipo regulador de educação, do qual não podemos separar sem vivas resistências, e que restringem as veleidades dos dissidentes. Ora os costumes e as idéias que determinam esse tipo, não fomos, nos, individualmente que os fizemos. São os produtos da vida em comum e exprimem suas necessidades. São mesmo, na sua maior parte, obra das gerações passadas.Todo o passado da humanidade contribuiu para estabelecer esse conjunto de princípios, que dirigem a educação de hoje; toda nossa história aí deixou traços, como também o deixou a historia dos povos que nos procederam. Da mesma forma, os organismos superiores trazem em si como que um eco de toda a evolução biológica, de que são o resultado. Quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política; grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc. Separados de todas essas causas, históricas, tornam-se incompreensíveis. Como, então, poderá um indivíduo pretender reconstruir, pelo esforço único dessa reflexão, aquilo. Que não é; obra do pensamento individual? Ele não se encontra em face de uma tabula rasa, sobre a qual poderia edificar o que quisesse, mas diante de realidades que não podem ser criadas, destruídas ou transformadas à vontade. Não podemos agir sobre elas senão na medida em que aprendemos a conhecê-las, em que sabemos qual e a sua natureza e quais as condições de que dependem; e não poderemos chegar a conhecê-las, se não nos metermos a estudá-las, pela observação, como o físico estuda a matéria inanimada, e o biologista, os corpos vivos. 1.1.1 Como proceder de modo diverso? Quando se quer determinar, tão somente pela dialética, o que deva ser a educação começasse por fixar fins certos à tarefa de educar. Mas que é que nos permite dizer que a educação tem tais fins ao invés de tais outros? Não poderíamos saber, a priori, qual a função da respiração ou da circulação no ser vivo; só a conhecemos pela observação. Que privilégio nos levaria a conhecer de outra forma a função educativa? Responder-se-á que não há nada mais evidente do que o seu fim: o de preparar as crianças! Mas isso seria enunciar o problema por outras palavras: nunca resolvê-lo. Seria melhor dizer em 14 que consiste esse preparo, a que tende, a que necessidades humanas corresponde. Ora, não se pode responder a tais indagações senão começando por observar em que esse preparo tem consistido e a que necessidades tenha atendido, no passado. Assim, para constituir a noção preliminar de educação, para determinar a coisa a que damos esse nome, a observação histórica parece-nos indispensável. 1.2 Definição de Educação Para definir educação, será preciso, pois, considerar os sistemas educativos que ora existem, ou tenham existido, compará-los, e apreender eles os caracteres comuns. O conjunto desses caracteres constituirá a definição que procuramos. Nas considerações do parágrafo anterior, já assinalamos dois desses caracteres. Para que haja educação, faz-se mister que haja, em face de uma geração de adultos, uma geração de indivíduos jovens, crianças e adolescentes; e que uma ação seja exercida pela primeira, sobre a segunda. Seria necessário definir, agora, a natureza especifica dessa influência de uma sobre outra geração. Não existe sociedade na qual o sistema de educação não apresente o duplo aspecto: o de ser, ao mesmo tempo, uno e múltiplo. Vejamos como ele é múltiplo. Em certo sentido, há tantas espécies de educação, em determinada sociedade, quantos meios diversos nela existirem. É ela formada de castas? A educação varia de uma casta a outra; a dos "patrícios" não era a dos plebeus; a dos Brâmanes não era a dos sudras. Da mesma forma, na Idade Média, que diferença de cultura entre o pajem, instruído em todos os segredos da cavalaria, e o vilão, que ia aprender na escola da paróquia, quando aprendia, parcas noções de cálculo, canto e gramática! Ainda hoje não vemos que a educação varia com as classes sociais e com as regiões? A da cidade não é a do campo, a do burguês não é a do operário. Dir-se-á que esta organização não é moralmente justificável, e que não se pode enxergar nela senão um defeito, remanescente de outras épocas, e destinado a desaparecer. A resposta a esta objeção é simples. Claro está que a educação das crianças não devia depender do acaso, que as fez nascer aqui ou acolá, destes pais e não daqueles. Mas, ainda que a consciência moral de nosso tempo tivesse recebido, acerca desse ponto, a satisfação que ela espera, ainda assim a educação não se Sociologia da Educação 15 tornaria mais uniforme e igualitária. E, dado mesmo que a vida de cada criança não fosse, em grande parte, predeterminada pela hereditariedade, a diversidade moral das profissões não deixaria de acarretar, como conseqüência, grande diversidade pedagógica. Cada profissão constitui um meio sui-generis, que reclama aptidões particulares e conhecimentos especiais, meio que é regido por certas idéias, certos usos, certas maneiras de ver as coisas; e, como a criança deve ser preparada em vista de certa função, a que será chamada a preencher, a educação não pode ser a mesma, desde certa idade, para todos os indivíduos. Eis por que vemos, em todos os países civilizados, a tendência que ela manifesta para ser, cada vez mais, diversificada e especializada; e essa especialização, dia a dia, se torna mais precoce. A heterogeneidade, que assim se produz, não repousa, como aquela de que há pouco tratamos, sobre injustas desigualdades; todavia, não é menor. Para encontrar um tipo de educação absolutamente homogêneo e igualitário, seria preciso remontar até às sociedades pré-históricas, no seio das quais não existisse nenhuma diferenciação. Devemos compreender, porém, que tal espécie de sociedade não representa senão um momento imaginário na história da humanidade. Mas, qualquer que seja a importância destes sistemas especiais de educação, não constituem eles toda a educação. Pode-se dizer até que não se bastam a si mesmos; por toda parte, onde sejam observados, não divergem, uns dos outros, senão a partir de certo ponto, para além do qual todos se confundem. Repousa assim sobre uma base comum. Não há povo em que não exista certo número de idéias, de sentimentos e de práticas que a educação deve inculcar a todas as crianças, indistintamente, seja qual for a categoria social a que pertençam. Mesmo onde a sociedade esteja dividida em castas fechadas, há sempre uma religião comum a todas, e, por conseguinte, princípios de cultura religiosa fundamentais, que serão os mesmos para toda a gente. Se cada casta, cada família tem seus deuses especiais, há divindades gerais que são reconhecidas por todos e que todas as crianças aprendem a adorar. E, como tais divindades encarnam e personificam certos sentimentos, certas maneiras de conceber o mundo e a vida, ninguém pode ser iniciado no culto de cada uma, sem adquirir, no mesmo passo, todas as espécies de hábitos mentais que vão além da vida puramente religiosa. Igualmente, na Idade Média, servos, vilões, burgueses e nobres, recebiam todos a mesma educação cristã. 