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Direitos Reais - Posse

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I. Introdução: 
Direito das Coisas é o conjunto das normas que regulam as relações jurídicas entre os 
homens, em face às coisas corpóreas, capazes de satisfazer às suas necessidades e 
suscetíveis de apropriação. No Direito das Coisas estudaremos o que, modernamente, 
denominamos Direitos Reais. Os Direitos Reais, juntamente com os Direitos Pessoais estão 
inseridos na categoria dos Direitos Patrimoniais. 
Os Direitos Reais atribuem ao titular poder de senhoria direto e imediato sobre a coisa. No 
Direito Pessoal, o poder do titular atua sobre uma pessoa, o devedor, que lhe deve fazer uma 
prestação de conteúdo econômico. Em ambos se configura uma relação jurídica: no Direito 
Real, ela se estabelece entre seu titular e todas as demais pessoas que, indistintamente, estão 
obrigadas (obrigação passiva universal) a não praticar ato que o turbe na utilização de seu 
direito; no Direito Pessoal, a relação jurídica é a que existe entre o titular do Direito Subjetivo (o 
credor) e uma pessoa (o devedor). 
Os Direitos Reais estão protegidos por ações reais (actiones in rem) que se intentam, não 
contra uma pessoa determinada (devedor),como sucede no Direito Pessoal, mas contra quem 
quer que tenha turbado a sua utilização (erga omnes). Os Direitos Reais outorgam ao titular a 
faculdade de sequela, isto é, de perseguir a coisa nas mãos de quem quer que a detenha e 
dão ao titular a faculdade de preferência, ou seja, o poder de afastar todos aqueles que 
reclamem a coisa com base ou em Direito Pessoal ou em Direito Real posterior ao dele. 
Além disso, vigora, em Direito Romano, o princípio de que os Direitos Reais constituem um 
numerus clausus (número fechado), isto é, só são Direitos Reais os criados pelas diferentes 
fontes de Direito, não havendo assim, a possibilidade de os particulares, por acordo de 
vontade, criarem Direitos Reais de tipo novo. 
Entretanto, uma outra corrente de civilistas, inspirados na jurisprudência francesa, sustenta ser 
livre às partes atribuírem realidade a direitos resultantes de convenções havidas entre elas, 
desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costumes. 
Entre nós, há ainda alguma controvérsia, questionando-se o fato da enumeração do artigo 674 
do Código Civil ser meramente exemplificativa ou, ao contrário, de ser taxativa. Porém esta 
enumeração pode ser ampliada pelo legislador quando lhe parecer mais conveniente admitir 
outro Direito Real. 
Os jurisconsultos romanos não conheceram esses dois conceitos – Direito Real e Direito 
Pessoal. A própria denominação ius in re com a qual se designam os Direitos Reais não se 
encontra com esse sentido nas fontes. A distinção que hoje fazemos entre esses dois direitos, 
os romanos a faziam no plano processual, com a dicotomia actio in rem – actio in personam 
(ação real – ação pessoal). Partindo desta distinção, os autores do Direito Intermédio 
formularam os conceitos de Direito Real e Direito Pessoal. 
O Direito Real pode ser classificado, quer tendo em vista o objeto sobre que recai, quer tendo 
em vista a sua finalidade. 
Quanto ao objeto: 
 Direito de Propriedade; 
 Direito Real sobre Coisa Alheia (iura in re aliena). 
Quanto a finalidade: 
 Direito Real de Gozo; 
 Direito Real de Garantia: penhor, hipoteca, anticrese. 
Segundo o já referido artigo 674 do Código Civil, são Direitos Reais: propriedade, efiteuse, 
servidões, usufruto, uso, habitação, rendas expressamente constituídas sobre imóveis, penhor, 
anticrese e hipoteca. 
Na exposição que se segue, examinaremos um instituto que não é um direito, mas um fato – a 
posse (possessio), um elemento de grande importância na aquisição dos Direitos Reais. 
II. Conceito e Natureza Jurídica da Posse: 
A palavra possessio provém de potis, radical de potestas, poder; e sessio, da mesma origem 
de sedere, significa estar firme, assentado. Indica, portanto, um poder que se prende a uma 
coisa. 
