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Poemas de alberto caeiro

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SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 80 • ANGLO VESTIBULARES
IDÉIAS DE UM POETA SEM IDÉIAS
Conforme a ficção poética de Fernando
Pessoa, Alberto Caeiro teria escrito três livros:
O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e
Poemas Inconjuntos. Alberto Caeiro é um poeta
bucólico de estilo modernista, isto é, embora
retome uma espécie antiga de poesia (o buco-
lismo ou pastoralismo), escreve em versos li-
vres, valoriza o prosaico, despreza a rima e ama
as coisas espontâneas e primitivas da natureza
de maneira que só o século XX poderia conce-
ber. Todavia, não se trata propriamente de um
poeta, mas de um pensador que raciocina em
versos. Há nisso um enorme paradoxo, pois
toda a filosofia de Caeiro consiste em negar o
pensamento, combater as convenções nomina-
listas da tradição e recusar as generalizações
conceituais operadas pela cultura. Embora afir-
me que os sentidos são a única fonte legítima
de conhecimento, parece ser, antes, um poeta
de negativas, sempre preocupado em contrariar
noções cristalizadas pelo senso comum. Mesmo
quando afirma, transmite a impressão de que o
faz para demonstrar uma tese contrária aos
princípios dominantes no pensamento por-
tuguês sobre conhecimento, natureza e rea-
lidade.
Visto dessa maneira, pode parecer que se
trata de um escritor árido e sem atrativo poé-
tico. Nada mais enganador. Alberto Caeiro,
mesmo quando não compreendido em todas
suas implicações, é um poeta agradável, que sabe cativar o leitor desde o primeiro até o último
verso de seus livros. Possui perícia invulgar na conquista da adesão do leitor a favor do ponto de
vista que defende. Isso se deve, sobretudo, à força de seus argumentos, sempre fundados em
imagens simples, porém inesperadas. Seu encanto decorre também da sintaxe elementar, fundada
preferencialmente na justaposição ou parataxe, sem jamais gerar impressão de banalidade. Ao
contrário, seu jeito simples de unir as palavras nas orações e estas nos períodos possui a surpresa
de coisas conhecidas e das quais o leitor já tinha se esquecido. O jogo lógico de seus textos, fun-
dado em repetições imprevistas e em paradoxos engenhosos, espanta pela coerência e pela
exatidão, o que produz o efeito de inteligência aguda e de grande capacidade dialética, no sentido
de convencer pelo argumento, e não pela autoridade do discurso.
PPOOEEMMAASS DDEE AALLBBEERRTTOO CCAAEEIIRROO
Fernando Pessoa
ANALISE DA OBRA IVAN TEIXEIRA´
Levando em conta a divisão clássica dos estilos
em humilde, médio e sublime, Caeiro enquadra-se no
estilo humilde, porque seus pensamentos, sua sintaxe
e seu vocabulário são todos extraídos da experiência
com os componentes da natureza: as flores, as pe-
dras, as árvores, os montes, o rebanho, o sol, o luar, as
borboletas, os riachos, a chuva, o calor, o frio, o céu, a
terra e o homem, entre outros. Além disso, fundamen-
ta a beleza de suas imagens na concretude e na sim-
plicidade das coisas menos pretensiosas: o vôo de
uma borboleta, o rio de sua aldeia, as brincadeiras do
menino Jesus, a bolha de sabão do brinquedo de uma
criança ou o carro de bois quebrado à beira da estra-
da. Outro motivo de sua eficiência em conquistar, de
imediato, a adesão do leitor à sua posição franca-
mente incomum consiste na permanente simulação
de um alerta contra o grande perigo conceitual que
as pessoas correm, caso não adotem sua filosofia sem
filosofia.
O POEMA 9 DE O GUARDADOR DE
REBANHOS: A FUNÇÃO DO PARADOXO 
O poema 9 de O Guardador de Rebanhos (“Sou
um guardador de rebanhos”), que, em vez de negar,
afirma, talvez seja um bom início para o conhecimento
das idéias desse poeta que recusa as idéias, mas que
as tem em larga escala. Esse texto de 14 versos sinte-
tiza quase todo seu pensamento. A voz poética come-
ça por se anunciar como um guardador de rebanhos.
Em seguida, informa que o rebanho são os seus pen-
samentos. Imediatamente, explica que seus pensa-
mentos não são senão sensações. Os três versos se-
guintes, que arrematam a primeira estrofe, ratificam a
noção de que os verdadeiros pensamentos se identifi-
cam com as sensações: pois o poeta deve pensar com
os olhos e com os ouvidos, com as mãos e com os pés,
com o nariz e com a boca. Isto é, deve pensar com os
cinco sentidos em conjunto, jamais com o cérebro.
A segunda estrofe, constituída por um dístico, en-
sina que pensar uma flor é vê-la e cheirá-la, assim
como, para entender um fruto, é preciso comê-lo. A
estrofe final, composta de seis versos, apresenta uma
conclusão lógica para a felicidade do pastor imagi-
nário, pois em vez de pensar, ele experimenta a natu-
reza. Por isso, quando o dia está quente e agradável,
deita-se na erva, fecha os olhos e sente a realidade por
todos os poros. Isso o inunda de felicidade, pois, pelos
sentidos, entra em contato direto com a própria ver-
dade, sem nenhuma mediação cultural.
O segundo verso da terceira estrofe do poema
apresenta um paradoxo fundamental para a compre-
ensão do estilo de Alberto Caeiro, pois esse poeta é a
encarnação do próprio paradoxo, conforme se verá
adiante. Nesse verso, o pastor diz que chega a ficar
triste de tanto gozar as delícias de um dia de calor. O
paradoxo, que é uma espécie de antítese que conduz
a uma conclusão absurda, possui a função de ressal-
tar a idéia de que não basta sentir a natureza apenas
por meio dos raios do sol, quer dizer, somente pela
sensação do tato. É preciso algo a mais: é necessário
pôr em funcionamento os cinco sentidos de uma só
vez. Por isso, deita na grama e funde-se com a natu-
reza, regressando à condição de animal natural. So-
mente assim consegue apreender a verdade do cos-
mos. Sendo básica no ideário de Caeiro a noção de
que, para aprender, é preciso desaprender, recorre
em diversos poemas de seus livros. Conforme se vê,
sua visão das coisas funda-se numa construção para-
doxal, pois propõe o conhecimento humano pelo re-
torno à condição animal. No poema 46 de O Guarda-
dor de Rebanhos, tratando do modo correto de sentir
e escrever, o pastor afirma que deve esquecer tudo o
que lhe ensinaram e deixar de ser Alberto Caeiro para
retornar ao estágio de animal humano que a Natureza
produziu.
Em certo sentido, os 49 poemas do livro desen-
volvem e ilustram essa idéia, isto é, a noção de que o
verdadeiro conhecimento não se dá pela inteligência,
e sim pelos sentidos. A inteligência, responsável pela
cultura, cria símbolos, mitos e mediações desnecessá-
rios ao convívio do homem com a natureza, fonte de
prazer e do verdadeiro conhecimento. Esse convívio
só se torna possível por meio da sensação espontâ-
nea, oriunda do contato imediato com as coisas.
Observe que o poema 9 inicia-se pelo verso Sou um
guardador de rebanhos, em franca oposição com o
primeiro verso do primeiro poema do livro: Eu nunca
guardei rebanhos. Isso prova que a idéia da poesia
bucólica, nesse livro, não passa de uma metáfora
sobre o conhecimento. De fato, O Guardador de Re-
banhos propõe uma teoria do conhecimento (episte-
mologia ou gnosiologia), em desfavor de uma outra.
Qual seria a teoria contra qual esses poemas se colo-
cam? Tal resposta — básica para a compreensão his-
tórica e estilística de Alberto Caeiro como persona-
gem literária — será apresentada mais adiante.
UNIDADE LÍRICO-NARRATIVA
A tênue estória implícita em O Guardador de Re-
banhos pode-se resumir nos seguintes termos. Um
pastor solitário habita o cimo de um outeiro, numa
casa que tanto pode ser isolada quanto se situar nu-
ma aldeia. Ele passa os dias a escrever versos, em
casa ou pelos caminhos do campo. Antes de os escre-
ver, convive intensamente com a paisagem, sem se
preocupar com nada, a não ser em se comunicar sen-
sorialmente com os componentes da natureza. Um
dia, da janela mais alta de sua casa, envia os versos à
humanidade. Depois, recolhe-se e alguém lhe traz o
candeeiro (poema 49). Ele o deixa aceso, deita-se e —
sem dormir nem ler ou pensar em nada — perma-nece imóvel, sentindo a vida correr por ele como um
rio corre por seu leito.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 81 • ANGLO VESTIBULARES
ADESÃO E REAÇÃO DE PESSOA AO
MISTICISMO DE TEIXEIRA DE PASCOAIS
Em 1905, aos 17 anos, Fernando Pessoa, retorna
da África do Sul para Lisboa, de onde jamais sairá,
tendo vivido no estrangeiro desde os cinco anos de
idade, por causa do segundo casamento de sua mãe
com o cônsul português em Durban. Em 1910, procla-
ma-se a República portuguesa. Teófilo Braga, escritor
de largo peso no período realista, amigo de Eça de
Queirós, Guerra Junqueiro e Antero de Quental, entre
outros, é eleito o primeiro presidente de Portugal. Di-
versos escritores e intelectuais assumem postos admi-
nistrativos na nova república, que pretende restaurar
uma certa dignidade cultural perdida no país.
