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Serviço Social & Sociedade nº 52 - ANO XVII - dezembro 1996 Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho de Ricardo Antunes, 2ª ed., São Paulo; Campinas, Cortez e Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995, 160 p. M. R. de Fátima e Silva * A abordagem do tema sob a forma de ensaio faz parte de um volume mais amplo que o autor apresentou durante o concurso de livre-docência em Sociologia do Trabalho no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, em abril de 1994. Esta obra integra também um projeto de pesquisa que o professor desenvolve com o apoio do CNPq, intitulado: “Para onde vai o mundo do trabalho?”, por intermédio do qual tenta apreender a forma de ser da classe trabalhadora na sociedade contemporânea. Em Adeus ao trabalho? o autor se insere no debate mundial acerca da globalidade desigualmente articulada, que põe em questão a centralidade do mundo do trabalho. Busca apreender não só as transformações que vêm ocorrendo na sociedade do trabalho neste final do século, mas, sobretudo, explicitar as diferentes tendências e teses, presentes em diferentes autores — como André Gorz, Claus Offe, Benjamin Cosiat, Alain Touraine, Jean Lojkine, Fergus Murray, Adam Schaff, Ernest Man dei, István Mészáros, Robert Kurz, Alain Bihr, Thomas Gounet, Frank Annunziato, David Harvey e Simon Clarke — com os quais estabelece uma crítica e fecunda interlocução, a partir da formulação de questões instigantes, tais como: • A categoria trabalho não é mais dotada de estatuto de centralidade no Universo da práxis humana existente na sociedade contemporânea? • A “classe que-vive-do-trabalho” estaria desaparecendo? • A retração do operário tradicional fabril da era do fordismo acarreta inevitavelmente a perda de referência e de relevância do ser social que trabalha? • Que repercussões essas metamorfoses tiveram e têm junto dos organismos de representação dos traba lhadores, dos quais os sindicatos são expressão? O desenvolvimento dessas e de outras questões compreende os qua tro capítulos que compõem o presente ensaio, na seguinte distribui ção: fordismo, toyotismo e acumulação flexível (1o capítulo); As me tamorfoses no mundo do trabalho (2o capítulo); Dimensões da crise contemporânea do sindicalismo; im passes e desafios (3o capítulo) e Qual é a crise da sociedade do trabalho (4o capítulo). * Doutoranda em Serviço Social - PUC- SP; professora do Depto. Ser. Social da UFPI. 161 No primeiro capítulo o autor analisa as dimensões e significados das mudanças no mundo do trabalho, e sua repercussão nas relações de trabalho e de produção, nesta era de grandes inovações tecnológicas, caracterizada pela robótica, automação e microeletrônica. Neste sentido, tenta apanhar o movimento do processo de trabalho, em que modelos como o fordismo e o taylorismo se mesclam ou são substituídos por novos modelos, como o neofordismo, neo- taylorismo, pós-fordismo e toyotis- mo, por meio dos quais se observa o privilegiamento da flexibilização tanto do aparelho produtivo quanto da organização do trabalho e dos trabalhadores, sendo o toyotismo a maior expressão deste modelo de acumulação e especialização flexível. No segundo capítulo, as metamorfoses no mundo do trabalho contemporâneo são nomeadas como uma processualidade contraditória e multiforme, caracterizada, de um lado, por um efetivo processo de intelectualidade do trabalho manual e, de outro, por uma desqualificação e mesmo subproletarização intensificadas, repercutindo no movimento dos trabalhadores e em sua consciência de classe. Os sinais dessa processualidade são evidenciados pela he- terogeneização, fragmentação e com- plexificação que caracterizam o conjunto da classe trabalhadora neste final de século. No terceiro capítulo, tentando apanhar as repercussões da reestruturação produtiva sobre a “materialidade e subjetividade do ser-que- vive-do-trabalho”, o autor localiza múltiplas tendências e direções, que apontam uma crise de grandes proporções afetando a forma de ser e de fazer sindicalismo em escala mundial. Esta crise sindical é interpretada por intermédio de cinco tendências: 1) crescente individualização das relações de trabalho (sindicato-casa, da Toyota); 2) desregulamentação e flexibilização do mercado de traba lho; 3) esgotamento dos modelos sindicais vigentes nos países avançados (advento do sindicalismo de participação); 4) crescente burocra- tização e institucionalização das entidades sindicais, distanciando-as dos movimentos sociais autônomos (sindicalismo defensivo); 5) hostilidade do capital ao trabalho (contra o sindicalismo combativo e movimentos de esquerda anticapitalistas). Frente a essas tendências, o autor desafia o movimento sindical a capacitar-se no sentido da construção de um projeto mais amplo de emancipação dos trabalhadores, que supere a ação acentuadamente defensiva e corporativa dos últimos anos. No quarto capítulo, o autor desenvolve algumas teses que se contrapõem às formulações