Os romanos já distinguiam claramente a posse do Direito de Propriedade. A jurisprudência 
romana elaborou o conceito de posse com base na proteção pretoriana (pretor – magistrado da 
Roma Antiga), que, por sua vez, data do início do século II a.C.. 
A posse consiste numa relação de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando 
mera relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A propriedade é a relação 
entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade objetiva da lei, implicando um poder jurídico 
e criando uma relação de direito. 
Entre os modernos há duas teorias importantes: 
Teoria de Savigny (subjetiva): 
A posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la 
contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento 
material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento 
intelectual, o animus, ou seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi 
habendi. 
Os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus, 
inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas 
mera detenção. 
Teoria de Ihering (objetiva): 
Considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente 
Savigny, para ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se 
encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é 
possuidor. 
A lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, 
dando-lhe o destino para que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o 
proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo 
o proprietário. 
Concluindo, protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o 
proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações possessórias. Enquanto a 
ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação possessória é a propriedade na 
defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um complemento à defesa da propriedade, 
pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar dispensado da prova de seu 
domínio. 
É verdade que, para se facilitar ao proprietário a defesa de seu interesse, em alguns casos vai 
o possuidor obter imerecida proteção. Isso ocorre quando o possuidor não é o proprietário, mas 
um intruso. Como a lei protege a posse, independentemente de se fundamentar ou não em 
direito, esse possuidor vai ser protegido, em detrimento do verdadeiro proprietário. 
Ihering reconhece tal inconveniente. Mas explica que esse é o preço que se paga, em alguns 
casos, para facilitar o proprietário, protegendo-lhe a posse. 
O Código Civil adotou a teoria de Ihering no artigo 485 que, caracterizando a pessoa do 
possuidor, fornece os elementos para extrair-se o conceito legal de posse: “Considera-se 
possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes 
inerentes ao domínio, ou propriedade.” 
Quanto a natureza jurídica da posse, sustenta Savigny que a posse é ao mesmo tempo um 
direito e um fato. Considerada em si mesma é um fato; considerada nos efeitos que gera, isto 
é, usucapião e interditos, ela se apresenta como um direito. 
Para Ihering, a posse é um direito. Partindo de sua célebre definição de direito subjetivo, 
segundo a qual aquele é o interesse juridicamente protegido, é evidente a natureza jurídica da 
posse. 
Entretanto não são poucos os juristas que negam à posse a natureza de um direito. Aliás, não 
se pode considerar a posse Direito Real, porque ela não figura na enumeração do artigo 674 
do Código Civil e segundo Silvio Rodrigues aquela regraé taxativa e não exemplificativa, 
tratando-se aí de numerus clausus. 
III. Espécies e Qualificações da Posse 
1. Posse Direta e Indireta: 
O Direito Civil moderno distingue a posse, quanto ao seu exercício, em direta e indireta. 
Diz-se indireta a posse quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a 
detenção da coisa, continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a outrem a 
posse direta. 
Há um desdobramento da relação possessória. O Código Civil em seu artigo 486 nos mostra 
que o usufrutuário, o depositário, o credor pignoratício, o locatário e o comodatário são 
possuidores diretos, pois todos detêm a coisa que lhes foi transferida pelo dono, mas este, ao 
transferir a coisa, conservou a posse indireta, por força de seu direito dominial. 
Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a possibilidade 
de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante terceiros, além de conceder-
lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se necessário for. 
2. Composse: 
Desde o Direito Romano, decorre a simultaneidade da existência da posse por mais de um 
possuidor, desde que o exercício por mais de um compossuidor não impeça o exercício por 
parte do outro. Assim, os romanos não admitiam a possessio in solidum, ou seja, que várias 
pessoas possuíssem a mesma coisa sem recíprocas limitações. 
A composse no Direito moderno não se alterou muito. O nosso Código Civil, por exemplo, em 
seu artigo 488 afirma: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa ou estiverem no 
gozo do mesmo direito, poderá cada uma exercer sobre o objeto comum atos possessórios, 
contanto que não excluam os dos outros compossuidores.” 