Estabelece-se a crença de que Portugal precisava
de uma nova diretriz cultural, moral e filosófica, que
pudesse sustentar um sólido desenvolvimento polí-
tico e econômico. O nacionalismo foi um dos pilares
dessa diretriz. Nesse clima de euforia e esperança,
surge, em 1912, na cidade do Porto, um grupo de ar-
tistas, poetas e pensadores que se reúne em torno de
uma sociedade intelectual denominada Renascença
Portuguesa, cujo órgão de imprensa era a revista A
Águia, publicada mensalmente. O líder do grupo e da
revista era Teixeira de Pascoais, um dos poetas de
maior prestígio em Portugal na época, ao lado de
Guerra Junqueiro, também ligado à Renascença Por-
tuguesa e integrante do governo Teófilo Braga. O
próprio Antônio Sérgio, o maior ensaísta português
da primeira metade do século XX, pertenceu a essa so-
ciedade em seu primeiro ano de existência.
A Águia.
No primeiro número de A Águia, em janeiro de
1912, Teixeira de Pascoais, publica o manifesto de seu
grupo, dando ao texto uma tonalidade de filosofia mís-
tica, que agradou a muitos e desagradou a poucos, que
logo se afastaram do grupo, como foi o caso de Antô-
nio Sérgio, entre outros. Dizia o texto-programa de
Teixeira de Pascoais:
O fim desta Revista, como órgão da “Renas-
cença Portuguesa”, será, portanto, dar um senti-
do às energias intelectuais que a nossa Raça
possui; isto é, colocá-la em condições de se tor-
narem fecundas, de poderem realizar o ideal
que neste momento histórico abrasa todas as
almas sinceramente portuguesas. [...] Criar um
novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Por-
tuguesa, arrancando-a do túmulo onde a sepul-
taram alguns séculos de obscuridade física e mo-
ral, em que os corpos definharam e as almas
amorteceram. [...] Mas não imagine o leitor que
“renascença” significa simples regresso ao pas-
sado. Não! Renascer é regressar às fontes origi-
nais da vida, mas para criar uma nova vida. [...] A
Saudade e Viriato, Afonso Henriques e Camões,
desmaterializados, reduzidos a um sentimento,
postos em alma estreme. A Saudade é o próprio
sangue espiritual da Raça: o seu estigma divino,
o seu perfil eterno.1
Nascia, assim, o Saudosismo Transcendentalista,
fundado na idéia metafísica da mitificação da na-
tureza, da qual o homem é parte integrante e da qual
jamais se deve separar. Essa corrente acreditava que
cada povo possui uma alma coletiva ou uma essência,
que, uma vez evocada pelos integrantes da nação,
seria capaz de elevar esse povo a grandes conquistas
civilizacionais. No caso do povo português, essa
essência seria a Saudade, associada à idéia de que
tudo emana de Deus e tudo converge para Deus, cuja
maior manifestação não se consubstanciaria apenas
na natureza, mas também nas criações, nas lendas,
nas crenças populares e na história da pátria. É o que
se percebe, por exemplo, na última estrofe do poema
“Sombra de Deus”, do livro Sombras (1907), de Tei-
xeira de Pascoais:
Assim, o mundo, ó Deus, é tua sombra!
E tudo quanto, neste espaço, existe
É a tua estranha dor e imperfeição:
Tua parte mortal, noturna e triste
E frágil, mentirosa e transitória!
E onde estás, mais presente e verdadeiro
E mais vivo, talvez, que em tua glória,
Em teu deslumbramento e luz divina!2
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 82 • ANGLO VESTIBULARES
1 Em João Gaspar Simões. Vida e Obra de Fernando Pessoa:
História de uma Geração. Vol. I. Lisboa, Livraria Bertrand, [1951]
p. 139.
2 Obras Completas de Teixeira de Pascoais. volume III. As
Sombras. Senhora da Noite. Marânus. Introdução e aparato
crítico por Jacinto do Prado Coelho. Lisboa, Livraria Bertrand,
s/d, p. 130.
Como se vê, trata-se de uma retomada da teoria
platônica segundo a qual o mundo aparente não passa
de sombra das verdades essenciais, com a diferença
que o poema acrescenta algo tomado ao Idealismo
Romântico dos filósofos alemães (sobretudo Fichte e
os irmãos August e Friedrich Schlegel), na medida em
que as imperfeições humanas, sendo reflexo da per-
feição divina, constituem o aspecto mais interessante
de Deus ou do Eu-Absoluto. Em última análise, essa
será também a base teórica do Simbolismo místico de
Teixeira de Pascoais, que o faz dialogar com as plan-
tas, identificar-se com as estrelas, com as pedras, com
o sol, com o luar e com as névoas do infinito. A partir
disso, o poeta constrói uma poesia a que se poderia
verdadeiramente chamar metafísica, porque acredita
que cada coisa do cosmos possui um significado que
transcende sua especificidade enquanto coisa.
Teixeira de Pascoais
O conhecimento metafísico funda-se na idéia da
transcendência do significado do mundo. Seu verda-
deiro sentido estará sempre além do alcance senso-
rial do indivíduo. Tudo é símbolo de alguma coisa su-
perior, sendo por isso que, em sua poesia, as plantas
e as pedras sentem como se fossem seres humanos,
tal como se observa no poema “Elegia de Amor”, de
Vida Etérea (1906):
A flor medita 
A pedra chora e reza,
E desmaiam de mágoa
As cristalinas fontes.3
Além disso, suas imagens, sempre nebulosas e
abstratas, tendem para as generalizações alegóricas,
com o propósito de sugerir um certo mistério do
mundo, apreensível apenas aos iniciados na teoria
do Saudosismo Panteísta. 
Como se viu, a própria história dos povos inte-
graria o projeto da glória divina. Por isso, Teixeira
de Pascoais, embora essencialmente lírico e abs-
trato, procurava atribuir uma função filosófico-social
às suas idéias e a seus poemas. Sua doutrina costuma
também ser designada pela expressão Transcen-
dentalismo Panteísta. Seguido, em parte, pelo último
Guerra Junqueiro, Teixeira de Pascoais é, sem dúvida,
o grande representante dessa corrente do Simbo-
lismo em Portugal, tendo influenciado toda a poesia
do país em seu tempo, com ecos até mesmo na gera-
ção de Orpheu, que criaria o Modernismo em Portu-
gal, a partir de 1915.
O livro mais típico do misticismo poético de Pas-
coais é Marânus (1911). Trata-se de um poema alegó-
rico, dividido em 19 unidades mais ou menos autôno-
mas, em que o pastor que dá título ao volume anda à
procura do sentido último das coisas (o sentido trans-
cendente ou metafísico: a essência), em constantes
diálogos com entidades abstratas que representam
conceitos ou noções importantes ao Saudosismo pro-
posto como medida regeneradora da “alma por-
tuguesa”, tais como Eleonor, a Primavera, a Mon-
tanha, o Outono, Apolo (o Sol), a Paisagem e Jesus,
entre outros. No final, Eleonor, pastora de rara e su-
prema beleza, com quem Marânus se liga amoro-
samente, identifica-se com a Saudade, cuja presença,
depois de unificar conceitualmente o texto, ressurge
no final, nos seguintes termos:
[...] E em companhia
De aquele ser, anímico e perfeito,
Inefável, extática, vivia...
Vivia, de encantada, e viverá!
Pois tudo, tudo há de passar, enfim,
O homem, o próprio mundo passará,
Mas a Saudade é irmã da Eternidade.
Fernando Pessoa, então com 24 anos, tendo po-
dido se tornar cidadão britânico, preferiu alinhar-se
ao projeto de Teixeira de Pascoais. Por isso, escreveu
uma série de ensaioscríticos, apoiando a idéia geral
do movimento e elogiando a poesia decorrente dele.
