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Futebol e Segunda Guerra Mundial

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FUTEBOL E SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 
Dínamo de Kiev e a resistência ao nazismo 
 
 
Emblema do Dínamo de Kiev, desde 
a fundação em 1927 
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), as Copas que seriam 
disputadas em 1942 e 1946 não puderam ser realizadas (a guerra acabou em 1945, 
mas em 1946 a Europa ainda estava arrasada e tentando se reconstruir). Isso não 
impediu que um dos momentos mais heróicos e ao mesmo trágicos da história do 
futebol acontecesse nesse período. 
 
A Ucrânia é um país localizado no leste europeu que teve no século 20 a nada invejável 
experiência de conhecer a opressão de dois regimes totalitários: o stalinista, da União 
Soviética, e o nazista, que então vigorava na Alemanha. 
 
Em 1922, a Ucrânia foi incorporada à União Soviética e conheceu os horrores da 
ditadura de Stalin. Em 1941, a Alemanha nazista decidiu atacar a União Soviética, 
quebrando o tratado de não-agressão assinado em 1939. 
Ocupação nazista na Ucrânia 
Assim, a Ucrânia acabou sendo ocupada pelas forças nazistas. Os ucranianos mais 
otimistas tentaram se conformar com a situação, alegando que, sob o domínio de 
Stalin, eles já viviam no inferno, e que, portanto, o domínio de Hitler não poderia ser 
pior. Estavam enganados: a maioria da população ucraniana acabou sendo 
aprisionada, escravizada e enviada para morrer em campos de concentração e de 
extermínio. 
 
Um dos principais times de futebol da Ucrânia era o Dínamo de Kiev, formado por 
funcionários de uma padaria. Durante a ocupação nazista, o time ucraniano mudou o 
nome para F.C. Start. Em 1942, para conferir uma aparência de normalidade ao país 
ocupado e conquistar apoio de parte da população ucraniana, as autoridades nazistas 
permitiram que um campeonato de futebol fosse realizado na Ucrânia. 
Alegria do povo 
Para os ucranianos, vitimados pela fome e outras dificuldades decorrentes da 
ocupação, assistir a uma partida de futebol acabou se tornando uma das poucas 
formas encontradas para se divertir e esquecer um pouco os problemas. 
 
Nesse campeonato, o Dínamo de Kiev, já rebatizado de Start, venceu todas as 
partidas. Algumas das partidas foram ganhas contra de times que eram da Ucrânia ou 
de outros territórios ocupados, não chamando a atenção dos alemães. Isso começou a 
mudar quando no dia 17 de julho, uma sexta-feira, o time ucraniano disputou uma 
partida com o PGS, o time de uma unidade militar alemã. 
 
O time alemão acabou sendo goleado pelo time ucraniano (6x0). No dia 6 de agosto 
daquele ano, o Start disputou uma partida com outro time alemão, o Flakelf, formado 
por membros da Luftwaffe, a famosa força aérea alemã. Nova vitória dos ucranianos 
por goleada: 5x1. Os alemães não quiseram acreditar. 
Vitória inesquecível 
Parecia impossível que um time formado por ucranianos, que estavam sofrendo com a 
subnutrição e eram considerados uma "sub-raça" pelos nazistas, pudessem vencer os 
alemães, que estavam muito mais bem alimentados. Inconformados com a derrota, os 
alemães marcaram uma revanche para o domingo, dia 9 de agosto. 
 
No dia da revanche, o estádio Zenit estava lotado. Os jogadores ucranianos haviam 
sido instruídos no vestiário a cumprimentar os adversários no início da partida fazendo 
a saudação nazista "Heil Hitler!". Num ato de rebeldia, os jogadores ucranianos 
fizeram outra saudação, gritando "Fizsculthura!", uma mistura das palavras fitzcultura 
("cultura física") e "hurrah", que significa "vida longa ao esporte". 
 
Apesar de o árbitro ignorar todas as faltas cometidas pelos alemães e marcar todas as 
supostamente cometidas pelos ucranianos, o Start conseguiu vencer o Flakelf na 
revanche por 5x3. Para os torcedores ucranianos presentes no estádio, aquilo foi mais 
do que um jogo de futebol, foi um ato de resistência. Os jogadores do Start se 
transformaram em heróis nacionais, o que incomodava e preocupava as autoridades 
nazistas. 
Prisão, tortura e morte 
Os jogadores ucranianos não comemoraram a vitória. Pelo contrário, passaram a 
temer represálias. Poucos dias depois, na padaria onde trabalhavam, os jogadores 
foram presos pela Gestapo. 
 
O pretexto usado para prendê-los foi o fato de que a maioria deles fazia parte da 
NKVD, a polícia secreta soviética. Na verdade, para a maioria dos jogadores do 
Dínamo de Kiev, a filiação a NKVD não passava de uma mera formalidade que os 
permitia jogar futebol antes da ocupação nazista. 
 
O que os livrava de problemas com Stalin, acarretou problemas com as forças de 
Hitler. Levados para interrogatório, os jogadores ucranianos foram torturados pela 
Gestapo. Quatro deles acabaram sendo mortos pelos nazistas; Nikolai Korotkykh, 
Nikolai Trusevich, Ivan Kuzmenko e Alexei Klimenko. Dos que sobreviveram, a maioria 
estava tão debilitada fisicamente que nunca mais puderam jogar futebol. 
 
Após o término da guerra e a derrota dos nazistas, o Start voltou a se chamar Dínamo 
de Kiev. Uma estátua foi construída em homenagem aos quatro jogadores mortos. 
Mais detalhes sobre essa emocionante história podem ser encontrados no livro 
"Futebol e Guerra", escrito pelo jornalista britânico Andy Dougan, publicado no Brasil 
pela editora Jorge Zahar. 
 
Túlio Vilela*, formado em história pela USP, é professor da rede pública do Estado de 
São Paulo e um dos autores de "Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de 
Aula" (Editora Contexto).

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