Desta forma, os cônjuges no regime de comunhão de bens (compossuidores sobre patrimônio 
comum) e os condôminos que são compossuidores podem reclamar a proteção possessória 
caso sejam turbados, esbulhados, ou ameaçados em sua posse, contra terceiros ou mesmo 
seus consortes. 
3. Posse Justa e Posse Injusta: 
Tanto no Direito Romano como no Direito moderno, os conceitos de posse justa e injusta se 
fundamentam na presença ou não dos vícios da posse: clandestinidade, violência e 
precariedade. 
A posse é clandestina quando alguém ocupa coisa de outro às escondidas, sem ser percebido, 
ocultando seu comportamento. A rigor, este caso não pode ser caracterizado como posse, pois 
se opõe à conceituação de exteriorização de domínio, onde a publicidade se faz mister para 
sua existência. 
Apesar disto, o Código Civil em seu artigo 497 admite a convalescência do vício da 
clandestinidade, onde cessada esta característica, através de atos ostensivos do possuidor, 
que além de ocupar a terra alheia, ali constrói, planta e vive, e o proprietário deixa de reagir por 
mais de ano e dia, aquela posse de início viciada, deixa de o ser, ganhando juridicidade, 
possibilitando a seu titular a invocação da proteção possessória. 
A tomada de posse por meio violento é viciada para fins de direito, mas a lei contempla a 
hipótese da violência cessar e, a posse, originalmente viciada, pode ganhar juridicidade. Isto 
ocorre quando o esbulhado deixa de reagir durante o período de ano e dia, e o esbulhador 
exerce a posse pacífica por tal lapso de tempo, o que faz com que este adquira a condição de 
possuidor, pela cessação da violência. 
É precária a posse daquele que, tendo recebido a coisa para depois devolvê-la (como o 
locatário, o comodatário, o usufrutuário, o depositário, etc.), a retém indevidamente, quando a 
mesma lhe é reclamada. 
A precariedade prejudica a posse, não permitindo que ela gere efeitos jurídicos e, 
diferentemente da violência e clandestinidade, segundo Silvio Rodrigues, não cessa nunca, 
não gerando, em tempo algum, posse jurídica. 
O artigo 492 do Código Civil, presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida. 
Mas tal presunção (juris tantum) é relativa, pois se a posse for viciada por violência ou 
clandestinidade, há a possibilidade de convalescência de tais vícios – cessados há mais de 
ano e dia – como dito anteriormente. 
4. Posse de Boa Fé e Posse de Má Fé: 
Desde a época dos romanos (possessio bonae fidei e possessio malae fidei), esta classificação 
é feita sob um ângulo subjetivo do possuidor, a fim de se examinar a sua posição psicológica 
em face da relação jurídica. 
 O nosso Código Civil atual, por exemplo, em seu artigo 490, prescreve: “É de boa fé a posse, 
se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que lhe impede a aquisição da coisa, ou do direito 
possuído”; e em seu parágrafo único: “O possuidor com justo título tem por si a presunção de 
boa fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção”. 
Do disposto, vemos que será a posse de má fé quando o possuidor a exercer a despeito de 
estar ciente de que esta é clandestina, precária, violenta, ou encontra qualquer outro obstáculo 
jurídico à sua legitimidade. 
Vemos ainda que o legislador presume posse de boa fé quando o possuidor tem o título hábil 
para conferir ou transmitir direito à posse, como a convenção, a sucessão, ou a ocupação 
segundo Clóvis Beviláquia. Tal presunção, entretanto, admite prova em contrário, cabendo o 
ônus da prova à parte reclamante. 
A importância da distinção entre uma espécie de posse e a outra é muito significativa, tendo 
em vista a variedade de seus efeitos no que tange aos frutos percebidos, benfeitorias, etc. 
Para tal aplicação faz-se necessário identificarmos o instante da cessação da boa fé. Segundo 
o artigo 491 do nosso Código Civil: “A posse de boa fé só perde este caráter, no caso e desde 
o momento em que as circunstâncias façam presumir que o possuidor não ignora que possui 
indevidamente”. Portanto a posse de boa fé se transforma em posse de má fé ao tomar o 
possuidor conhecimento do vício que infirma sua posse, tendo a parte adversa o ônus de 
demonstrar as circunstâncias externas capazes de provar tal questionamento. 