16 Se assim é, nassociedades em que a diversidade intelectual e moral atingiu esse grau de contraste, por mais forte razão o será nos povos mais avançados, em que as classes, embora distintas, estão separadas, por abismos menos profundos. Mesmo onde esses elementos comuns de toda a educação não se exprimem senão sob a forma de símbolos religiosos, não deixam eles de existir. No decurso da história, constitui-se todo um conjunto de idéias acerca da natureza humana, sobre a importância respectiva de nossas diversas faculdades, sobre o direito e sobre o dever, sobre a sociedade, o indivíduo, o progresso, a ciência, a arte, etc., idéias essas que são a base mesma do espírito nacional; toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a que conduz às carreiras liberais, como a que prepara para as funções industriais, tem por objeto fixar essas idéias na consciência dos educandos. Resulta desses fatos que cada sociedade faz do homem certo ideal, tanto do ponto de vista intelectual, quanto do físico e moral; que esse ideal é, até certo ponto, o mesmo para todos os cidadãos; que a partir desse ponto ele se diferença, porém, segundo os meios particulares que toda sociedade encerra em sua complexidade. Esse ideal, ao mesmo tempo, uno e diverso, é que constitui a parte básica da educação. Ele tem por função suscitar na criança: l) um certo número de estados físicos e mentais, que a sociedade, a que pertença, considera como indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados físicos e mentais, que o grupo social particular (casta, classe, família, profissão) considera igualmente indispensáveis a todos que o formam. A sociedade, em seu conjunto, e cada meio social, em particular é que determina este ideal, a ser realizado. A sociedade não poderia existir sem que houvesse em seus membros certa homogeneidade: a educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando de antemão na alma da criança certas similitudes essenciais, reclamadas pela vida coletiva. Por outro lado, sem uma tal ou qual diversificação, toda cooperação seria impossível: A educação assegura a persistência desta diversidade necessária, diversificando-se ela mesma e permitindo as especializações. Se a sociedade tiver chegado a um grau de desenvolvimento em que as antigas divisões, em castas e em classes não possam mais manter-se, ela prescreverá uma educação mais igualitária, como básica. Se, ao mesmo tempo, o trabalho se especializar, ela provocará nas crianças, Sociologia da Educação 17 sobre um primeiro fundo de idéias e de sentimentos comuns, mais rica diversidade de aptidões profissionais. Se o grupo social viver em estado permanente de guerra com sociedades vizinhas, ela se esforçará por formar espíritos fortemente nacionalistas; se a concorrência internacional tomar forma mais pacífica, o tipo que procurará realizar será mais geral e mais humano. A educação não é, pois, para a sociedade, senão o meio pelo qual ela prepara, no íntimo das crianças, as condições essenciais da própria existência. Mas adiante, veremos como ao indivíduo, de modo direto, interessará submeter-se a essas exigências. Por ora, chegamos a formula seguinte: A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine. 1.3 Por que educar? Por que o ser humano precisa se educar? Note-se que essa segunda forma, aparentemente inocente, de fazer a pergunta já sugere a direção em que a resposta deve ser buscada. Poderíamos ter perguntado: Por que o ser humano precisa ser educado? Essa forma de fazer a pergunta de certo modo já aponta para uma resposta que pressupõe que o ser humano é objeto de uma ação educativa de terceiros. A formulação anterior, "por que o ser humano precisa se educar", por outro lado, sugere que ele possa - e deva - se educar a si próprio... Essas questões são complicadas. Aqui vamos procurar concentrar nossa atenção nesta questão "por que educar?" Sem definir com mais rigor se um ser humano é educado por outros seres humanos ou se ele se educa a si próprio - ou, possivelmente, se acontece uma mistura dessas duas coisas à medida que a sua educação evolui. 18 A discussão do "por que" do educar vai, posteriormente, nos levar à discussão do "para que" do educar, porque essas duas questões são, como se verá, estreitamente ligadas. 1.3.1 Então: por que educar? Nós, os seres humanos, e todos os demais seres, animados ou inanimados, temos uma natureza própria. É difícil definir com precisão qual é a natureza humana (tendo havido até os que negam que ela exista...). Mas há certos elementos básicos dos quais é difícil fugir. O ser humano (envolvendo, naturalmente, o macho e a fêmea da espécie) é, sem dúvida, um animal. Como os outros animais, ele se alimenta, se defende de ambientes hostis (incluindo a própria natureza física, outros animais, e até mesmo outros seres humanos), cresce, se reproduz, e morre. O ser humano, porém, é diferente dos outros animais, que já nascem com vários instintos que lhes facilitam viver e lhes permitem sobreviver - ou, pelo menos, que os ajudam a sobreviver. Boa parte dos outros animais é capaz de se locomover com certa autonomia quase que desde o momento do nascimento. Muitos aprendem a se alimentar e a se defender bastante cedo e se tornam adultos e autônomos (até mesmo para se reproduzir) com razoável rapidez (em relação à duração total de sua vida). O ser humano, não. O bebê humano é um incapaz perfeito. Se desassistido morre em pouco tempo. Leva quase um ano para conseguir andar precariamente, mais de dois anos para se comunicar minimamente com seus semelhantes, de cinco a dez anos para se tornar relativamente autônomo na busca de alimento, de doze a quinze anos para conseguir se reproduzir. Além disso, não é extremamente veloz, não enxerga nem ouve tão bem quanto alguns outros animais, não tem muita força, não tem dentes caninos poderosos nem garras ameaçadoras que possam ajudá-lo no combate com outros animais. Os outros animais desenvolvem essas características de forma instintiva, basicamente natural, sem muito esforço de sua parte. Basta, em grande medida, deixar passar o tempo que eles se tornam aquilo que está geneticamente programado que eles devem ser. Mesmo que Sociologia da Educação 19 seja possível interferir nesse desenvolvimento, como, por exemplo, acontece quando domesticamos certos animais selvagens, isso se faz através da ação de uma outra espécie (no caso, os seres humanos), não através da ação dos membros da mesma espécie. Um casal de leões não consegue domesticar seus leõezinhos para que eles se tornem menos ferozes... Nem um casal de esquilos consegue tornar os seus filhotes ferozes para que possam sobreviver melhor... O ser humano não tem nada disso. Ele nasce, como se disse, um perfeito incapaz. Mas ele tem um potencial muito maior do que o dos demais animais - tanto que, ao longo de sua evolução, veio a dominá- los, embora eles, em geral, sejam mais fortes, mais rápidos, mais ferozes do que ele... Isso se dá porque, felizmente (para nós), o ser humano tem uma ferramenta de sobrevivência que os demais animais não têm: sua razão (que o torna um animal especial). Assim, o homem não é um mero animal: é um animal racional, que possui, como ferramenta de sobrevivência, sua capacidade de perceber o mundo de uma forma sui generis, construindo conceitos e emitindo juízos, imaginando estados de coisas que não existem, criandovalores e agindo para transformá- los em realidade. É essa natureza humana que torna possível que o ser humano seja capaz de olhar ao seu rodar, perceber a realidade que o cerca, mas não se contentar com ela. Mas a natureza do ser humano não o obriga a viver em descontentamento: ela lhe permite tomar a decisão de transformar a realidade que não o satisfaz. Para transformá-la, ele tem, primeiro, que imaginar uma realidade diferente, que ainda não existe, para, em seguida, se perguntar, "Por que não?", e, daí, começar a construí-la. Ao concluir que determinada realidade não o satisfaz, o ser humano está atribuindo valores - em alguns casos a objetos e estados concretos, que existem ao seu redor, em outros casos a objetos e estados de coisas (ainda) inexistentes, em outros casos a idéias, ideais e valores, pelos quais ele muitas vezes se dispõe a arriscar sua vida, isto é, seu bem mais precioso... 