Dois desses ensaios causaram grande impacto entre
os intelectuais portugueses, tanto pelo exagero das
idéias quanto pelo poder lógico de argumentação,
verdadeiramente espantoso. Tais ensaios eram “A
Nova Poesia Portuguesa Sociologicamente Conside-
rada” (o primeiro texto publicado em toda a vida do
autor, abril de 1912) e “A Nova Poesia Portuguesa no
seu Aspecto Psicológico”. Em ambos os escritos,
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 83 • ANGLO VESTIBULARES
3 Obras de Teixeira de Pascoais. Prefácio de A. Fernandes da
Fonseca. Vol. XVII. Para a Luz. Vida Etérea. Elegias. O Doido e a
Morte. Lisboa, Assírio & Alvim, 1998, p. 148.
Fernando Pessoa demonstra amplo conhecimento de
literatura internacional, sobretudo a inglesa e a fran-
cesa, ao lado de invulgar capacidade de racicionar em
termos lógicos e apologéticos.
A adesão ao ideário do nacionalismo místico da
Renascença Portuguesa foi tão imaginária e enge-
nhosa como tudo em que Fernando Pessoa acredi-
tou. Na continuação do primeiro dos ensaios men-
cionados, intitulado “Reincidindo”, o grande simula-
dor chegou ao extremo de escrever o seguinte, sobre
dois poetas daquele prestigioso grupo:
Tomemos isto, de Teixeira de Pascoais,
A folha que tombava
Era a alma que subia,
e isto, de Jaime Cortesão:
E mal o luar os molha,
Os choupos, na noite calma,
Já não têm ramos nem folha,
São apenas choupos de Alma.
Em nenhuma literatura do mundo atingiu
nenhum poeta maior elevação que estas ex-
pressões, e especialmente a extraordinária pri-
meira, contêm. E elas são representativas. Ci-
tamo-las não só para comprovação da eleva-
ção, como também para indicação da origina-
lidade do tom poético da nova poesia portu-
guesa.4
Em seguida, no mesmo artigo, Fernando Pes-
soa, partindo do argumento de que o momento his-
tórico lusitano, fecundado pelos integrantes da Re-
nascença Portuguesa, afirma que o país se prepara-
va para:
[...] um ressurgimento assombroso, um pe-
ríodo de criação literária e social como poucos
o mundo tem tido. [...] Paralelamente se con-
clui o breve aparecimento na nossa terra do tal
supra-Camões. Supra-Camões? A frase é humil-
de e acanhada. A analogia impõe mais. Diga-se
‘de um Shakespeare’ e dê-se por testemunha o
raciocínio, já que não é citável o futuro.5
Essa idéia é retomada e intensificada no ensaio
seguinte, “A Nova Poesia Portuguesa no seu Aspecto
Psicológico”, em cujas conclusões se encontram
afirmações determinadas pelo jogo do raciocínio in-
terno do texto, mas em completa dissonância com a
realidade histórica de Portugal e da Europa, o que é
facilmente demonstrável pela leitura do seguinte
trecho:
Deve estar para muito breve, portanto, o
aparecimento do poema supremo da nossa
raça, e, ousando tirar a verdadeira conclusão
que se nos impõe, pelos argumentos que já o
leitor viu, o poeta supremo da Europa, de todos
os tempos. É um arrojo dizer isto? Mas o ra-
ciocínio assim o quer. 
Como se percebe, mesmo fazendo ensaio, Fer-
nando Pessoa não abandonava a lógica da criação
literária, isto é, a coerência imaginosa dos argumen-
tos, que obedeciam antes à lógica intrínseca das
premissas do próprio texto do que a qualquer com-
promisso objetivo com a história ou com a dinâmica
dos acontecimentos extratextuais. 
Depois de muitas críticas recebidas e de diver-
sos desacordos com os integrantes da Renascença
Portuguesa, em dezembro de 1914, Fernando Pes-
soa rompe definitivamente com essa sociedade lite-
rária. Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Cam-
pos já estavam criados e estrategicamente “se-
pultados” num secreto baú em que o poeta costuma-
va depositar seus inéditos. Mário de Sá-Carneiro,
seu melhor amigo, retornara de Paris. Haviam se es-
treitado as relações com Almada Negreiros, pintor
de quem Pessoa fizera questão de publicar traba-
lhos em A Águia. Enfim, o grupo de Orpheu e sua
poética já estavam plenamente formados. Em abril
do ano seguinte, sairia o primeiro número da nova re-
vista, em consonância com o Futurismo e com o
Cubismo europeus, e em franca oposição ao Simbo-
lismo saudosista, metafísico, transcendental, pan-
teísta e nebuloso da Renascença Portuguesa.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 84 • ANGLO VESTIBULARES
5 Idem, p. 57.
4 Fernando Pessoa. A Nova Poesia Portuguesa. Prefácio de Álvaro
Ribeiro. Cadernos Culturais. Lisboa, Editorial Inquérito, s/d., 51.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 85 • ANGLO VESTIBULARES
Caeiro, Reis e Campos,
imaginados por
Almada Negreiros.
ORIGEM FICCIONAL DE
ALBERTO CAEIRO
Não contente em compor seus imaginosos poe-
mas, Fernando Pessoa dedicou-se também à inven-
ção de poetas que seriam os supostos autores de seus
textos e, ainda, compôs estórias para justificar e ex-
plicar o surgimento de cada um de seus poetas e de
alguns poemas em particular. Assim, ao longo da
vida, foi criando um discurso mítico e engenhoso
sobre cada heterônimo, cercando a própria existência
de mistério e de ares de superioridade genial. Em
certo sentido, Fernando Pessoa tomou a si mesmo
como personagem principal de sua arte, dividindo-se
em diversas outras personagens literárias. Parece ter
feito um pacto de vida e morte com a arte.
Em sua breve existência de quarenta e sete anos
praticamente não fez outra coisa senão cuidar da
construção de um perfil literário de si mesmo, preen-
chido por poemas, por contos, por traduções, por no-
tas de teoria e de crítica literária, por fragmentos enig-
máticos sobre a própria personalidade, por páginas
de diário íntimo e de auto-interpretação e por gestos
inusitados para a média das pessoas. Em tudo quanto
escreveu, aplicou sempre a imaginação e a lógica ar-
gumentativa, sem jamais recorrer ao sentimentalismo.
Nunca se preocupou com a verdade, que para ele não
passava de uma espécie de mito inacessível aos ho-
mens de inteligência e cultura. Em vez disso, mante-
ve-se fiel à verossimilhança e à coerência interna dos
argumentos, das estórias e das explicações para a
criação dos heterônimos e dos poemas a eles atri-
buídos. 
Segundo o discurso biográfico organizado pelo
próprio poeta, o heterônimo Alberto Caeiro teria sur-
gido no dia 8 de março de 1914. Querendo escrever
uma série de poemas jocosos ao amigo Mário de Sá-
Carneiro, então residente em Paris, Fernando Pessoa
teria se colocado em pé, diante de uma cômoda alta, e
ali, de um só jato, teria composto mais de trinta dos
49 poemas que compõem O Guardador de Rebanhos,
o livro mais importante atribuído a Alberto Caeiro.
Percebendo que o estilo do novo texto era diferente
dos poemas que vinha escrevendo com o próprio no-
me, Fernando Pessoa julgou que deveria pensar em
outro autor e, assim, concebeu Alberto Caeiro, a
quem imaginou uma biografia, um corpo e um tem-
peramento, como se fosse uma personagem de ro-
mance ou de teatro.
Essa estória foi concebida por Fernando Pessoa,
21 anos depois da invenção de Alberto Caeiro, em
carta ao jovem crítico Adolfo Casais Monteiro, da
geração seguinte à sua. Adolfo Casais Monteiro vinha
se preparando para organizar e editar a numerosa
obra inédita do misterioso poeta e amigo. Escrita em
Lisboa, a carta é datada de 13 de janeiro de 1935.
Assim como Casais Monteiro, João Gaspar Simões,
entre outros, andava preocupado em recompor os
passos da vida e da obra do grande escritor da ge-
ração anterior, interessados ambos em trazer o gran-
de nome do Modernismo português para o núcleo de
um novo grupo literário que então se formava e que
seria conhecido como o da Geração da Revista Pre-
sença, cuja maior contribuição foi, com efeito, orga-
nizar, oferecer certa unidade e divulgar a poesia de
Fernando Pessoa, praticamente inédita até 1935, ano
de sua morte. De fato, além de editar diversos textos
do poeta na Revista Presença, Adolfo Casais Monteiro
produziu ensaios importantes sobre suapoesia. Gas-
par Simões escreveu a melhor biografia que se co-
nhece do criador de Alberto Caerio: Vida e Obra de
Fernando Pessoa: História de uma Geração, publicada
no início dos anos 1950. 