Cabe ressaltar aqui que a jurisprudência dominante entende que, havendo dúvida quanto à 
época em que a posse se tornou viciosa, o melhor critério é fixá-la a partir da data da 
propositura da ação, quando os efeitos de corrente da sentença acolhida retroagem a esta 
data. 
5. Posse Nova e Posse Velha 
O legislador atual distingue ambas com o intuito de consolidar a situação de fato, que possa 
remir a posse dos vícios da violência e clandestinidade, como fora mostrado anteriormente, ou 
seja, o prazo de ano e dia. 
Assim, a posse é considerada velha quando ultrapassar este lapso de tempo (e do contrário, 
nova será) o que, conforme o Código Civil, artigo 508, dá ao possuidor a manutenção de sua 
posse, sumariamente, até que seja convencido pelos meios ordinários. 
6. Possessio Naturalis 
No Direito Clássico, possessio naturalis era posse caracterizada pela simples detenção da 
coisa, isto é, pelo seu elemento material, não produzindo conseqüências jurídicas, sequer 
sendo tutelada pelos interditos possessórios. 
7. Possessio Civilis 
Também no Direito Clássico, a possessio civilis é a posse oriunda de causa reconhecida como 
idônea pelo ius civile para a aquisição do domínio; a ela, além dos elementos de fato que 
constituem a possessio ad interdicta (o corpus e o animus possiendi, ou seja, o elemento 
objetivo e o elemento subjetivo), acresce um elemento jurídico (a causa apta à aquisição do 
domínio) que é a condição fundamental para a produção das conseqüências substanciais da 
posse, como o usucapião, a aquisição de frutos, a utilização da ação pública. 
Os legisladores atuais apontam que para se conferir a proteção dos interditos à posse, basta 
que ela seja justa, ou seja que não venha eivada dos vícios já mencionados.Assim, o titular de 
uma posse justa pode reclamar e obter proteção possessória contra quem o esbulhe, o 
perturbe, ou o ameace em sua posse, incluindo o proprietário da coisa. 
Se a posse for injusta, o possuidor será garantido em sua posse apenas contra terceiros que 
não tenham sido vítimas da violência, da clandestinidade, ou da precariedade, enfim, de 
terceiros que não tenham melhor posse. 
Quanto à posse ad usucapionem, os juristas atuais a classificam como aquela capaz de deferir 
a seu titular o usucapião da coisa gerando o seu domínio. Para isto hão de ser supridos 
requisitos legais tais como a aquisição pela posse mansa e pacífica, com justo título e boa fé, 
por um período de dez anos entre presentes ou de quinze entre ausentes (Código Civil, artigo 
551). 
Todavia, a lei presume boa fé e justo título, se a posse ultrapassar o tempo de vinte anos, 
independentemente de como foi obtida (presunção absoluta). 
IV. Aquisição e Perda da Posse: 
De acordo com o Direito Romano a aquisição de posse ou início de posse, se dá quando 
concorrem os seus dois elementos constituintes: fato externo – o corpus ( apreensão) e um fato 
interno – animus (intenção), isto é, quando ocorre um ato material ligado a uma certa vontade. 
 A princípio o corpus deve manifestar-se na apreensão material da coisa, ou seja, que se entre 
em contato material com a coisa, porém, os jurisconsultos vão espiritualizando esse contato e 
admitem, por exemplo, que haja tomada de posse com a simples entrega das chaves de um 
celeiro ou, que preencha o requisito de corpus aquele que armou a armadilha em que caiu o 
animal, antes mesmo de saber da existência da presa. 
Quanto ao animus, vimos que Savigny entendia que era o animus domini (intenção de ser 
proprietário), e Ihering entendia que era a simples consciência de ter a coisa consigo (affectio 
tenendi). Modernamente, os romanistas acreditam que essas duas correntes não levaram em 
conta a evolução do Direito Romano. Assim, analisando através do Direito Clássico, temos que 
o animus é visto como a intenção de assenhorar-se completamente da coisa, tendo sobre ela 
poder de fato exclusivo e independente (animus possidendi); e o possessio naturalis (a simples 
detenção) não exige esta intenção, bastando apenas o elemento físico (o corpus). Já no Direito 
Pós-Clássico o animus passa a ser para a posse o elemento preponderante, e no Direito 
Justinianeu, prevalece o animus domini. 