20 É parte da natureza do ser humano a sua capacidade de sonhar, de se propor objetivos e metas, de se apaixonar por seus sonhos, de construir planos para transformar esses sonhos em realidade e para alcançar seus objetivos e metas, de agir na execução dos seus planos, de revisá-los e ajustá-los, quando necessário, de persistir na busca dos seus sonhos mesmo na face da maior adversidade, de pensar a longo prazo, de se preocupar com o que a posteridade vai pensar dele depois de ele morrer... Infelizmente essa ferramenta de sobrevivência do ser humano não funciona automaticamente como funciona o instinto de sobrevivência dos animais. Ela só funciona se o ser humano, por um ato de vontade, desejar que ela funcione, decidir que vai usá-la e se preocupar em aprimorá-la e aperfeiçoá-la. E isso o ser humano só consegue fazer a partir do momento em que alcança uma certa maturidade - algo que começa a acontecer quando ele chega na adolescência - e não termina nunca mais... O momento do "estalo" (como o estalo de Vieira) se dá quando o ser humano percebe que sua vida não é geneticamente programada para ele, como a dos animais, e que, para sobreviver, ele tem que construir a sua própria existência, em liberdade. A construção de sua própria vida é o maior projeto que um ser humano tem diante de si. Nisso somos iguais. Mas somos drasticamente diferentes um dos outros nos projetos de vida que elaboramos para nós mesmos. Por isso a liberdade é essencial: para nos permitir construir projetos de vida drasticamente distintos. É nesse momento que o ser humano percebe que, para construir a sua vida, ele tem que conhecer uma série de coisas: a realidade natural que o cerca, a sociedade em que vive, e, naturalmente, ele próprio. Nesse processo, ele vai descobrir que algumas coisas contribuem para que ele viva a vida que deseja viver (com que sonhou), outras conspiram contra ela, outras são indiferentes. E ele vai aprender a conscientemente atribuir valor a tudo que o ajuda a viver a vida que ele escolheu viver, combater o que conspira contra seus planos, e, provavelmente, ignorar o restante. Sociologia da Educação 21 Nesse processo o ser humano vai desenvolvendo sua moralidade. Ele vai aprendendo que o moralmente certo é aquilo que o ajuda a viver a sua vida como ser racional, livre, autônomo, responsável, solidário - e o imoral é aquilo que o impede de alcançar a plenitude daquilo que ele concebe como o ser humano. A adolescência é, em geral, um período de conflitos porque, nos anos que a antecedem, outras pessoas, em geral os pais, sonham com o que seus filhos serão um dia, constroem projetos de vida para eles... E esses sonhos e projetos podem não corresponder exatamente aos sonhos e projetos que eles têm para si próprios... Às vezes as divergências não são tão grandes quanto ao objeto dos sonhos e projetos, mas, sim, quanto à forma, ou ao momento, de transformá-los em realidade... 1.3.2 Por que educar? O ser humano se educa porque ele, embora tenha um potencial enorme ao nascer, pode, por uma série de fatores, não vir a desenvolver todo o seu potencial. Para que ocorra, o desenvolvimento do seu pleno potencial humano precisa ser visto como o principal projeto de sua vida - e ser visto assim não só pelo ser humano, individualmente, mas por aqueles que o cercam: a família, a comunidade, e, a partir de um determinado momento, a escola, e até mesmo a sociedade, como um todo, em que ele vive. A educação do ser humano começa quando ele nasce - e termina apenas quando ele morre. A educação é o processo mediante o qual o ser humano se capacita para viver - para viver seus sonhos, para viver seus projetos, para viver, enfim, a vida que escolheu para si próprio. 1.4 Educação na Sociedade As tecnologias mais recentes criaram novos espaços para o conhecimento. Além da escola, também a empresa e o espaço domiciliar tornaram-se educativos: a cada dia mais pessoas estudam em casa, ou mesmo na empresa, podendo buscar serviços que respondam às suas demandas de conhecimento nas informações disponíveis na rede de computadores interligados. 22 Jacques Delors (1998) aponta como principal conseqüência da Sociedade do Conhecimento, a necessidade de uma aprendizagem ao longo de toda vida, fundamentada em quatro pilares que são, ao mesmo tempo, pilares do conhecimento e da formação continuada: Aprender a Conhecer. É necessário tornar prazeroso o ato de compreender, descobrir, construir e reconstruir o conhecimento. Urge valorizar a curiosidade, a autonomia e a atenção. É preciso aprender a pensar, pensar também o novo, reinventar o pensar. Aprender a Fazer. Não basta preparar-se profissionalmente para o trabalho. Como as profissões evoluem muito rapidamente, vale mais a competência pessoal, que torna a pessoa apta a enfrentar novas situações de emprego e a trabalhar em equipe, do que a pura qualificação profissional. É essencial saber trabalhar coletivamente, ter iniciativa, gostar de uma certa dose de risco, ter intuição, saber comunicar-se, saber resolver conflitos, e ser flexível. Aprender a Viver Juntos. No mundo atual a tendência é a valorização de quem aprende a viver com os outros, a compreender os outros, a desenvolver a percepção da interdependência, a administrar conflitos, a participar de projetos comuns, a ter prazer no esforço comum. Aprender a Ser. É importante desenvolver sensibilidade, sentido ético e estético, responsabilidade pessoal, pensamento autônomo e crítico, imaginação, criatividade, iniciativa e desenvolvimento integral da pessoa em relação à inteligência. A aprendizagem precisa ser integral não negligenciando nenhuma das potencialidades de cada indivíduo. A partir dessa visão dos quatro pilares do conhecimento, pode-se prever grandes conseqüências na educação. O ensino-aprendizagem voltado apenas para a absorção de conhecimento, que tem sido objeto de preocupação constante de quem ensina, deverá dar lugar ao ensinar a pensar, saber comunicar-se, saber pesquisar, ter raciocínio lógico, fazer sínteses e elaborações teóricas, ser independente e autônomo, enfim, ser socialmente competente. Para desenvolver tais competências, envolvendo capacidades e habilidades, quer no ensino presencial quer na educação à distância, é necessário dispor de uma metodologia que trabalhe a informação indicando, ao mesmo tempo, como ler reconstrutivamente, como construir o próprio texto e como Sociologia da Educação 23 pesquisar. Esta metodologia também deve ajudar o participante do processo de aprendizagem a perceber maneiras como as pessoas aprendem. Na formação continuada, através da educação à distância, é a Mediação Pedagógica que contribui para uma educação fundada nos quatro pilares acima citados,utilizando estratégias como: (a) Relacionamento do tema com a experiência do estudante e de outros personagens do contexto social. (b) Desenvolvimento da pedagogia da pergunta. (c) Utilização da relação dialógica com o estudante. (d) Construção do texto paralelo pelo estudante. (e) Envolvimento do estudante num processo que conduz a resultados, conclusões ou compromissos para a prática. (f) Processo de auto-aprendizagem. (g) Utilização do