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Disciplina: Filosofia do Direito 2 - Noturno Professor: Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar Aluno: Luciano Soares Silvestre Fichamento: NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do direito. Tradução: Elza Maria Gasparotto. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.11-58. Carlos Nino (1943-1993), jurista de origem argentina, busca traçar no primeiro capítulo desta obra o conceito de direito, verificando de início a dificuldade de definição do objeto da ciência jurídica: “Sem dúvida, nem os físicos, nem os químicos, nem os historiadores, entre outros, teriam tantas dificuldades para definir o objeto de seu estudo como têm os juristas; na maior parte dos casos, bastaria que indicassem alguns objetos ou fenômenos ou fornecessem uma breve explicação para transmitir uma ideia mais ou menos precisa do que eles estudem.” Pág. 12 Tal dificuldade, aponta o autor, diz respeito à relação entre a linguagem e a realidade. Ainda permanece no pensamento jurídico a concepção platônica que define esta relação: entre o nome de qualquer objeto do pensamento e o objeto em si existe um nexo metafísico que, de acordo com Hermann Kantorowicz, aponta para uma magia verbal que não dá conta da conceituação do direito. “Opõe-se a esse enfoque uma concepção ‘convencionalista’ sobre a relação entre a linguagem e a realidade, que é defendida pela chamada ‘filosofia analítica’. Os filósofos analíticos supõem que a relação entre a linguagem – que é um sistema de símbolos – e a realidade foi estabelecida arbitrariamente pelos homens e, embora haja um acordo consuetudinário em denominar certas coisas com determinados símbolos, ninguém é obrigado, nem por razões lógicas, nem por fatores empíricos, a seguir os usos vigentes, podendo escolher qualquer símbolo para se referir a qualquer tipo de coisas e podendo criar as categorias de coisas que lhe forem convenientes.” Pág. 13 De acordo com essa corrente, ao se defrontar com a palavra “direito”, por exemplo, faz-se necessário atribuir-lhe um significado para que se possa descrever os fenômenos que dela decorrem. No entanto, ainda que se possa estipular um significado original ou mais preciso para a palavra, é conveniente verificar seu significado na linguagem comum (uso real da palavra “direito”). “A palavra direito é ambígua e. como se não bastasse, possui a pior espécie de ambiguidade, que não é a mera sinonímia acidental (como a de ‘banco’), mas aquela constituída pelo fato de ter vários significados profundamente relacionados entre si.” Pág. 14 Nesse sentido, o direito pode designar o direito objetivo, ou seja, um ordenamento ou sistema de normas; direito subjetivo, que diz respeito a uma faculdade, atribuição, permissão, possibilidade etc, e, pode ainda, designar a investigação, o estudo da realidade jurídica (nesse caso, a palavra refere-se tanto ao objeto do estudo quanto ao estudo do objeto). “Não é nem um pouco estranho que uma palavra apresente esse tipo de indeterminação no uso corrente. No entanto, para muitos juristas, imbuídos do espírito essencialista, isso se torna um osso duro de roer; eles acreditam que deve haver necessariamente algo oculto e misterioso que relaciona todos os fenômenos jurídicos entre si, e fazem esforços desesperados para encontrá-lo, formulando conjecturas impressionantes para simular a sua descoberta.” Pág. 16 O autor aponta ainda para um inconveniente que a palavra “direito” apresenta e que diz respeito à sua carga afetiva. As palavras, além de designar fatos ou propriedades, são usadas para expressar emoções. “’Direito’ é uma palavra com significado afetivo favorável. Denominar com essa palavra uma organização social implica condecorá-la com um título honorífico e estimular as atitudes de adesão em torno dela.” Pág. 16 O autor afirma que as conotações afetivas da palavra “direito” decorrem da profunda relação dos fenômenos jurídicos com valores morais, em especial o de justiça (as pessoas tendem a assumir atitudes emocionais sempre que há questões morais em jogo). O autor aponta algumas teses que defendem a existência de uma relação relevante entre direito e moral. “A velha polêmica entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico gira em torno da relação entre direito e moral. Uma descrição simplista do conteúdo dessa polêmica diria que, enquanto o jusnaturalismo afirma que há uma conexão intrínseca entre direito e moral, o positivismo jurídico nega tal conexão. Porém, acabamos de ver que há muitas maneiras diferentes de defender a existência de um vínculo importante entre direito e moral. Não é possível supor que o jusnaturalismo ratifique as dez teses citadas e o positivismo se oponha a todas elas.” Pág. 19 Nesse ponto, o autor propõe a leitura de uma sentença judicial (julgamento de Nuremberg). Trata-se de processos que apresentaram a particularidade de reacender o debate entre o positivismo e o jusnaturalismo e de chamar a atenção para o fato de que a posição adotada nesse debate poderia ter consequências práticas muito significativas. Sabe-se que o julgamento de Nuremberg foi a formação inédita de um tribunal militar internacional para julgar o alto escalão nazista por crimes de guerra e contra a humanidade durante a Segunda Guerra Mundial. O autor utiliza-se de uma reconstituição fictícia de uma sentença judicial que poderia ter sido proferida em um desses processos. “Nesse veredicto hipotético debatem-se apenas algumas das teses sobre a relação entre direito e moral, mencionadas anteriormente. Os juízes do exemplo não discutiram a tese fática de que o direito reflete as valorações sociais reinantes, nem a que sugere que o direito se adapta a princípios morais e de justiça válidos para se justificar em termos morais – o que é, na realidade, uma proposição comumente verdadeira – e, tampouco a tese valorativa discutível de que o direito deve reconhecr e efetivar os juízos morais da comunidade.” Págs. 30 e 31 No julgamento fictício, o jusnaturalismo estaria mais ou menos fielmente representado pela posição do juiz que defende duas teses: a de uma filosofia ética, que afirma a existência de princípios morais e de justiça universalmente válidos e acessíveis à razão humana; e uma tese relativa à definição do conceito de direito, segundo a qual um sistema normativo ou uma norma não podem ser classificados como “jurídicos” se estão em desacordo com aqueles princípios morais ou de justiça. “Apesar da diversidade quanto à origem e quanto ao conteúdo dos princípios do direito natural, o jusnaturalismo pode ser caracterizado pela adesão às duas teses anteriormente mencionadas. Muito mais difícil, por sua vez, é caracterizar a concepção positivista do direito. Isso porque o termo “positivismo” é acentuadamente ambíguo: ele faz referência a posturas diferentes que nem sempre tem relação entre si; ou que em muitos casos, foram rejeitadas explicitamente por alguns autores considerados positivistas, e apoiadas por outros juristas positivistas, mas não como parte essencial do positivismo por eles defendido.” Pág. 34 O autor aponta para algumas posturas atribuídas ao positivismo: o ceticismo ético, o positivismo ideológico, o formalismo jurídico e o positivismo metodológico ou conceitual. Após análise de cada um desses tópicos, ele conclui: “O resultado dessa discussão permite concluir que há certas razões importantes que favorecem a postura adotada pelo positivismo metodológico ou conceitual no que se refere à definição de direito, mas também nos permiteperceber que a escolha entre essa posição e a do jusnaturalismo não implica a tomada de posição numa questão filosófica profunda, e, sim, numa simples questão verbal.” Pág. 49 Por fim, o autor desenvolve alguns comentários acerca do realismo jurídico: “Desse modo, as correntes realistas mais racionais não eliminam as normas jurídicas da análise jurídica, propondo, em vez disso, critérios verificáveis de formas empíricas para determinar quando as normas integram um dado sistema jurídico.” Pág. 57