Embora, em regra, seja o próprio possuidor que inicie por si a posse, esta também pode ser 
adquirida por meio de representantes, existindo então o corpus por outrem, que detém a coisa 
em lugar do que tem o animus de possuí-la. No início o pater familias adquiria a posse por 
meio do filho ou do escravo, que aparecem como instrumentos de sua vontade, mais tarde, a 
posse pôde ser adquirida por meio de um procurador, depois por terceiro (corpore alieno) e 
finalmente, por meio de qualquer estranho (per liberam personam), desde que houvesse a 
ratificação da pessoa em favor de quem a posse era iniciada. 
É importante salientar que o detentor não pode transformar a detenção em posse sob a 
alegação de que passou a ter o animus possidendi, pois, no Direito Romano vigorava a regra 
de que a ninguém é dado, por si, mudar a causa de sua posse. 
O Código Civil no seu artigo 493 dispõe sobre os modos de aquisição de posse nos seguintes 
casos: 
 Pela apreensão da coisa ou pelo exercício do direito. 
 Pelo fato de se dispor da coisa ou do direito. 
 Por qualquer dos modos de aquisição em geral. 
Segundo Silvio Rodrigues, é de pouca utilidade esta enumeração, pois se a posse é uma 
situação de fato e se o possuidor é aquele que exerce poderes inerentes ao domínio é evidente 
que quem quer que se encontre no exercício de tais poderes é porque adquiriu a posse. E 
outra, se é possível adquirir a posse por qualquer dos modos de aquisição em geral (inciso III), 
isso torna inútil a enumeração feita nos incisos I e II. A lei foi mal redigida. 
Os modos de aquisição da posse também podem ser classificados : 
Tendo em vista a manifestação da vontade do agente: por ato 
unilateral, que são os casos de apreensão, de exercício do direito e de 
dispor da coisa ou do direito; ou ato bilateral, que é o caso da 
tradição, isto é, a transferência da posse de um possuidor a outro. A 
apreensão pode recair sobre coisa sem dono, com também sobre 
coisas de outrem, mesmo sem a anuência do proprietário. 
Tendo em vista a origem da posse: distingue-se em originária, 
quando não há relação de causalidade entre a posse atual e a anterior 
(sem vícios anteriores); ou derivada quando acontece o contrário 
(com vícios anteriores). A regra está no artigo 492 do Código Civil, 
que presume manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida; 
e, aplicação prática dessa regra se vê no artigo 495 do mesmo código, 
que encarando a sucessão causa mortis, determina transmitir-se a 
posse com os mesmos caracteres, aos herdeiros e legatários do 
possuidor. 
Vemos a influência marcante do Direito Romano na legislação, quando o artigo 494 do Código 
Civil declara poder a posse ser adquirida: 
 Pela própria pessoa que a pretende. 
 Pelo seu representante ou procurador. 
 Por terceiro, sem mandato, dependendo de ratificação . 
 Pelo constituto possessório. 
A disposição mais importante desse artigo é a do inciso III, que possibilita a aquisição de posse 
por terceiro sem mandato, desde que ratificado o ato; e, o inciso IV se refere ao constituto 
possessório, que ocorre quando aquele que possuía em seu próprio nome , passa a possuir 
em nome de outrem. 
No Direito Romano em geral se perde a posse (término da posse) quando desaparece um ou 
os dois elementos constitutivos: animus e corpus. Desta forma, a posse termina quando o 
possuidor abandona a coisa a terceiro; ou perde, contra a sua vontade, o poder de fato sobre a 
coisa; ou, embora continue a ter contato com a coisa, não mais a quer possuir. 