Na referida carta sobre a gênese dos heterônimos,
Pessoa dá razões de caráter psiquiátrico para a cria-
ção de suas personagens, considerando-se um histé-
rico-neurastênico, com inclinação para a despersona-
lização e para a simulação. Segundo ele, desde crian-
ça inventava amigos, com quem conversar ou trocar
correspondência. Depois, detém-se em aspectos esti-
lísticos e na estória da criação de seus poetas. Leia-se
o trecho específico daquela carta em que inventa o
surgimento de Alberto Caeiro:
Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser
grande), veio-me à idéia escrever uns poemas
de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso
irregular (não no estilo Álvaro de Campos), mas
num estilo de meia regularidade, e abandonei
o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penum-
bra mal urdida, um vago retrato da pessoa que
estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que
eu soubesse o Ricardo Reis).
Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-
me um dia de fazer uma partida ao Sá-Car-
neiro — de inventar um poeta bucólico, de es-
pécie complicada, apresentar-lho, já me não
lembro como, em qualquer espécie de reali-
dade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas
nada consegui. Num dia em que finalmente
desistira — foi em 8 de Março de 1914 —acer-
quei-me de uma cômoda alta, e, tomando um
papel, comecei a escrever, de pé, como escre-
vo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos
poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja na-
tureza não conseguirei definir. Foi o dia triun-
fal da minha vida, e nunca poderei ter outro
assim. Abri com um título, O Guardador de Re-
banhos. E o que se seguiu foi o aparecimento
de alguém em mim, a quem dei desde logo o
nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absur-
do da frase: aparecera em mim o meu mestre.
Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto
assim que, escritos que foram esses trinta e
tantos poemas, imediatamente peguei noutro
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 86 • ANGLO VESTIBULARES
papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas
que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando
Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o re-
gresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a
Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a rea-
ção de Fernando Pessoa contra a sua inexis-
tência como Alberto Caeiro.6
Pela perspectiva da teoria literária atual, essa car-
ta não deve ser tomada como documento do pro-
cesso criativo de Fernando Pessoa, mas sim como
mais uma das diversas manifestações de seu processo
criativo. Isto é, não se trata de uma explicação pro-
priamente dita, mas de uma peça artística, de um tre-
cho ficcional em que o poeta adota o estilo documen-
tal como forma de criação. Existem inúmeros textos
dessa natureza na obra de Fernando Pessoa, geral-
mente tomados como “documentos verdadeiros”
pelos estudiosos tradicionais para interpretar a arte e
a personalidade do poeta. Esse não parece mais um
caminho adequado para a leitura de textos dessa es-
pécie. Trata-se, antes, de mais uma simulação artís-
tica, espécie genial de paródia do texto de auto-aná-
lise, em que o poeta põe em cena seu intenso e contí-
nuo interesse em levar a arte de imaginar às últimas
conseqüências. Conforme se disse antes, Fernando
Pessoa não se interessava pela verdade, mas pela
verossimilhança e pela lógica interna dos textos.
Apontamentos sobre o nascimento de A. Caeiro.
Se bem lida, essa carta não passa de uma peque-
na estória para justificar a invenção de uma perso-
nagem artística, que afinal jamais existiu senão como
um ser imaginário, da mesma espécie de Capitu ou
de Diadorim, criados por Machado de Assis e Gui-
marães Rosa, respectivamente. Esses artistas não se
explicaram como histéricos ou neurastênicos apenas
por terem inventado figuras opostas à sua condição
real. A diferença básica entre eles consiste em que,
sendo pouco sistemático, Fernando Pessoa não con-
cluiu o livro de poemas em que unificaria as persona-
gens que inventou. Por outro lado, não é comum os
poetas inventarem estilos e personalidades tão dis-
tintos entre si, embora jamais se possa ver identidade
entre a personagem lírica de Camões, o enunciador
épico de Os Lusíadas e as personagens de seus autos.
Conforme a mesma linha de raciocínio, a personali-
dade artística que escreveu Alguma Poesia não é a
mesma que escreveu, digamos, a Rosa do Povo ou o
Claro Enigma. Sem fazer do processo de despersona-
lização o centro de sua obra, Drummond também pro-
duziu diversas vozes poéticas distintas. Isso quer dizer
que, em arte, fingir é sinônimo de imaginar. Todavia,
o caso de Pessoa, além de mais concentrado, integra
um projeto artístico mais coeso de dispersão, mas não
é algo essencialmente diferente da criação artística dos
grandes nomes da literatura, sobretudo se se consi-
derar sua vocação para a poesia dramática, tal como
se percebe, por exemplo, em Shakespeare, que se di-
vidiu ao mesmo tempo numa infinidade de seres dis-
tintos entre si e diferentes dele mesmo.
UM POETA DA NATUREZA
CONTRA A NATUREZA
Afirmou-se, acima, que Alberto Caeiro é poeta
paradoxal. Um dos principais paradoxos — e tam-
bém dos mais interessantes — de sua condição poé-
tica decorre do fato de ele, mesmo negando a cul-
tura e seus signos, escrever versos, refletir sobre
eles nos poemas, preocupar-se em os publicar e aca-
bar editando boa parte deles, ainda que apenas em
revistas. Na quinta estrofe do primeiro poema de O
Guardador de Rebanhos, tentando neutralizar os as-
pectos culturais da poesia, afirma Caeiro:
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É minha maneira de estar sozinho.7
Como tudo quanto Pessoa escreveu, prevalece
aqui uma sutil argumentação em favor da tese ado-
tada. De fato, o argumento de que não ele não é
poeta, e sim autor de versos, harmoniza-se com a tese
do antinominalismo de Caeiro. Enfim, a idéia desses
três versos é muito compatível com um pastor que
considera a cultura e seus símbolos um embaraço
para a real compreensão das coisas, que só ganha-
riam sentido quando conhecidas em sua singulari-
dade empírico-sensorial. Como se sabe esse é o tema
central de seu livro. Todos os demais funcionam co-
mo variantes desse motivo ou como argumentos de
apoio. No conjunto, os poemas de O Guardador de
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 87 • ANGLO VESTIBULARES
6 Em Fernando Pessoa. Páginas de Doutrina Estética. Seleção,
prefácio e notas de Jorge de Sena. Lisboa, Editorial Inquérito,
[1946], pp. 263-264.
7 Em Poemas de Alberto Caeiro. Nota explicativa e organização
de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor. Lisboa, Edições
Ática, 1946, p. 20.
Rebanhos apresentam-se como justaposição de dife-
rentes prismas da mesma questão. Daí, sua grande
unidade, não só de pensamento, mas, sobretudo,
como livro de poesia lírica, pois os poemas podem ser
encarados como falas reflexivas em diferentes mo-
mentos da vida de um homem simples e solitário que
vive numa casinha modesta, retirado no topo de um
outeiro no interior de Portugal.
Caeiro é tão radical na defesa da idéia central de
seu livro, que chega a recusar a atribuição de nomes
aos componentes da natureza.
No poema 45 de O Guardador de Rebanhos (“Um
renque de árvores lá longe, lá para a encosta.”),
combate a nomeação das coisas, afirmando que não
existe “renque de arvores”, há apenas árvores. Com
isso, pretende dizer que a idéia de floresta é uma abs-
tração inventada pela cultura, e não um componente
sensível do real. O que existe são árvores, jamais
floresta. 
No poema 27 do livro (“Só a Natureza é divina, e
ela não é divina...”), desenvolve o mesmo argumento
a propósito do vocábulo natureza. Se adota o termo
em seus poemas, é porque precisa se comunicar com
os homens que dão nome e personalidade às coisas.Todavia, argumenta que, em vez de se referir à natu-
reza, as pessoas sensatas deveriam se referir ao céu, à
terra e ao sol. Se procedessem assim, conheceriam,
de fato, o que é a natureza; não sentiriam necessidade
de nomeá-la.
O poema 31 de O Guardador de Rebanhos (“Se às
vezes digo que as flores sorriem”) deve ser entendido
como uma variante mais radical e explícita do pro-
blema do nominalismo. Aí, Caeiro penitencia-se por
dizer em seus versos que “as flores sorriem” e que “os
rios cantam”. Depois, justifica-se dizendo que pratica
essa espécie inaceitável de metáfora, porque possui a
função de ensinar aos “homens falsos” a verdadeira
linguagem da natureza, que, aliás, não possui nenhu-
ma linguagem.8
O poema 47 (“Num dia excessivamente nítido”), o
antepenúltimo do livro, Caeiro é mais contundente na
defesa daquele princípio. Aí, afirma que, por força da
claridade de um dia especial, concluiu, sem nenhuma
intenção filosófica ou desejo reflexivo, que o vocábulo
natureza é inaceitável para designar a pluralidade da
partes que a compõe: montes, vales, planícies, árvo-
res, flores, ervas, rios e pedras. Por isso, reitera a no-
ção de que natureza não existe, pois ela “é partes sem
um todo”. Ainda uma vez, Caeiro coloca sua poesia a
serviço da polêmica contra o misticismo totalizante da
Renascença Portuguesa, em particular de certos poe-
mas de Teixeira de Pascoais, que, alguns anos antes,
Fernando Pessoa exaltara como uma das maiores
expressões poéticas do mundo.