jogo pedagógico com o princípio de construir o texto. A mediação pedagógica ocupa um lugar privilegiado em qualquer sistema de ensino-aprendizagem. No ensino presencial, é o docente quem atua como mediador pedagógico entre a informação a oferecer e a aprendizagem dos estudantes. Já nos sistemas de educação à distância, a mediação pedagógica acontece por meio de textos e outros materiais postos à disposição do estudante. Isto supõe que os mesmos sejam pedagogicamente diferentes dos materiais utilizados na educação presencial. A diferença passa, em um primeiro momento, pelo tratamento dos conteúdos que estão a serviço do ato educativo. Em outras palavras: o conteúdo será válido na medida em que contribua para desencadear um processo educativo. Uma informação em si mesma não potencializa o aprendizado da mesma forma que uma informação mediada pedagogicamente. A mediação pedagógica parte de uma concepção radicalmente oposta à dos sistemas de instrução baseados na primazia do ensino como 24 mera transferência de informação. Para Gutierrez (1990), mediação pedagógica é "o tratamento de conteúdos e de formas de expressão dos diferentes temas, a fim de tornar possível o ato educativo dentro do horizonte de uma educação concebida como participação, criatividade, expressividade e racionalidade". 1.5 Os sete saberes necessários à educação do futuro Os sete saberes necessários à educação do futuro não têm nenhum programa educativo, escolar ou universitário. Aliás, não estão concentrados no primário, nem no secundário, nem no ensino universitário, mas abordam problemas específicos para cada um desses níveis. Eles dizem respeito aos setes buracos negros da educação, completamente ignorados, subestimados ou fragmentados nos programas educativos. Programas esses que devem ser colocados no centro das preocupações sobre a formação dos jovens, futuros cidadãos. 1.5.1 O Conhecimento O primeiro buraco negro diz respeito ao conhecimento. Naturalmente, o ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. E sabemos que os maiores problemas neste caso são o erro e a ilusão. Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões. Mesmo quando pensamos em vinte anos atrás, podemos constatar como erramos e nos iludimos sobre o mundo e a realidade. E por que isso é tão importante? Porque o conhecimento nunca é um reflexo ou espelho da realidade. O conhecimento é sempre uma tradução, seguida de uma reconstrução. Mesmo no fenômeno da percepção, através do qual os olhos recebem estímulos luminosos que são transformados, decodificados, transportados a um outro código, que transita pelo nervo ótico, atravessa várias partes do cérebro para, enfim, transformar aquela informação primeira em percepção. A partir deste exemplo, podemos concluir que a percepção é uma reconstrução. Sociologia da Educação 25 Tomemos um outro exemplo de percepção constante: a imagem do ponto de vista da retina. As pessoas que estão próximas parecem muito maiores do que aquelas que estão mais distantes, pois à distância, o cérebro não realiza o registro e termina por atribuir uma dimensão idêntica para todas as pessoas. Assim como os raios ultravioletas e infravermelhos que nós não vemos, mas sabemos que estão aí e nos impõem uma visão segundo as suas incidências. Portanto, temos percepções, ou seja, reconstruções, traduções da realidade. E toda tradução comporta o risco de erro. Como dizem os italianos "tradotore/traditore". Também sabemos que não há nenhuma diferença intrínseca entre uma percepção e uma alucinação. Por exemplo: se tenho uma alucinação e vejo Napoleão ou Júlio César, não há nada que me diga que estou enganado, exceto o fato de saber que eles estão mortos. São os outros que vão me dizer se o que vejo é verdade ou não. Quero dizer com isso que estamos sempre ameaçados pela alucinação. Até nos processos de leitura isto acontece. Nós sabemos que não seguimos a linha do que está escrito, pois, às vezes, nossos olhos saltam de uma palavra para outra e reconstróem o conjunto de uma maneira quase alucinatória. Neste momento, é o nosso espírito que colabora com o que nós lemos. E não reconhecemos os erros porque deslizamos neles. O mesmo acontece, por exemplo, quando há um acidente de carro. As versões e as visões do acidente são completamente diferentes, principalmente pela emoção e pelo fato das pessoas estarem em ângulos diferentes. No plano histórico há erros, se me permitem o jogo de palavras, histéricos. Tomemos um exemplo um pouco distante de nós: os debates sobre a Primeira Guerra Mundial.Uma época em que a França e a Alemanha tinham partidos socialistas fortes, potentes e muito pacifistas, e que, evidentemente, eram contrários à guerra que se anunciava. Mas, a partir do momento em que se desencadeou a guerra, os dois partidos se lançaram, massivamente a uma campanha de propaganda, cada um imputando ao outro os atos mais ignóbeis. Isto durou até o fim da guerra. Hoje, podemos constatar com os eventos trágicos do Oriente Médio a mesma maneira de tratar a informação. Cada um prefere camuflar a parte que lhe é desvantajosa para colocar em relevo a parte criminosa do outro. 26 Este problema se apresenta de uma maneira perceptível e muito evidente, porque as traduções e as reconstruções são também um risco de erro e muitas vezes o maior erro é pensar que a idéia é a realidade. E tomar a idéia como algo real é confundir o mapa com o terreno. Outras causas de erro são as diferenças culturais, sociais e de origem. Cada um pensa que suas idéias são as mais evidentes e esse pensamento leva a idéias normativas. Aquelas que não estão dentro desta norma, que não são consideradas normais, são julgadas como um desvio patológico e são taxadas como ridículas. Isso não ocorre somente no domínio das grandes religiões ou das ideologias políticas, mas também das ciências. Quando Watson e Crick decodificaram a estrutura do código genético, o DNA (ácido desoxirribonucléico), surpreenderam e escandalizaram a maioria dos biólogos, que jamais imaginavam que isto poderia ser transcrito em moléculas químicas. Foi preciso muito tempo para que essas idéias pudessem ser aceitas. Na realidade, as idéias adquirem consistência como os deuses nas religiões. É algo que nos envolve e nos domina a ponto de nos levar a matar ou morrer. Lenin dizia: "os fatos são teimosos, mas, na realidade, as idéias são ainda mais teimosas do que os fatos e resistem aos fatos durante muito tempo". Portanto, o problema do conhecimento não deve ser um problema restrito aos filósofos. É um problema de todos e cada um deve levá-lo em conta desde muito cedo e explorar as possibilidades de erro para ter condições de ver a realidade, porque não existe receita milagrosa. 