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AS DUAS FACES DE UMA COSTURA Briza Mantzos CENA 1 Joana entra correndo e gritando no palco JOANA: José, venha aqui. José... José entra correndo JOSÉ: Joana? O que aconteceu? Por que esse desespero todo? JOANA: Olha José. (José pega um papel da mão de Joana) não tenha medo JOSÉ: Como pode estar sorrindo? JOANA: É um presente dos céus... José se ajoelha e Joana toca em seus cabelos JOSÉ: Não vê como estão os tempos? Não vê que o próprio mundo se perdeu? Deus não enviaria um anjo para um lugar como esses. O que você vai fazer Joana? JOANA: O que vou fazer? Não seja ridículo José. O que nós vamos fazer! Não fiz esse filho sozinha. José levanta e segura o pescoço de Joana JOSÉ: Cala a boca. Nunca mais grite ou fale comigo assim, mulher estupida Joana cai no chão JOANA: Me chame de estupida, de puta, até de louca se isso faz você se sentir um homem, mas você me fez mãe (abraça a barriga) JOSÉ: Você se torna ridícula tentando ser o que você não é. JOANA: O que quer dizer com isso? Sou mãe sim, e o filho é seu. (sussurros) mãe, mãe... JOSÉ: Cansei! Eu não vou ficar aqui olhando você, desisto de tentar te entender. José tenta sair, mas Joana agarra uma de suas pernas JOANA: Sim, eu tenho milhares de defeitos, alguns medos, vários problemas. Mas e daí? (Joana olha para o público com medo) José, não me deixe, tenho medo do escuro... José segura o cabelo de Joana JOSÉ: (sussurrando) não tenha medo Joana, vire amiga deles... (ri e sai) CENA 2 Joana se levanta rindo, e se senta na cadeira que está em frente a uma máquina de costura. BLECAUTE (BARULHO DA MAQUINA DE COSTURA AO FUNDO) JOANA: Você vai nascer tão lindo, tão forte, tão...(ri), oh meu querido, por que está chorando? Está com frio? Já sei, está com medo de sair. O mundo é frio e escuro criança, cheio de loucos que vivem usando máscaras cheias de glorias pobres. Mas não se preocupe, eu estou aqui e nada... As luzes acendem. José observa Joana que está com um pedaço de pano nas mãos JOSÉ: Com quem está falando Joana? Joana se levanta e vai até José JOANA: Olha como é lindo JOSÉ: Com quem está falando? Joana olha para a cadeira e aperta a barriga JOANA: Se foi JOSÉ: Ah Joana, está enlouquecendo JOANA: Sinto sua ausência intensamente, como um vazio que corta. Tudo o que eu queria, era alguém para me dizer que tudo vai ficar bem... JOSÉ: Estou aqui, e prometo não ir embora. Olhe pra mim Joana encara José JOANA: Você é uma faca, daquelas que cortam a alma e todo o sentimento, até que não exista mais nada. Uma linha, daquelas que remendam algo que já não deveria ser mais usado, só para que dure mais um tempo. É uma planta venenosa, daquelas que cegam e fazem os olhos sangrarem. JOSÉ: Não diga essas coisas, não vê que me machuca? Sinto tanto medo e dor quando você. Estamos nessa juntos! Joana anda em direção a maquina JOANA: Sai José, ele não gosta de você JOSÉ: Quem não gosta de mim? JOANA: (Grita) sai José José permanece olhando para Joana, que senta na cadeira BLECAUTE JOANA: Não se preocupe, não chore querido. Criei um universo, onde tudo é perfeito e feito só para nós. Por que ainda está chorando? (Alguns segundos de silencio. Joana grita) Sai José. (Risos ao fundo) as luzes se acendem. Joana está com a cabeça em cima da mesa, José está agachado com as mãos na cabeça. JOSÉ: Não, essa não é a Joana. (levanta) uma alucinação do diabo. Maldita bebida! Meu Deus, estou com tanto medo, preciso de aju... Joana acorda JOANA: José? O que está fazendo aí no chão? José levanta assustado JOANA: Estava falando com que? Por que você me deixou pegar no sono aqui? Agora minha cabeça está doen... JOSÉ: Você estava...como você se sente? JOANA: Acabei de dizer que estou com muita dor de cabeça. Não estou te entendendo, agorinha eu não era a mulher estupida? Pare de me olhar como se eu fosse uma aparição. JOSÉ: Oh Deus, maldita bebida que me joga no abismo da mais pura loucura um pouco tonta Joana se levanta da cadeira JOANA: José, acho que você precisa para de beber. (ri e sai) Com as mãos na cabeça, José anda sobre o palco JOSÉ: Louco? (ri) Oh pai, será que estou ficando louco? (José sai). CENA 3 Joana entra segurando duas cestas com roupas, Paula entra em seguida levando uma cadeira. Paula senta na cadeira, e Joana senta perto da máquina de costura. PAULA: Você vai ser uma excelente mãe JOANA: Você acha? (ri) estou com tanto medo PAULA: Relaxa, quando eu