Enfim, Caeiro depara-se inúmeras vezes com o
paradoxo de negar a cultura, sem poder abandoná-la
para se comunicar com os homens. Em certo sentido,
poder-se-ia exigir dele que se limitasse a falar aos ho-
mens sobre o modo correto de perceber e conviver
com a realidade. Por outro lado, poderia apenas pen-
sar em vez de escrever. Mas se procedesse assim, não
seria poeta. Mais ainda, não poderia participar do de-
bate poético com a recente tradição instaurada pelo
simbolismo místico da Renascença Portuguesa. E a
função básica de um poeta é fazer versos, ainda que
diga o contrário. Logo, a negação da linguagem em
Caeiro não é uma convicção, e sim um tema literário,
que pode ser traduzido como a tópica do constante
questionamento da linguagem. Em outros termos,
trata-se da retomada do sentido básico de O Guar-
dador de Rebanhos: a problematização da noção de
cultura, de natureza, de conhecimento e de felicidade.
O PARADOXO DA POESIA
Já no primeiro poema de O Guardador de Reba-
nhos (“Eu nunca guardei rebanhos”), Caeiro introduz
o tema da poesia, de sua veiculação e de sua função
social. Em rigor, esse poema merece especial aten-
ção, porque nele se condensam as principais tópicas
do livro, sendo que uma delas é a da condição para-
doxal de um pastor que nega o valor das palavras —
um símbolo cultural —, mas escreve três livros de
poemas. Para dar mais densidade à sua reflexão
sobre as relações da cultura com a natureza, explica
que, quando senta para escrever seus versos, ou os
faz andando pelos caminhos e atalhos do campo, ele
os escreve num papel que traz no seu pensamento. A
última estrofe do poema é inteiramente dedicada ao
desenho do perfil do leitor ideal, que deverá ser um
homem simples, mas dado ao hábito das letras, a
ponto de ter em casa uma cadeira predileta ao lado
de uma janela destinada às horas de lazer despreo-
cupado, à qual deve se recolher para a leitura dos
textos. Mas tal leitor não interpretará o livro como
manifestação nobilitante da cultura, como fazem os
homens vulgares. Ao contrário, deveria entendê-lo
como se fosse algo tão natural como uma árvore. Da
mesma forma, o ato da leitura seria praticado como
gesto inocente e espontâneo, confundindo-se com
um movimento distraído de qualquer dia. Esse final é
plenamente compatível com os antecedentes do poe-
ma, em que se sintetizam, como se anunciou acima,
as grandes linhas temáticas do livro: a negação do
pensamento, associado à tristeza existencial do indi-
víduo; a eleição do conhecimento sensorial, fonte de
alegria e plenitude.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 88 • ANGLO VESTIBULARES
8 Como intérprete da natureza aos homens estúpidos, considera-
se “uma coisa séria”. Na edição da Companhia das Letras, que
fornece uma nova leitura dos manuscritos, a expressão entre
aspas surge da seguinte maneira: “essa coisa odiosa”. Essa
segunda lição faz mais sentido, no conjunto do poema. Afinal, a
significação geral do texto é que Caeiro interpreta a natureza
aos homens falsos sem concordar com isso. Em última análise,
o tema do poema é a inevitabilidade da linguagem, mesmo para
um homem como Caeiro.
O poema 48, o penúltimo de O Guardador de Re-
banhos (“Da mais alta janela da minha casa”), retoma
o primeiro poema do livro, pois redimensiona a tó-
pica da relação dos poemas com o leitor, da natureza
com a cultura e da alegria com a tristeza. Nele, Caeiro
despede-se de seus versos, dizendo que os envia à
humanidade, porque uma flor, uma árvore e um rio
também se dispersam no cosmos em cumprimento
de sua função existencial. Assim, os poemas não
podem deixar de ser lidos. Deixar de publicá-los seria
como admitir que uma flor ocultasse seu perfume;
que uma árvore se negasse a frutificar ou um rio re-
cusasse a correr para o mar. Conclui-se daí que a fun-
ção da poesia em Caeiro é dispersar-se pelo universo,
visto que não se considera um ser cultural, e sim um
integrante da natureza, sendo por isso que sua poesia
recusa todas as pretensões místicas e filosóficas do
grupo da Renascença Portuguesa. Por serem pura
matéria, os seus versos imitam o contínuo movimento
físico das coisas: transformam-se e permanecem,
como o próprio Universo. Em um dos Poemas Incon-
juntos, Caeiro demonstra preocupação em editar seus
versos, mesmo que isso venha a ocorrer depois de
sua morte:
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos
em letra impressa [...]9
Há diversos outros poemas em O Guardador de
Rebanhos, que abordam especificamente o tema da
poesia e da linguagem (poemas metalingüísticos,
conforme a terminologia tradicional). O conjunto
deles funciona como sistematização de uma poética
conscientemente assumida a favor da objetividade
pagã de Caeiro e contra a poesia do nacionalismo
místico de Teixeira de Pascoais. Além dos poemas co-
mentados acima (o primeiro, o trigésimo primeiro e o
antepenúltimo), devem-se destacar os seguintes:
• O poema 3 (“Ao entardecer, debruçado pela
janela”) é uma homenagem ao poeta do perío-
do realista Cesário Verde (1855-1886), que in-
troduziu um novo olhar estético na poesia por-
tuguesa, principalmente por seu estilo con-
creto e objetivo. Trata-se de um dos modelos
de Alberto Caeiro. Embora Cesário Verde fosse
um poeta principalmente urbano, Caeiro iden-
tifica-se com ele, porque julga que “andava
pela cidade como quem anda no campo”, isto
é, olhava para tudo como se cada coisa tivesse
uma individualidade inconfundível. A singu-
laridade de seu olhar contrastava com as limi-
tações culturais da cidade: por isso Caeiro
afirma que Cesário Verde “andava preso em
liberdade pela cidade”. O poema pode ser
interpretado como uma poética do novo olhar,
pois o poeta homenageado encontra-se no
limiar de um novo estilo.
• O poema 14 (“não me importo com as rimas.
Raras vezes”) funciona como um manifesto li-
terário contra o uso de rimas em poesia, por-
que raramente existem duas árvores regu-
lares. Em vez de fazer poesia rimada, Caeiro
procura imitar a espontaneidade da água e
do vento, que seguem o rumo imposto pelas
condições casuais do terreno ou do clima.
• O poema 28 (“Li hoje quase duas páginas”)
alude quase diretamente a Teixeira de Pas-
coais, dizendo que os poetas místicos são “ho-
mens doentes”, pois eles dizem que a pedras,
os rios e a flores possuem sentimentos hu-
manos. Caeiro, ao contrário, contenta-se em
respeitar as dimensões objetivasdos com-
ponentes daquilo que os “filósofos doentes”
chamam de natureza, negando-lhe qualquer
interioridade ou sentido oculto. Por isso, sen-
te-se contente e se satisfaz com a prosa de seus
versos. Ao associar poesia e prosa, o poeta
incorpora o prosaísmo da poesia moderna,
fator decisivo em sua relação com o grupo da
revista Orpheu e com os demais heterôni-
mos, que o tomavam como mestre.
• O poema 29 (“Nem sempre sou igual no que
digo e escrevo”) desenvolve a tópica clássica
segundo a qual o encanto da poesia consiste
na manutenção da unidade na diversidade.
Ao dizer que nem sempre seus poemas são
iguais, Caeiro defende-se com a idéia de que
as flores também assumem aspectos dife-
rentes conforme a variação da luz. Assim,
mesmo quando o poeta parece discordar de
si mesmo, mantém a unidade, pois sua diver-
sidade é aparente e não essencial. A unidade
intrínseca de suas poesias decorre da simpli-
cidade de seu ser, que imita a constituição do
céu e da terra.