1.5.2 O Conhecimento Pertinente O segundo buraco negro é que não ensinamos as condições de um conhecimento pertinente, isto é, de um conhecimento que não mutila o seu objeto. Nós seguimos, em primeiro lugar, um mundo formado pelo ensino disciplinar. É evidente que as disciplinas de toda ordem ajudaram o avanço do conhecimento e são insubstituíveis. Oque existe entre as disciplinas é invisível e as conexões entre elas também são invisíveis. Mas isto não significa que seja necessário conhecer somente uma parte da realidade. É preciso ter uma visão capaz de situar o conjunto. É necessário dizer que não é a quantidade de informações, nem a sofisticação em Matemática que podem dar Sociologia da Educação 27 sozinhas um conhecimento pertinente, mas sim a capacidade de colocar o conhecimento no contexto. A economia, que é das ciências humanas, a mais avançada, a mais sofisticada, tem um poder muito fraco e erra muitas vezes nas suas previsões, porque está ensinando de modo a privilegiar o cálculo. Com isso, acaba esquecendo os aspectos humanos, como o sentimento, a paixão, o desejo, o temor, o medo. Quando há um problema na bolsa, quando as ações despencam, aparece um fator totalmente irracional que é o pânico, e que, freqüentemente, faz com que o fator econômico tenha a ver com o humano, ligando-se, assim, à sociedade, à psicologia, à mitologia. Essa realidade social é multidimensional e o econômico é apenas uma dimensão dessa sociedade. Por isso, é necessário contextualizar todos os dados. Se não houver, por exemplo, a contextualização dos conhecimentos históricos e geográficos, cada vez que aparecer um acontecimento novo que nos fizer descobrir uma região desconhecida, como o Kosovo, o Timor ou a Serra Leoa, não entenderemos nada. Portanto, o ensino por disciplina, fragmentado e dividido, impede a capacidade natural que o espírito tem de contextualizar. E é essa capacidade que deve ser estimulada e desenvolvida pelo ensino, a de ligar as partes ao todo e o todo às partes. Pascal dizia, já no século XVII: "não se pode conhecer as partes sem conhecer o todo, nem conhecer o todo sem conhecer as partes". O contexto tem necessidade, ele mesmo, de seu próprio contexto. E o conhecimento, atualmente, deve se referir ao global. Os acidentes locais têm repercussão sobre o conjunto e as ações do conjunto sobre os acidentes locais. Isso foi comprovado depois da guerra do Iraque, da guerra da Iugoslávia e, atualmente, pode ser verificado com o conflito do Oriente Médio. 1.5.3 A Identidade Humana O terceiro aspecto é a identidade humana. É curioso que nossa identidade seja completamente ignorada pelos programas de instrução. Podemos perceber alguns aspectos do homem biológico em Biologia, alguns aspectos psicológicos em Psicologia, mas a realidade humana é indecifrável. Somos indivíduos de uma sociedade e fazemos parte de uma espécie. Mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso 28 nascimento a cultura nos imprime. Nós somos de uma espécie, mas ao mesmo tempo a espécie é em nós e depende de nós. Se nos recusamos a nos relacionar sexualmente com um parceiro de outro sexo, acabamos com a espécie. Portanto, o relacionamento entre indivíduo-sociedade-espécie é como a trindade divina, um dos termos gera o outro e um se encontra no outro. A realidade humana é trinitária. Eu acredito ser possível a convergência entre todas as ciências e a identidade humana. Um certo número de agrupamentos disciplinares vai favorecer esta convergência. É necessário reconhecer que, na segunda metade do século XX, houve uma revolução científica, reagrupando as disciplinas em ciências pluridisciplinares. Assim, há a cosmologia, as ciências da terra, a ecologia e a pré-história. Tome-se como exemplo a cosmologia, que, efetivamente, utiliza a microfísica, os aceleradores de partículas para imaginar os primeiros segundos do universo. Ela utiliza a observação e pratica uma reflexão filosófica sobre o mundo, assim como fizeram Hubert Reeves, Hawkins, Michel Cassé e tantos outros. Eles refletem sobre o universo incrível no qual vivemos. Mas o que é importante para a identidade humana é saber que estamos neste minúsculo planeta perdidos no cosmos. Nossa missão não é mais a de conquistar o mundo como acreditava Descartes, Bacon e Marx. Nossa missão se transformou em civilizar o pequeno planeta em que vivemos. Por outro lado, as ciências da terra nos inscrevem neste planeta formado por fragmentos cósmicos, resultados de uma explosão de sóis anteriores. Resta saber como estes fragmentos reunidos e aglomerados puderam criar uma tal organização, uma auto- organização, para nos dar este planeta. É necessário mostrar que ele gerou a vida, e a nós somos, filhos da vida. A biologia, com a teoria da evolução nos prova como trazemos dentro de nós, efetivamente, o processo de desenvolvimento da primeira célula vivente, que se multiplicou e se diversificou. Quando sonhamos com nossa identidade, devemos pensar que temos partículas que nasceram no despertar do universo. Temos átomos de carbono que se formaram em sóis anteriores ao nosso, pelo encontro de três núcleos de hélio que se constituíram em moléculas e neuromoléculas na terra. Somos todos filhos do cosmos, mas nos Sociologia da Educação 29 transformamos em estranhos através de nosso conhecimento e de nossa cultura. Portanto, é preciso ensinar a unidade dos três destinos, porque somos indivíduos, mas como indivíduos somos, cada um, um fragmento da sociedade e da espécie Homo sapiens, à qual pertencemos. E o importante é que somos uma parte da sociedade, uma parte da espécie, seres desenvolvidos sem os quais a sociedade não existe. A sociedade só vive com essas interações. É importante, também, mostrar que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana. Portanto, ou vemos a unidade do gênero e esquecemos a diversidade das culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a unidade do ser humano. Esse problema vem causando polêmicas desde o século XVIII, quando Voltaire disse: "os chineses são iguais a nós, têm paixões, choram". E Herbart, o pensador alemão, afirmou: "entre uma cultura e outra não há comunicação, os seres são diferentes". Os dois tinham razão, mas na realidade essas duas verdades têm que ser articuladas. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade e, é claro, os elementos culturais da nossa diversidade. É preciso lembrar que rir, chorar, sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, mas modulados de acordo com a educação. Heigerfeld fez uma observação sobre uma jovem surda- muda de nascença que ria, chorava e sorria. Atualmente, estudos demonstram que o feto começa a sorrir no ventre da mãe. Talvez porque não saiba o que o espera depois... Mas isso nos permite entender a nossa realidade, nossa diversidade e singularidade. Chegamos, então, ao ensino da literatura e da poesia. Elas não devem ser consideradas como secundárias e não essenciais. A literatura é para os adolescentes uma escola de vida e um meio para se adquirir conhecimentos. As ciências sociais vêem categorias e não indivíduos sujeitos a emoções, paixões e desejos. A literatura, ao contrário, como nos grandes romances de Tolstoi, aborda o meio social, o familiar, o histórico e o concreto das relações humanas com uma força extraordinária. 