estava no seu lugar eu também estava JOANA: Sou tão adulta para algumas coisas, e tão infantil para outras. PAULA: Duas, então (ri). A minha gravidez foi a mais tosca de todas. Primeiro chorei, senti medo. Deu vontade de deitar, dormir três meses. Joana levando PAULA: E como o José reagiu? JOANA: Não foi o que eu esperava. PAULA: Sinto muito, de verdade JOANA: (ri) sabe como é, você sofre, se lamenta e depois vai dormir PAULA: Você sempre lidou com seus problemas de uma forma peculiar JOANA: Acho que eu sou ímpar nesse negócio de amor... PAULA: Sabe como é o meu irmão, ele tem medo de muitas coisas, principalmente daquelas que podem mudar sua vida JOANA: Acho que ele vai ficar entranho comigo até o bebe nascer. Ontem eu acabei dormindo na da mesa, ele nem me acordou. Aí quando eu acordo, ele se faz de marido preocupado PAULA: Por que diabos você dormiu na mesa? JOANA: Eu não me lembro. Nós estávamos discutindo, ele disse que tinha cansado de tentar me entender, não me lembro de mais nada PAULA: Você deve ter desmaiado, e ele te colocou lá. Isso já aconteceu comigo. Como foi que você descobriu que estava gravida? Você já fez alguma consulta? JOANA: Ainda não fui ao médico. Tudo foi tão rápido. Eu acordei, e... PAULA: E? A face de Joana e seu modo de agir mudam JOANA: Eu já te contei? PAULA: Somos amigas a anos, você já me contou muita coisa. (ri) Se brincar, sei mais de você do que voc... JOANA: Shhh! (olha para o público) eu preciso contar pra aguem PAULA: Joana, estou escutando, conte! Joana pega uma tesoura que está em cima da mesa JOANA: Te contei como foi a dor de ser rasgada? PAULA: Do que você está falando? JOANA: Ah Paula, você não me conhece. Não sabe como sofri, não sabe o quanto chorei (ri) PAULA: Se não te conheço, vai, me conte quem é você, me conte sua historia Joana levanta Paula, e as duas observam a tesoura JOANA: Ah Paula, tenho costume de me apegar a quem, assim como eu, faz parte da melancolia PAULA: Por que está sofrendo tanto? Me cont... JOANA: Por que estou sofrendo? Meu Deus Paula, olhe pra mim Paula tira a tesoura da mão de Joana PAULA: Como posso ver uma coisa que vive se escondendo? JOANA: Se esconde? Meu Deus, está aqui, olhe! Olhe pra mim Paula! Eu sinto muito, sinto tudo tão intensamente que me sufoca. PAULA: O que você quer de mim? (Joana se senta na cadeira) Você está sempre, tão bem JOANA: Há tristeza em tudo, (Joana passa a mão em seu rosto) mesmo quando tudo está bem. Joana se levanta e procura algo. Paula sai CENA 4 Joana encontra o pedaço de pano, e pega uma tesoura que está em cima da mesa. José chega em silencio e observa Joana JOANA: (Canta) Rasgada, lá, lá, lá (dança) Joana para e observa a plateia JOSÉ: Joana... O pano cai e Joana se desespera JOANA: Caiu! Meu filho se machucou, José, ele está sangrando. Por que está me olhando assim? Por que você não está fazendo nada? JOSÉ: Por que? Meu Deus, você está doente JOANA: Doente? Eu? Olhe pra você, um homem fraco, que se liga a bebida para sobreviver, você é que está doente. Teu filho sangra, e você não está fazendo nada JOSÉ: Não consegue enxergar que é um pedaço de pano? Você sangra loucura, é tudo que você é, mulher maldita que anda lado a lado com a loucura JOANA: Sangro loucura? Não vê José? Joana tampa os olhosJOANA: Não vejo nada (ri), agora não sangro mais Joana pega o pano do chão e olha para José JOANA: Eu não ligo para as cicatrizes JOSÉ: Você nunca ligou pra nada. (José pega o pano da mão de Joana) Então também não liga pra isso (rasga o pano) Joana cai de joelhos desesperada. Ao fundo toca um choro de bebê JOANA: Morto? Morto? (grito) Joana se contorce no chão enquanto grita JOSÉ: Louca! Doente! Joana pega o pedaço de e coloca na boca JOSÉ: O que está fazendo? Pare com isso! Joana se levanta e vai em direção a mesa, pega a tesoura e a aproxima do pescoço JOSÉ: Não! Por favor, não faça isso. Me perdoe, eu não deveria ter machucado nosso filho. Vamos cuidar dele, ok? Por favor, largue essa tesoura Joana tira a tesoura do pescoço e olha para o público, depois de um tempo, o choro do bebê aumenta. Joana abre a tesoura e a aproxima da orelha, José segura a mão de Joana antes que ela cor... JOSÉ: Falei pra parar! O que ia fazer com isso? José arranca o pano da boca de Joana JOANA: Eu quero parar o choro JOSÉ: Que choro? Não estou ouvindo nada JOANA: Não está escutando? Está tão alto. Ele chora, chora muito. Faça isso parar José José cai no