• O poema 36 (“E há poetas que são artistas”)
contém um manifesto a favor da poesia es-
pontânea, escrita sob o impulso de uma ins-
piração intelectual que garante ao texto coe-
rência de estilo e de pensamento, tal como se
observa no próprio Guardador de Rebanhos,
que Caeiro, a dar crédito na estória que Fer-
nando Pessoa compôs para explicar a gênese
desse heterônimo, teria sido escrito pratica-
mente de uma só vez. O texto desenvolve uma
espécie de metáfora floral, pois preconiza um
poeta que escreve sem ter consciência de que
o faz, manifestando-se como uma entidade
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 89 • ANGLO VESTIBULARES
9 Em Poemas de Alberto Caeiro. Edição citada, p. 83.
da natureza. No início do poema, lamenta
que haja poetas que escrevem como se fossem
carpinteiros, cujo trabalho depende de medida
e de consciência artesanal. A esses poetas,
Caeiro aplica o epíteto pejorativo de artistas,
porque, em vez de escrever com espontanei-
dade, compõem com razão e consciência. O
poema 36 funciona, ainda, como uma poética
contra a poesia construtivista, tal como a con-
cebe João Cabral de Melo Neto, por exemplo.
• O poema 46 (“Deste modo ou daquele modo”)
apresenta uma idéia nova relativamente aos
demais poemas desta série: a noção de que
para escrever de modo simples é preciso de-
saprender, isto é, é necessário esquecer os
velhos ensinamentos, que vestem a alma de
falsas noções.10 Surge também a consciência
de que a espontaneidade absoluta é impos-
sível, mas nem por isso o poeta deve deixar de
procurá-la, como um cego que vai caindo e se
levantando ao caminhar. Sabe o que deve sen-
tir e escrever, mas nem sempre escreve o que
sente. Além disso, este poema contém a céle-
bre imagem de que Caeiro pretende deixar de
ser ele mesmo para retornar à condição de “um
animal humano que a natureza produziu”. O fi-
nal do poema é glorioso, porque termina com
alegoria colorida de que nenhum verso vale a
contemplação do nascer do sol. Por isso, Caeiro
julga trazer ao Universo um novo Universo: o
Universo-ele-próprio, isto é, uma poesia que
procura falar dele em seus próprios termos.
POEMAS ANTOLÓGICOS
Contrariando o conceito clássico de antologia,
esta não visa a relacionar os melhores poemas de O
Guardador de Rebanhos. Procura apenas relacionar
e comentar brevemente os poemas mais consagrados
pela tradição, que eventualmente são dos melhores
do volume:
• Poema 2 (“O meu olhar é nítido como um gi-
rassol”): funda-se na imagem de que o poeta
deve possuir o espanto que tem uma criança
ao ver as coisas pela primeira vez, isto é, deve
se encantar com o mundo, sem se preocupar
com sua compreensão. O poeta não deve pos-
suir filosofia, mas sim sentidos. Deve amar a
natureza, sem se preocupar com a razão desse
amor. O poema incorpora de forma muito
particular a vertente do Primitivismo moder-
nista, criado pelo Cubismo de Picasso e muito
bem aclimatada na primeira fase do Moder-
nismo brasileiro, como deixam ver as obras de
Oswald de Andrade, de Mário de Andrade, de
Manuel Bandeira e de Raul Bopp. Como se
sabe, o segundo livro de poemas de Oswald
chama-se o Primeiro Caderno de Poesias do
Aluno Oswald de Andrade. Tal como no segun-
do poema de O Guardador de Rebanhos, o Pri-
mitivismo internacional valoriza a espontanei-
dade e o frescor das imagens do inconsciente
coletivo, tal como se percebe, em perspectiva
diferente, em Macunaíma e em Cobra Norato.
Em “Evocação do Recife”, Manuel Bandeira
não quer saber da parte histórica ou turística
de sua cidade, mas dos aspectos ligados à par-
ticularidade de sua infância. No final do segun-
do poema, Alberto Caeiro afirma que “amar é
a eterna inocência e que a única inocência é
não pensar”. Esse final remete ao começo, que
apresenta imagens da inocência associadas ao
olhar infantil. De modo geral, não só este poe-
ma, mas todo O Guardador de Rebanhos é uma
singularíssima versão da vertente primitivista
do Modernismo europeu.
• O poema 5 (“Há metafísica bastante em não
pensar em nada”) é um dos mais importantes
de O Guardador de Rebanhos. E também um
dos mais extensos. Associa-se diretamente aos
versos de Teixeira de Pascoais e de Jaime Cor-
tesão, citados acima. Como se viu, esses auto-
res atribuem alma às árvores, isto é, interpre-
tam a natureza como manifestação da grande-
za de Deus. Acreditam que cada ser possui
mistérios e sentidos profundos, muito além da
compreensão do homem: é a isso que se cha-
ma “visão metafísica do mundo”, cujo sentido
verdadeiro está sempre um pouco mais além
do que o homem pode alcançar. O quinto poe-
ma de O Guardador de Rebanhos, sintetizando
o pensamento antimetafísico do livro, começa
por atribuir densidade semântica à negação do
pensamento enquanto atividade nobilitante do
espírito. Ao afirmar que “Há metafísica bastan-
te em não pensar em nada”, o poeta pretende
dizer que o intelecto não é a única forma de
conhecimento, e que o sentido do mundo não
precisa ser necessariamente profundo ou mis-
terioso. Consiste nisso o sensorialismo mate-
rialista e ateu de Alberto Caeiro. Se Deus fosse
acessível pelos sentidos, o poeta acreditaria
nele. Mas como Deus não passa de um con-
ceito cultural — e, portanto, invisível, inodoro,
inaudível, intangível e insosso — nem sequer é
considerado como parte da realidade. Os poe-
mas 6 (“Pensar em Deus é desobedecer a
Deus”) e 39 (“O mistério das coisas, onde está
ele?”) podem ser interpretados como variantes
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 90 • ANGLO VESTIBULARES
10 A certa altura, a voz poética diz que sente o peso do fato que lhe
impuseram. Como se sabe, fato quer dizer roupa, no sentido de
que a educação tradicional veste a alma de falsas noções, das
quais o poeta novo tem de se libertar.
da mesma tópica: isto é, negam o conhecimen-
to metafísico da realidade (“o sentido último
das coisas”). Em seu lugar, propõe o experimen-
talismo sensorial e materialista como forma
mais franca e mais direta de conhecimento.
• O poema 8 (“Num meio-dia de fim de primave-
ra”) talvez seja o mais escandaloso de todos es-
critos por Alberto Caeiro. Pensou em publicá-
lo na revista Athena, mas desistiu em respeito
ao fato de Ruy Vaz, seu sócio, ser católico. Tra-
ta-se de uma alegoria, segundo a qual, Jesus,
cansado da monotonia do céu, fugiu para a
terra em forma de criança humana. Hospeda-
do no casebre de Alberto Caeiro, dizia que
Deus era um velho estúpido e mal educado:
dizia indecência e escarrava no chão. Fora ge-
rado sem amor, pois seus pais se uniram por
vontade alheia. 
Revista Presença, em que foi publicado o poema 8.
Agora, integrado à humanidade tornou-se uma
criança alegre e espontânea. Praticava toda
sorte de arte própria de sua idade, tendo a ino-
cência e o amor como guia. A visão primitiva e
sensorial que Jesus possui da natureza harmo-
niza-se com a de Alberto Caeiro, que aprende
uma infinidade de coisas simples com esse
Deus tornado homem.A ingenuidade da crian-
ça confunde-se com a vida do poeta, que o to-
ma como o verdadeiro menino Jesus, por opo-
sição ao da tradição, cuja origem e constituição
se caracterizam pelo mistério e pela incom-
preensão aos homens despretensiosos.
• O poema 10 (“Olá, guardador de rebanhos”)
apresenta-se sob a forma de breve diálogo
entre um transeunte e o pastor. O transeunte
pergunta-lhe o que lhe diz o vento. Ele explica
que o vento apenas se manifesta: passa agora,
como passou antes e passará depois. O outro
retruca que o vento lhe falava de memórias, de
saudades e de coisas que nunca existiram. Irri-
tado, o pastor corrige o interlocutor, afirman-
do-lhe que ele atribuía ao vento um sentido
transcendente, totalmente incompatível com a
verdade imanente do fenômeno. O que ouviu
do vento era mentira resultante de interpreta-
ção metafísica (hermenêutica). Esse tipo de
mentira encontra-se no intérprete, e não na na-
tureza. Mais de um dos Poemas Inconjuntos re-
toma e combate essa idéia, como se observa na
seguinte estrofe, tomada aqui como exemplo
para o núcleo semântico dessa tópica recor-
rente em toda a poesia de Alberto Caeiro:
Tu, místico, vês uma significação em todas as
coisas.
Para ti tudo tem um sentido velado. 
Há uma coisa oculta em cada coisa que vês. 