Em alguns casos, excepcionalmente a posse se conserva mesmo não tendo o corpus, ou o 
animus. Estas atenuações eram admitidas mesmo no período clássico pelos jurisconsultos. O 
caso de ocupação clandestina do imóvel não acarretava a perda imediata da coisa pelo 
possuidor; também não terminava a posse se o possuidor se separasse brevemente da coisa, 
nem ocorria o término imediato da posse quando morria o locatário, por meio de quem o 
locador possuía. No caso dos terrenos destinados a pastagens hibernais ou estivas (saltus 
hiberni et aestivi), o possuidor não deixava de o ser na restante parte do ano, em que se 
afastou deles. Da mesma forma, a loucura do possuidor não ocasionava o término da posse, e 
por fim, do mesmo modo o senhor conservava a posse do escravo fugitivo. 
Já no Direito Justinianeu, não há apenas atenuações, como no Direito Clássico, mas sim, a 
idéia de que a posse pode conservar-se unicamente pelo animus (animo solo), onde a posse 
não terminava com a perda apenas do corpus. Neste caso, com a prisão na guerra do 
possuidor conservava-se a posse, ao contrário do que ocorria no Direito Clássico. No entanto, 
se uma pessoa fosse desapossada violentamente de uma coisa e se mostrasse impotente para 
recuperá-la, deixava de ser possuidora. 
O Código Civil atualmente prevê a perda da posse das coisas em algumas situações, de 
acordo com o seu artigo 520: 
 Pelo abandono. 
 Pela tradição. 
 Pela perda ou destruição delas, ou por serem postas fora do comércio. 
 Pela posse de outrem, ainda contra a vontade do possuidor, se este não foi 
manutenido, ou reintegrado em tempo competente. 
 Pelo constituto possessório. 
Entretanto, a enumeração acima jamais poderá ser completa, cumprindo encará-la como 
meramenteexemplificativa. Neste artigo, como no da aquisição da posse, o legislador se 
esquece que adotou a teoria de Ihering e deixa-se influenciar por Savigny, enumerando as 
possibilidades em que o possuidor adquire ou perde a posse, de acordo com a presença do 
corpus e/ou do animus. 
V. Os Efeitos da Posse 
Os efeitos da posse são as conseqüências jurídicas por ela produzidas. São eles: 
• a proteção possessória; 
• a percepção dos frutos;a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa; 
• a indenização por benfeitorias e o direito de retenção para garantir seu pagamento; 
• o usucapião. 
1. Proteção possessória: 
De todos os efeitos da posse, o mais importante é a proteção possessória. A proteção 
possessória consiste no consentimento de meios de defesa da situação de fato, que aparenta 
ser uma exteriorização do domínio. Para facilitar a defesa de seu domínio, a lei confere ao 
proprietário proteção, desde que prove que está ou estava na posse da coisa, e que fora 
esbulhado ou esteja sendo perturbado. Este não precisa recorrer ao juízo petitório, basta-lhe o 
ingresso em juízo possessório. Normalmente, o juízo possessório não ajuda alegar o domínio; 
já no juízo petitório, a questão de posse é secundária. 
 Normalmente, a defesa do direito violado ou ameaçado se faz através de recurso ao Poder 
Judiciário. Contudo, há casos em que a vítima tem a possibilidade de defender-se diretamente 
(defesa legítima) com seus próprios meios, contanto que obedeça aos requisitos legais. Porém, 
a reação deve seguir imediatamente à agressão e deve se limitar ao indispensável, ou seja, os 
meios empregados devem ser proporcionais à agressão, pois, caso contrário, haverá excesso 
culposo. 
As ações possessórias são fundamentalmente três: 
 A ação da manutenção de posse – concedida ao possuidor que, sem haver sido privado de 
sua posse, sofre turbação. Através do interdito, pretende obter ordem judicial que ponha 
termo aos atos perturbadores. 
 A ação de reintegração de posse – concedida ao possuidor que foi injustamente privado de 
sua posse. 
 O interdito proibitório – concedido ao possuidor que, tendo justo receio de ser molestado ou 
esbulhado em sua posse, pretende ser assegurado contra a violência iminente. Pede, 
portanto, ao Poder Judiciário que comine a quem o ameaça pena pecuniária para o caso de 
transgressão do preceito. 