30 Podemos dizer que as telenovelas também nos falam sobre problemas fundamentais do homem; o amor, a morte, a doença, o ciúme, a ambição, o dinheiro. Temos que entender que todos esses elementos são necessários para entender que a vida não é aprendida somente nas ciências formais. E a literatura tem a vantagem de refletir sobre a complexidade do ser humano e sobre a quantidade incrível de seus sonhos. Como James Joyce, por exemplo, que, ao criar um personagem, mostrava que uma pessoa pode ter sentimentos totalmente diversos. Oucomo o herói de Dostoievski, em O Idiota, que não sabe se a jovem está apaixonada por ele e ao fim da trama, depois de ter sofrido muito, encontra um amigo que lhe diz: "mas que imbecil você é, não entendeu que ela o ama". Isto pode acontecer com qualquer pessoa, é a dificuldade de saber o que o outro pensa e sente. Marcel Proust mostrou, em Um amor de Swan, o que ele chamava de intermitências do coração, ou seja, que uma pessoa pode se apaixonar, esquecer-se da pessoa desejada e voltar a amá-la. Neste romance, o herói sofre durante anos de ciúmes por causa de uma mulher e quando ele já não está mais apaixonado, diz: "mas eu sofri tanto por uma mulher que não me amava e que nem era meu tipo". Podemos, então, compreender a complexidade humana através da literatura. A poesia nos ensina a qualidade poética da vida, essa qualidade que nós sentimos diante de fatos da realidade. Como, por exemplo, os espetáculos da natureza: o céu de Brasília que é tão bonito. A vida não deve ser uma prosa que se faça por obrigação. A vida é viver poeticamente na paixão, no entusiasmo. Para que isso aconteça, devemos fazer convergir todas as disciplinas conhecidas para a identidade e para a condição humana, ressaltando a noção de homo sapiens; o homem racional e fazedor de ferramentas, que é, ao mesmo tempo, louco e está entre o delírio e o equilíbrio, nesse mundo de paixões em que o amor é o cúmulo da loucura e da sabedoria. O homem não se define somente pelo trabalho, mas também pelo jogo. Não só as crianças, como também os adultos gostam de jogar. Por isso vemos partidas de futebol. Nós somos Homo ludens, além de Homo economicus. Não vivemos só em função do interesse econômico. Há, também, o homo mitologicus, isto é, vivemos em função de mitos e crenças. Sociologia da Educação 31 Enfim o homem é prosaico e poético. Como dizia Hölderling: "O homem habita poeticamente na terra, mas também prosaicamente e se a prosa não existisse, não poderíamos desfrutar da poesia". 1.5.4 A Compreensão Humana O quarto aspecto é sobre a compreensão humana. Nunca se ensina sobre como compreender uns aos outros, como compreender nossos vizinhos, nossos parentes, nossos pais. O que significa compreender? A palavra compreender vem do latim, compreendere, que quer dizer: colocar junto todos os elementos de explicação, ou seja, não ter somente um elemento de explicação, mas diversos. Mas a compreensão humana vai além disso, porque, na realidade, ela comporta uma parte de empatia e identificação. O que faz com que se compreenda alguém que chora, por exemplo, não é analisar as lágrimas no microscópio, mas saber o significado da dor, da emoção. Por isso, é preciso compreender a compaixão, que significa sofrer junto. É isto que permite a verdadeira comunicação humana. A grande inimiga da compreensão é a falta de preocupação em ensiná- la. Na realidade, isto está se agravando, já que o individualismo ganha um espaço cada vez maior. Estamos vivendo numa sociedade individualista, que favorece o sentido de responsabilidade individual, que desenvolve o egocentrismo, o egoísmo e que, conseqüentemente, alimenta a autojustificação e a rejeição ao próximo. A raiva leva à vontade de eliminar o outro e tudo aquilo que possa aborrecer. De certa maneira, isto favorece ao que os ingleses chamam de self-deception, isto é, mentir a si mesmo, pois o egocentrismo vai tramando sempre o negativo e esquecendo dos outros elementos. A redução do outro, a visão unilateral e a falta de percepção sobre a complexidade humana são os grandes empecilhos da compreensão. Outro aspecto da incompreensão é a indiferença. E, por este lado, é interessante abordar o cinema, que os intelectuais tanto acusam de alienante. Na verdade, o cinema é uma arte que nos ensina a superar a indiferença, pois transforma em heróis os invisíveis sociais, ensinando-nos a vê-los por um outro prisma. Charlie Chaplin, por exemplo, sensibilizou platéias inteiras com o personagem do vagabundo. Outro exemplo é Coppola, que popularizou os chefes da Máfia com "O Chefão". No teatro, temos a complexidade dos 32 personagens de Shakspeare: reis, gangsters, assassinos e ditadores. No cinema, como na filosofia de Heráclito: "Despertados, eles dormem". Estamos adormecidos, apesar de despertos, pois diante da realidade tão complexa, mal percebemos o que se passa ao nosso redor. Por isso, é importante este quarto ponto: compreender não só os outros como a si mesmo, a necessidade de se auto-examinar, de analisar a autojustificação, pois o mundo está cada vez mais devastado pela incompreensão, que é o câncer do relacionamento entre os seres humanos. 1.5.5 A Incerteza O quinto aspecto é a incerteza. Apesar de, nas escolas, ensinar-se somente as certezas, como a gravitação de Newton e o eletromagnetismo, atualmente a ciência tem abandonado determinados elementos mecânicos para assimilar o jogo entre certeza e incerteza, da micro-física às ciências humanas. É necessário mostrar em todos os domínios, sobretudo na história, o surgimento do inesperado. Eurípides dizia no fim de três de suas tragédias que: "os deuses nos causam grandes surpresas, não é o esperado que chega e sim o inesperado que nos acontece". É a velha idéia de 2.500 anos, que nós esquecemos sempre. As ciências mantêm diálogos entre dados hipotéticos e outros dados que parecem mais prováveis. Os processos físicos, assim como outros também, pressupõem variações que nos levam à desordem caótica ou à criação de uma nova organização, como nas teorias sobre a incerteza de Prigogine, baseadas nos exemplos dos turbilhões de Born. Analisando retroativamente a história da vida, constata-se que ela não foi linear, que não teve uma evolução de baixo para cima. A evolução segundo Darwin foi uma evolução composta de ramificações, a exemplo do mundo vegetal e o mundo animal. O homem vem de uma dessas ramificações e conseguiu chegar à consciência e à inteligência, mas não somos a meta da evolução, fazemos parte desse processo. A história da vida foi, na verdade, marcada por catástrofes. No fim da era secundária, a queda do asteróide que matou os dinossauros e ressecou a vegetação desses animais enormes, Sociologia da Educação 33 matando-os de fome deu oportunidade à proliferação dos mamíferos. Assim também ocorreu com as sociedades humanas. Todas sofreram o colapso por uma razão ou outra. Nem mesmo o império romano, que parecia eterno, conseguiu sobreviver. As sociedades andinas, que eram mais potentes que seus colonizadores espanhóis e cujas capitais eram muita mais ricas que Paris, Madri ou Lisboa, foram destruídas por espanhóis que chegaram com cavalos e armas desconhecidas. As duas guerras mundiais destruíram muito na primeira metade do século XX. Três grandes impérios da época, por exemplo, o romano- otomano, o austro-húngaro e o soviético, desapareceram. Isto nos demonstra a necessidade de ensinar o que chamamos de ecologia da ação: a atitude que se toma quando uma ação é desencadeada e escapa ao desejo e às intenções daquele que a provocou, desencadeando influências múltiplas que podem desviá-la até para o sentido oposto ao intencionado. A história humana está repleta de exemplos dessa natureza. O mais evidente no final do século XX foi o projeto político de Gorbatchev, que pretendeu reformar o sistema político da União Soviética, mas acabou provocando o começo de sua própria desagregação e implosão. Assim tem acontecido em todas as etapas da história. O inesperado aconteceu e acontecerá, porque não temos futuro e não temos certeza nenhuma do futuro. As previsões não foram concretizadas, não existe determinismo do progresso. Os espíritos,portanto, têm que ser fortes e armados para enfrentarem essa incerteza e não se desencorajarem. Essa incerteza é uma incitação à coragem. A aventura humana não é previsível, mas o imprevisto não é totalmente desconhecido. Somente agora se admite que não se conhece o destino da aventura humana. É necessário