de diversos autores presentes no debate atual, sobre a denominada crise da socie dade do trabalho. Na primeira tese, contrariamente àqueles que defendem a perda da centralidade da categoria do trabalho na contemporaneidade, Antunes afirma que no espaço de uma sociedade produtora de mercadorias, “o trabalho abstrato ainda cumpre papel decisivo na criação de valores de troca”. Na segunda tese, Antunes sublinha a persistência e a não-extinção do trabalho social concreto, enquanto atividade útil e vital, no intercâmbio entre o ser social e a natureza, contrapondo-se àqueles que, desconsiderando a dimensão essencial do trabalho concreto, como fundamento da atividade humana, atestam o fim desse nível de trabalho. Diante da vigência do sistema produtor de mercadorias em escala global, “as possibilidades de uma efetiva emancipação humana pelo trabalho” ainda colocam a “classe- que-vive-do-trabalho” como segmento social de maior potencialidade anticapitalista (terceira tese). A heterogeneização, complexi- ficação e fragmentação da “classe- que-vive-do-trabalho” não caminha no sentido de sua extinção; ao contrário, pode significar o delineamento de um processo de emancipação dos trabalhadores enquanto classe, desde que persigam o desafio de que, respeitando as diferenças e divergências entre os segmentos dos trabalhadores, possam se aglutinar enquanto classe e não enquanto corporações (quarta tese). O capitalismo contemporâneo (da experiência sueca à japonesa; da experiência alemã à norte-americana) não foi capaz de eliminar as multiplicas formas de manifestação do estranhamento do trabalho, comprometendo o processo de omnilatera- lidade humana. Isso ocorreu na medida em que se minimizou a dimensão explicitamente despótica intrínseca ao fordismo, em benefício do “envolvimento manipulatório da era do toyotismo ou modelo japonês” (quinta tese). Complementa o texto central, em forma de apêndice, uma série de reflexões do autor que pontuam elementos essenciais de discussão sobre a denominada crise da sociedade do trabalho em escala mundial, e sua repercussão tanto nos países desenvolvidos quanto nos países do Terceiro Mundo, especificando aqueles intermediários, dotados de um significativo parque industrial, como é o caso do México e do Brasil. No caso brasileiro, o autor contabiliza um saldo positivo em termos da organização, sindicalização e ação combativa dos trabalhadores, na década de 80, significando um avanço na luta pela autonomia e liberdade dos sindicatos em relação ao Estado, mesmo considerando o processo de recessão crescente que tem assolado o país nos últimos anos. 162 163 Entretanto, a repercussão no fi na! da década de 80, no Brasil, do processo de globalidade desigual mente articulada, frente ao processo retrocessivo do país, contribuiu para a desproletarização, desregulamenta- ção, flexibilização, privatização ace leradae desindustrialização, acuando o novo sindicalismo em torno de duas posturas, cristalizadas na: 1. emergência de um sindicalismo neoliberal, expressão da nova direita, sintonizado com a onda mun dial conservadora (Força Sindical) e, 2. afirmação de um sindicalis mo combativo (CUT), ainda mais incapaz de transitar de um período de resistência para um momento pos terior de elaboração de propostas econômicas alternativas, contrárias ao padrão de desenvolvimento capi talista aqui existente, que pudessem contemplar prioritariamente o amplo conjunto que compreende nossa classe trabalhadora. Esse quadro de transformações, segundo Antunes, põe como desafio central e urgente, ao sindicalismo brasileiro, procurar efetivar uma ação sindical que dê respostas às necessidades imediatas do mundo do trabalho e, ao mesmo (empo, seja capaz de preservar os elementos de uma estratégia antica pitalista e socialista. O autor aborda com propriedade questões pertinentes ao contexto atual da reestruturação produtiva, indicando possibilidades fecundas de reversão dos excessos que esse processo vem produzindo sobre o cotidiano de vida do trabalhador, em que o desemprego estrutural é uma das conseqüências mais marcantes. Tem a coragem teórica de, mesmo diante da polêmica crise dos paradigmas de análise da realidade social, reafirmar a potencialidade da classe trabalhadora na transformação e emancipação humana, no e pelo trabalho, o que o qualifica cada vez mais como teórico, que muitas significativas contribuições tem dado ao país, na sua tematização instigante sobre o mundo do trabalho, onde a experiência brasileira tem sido elemento de inspiração constante. As reflexões contidas neste ensaio exortam à reflexão e à ação, tanto a “classe-que-vive-do-trabalho”, principalmente aqueles que ocupam os quadros de representação sindical, quanto aqueles que como nós nos motivamos ao estudo e interpretação das experiências que singularizam esses novos sujeitos sociais, na sua luta em prol da emancipação humana na sociedade brasileira e mundial nas diferentes conjunturas. 164
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