Outras ações possessórias: 
 Imissão na posse: o proprietário, através da transcrição de seu título, adquire o domínio da 
coisa que o alienante, ou terceiros, persistem em não lhe entregar; 
 nunciação de obra nova: impede que nova obra em prédio vizinho prejudique o confinante; 
 embargos de terceiro senhor e possuidor: o legislador confere a quem, a fim de defender os 
bens possuídos, não sendo parte no feito, sofre turbação ou esbulho na posse de seus bens, 
por efeito de penhora, depósito, arresto, seqüestro, venda judicial, arrecadação, partilha, ou 
outro ato de apreensão judicial. 
Ações possessórias no Direito Romano: No Direito Romano, a posse era defendida por 
interditos possessórios que visavam, alguns, a conservação da posse e outros sua 
recuperação. 
interdita retinendae possessionis causa: 
Visava a conservação da posse tendo caráter proibitório e duplo pois o pretor instituía proibição 
tanto ao possuidor quanto ao proprietário. Subdividia-se em : 
interdito uti possidetis: 
Visava a conservação da posse não violenta, clandestina ou precária de coisa imóvel. Poderia, 
excepcionalmente, acarretar a recuperação da posse ao ex-possuidor esbulhado através de 
outro interdito: exceptio uitiosae possessionis (exceção de posse viciosa) – se o possuidor 
violento, clandestino ou precário, molestado pelo antigo possuidor esbulhado por ele e que 
tentara recuperar a posse, requeria ao pretor um interdito uti possidetis contra o esbulhado, 
este podia opor exceptio uitiosae possessionis e, demonstrando o vício da posse recuperava-a. 
b) interdito utrubi 
Visava a conservação da posse de coisa móvel. A princípio, estendia-se somente a posse de 
escravos, passando posteriormente a abranger todas as coisa móveis cuja posse não fosse 
viciosa. Protegia apenas o possuidor que, no ano em curso, tivesse possuído por mais tempo a 
coisa em disputa. 
Interdita reciperandae possessiones causa: 
Visava a recuperação da posse e subdividia-se em três interditos: 
a) interdito unde ui 
Reintegrava a posse a quem a perdeu violentamente e subdividia-se em dois interditos, 
conforme a natureza da violência: 
a.a) ui cotidiana 
Em caso de violência comum. Válida para coisa imóvel incluindo todas as coisas imóveis nela 
presente. Os requisitos para valer-se deste interdito eram: 
 requerê-lo dentro de um ano; 
 que o desapossador ou seus escravos tivessem cometido violência; 
 que o desapossado não tivesse posse viciosa em relação ao desapossador. 
a.b) ui armata 
Em caso de violência extraordinária. Para valer-se deste interdito era necessário que tivesse 
havido uis armata (ação violenta por homens armados). 
b) interdito de precário 
Defendia o proprietário quando este, tendo concedido a posse da coisa a alguém a título 
provisório, solicitava sua restituição e esta lhe era negada pelo precarista. 
c) interdito clandestina possessionis 
Visava a recuperação do imóvel ocupado clandestinamente por terceiro. 
Interdictum momentariae possessionis: 
Concedido ao possuidor para recuperar provisória, mas imediatamente a posse podendo ser 
utilizado até trinta anos após o ocorrido. 
A posse das servidões: 
Basicamente só se admite a posse das servidões contínuas e aparentes, porque sendo a 
posse uma exteriorização do domínio, só as servidões aparentes, que também sejam 
contínuas, é que oferecem condições de publicidade compatíveis com a noção de posse. 
2. A percepção dos frutos: 
Sendo vencedor na ação reivindicatória, o proprietário reivindicante tem o direito de receber do 
possuidor vencido a coisa reivindicada. Porém, indaga-se qual o destino dos frutos pendentes 
ou das benfeitorias realizadas na coisa durante a posse, e, por outro lado, o prejuízo pelos 
estragos e deteriorações experimentadas pela coisa principal no período. Para solucionar estas 
questões, o legislador deve verificar se o possuidor agia de má ou boa fé. 
3. A responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa: 
Também aqui é diferente a atitude do legislador, conforme a natureza da fé do possuidor. 