tomar consciência de que as futuras decisões devem ser tomadas contando com o risco do erro e estabelecer estratégias que possam ser corrigidas no processo da ação, a partir dos imprevistos e das informações que se tem. 1.5.6 A Condição Planetária O sexto aspecto é a condição planetária, sobretudo na era da globalização no século XX – que começou, na verdade no século XVI com a colonização da América e a interligação de toda a humanidade. Esse fenômeno que estamos vivendo hoje, em que tudo está 34 conectado, é um outro aspecto que o ensino ainda não tocou, assim como o planeta e seus problemas, a aceleração histórica, a quantidade de informação que não conseguimos processar e organizar. Este ponto é importante porque existe, neste momento, um destino comum para todos os seres humanos. O crescimento da ameaça letal se expande em vez de diminuir: a ameaça nuclear, a ameaça ecológica, a degradação da vida planetária. Ainda que haja uma tomada de consciência de todos esses problemas, ela é tímida e não conduziu ainda a nenhuma decisão efetiva. Por isso, faz-se urgente a construção de uma consciência planetária. Conhecer o nosso planeta é difícil: os processos de todas as ordens – econômicos, ideológicos e sociais – estão de tal maneira imbricados e são tão complexos, que compreendê-los é um verdadeiro desafio para o conhecimento. Ortega y Gasset dizia: "não sabemos o que acontece, isto é o que acontece". É necessária uma certa distância em relação ao imediato para podermos compreendê-lo. E, atualmente, dada a aceleração e a complexidade do mundo, é quase impossível. Mas, faz-se necessário ressaltar, é esta a dificuldade. É necessário ensinar que não é suficiente reduzir a um só a complexidade dos problemas importantes do planeta, como a demografia, ou a escassez de alimentos, ou a bomba atômica, ou a ecologia. Os problemas estão todos amarrados uns aos outros. Daqui para frente existem, sobretudo, os perigos de vida e morte para a humanidade, como a ameaça da arma nuclear, como a ameaça ecológica, como o desencadeamento dos nacionalismos acentuados pelas religiões. É preciso mostrar que a humanidade vive agora uma comunidade de destino comum. 1.5.7 A Antropo-ética O último aspecto é o que vou chamar de antropo-ético, porque os problemas da moral e da ética diferem a depender da cultura e da natureza humana. Existe um aspecto individual, outro social e outro genético, diria de espécie. Algo como uma trindade em que as terminações são ligadas: a antropo-ética. Cabe ao ser humano desenvolver, ao mesmo tempo, a ética e a autonomia pessoal (as nossas responsabilidades pessoais), além de desenvolver a Sociologia da Educação 35 participação social (as responsabilidades sociais), ou seja, a nossa participação no gênero humano, pois compartilhamos um destino comum. A antropo-ética tem um lado social que não tem sentido se não for na democracia, porque a democracia permite uma relação indivíduo- sociedade e nela o cidadão deve se sentir solidário e responsável. A democracia permite aos cidadãos exercerem suas responsabilidades através do voto. Somente assim é possível fazer com que o poder circule, de forma que aquele que foi uma vez controlado, terá a chance de controlar. Porque a democracia é, por princípio, um exercício de controle. Não existe, evidentemente, democracia absoluta. Ela é sempre incompleta. Mas sabemos que vivemos em uma época de regressão democrática, pois o poder tecnológico agrava cada vez mais os problemas econômicos. Na verdade, é importante orientar e guiar essa tomada de consciência social que leva à cidadania, para que o indivíduo possa exercer sua responsabilidade. Por outro lado, a ética do ser humano está se desenvolvendo através das associações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, o Greenpeace, a Aliança pelo Mundo Solidário e tantas outras que trabalham acima de entidades religiosas, políticas ou de Estados nacionais, assistindo aos países ou às nações que estão sendo ameaçadas ou em graves conflitos. Devemos conscientizar a todos sobre essas causas tão importantes, pois estamos falando do destino da humanidade. Seremos capazes de civilizar a terra e fazer com que ela se torne uma verdadeira pátria? Estes são os sete saberes necessários ao ensino. E não digo isso para modificar programas. Na minha opinião, não temos que destruir disciplinas, mas sim integrá-las, reuni-las em uma ciência como, por exemplo, as ciências da terra (a sismologia, a vulcanologia, a meteorologia), todas elas articuladas em uma concepção sistêmica da terra. Penso que tudo deva estar integrado para permitir uma mudança de pensamento; para que se transforme a concepção fragmentada e dividida do mundo, que impede a visão total da realidade. Essa visão fragmentada faz com que os problemas permaneçam invisíveis para muitos, principalmente para muitos governantes. 36 E hoje que o planeta já está, ao mesmo tempo, unido e fragmentado, começa a se desenvolver uma ética do gênero humano, para que possamos superar esse estado de caos e começar, talvez, a civilizar a terra. 1.6 A Educação Face os Desafios do Mundo Contemporâneo O mundo atual marcado pela aceleração das transformações e dos conhecimentos, pela expansão da tecnologia dos meios de comunicação, pela contestação dos valores estabelecidos, pela explosão demográfica, é, inevitavelmente, um mundo com novas exigências educativas. Todo projeto educativo, sendo situado no tempo e no espaço implica em um certa sociedade que supõe uma visão do mundo em função do qual deverá ser realizado. Por compreender a educação inserida num processo histórico e social, iremos, inicialmente, analisar alguns dos fenômenos atuais e sua relação com a tarefa educativa. 1.6.1 A Aceleração das Transformações Que o mundo está em transformação constante não é novidade. A História aí está para testemunhá-lo. A única cousa de novidade atualmente é a aceleração do ritmo dessas transformações. Realmente o mundo nunca parou de evoluir, mas esta evolução se dava de tal maneira que o indivíduo, com algum esforço, muitas vezes, conseguia acompanhá-la. Hoje as coisas não se dão bem assim: de 10 em 10 anos (ou até de 5 em 5) o homem vê mudar completamente o universo físico e sócio-cultural em que as encontra e sente dificuldade em situar-se, daí decorrendo entraves na comunicação entre as gerações, desajustamentos familiares, profissionais, educacionais, de toda ordem. Nada houve até aqui comparável ao que se convencionou chamar de "revolução científica", que invadiu o mundo com a transmissão automática de informações a distância e com a invenção do computador. A comunicação e a cibernética atingem o homem em toda parte: ele se move num contexto realmente universal. Os sistemas educacionais revelaram-se insatisfatórios: um sistema construído para a formação de uma elite de intelectuais, que podiam em certo número de anos "aprender" todo o saber necessário à vida de Sociologia da Educação 37 seu tempo, tornou-se insuficiente para uma civilização cuja característica marcante é a mudança. Apesar dos esforços para superar esse hiato, as escolas ainda continuam a formar indivíduos pouco adaptáveis às mudanças constantes. O resultado é a rejeição, freqüentemente, de seus produtos pela sociedade. Dessa crise deverá nascer uma novaperspectiva da educação. Já se disse a este respeito com muita propriedade que "o universo da educação atual se ressente das dores desse parto” (FAURE, 1974, p. 58) do qual deverá emergir uma nova