O que vês, vê-lo sempre para veres outra
coisa.11
• O poema 20 (“O Tejo é mais belo que o rio que
corre pela minha aldeia”) é uma alegoria sobre
a experiência pessoal contra a abstração dos
conceitos. Dominada pela retórica do parado-
xo, a voz poética afirma que o Tejo possui mais
importância histórica, geográfica, cultural e
econômica do que o rio de sua aldeia. Carrega-
do de significação cultural, deixou de ser um
rio natural para se transformar num rio cultu-
ral, longe da realidade empírica do pastor. Por
isso, embora reconheça a importância objetiva
do Tejo, prefere o rio de sua aldeia. Quem está
perto do Tejo pensa em muitas outras coisas
acumuladas pela história cultural do rio, ao
passo que o rio de sua aldeia, sendo natureza,
não faz e nem pensa em nada. Por isso, é mais
importante como realidade pessoal.
• O poema 24 (“O que nós vemos das coisas são
as coisas”) retoma e amplia noções do poema 5
e antecipa tópicas do poema 39. Sua singulari-
dade mais importante, além das imagens, que
são sempre novas em cada poema, consiste na
explicação de que a simplicidade do conhe-
cimento sensorial, que recusa a idéia de sím-
bolo (uma coisa em lugar de outra), exige um
grande esforço em abandonar as noções consa-
gradas pela tradição secular do conhecimento
convencional, que consiste numa “aprendi-
zagem de desaprender”. No final, Alberto
Caeiro ironiza o Saudosismo metafísico de
Teixeira de Pascoais, que metaforiza a estrelas
em “freiras eternas” do convento cósmico; e as
flores, em “penitentes convictas de um só dia”
de uma abadia celeste.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 91 • ANGLO VESTIBULARES
11 Em Poemas de Alberto Caeiro. Edição citada, p. 78.
• O poema 32 (“Ontem à tarde um homem da ci-
dade”) parece introduzir o tema da poesia so-
cial em O Guardador de Rebanhos. Põe em
cena um agitador social falando das desigual-
dades dos homens, a favor dos oprimidos. Mas
Caeiro, que integrava a multidão em torno do
orador, não lhe dá a menor importância, expli-
cando que, ao ouvi-lo, pensava nas metáforas
absurdas dos poetas metafísicos. Quanto aos
problemas sociais, julga que o mal do mundo
decorre da preocupação de umas pessoas com
outras, tanto para praticar o bem quanto para
praticar o mal. Logo, considerava inútil o pro-
pósito do orador da cidade. Nos Poemas Incon-
juntos, há retomada dessa tópica, em poema
bem semelhante, cujos primeiros versos di-
zem: “Ontem o pregador de verdades dele /
Falou outra vez comigo.” Tal como no poema
anterior, Caeiro, neste, nega a hipótese da poe-
sia social, dizendo que a existência da injustiça
é tão inevitável quanto a existência da morte
ou de uma pedra redonda. Em outros termos,
ele quer dizer que o desejo dos homens não al-
tera a constituição da realidade objetiva dos
fatos.
O PASTOR AMOROSO
Assim como em O Guardador de Rebanhos, há
uma pequena estória oculta nos versos de O Pastor
Amoroso. A estória deste último pode ser resumida
nos seguintes termos: um pastor, cuja função, em
princípio, é cuidar de suas ovelhas, esquece-se de seu
ofício por ter se apaixonado por uma linda pastora.
Durante os momentos de amor, julgava que a com-
panhia dela não só aprimorava seu trabalho, como
também o tornava mais sensível aos encantos da
paisagem. Quando ela o abandonou, deu-se conta de
que nunca fora amado e que traíra o seu destino de
pastor, tendo sido repreendido pelos companheiros
de profissão.
Os textos são petrarquistas, no sentido de apre-
sentarem uma concepção idealista do amor, que se
manifesta em descrições encarecedoras da amada.
No poema 7, por exemplo, o pastor a descreve nos se-
guintes termos: “Tem o cabelo de um louro amarelo de
trigo ao sol claro”. Se bem que a dominante do elogio
à amada recai sobre a revelação das mudanças posi-
tivas que ela promoveu na sensibilidade do pastor, o
que, no final se prova falso, porque o afastaram da
contemplação isenta da natureza. Sendo petrarquis-
tas, os poemas de O Pastor Amoroso seguem a tradi-
ção platônica e camoniana, integralmente adaptada
ao estilo e às concepções criadas por Alberto Caeiro
em O Guardador de Rebanhos.
Óculos de Fernando Pessoa
POEMAS INCONJUNTOS
Os poemas deste livro retomam as tópicas e o
estilo de O Guardador de Rebanhos. Em certo senti-
do, poderiam perfeitamente integrar o mesmo con-
junto, sem perda, no geral, da identidade estilística e
temática. Nesse sentido, O Pastor Amoroso guarda
maior autonomia, por causa do tema do amor, ausen-
te nos dois outros. 
Um traço exclusivo dos Poemas Inconjuntos é a
tópica da morte, que oferece ocasião para reflexões
tão materialistas quanto as observadas em O Guar-
dador de Rebanhos. Nesse sentido, convém destacar
os seguintes poemas (dos quais se oferecem os dois
primeiros versos para identificação, a partir do texto
das Edições Ática). Requerem leitura, pela singula-
ridade temática que atribuem ao livro:
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo. 
*
Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum [...]
*
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto.
*
Se, depois de eu morrer, quiserem
escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples. 
*
Quando a erva crescer em cima da
minha sepultura [...]
*
Mas a guerra inflige a morte.
E a morte é o desprezo do Universo por nós.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 92 • ANGLO VESTIBULARES
Ainda no tema da morte, o poeta mantém a objeti-
vidade materialista observada nas demais tópicas de-
senvolvidas nos Poemas Inconjuntos e nos outros li-
vros de Alberto Caeiro. O poeta a encara como um fe-
nômeno geral, e não como algo singular e indesejável
que pode surpreendê-lo a qualquer hora. A noção de
que as leis que regem a vida humana são as mesmas
que regem os demais movimentos da natureza é
abordada de forma especial num longo texto dos Poe-
mas Inconjuntos, cujo primeiro verso é “Ser real quer
dizer não estar dentro de mim”. Esse texto possui par-
ticular interesse, porque, nele, o poeta desenvolve o
argumento de que o corpo humano é mais real do que
a alma, que, conforme ele, não passa de uma inven-
ção dos filósofos. Retomando a idéia básica de O
Guardador de Rebanhos, esse texto ratifica o conceito
de que somente o mundo exterior é real, pois so-
mente ele é passível de ser conhecido pelos sentidos.
O CONCEITO DE UNIDADE
EM CAEIRO
Alguns estudiosos negam unidade aos Poemas
Inconjuntos, partindo, talvez, do sentido específico do
adjetivo que qualifica tais textos: desconexos, soltos.
Essa idéia é discutível. Pois, tal como se observa nos
dois outros livros de Caeiro, Poemas Inconjuntostam-
bém possui unidade, não só estilística quanto temá-
tica, mas também unidade construtiva. Todavia, é
preciso ressaltar que não se trata de uma unidade
aristotélica (princípio, meio e fim bem definidos). Tra-
ta-se, ao contrário, da unidade cubista, fundada na
justaposição de partes aparentemente desiguais e
desconexas, tal como se observa, por exemplo, no qua-
dro Guernica. É o mesmo tipo de unidade contido tam-
bém em “Poema de Sete Faces”, com que Drummond
abre Alguma Poesia. Algo semelhante se observa nos
poemas do livro Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro,
que, em consonância com certos traços do simbo-
lismo de Camilo Pessanha e da vanguarda européia,
adota a poética do fragmentário e do elíptico, em que
as conexões se subentendem e não se explicitam.
Esse é o tipo de unidade que se observa nos três
livros de Alberto Caeiro, sendo certo que em O Guar-
dador de Rebanhos e em O Pastor Amoroso ela assu-
me configurações mais evidentes do que nos Poemas
Inconjuntos. Aliás, esse tipo de unidade é espelho da
preferência pela justaposição sintática em lugar da
subordinação — traço decisivo para a impressão de
simplicidade e espontaneidade do estilo de Alberto
Caeiro.
Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro
ALGUMAS EDIÇÕES DA
POESIA DE CAEIRO
Fernando Pessoa guardou os poemas de Alber-
to Caeiro no baú de inéditos e iniciou diversos pro-
jetos de editar suas poesias, tanto as assinadas com
o próprio nome (poesia ortônima) quanto as assina-
das pelos poetas que inventava, entre os quais se
destacam Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de
Campos (poesia heterônima).12 Concebidos como
personagens de um grande livro de poemas, esses
heterônimos seriam unificados sob o título genérico
de Ficções do Interlúdio, para as quais chegou a re-
digir um prefácio. Mas tal edição jamais ocorreu,
senão depois de sua morte. Ele próprio não possuía
um plano definitivo em como unificar a diversidade
de sua produção, pois deixou inúmeros projetos edi-
toriais, quase todos divergentes entre si.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 93 • ANGLO VESTIBULARES
12 Outro heterônimo bem conhecido é Bernardo Soares, que
escreveu em prosa o Livro do Desassossego, publicado em
separado postumamente, em 1982.