Caso o possuidor tenha agido de boa fé, a lei determina que ele não responde pela perda ou 
deterioração da coisa a menos que tenha sido culpado. Entretanto, o possuidor de má fé 
responde pela perda ou deterioração da coisa em todos os casos, mesmo que decorrentes do 
fortuito ou força maior, só se eximindo com a prova de que se teriam dado do mesmo modo, 
ainda que a coisa estivesse em mãos do reivindicante. 
4. As benfeitorias e o direito de retenção: 
Ainda quanto às benfeitorias, o legislador discrimina entre o possuidor de boa e má fé. O 
primeiro tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis, podendo levantar as 
voluptuárias que não lhe forem pagas e que admitirem remoção sem detrimento da coisa. Pelo 
valor das primeiras, poderá exercer o direito da retenção, conservando a coisa alheia além do 
momento em que a deveria restituir. Ao possuidor de má fé serão ressarcidas somente as 
benfeitorias necessárias, porque estas deviam ser efetuadas estivesse a coisa nas mãos de 
quem quer que fosse, sob pena de deterioração ou destruição. Entretanto, ele não adquire o 
direito de retenção para garantir o pagamento de referida indenização. 
O usucapião: 
É o modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por 
determinado espaçode tempo, fixado na lei. O usucapião será estudado nos trabalhos 
referentes à propriedade, pois este efeito da posse se fundamenta no propósito de 
consolidação da propriedade. 
VI. Conclusão: 
De acordo com o exposto neste trabalho, percebemos que a posse deriva de idéias primitivas 
extraídas do Direito Romano e que este direito influenciou decisivamente nossos legisladores 
na elaboração do Código Civil Brasileiro, base da relação do direito entre particulares. 
Como vimos, a questão da posse, apesar de ser um tema antigo, ainda hoje é de grande 
importância, principalmente no Brasil, um dos poucos países que não realizou a reforma 
agrária. Diariamente, temos notícia de manifestações dos sem-terra e da política agrária do 
atual governo. Mais recentemente, acompanhamos com especial atenção à marcha dos sem-
terra em Brasília, que avivou ainda mais a discussão da posse da terra e trouxe a tona a 
dificuldade na realização desta reforma devido a leis ainda ineficientes. 
Torna-se necessário salientar que toda legislação a respeito da posse atende a uma 
preocupação de interesse social , e não apenas ao intuito de proteger a pessoa do possuidor. 
É importante destacarmos também que a propriedade, segundo o artigo 5º inciso XXXIII da 
nossa Constituição Federal, atenderá a sua função social. Aí está a base de toda a reforma 
agrária, afinal não podemos esquecer dos milhares de hectares de terras improdutivas que 
existem de norte a sul do país, propriedades rurais que não atendem a sua função social como 
podemos constatar no artigo 186 desta mesma Constituição, o qual enumera os requisitos para 
a observância desta função. 
Portanto, o que se pode constatar é que tanto a sociedade como o Poder Público devem ajudar 
nesta luta do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST, de forma a tornar as leis 
eficientes e vigentes. A questão é provar que, em um país que possui a extensão e a vocação 
agrícola como o Brasil, é, no mínimo, incoerente manter inutilizadas terras que poderiam 
alimentar milhares de pessoas, evitando assim o êxodo rural para as grandes cidades já tão 
repletas de problemas e diminuindo consideravelmente o número de desempregados, 
viabilizando, deste modo, o desenvolvimento nacional. 
Bibliografia: 
 ALEXANDRE CORREIA E GAETANO SCLASCIA – Manual de Direito Romano – Vol. 1, Ed. 
Saraiva, 4ª edição, S.P., 1961. 
 José Carlos Moreira Alves – Direito Romano – Vol. 1, Ed. Forense, 5ª edição, R.J., 1983. 
 LIMONGI FRANÇA – A Posse no Código Civil, Ed. José Bushatsky – Livros Jurídicos, S.P., 
1964. 
 Silvio Rodrigues – Direito Civil – Vol. 5 – Direito das Coisas, Ed. Saraiva, 20ª edição, 1993. 
 THOMAS MARKY – Curso Elementar de Direito Romano – Ed. Saraiva, 8ª edição, S.P., 
1995

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