concepção educativa. Reforçando essa posição afirma Lengrand (LENGRAND, 1971, p. 15) que: "Seja qual for a importância atribuída a cada um dos elementos de nosso destino em formação, todos têm em comum o fato de levantarem à educação e aos educadores questões e exigências cuja vastidão e diversidade fazem estremecer o edifício tradicional das idéias e dos métodos pedagógicos". As técnicas e as estruturas que as gerações sucessivas tinham aperfeiçoado para transmitir os conhecimentos e as capacidades próprias de cada sociedade, dos mais velhos aos mais novos, dos pais aos filhos, estão, em grande parte, a deixar de ser eficazes, a tal ponto que o próprio papel e as funções tradicionais da ação educativa são objeto de avaliações e exames críticos, e que a educação se acha, cada vez, obrigada a procurar novas vias. A evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos tem levado a uma "corrida para atualização", forçada pela necessidade de acompanhar o progresso. A tendência que já se pode constatar em muitos países é ampliar a chamada educação não formal no âmbito profissional, realizando cursos de aperfeiçoamento, treinamento intensivo nas empresas, reciclagem dos profissionais, e, no âmbito. A chamada "contestação" penetrou nos domínios da Educação e tem levado a críticas e reivindicações quanto a conteúdos, métodos de ensino, participação do aluno na gestão dos estabelecimentos, catalização do movimento de reforma social pela instituição universitária, etc. 38 Até a apatia dos estudantes, consequência da defasagem entre o tipo de ensino ministrado e as realidades do mundo, pode ser considerada uma forma de criticar o sistema. A crise manifesta-se também no terreno dos costumes e das relações interpessoais. No passado, o homem sabia o que se esperava dele e o sistema educacional procurava atender a essa expectativa. Havia modelos a seguir, papéis bem delineados a desempenhar. As relações entre as pessoas eram razoavelmente codificadas e a tradição tinha enorme força. Tudo isso hoje foi modificado profundamente. As relações familiares, por exemplo, sofreram tão grandes transformações que os pais sentem maior dificuldade em dialogar com seus filhos, em educá-los. Um fato novo também a que estamos assistindo é da coexistência de várias gerações: antes uma substituía a outra, hoje coexistem. O aumento da média de vida decorrente do avanço da pesquisa em medicina e as conquistas da legislação social (semana de 5 dias, férias remuneradas, etc.) têm trazido como conseqüência a redução no tempo dedicado ao trabalho e conseqüente aumento do tempo livre, o que nos centros urbanos dos países pobres tem sido aproveitado para um segundo ou terceiro emprego a fim de fazer face ao custo de vida e aos encargos familiares. A ocupação valiosa dos tempos de lazer passará a ser uma preocupação crescente entre os educadores. A tendência é terminar com a dicotomia entre o trabalho e lazer, educação e trabalho, transformando “todos os tempos em tempos para educação, todos os lugares para educação” (FAURE, 2006, p. 103). Com a diminuição das barreiras antes apresentadas pelas concepções religiosas e éticas, assistimos ao fato de uma exaltação da sexualidade em nossos dias através de publicações, anúncios, música popular, programas de televisão, fato que tem tido grande influência na maneira de pensar das gerações mais novas. Constitui, para educadores, uma oportunidade para a formação do homem em toda sua dimensão, o que foi negado à geração nos currículos escolares. Segundo Furter há uma supervalorização do jovem na sociedade atual, o que tem contribuído para a marginalização do velho e para uma certa Sociologia da Educação 39 vergonha em parecer velho. Este fato acentua-se em países como, por exemplo, o Brasil, em que a maioria da população tem menos de 24 anos. 1.6.2 A Explosão Demográfica A rápida expansão da população tem sido estudada por sociólogos, economistas, psicólogos, educadores e por todos aqueles que estão seriamente preocupados em como ficará superpovoado planeta daqui a alguns anos. Prevê-se que no ano 2000 a população da Terra chegue a 6,5 bilhões: 4 vezes mais que no início deste século. O correio da Unesco, em número especial dedicado no Ano Mundial da população, alertou para as conseqüências (a principal referente à escassez de alimentos) de o crescimento demográfico continuar ao mesmo ritmo. O aumento populacional, associado ao índice crescente de aspiração dos indivíduos tem trazido como resultado o aumento de matrícula em todos os níveis de ensino e maior duração dos estudos, embora a evasão escolar continue a se verificar entre os alunos provenientes das classes menos favorecidas. O Relatório "Aprender a Ser" afirma também que, baseado na taxa de crescimento demográfico e na taxa de escolarização verificadas no Último decênio em 1980, teríamos atingido em todo o mundo cerca de 230 milhões de crianças (5 a 14 anos) fora das escolas. Prevê-se para a mesma época, 820 milhões de adultos analfabetos e uma taxa mundial de analfabetismo de 29% (O CORREIO DA UNESCO. Rio de Janeiro: 17 Jul. 1974). Mas, apesar dos imensos esforços despendidos pelas nações e do aumento das despesas com a educação, tem-se verificado mesmo nos países desenvolvidos, a impossibilidade de se cumprir totalmente o preceito da escolaridade obrigatória. Diante desse fato a Comissão responsável pelo aludido relatório pergunta se para assegurar o investimento em educação não seria bom incrementar ao lado do desenvolvimento e aperfeiçoamento da instituição escolar, outras formas nascentes de educação de adultos, educação pré-escolar, uso de novos instrumentos de tecnologia educativa (O CORREIO DA UNESCO. Rio de Janeiro: 17 Jul. 1974). 40 A insistência em querer escolarizar todo o mundo mostra a sobrevivência da idéia de que a educação só pode ser dada na escola e numa idade específica, o que contradiz a concepção de educação que se está pretendendo desenvolver: a de uma educação para todas as idades, não somente dada nas escolas, mas também por todos os setores a quem caiba uma função educativa, disseminada na sociedade em que o homem "respira cultura"; uma educação que prepare o indivíduo para enfrentar um mundo em constante mudança, capaz de desempenhar as novas funções que a sociedade moderna está a requerer, capaz de interagir no campo profissional e social, dialogando com as diferentes gerações, entendendo sua linguagem; uma educação que seja auto-educação assumida pelo indivíduo que saberá utilizar os meios postos à sua disposição para um aperfeiçoamento contínuo e aproveitar o lazer para enriquecer-se culturalmente; uma educação que contribua para o desenvolvimento dos povos tornando o homem mais feliz, porque mais realizado. 1.6.3 A Necessidade de Mudanças Um dos imperativos que impelem a universidade no mundo todo, no rumo da revisão curricular é a correção do que se considera um desequilíbrio: a atual superênfase no preparo vocacional e profissional no treinamento dos estudantes. Muito se tem discutido a esse respeito, em quase todos os países do mundo sendo aceita como verdadeira a afirmação que estudantes universitários têm sido instruídos em conhecimentos especializados num grau muito intensivo. E essa situação decorre da rápida diversificação e sofisticação do estado dos conhecimentos e da tendência, inevitavelmente aliada, dos conhecimentos do corpo docente também se tornar diversificado e sofisticado.
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