chão gritando JOSÉ: Estou cansado disso tudo. Você está louca, não sei como te ajudar, cansei de tentar encontrar um jeito de te fazer saber que é você. Desisto! Você machuca todo mundo que se aproxima, cria uma ferida incurável na alma das pessoas. José se levanta JOSÉ: Me diga quem é você. o que você é? Joana pega a tesou e a enfia na barriga de José, que cai no chão JOANA: Sou mãe! Você nunca vai mudar isso Enquanto Joana enfia a tesou no corpo de José, o choro do bebê para e começa a tocar uma música de ninar JOANA: (Sorrindo) mamãe sabe o que faz JOANA: Agora você pode me aceitar como eu sou. Joana pega o pedaço de pano e se senta do lado de José Juntos! Estamos juntos como uma família Joana beija José e depois faz um gesto de silencio para o publico ATO 2 CENA 1 Joana arrasta o corpo de José para a plateia e o deixa encostado na parede. Volta ao palco dançando e ainda pedindo silencio. Joana liga a maquina de costura e observa o pano em sua mão. Depois de um tempo o rosto de Joana observa a maquina JOANA: José, foi você que ligou a máquina? Olha para o pano em sua mão Se pensa que vou costurar esses seus trapos...José? Levanta e desliga a maquina Se ele pensa que vou esperar o dia inteiro por ele, está muito enganado SAI. BLECAUTE Durante o blecaute, 6 atores se escondem em algum lugar na plateia. O PUBLICO NÃO PODE VER NEM OUVIR OS ATORES SE ESCONDENDO As luzes acendem. No palco há duas cadeiras (a mesa com a maquina continua no canto do palco), Dr Lucas e Joana estão sentados Dr Lucas: Faz muito tempo Joana JOANA: O que? Desculpa doutor, estou um pouco confusa Dr Lucas: Estou gravida e as coisas estão mudando por causa disso Dr Lucas: As coisas mudam Joana. Você mudou? JOANA: Sinto que cada parte de mim está desaparecendo, pouco a pouco Dr Lucas: Por que? Joana ri Gosta da ideia de estar desaparecendo? Joana se levanta e anda devagar JOANA: Gosto da ideia de estar sumindo. Para e olha para a máquina de costura Sinto falta... Dr Lucas: Falta de que? O que está olhando? JOANA: Não escutei mais meu filho. Estou olhando essa máquina, tenho uma idêntica em casa. Por que você tem uma máquina no seu consultório doutor? Dr Lucas: Não tem nenhuma maquina aí Joana. As maquinas significam algo pra você? Joana começa a se contorcer pelo palco, depois de um tempo ela se senta na cadeira. Atores falam da plateia ATOR 1: Ainda me lembro do barulho da máquina, me lembro de cada minuto, de cada lágrima que saia dos olhos da minha mãe. Oh pai, você gostava de como o meu corpo, e minha pele eram macios, e de como você me machucava. Disse que era um ato de amor, e eu, bom, eu pensei que seria só um dia ATOR2: E eu continuei pensando isso durante todos aqueles dias. “vai acabar, vai passar, só mais um dia” Grito ATOR3: Não foi só um dia. Pai você pensou na minha dor? Claro que pensou, você se excitava com ela, com os gritos, as lágrimas e as mordidas no meu corpo também ATOR4: Oh mamãe, eu nunca gostei de te ver chorar Dr Lucas: É por isso que você gosta das máquinas? Elas te fazem lembrar a única coisa boa que você teve na vida, sua mãe JOANA: Nunca gostei das maquinas, nunca! Nunca tive algo bom na minha vida, a maquina só me lembra de como a minha mãe chorava Dr Lucas: Você gostava de ver sua mãe chorar? Todos os atores falam juntos *Oh mamãe, eu não gostava de te ver chorar* JOANA: Éramos estrelas solitárias neste universo de contrastes. Apenas duas pessoas com sorrisos tristes, nossos dias eram uma repetição de idas e vindas da solidão. Ela era como eu, conhecia bem a vida e suas dores. Dr Lucas: Isso não a tornava especial pra você? JOANA: Talvez sim, não sei. Sabe?! Estava em mim, mas, não comigo Dr Lucas? Então por que você vê tanto essa máquina? Isso te machuca? JOANA: Tudo sempre me machuca e deixa uma cicatriz muito feia. Mas com a maquina é diferente. Dr Lucas: Por que é diferente? JOANA: Ela me lembra a única vez que fui corajosa, a única vez que consegui fazer o que era preciso fazer Dr Lucas: Você pode voltar a ser como era. Forte, corajos... JOANA: É tarde demais, para voltar, eu posso ver a escuridão, por entre as fendas Dr Lucas: O que você quer Joana? JOANA: Só quero uma hora de paz, só quero que tudo fique bem Dr Lucas: Algum dia, de alguma forma vou fazer com que tudo fique bem, mas não agora. Você sabe, é um longo percurso. Agora me conte, por que você Título 2 PÁGINA 1
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