Baú de Fernando Pessoa.
Depois da aventura da revista Orpheu, de 1915,
Fernando Pessoa uniu-se a Ruy Vaz para criar outra
revista, cuja duração seria mais extensa e sistemática
que aquela. Trata-se de Athena: Revista de Arte, que
circulou mensalmente em Lisboa, de outubro de 1924
a fevereiro de 1925. Nos dois últimos números dessa
revista, o poeta finalmente editou boa parte da pro-
dução de Alberto Caeiro, tantas vezes anunciada em
bilhetes íntimos, cartas a amigos ou em conversas. De
fato, no nº- 4, do volume I de Athena, saíram em or-
dem crescente 23 dos 49 poemas de O Guardador de
Rebanhos, sob o título geral de “Recolha de Poemas
de Alberto Caeiro”, entre as páginas 145-156.13 O fa-
moso poema oitavo de O Guardador de Rebanhos,
que começa com o verso “Num meio-dia de fim de
primavera”, seria publicado bem mais tarde, no nº- 30
da Revista Presença, em Janeiro-Fevereiro, de 1931.
Pessoa publicou, ainda, 16 fragmentos dos Poemas
Inconjuntos no número seguinte da Athena, entre as
páginas 197-204,14 também com o título genérico de
“Recolha de Poemas de Alberto Caeiro”. Um pouco
mais tarde, igualmente, a Revista Presença publicaria
outro dos Poemas Inconjuntos, no número de março-
junho, de 1931, cujo primeiro verso é “Todos os dias
agora acordo com alegria e pena”. Depois, esse poe-
ma seria transferido para o conjunto de O Pastor
Amoroso.
Athena.
A primeira edição de Alberto Caeiro em volume
foi organizada por um integrante da geração Orpheu
e por outro integrante da geração Presença: Luiz de
Montalvor e João Gaspar Simões, respectivamente.
O livro saiu em 1946, pela Edições Ática, de Lisboa,
como o terceiro volume da série “Obras Completas
de Fernando Pessoa”, com o título de Poemas de Al-
berto Caeiro. Por ser a primeira tentativa de orga-
nização dos originais, essa edição não separa os
poemas de O Pastor Amoroso, publicando-os em
meio aos Poemas Inconjuntos.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 94 • ANGLO VESTIBULARES
13 Athena: Revista de Arte. Diretores Fernando Pessoa e Ruy Vaz.
Edição Fac-similada. Prefácio de Tereza Sousa de Almeida.
Lisboa, Contexto Editora, 1983.
14 Edição citada, pp. 197-204.
1ª- Edição de Poemas de Alberto Caeiro, 1946.
A segunda edição dos Poemas de Alberto Caeiro
apareceu em Obra Poética de Fernando Pessoa, em
alentado volume de 786 páginas, lançado no Rio de
Janeiro pela Companhia José Aguilar Editora, em
1960, com estabelecimento de texto, estudos e notas
de Maria Aliete Galhoz. Além de diversos textos em
prosa atribuídos a outros heterônimos de Pessoa, até
então pouco acessíveis ao leitor brasileiro, essa edição
contém uma cronologia da vida e obra do grande
poeta, organizada por João Gaspar Simões. Como o
espólio de Fernando Pessoa ainda não se encontrava
disponível aos pesquisadores, o texto dessa edição
segue, em princípio, a lição das “Obras Completas de
Fernando Pessoa”, da editora Ática, de Lisboa. Para a
análise de O Guardador de Rebanhos, o presente es-
tudo adotou esta edição como base de leitura e tam-
bém para as citações.
A partir de 1980, a Editora Nova Fronteira des-
membrou o enorme volume de Maria Aliete Galhoz
em diversos pequenos livros, entre os quais se conta
Ficções do Interlúdio 1: Poemas Completos de Alberto
Caeiro, em cuja abertura se reproduz o prefácio que
Fernando Pessoa esboçou para o sonhado volume em
que reuniria a produção de seus heterônimos. Se-
guem-se as notas da organizadora. Na reprodução de
O Pastor Amoroso, a edição da Nova Fronteira agrupa
apenas cinco poemas nesta série, em vez de oito. Não
os numera, e a seqüência adotada para os poemas pre-
judica a compreensão da tênue unidade lírico-narra-
tiva do pequeno livro. No final do volume, reproduz-
se a cronologia de João Gaspar Simões, muito desa-
tualizada. 
Em 2003, a Companhia das Letras, de São Paulo,
reproduziu no Brasil uma ótima edição lançada em
Portugal, em 2001, pela editora Assírio & Alvim:
Poesia, Alberto Caeiro, com estabelecimento de texto,
notas e dois estudos de Fernando Cabral Martins e
Richard Zenith. Destinada a iniciados no universo pes-
soano, essa edição recorre aos manuscritos, donde
resultam algumas soluções divergentes do cânon tra-
dicional. Além de alguns poemas inéditos, apresen-
tam-se fragmentos em prosa atribuídos a Alberto
Caeiro. No final do volume, cada organizador assina
um ensaio de interpretação literária, ambos úteis e
estimulantes.15
Há um pormenor nesta edição que a torna supe-
rior a todas mencionadas anteriormente: trata-se da
organização dos poemas de O Pastor Amoroso. Em-
bora na nota explicativa os organizadores neguem
unidade a esse livro, a maneira que adotam na dispo-
sição dos textos é a única que ressalta a inegável coe-
são entre os poemas, a começar pela inclusão da nu-
meração dos textos, que somam oito. Por outro lado,
a edição não deixa de apresentar erros tipográficos,
que adulteram o sentido de alguns poemas ou invia-
bilizam a formação de sentido em outros, tal como se
observa, por exemplo, no terceiro verso da terceira es-
trofe do poema 3 de O Guardador de Rebanhos: “Mas
andava na cidade como quem não anda no campo”,
em vez de “Mas andava na cidade como quem anda
no campo”. No poema VII de O Pastor Amoroso, há o
seguinte verso, incompatível com a lógica do estilo de
Alberto Caeiro: “E prefiro pensar dela, porque dela
como é tenho qualquer medo”.
LEITURA E EXERCÍCIOS
1. Leia o poema 11 de O Guardador de Rebanhos
para responder às perguntas que o seguem:
Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que a árvores fazem...
Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.
SISTEMA ANGLO DEENSINO • 95 • ANGLO VESTIBULARES
15 Em Portugal, há outras edições das obras de Fernando Pessoa.
Como são praticamente inacessíveis no Brasil, seu registro neste
estudo torna-se secundário. Quanto à produção de Alberto
Caeiro em particular, os mais interessados poderão consultar a
bibliografia completa organizada por José Blanco, em Portuguese
& Cultural Studies 3, University of Massachusetts Dartmouth,
1999.
a) Pode-se dizer que o poema é composto por uma
tese e por uma antítese, enfeixadas respectiva-
mente em cada uma das estrofes. Em termos
semânticos, como se traduz cada um desses
dois momentos da argumentação do poema?
b) Esse poema pode ser entendido como mani-
festação do sensorialismo primitivista de Al-
berto Caeiro? Justifique brevemente.
2. No poema 48 de O Guardador de Rebanhos,
Caeiro argumenta que prefere o vôo de uma ave,
porque não deixa rastro, à passagem de um ani-
mal, que deixa rastro. Sem rastros, o vôo da ave
não anuncia sua pretérita presença; com ras-
tros, o animal indica que pretérita presença, já
não existe. Responda:
a) Qual o tema específico abordado por meio
desses exemplos?
b) Pela lógica do poema, qual o tempo preferido
pelo pastor: o passado ou o presente? Mencio-
ne outro poema de O Guardador de Rebanhos
em que ressurge o tema do tempo.
3. Os críticos António José Saraiva e Óscar Lopes,
em sua História da Literatura Portuguesa (Porto,
Porto Editora, 12ª- ed., 1982, p. 1047) afirmam
que a criação de Alberto Caeiro é uma reação
contra o transcendentalismo saudosista (alusão
clara ao nacionalismo metafísico do grupo Renas-
cença Portuguesa e a Teixeira de Pascoais). Assi-
nale os versos de Caeiro que não podem ser en-
tendidos como manifestação desse debate cul-
tural:
a) O que nós vemos das coisas sãos as coisas.
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse
outra?
b) Os poetas místicos são filósofos doentes, 
E os filósofos são homens doidos. 
c) Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde. 
d) O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mis-
tério. 
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
4. (UNIFESP-2004) Considere as seguintes informa-
ções sobre o heterônimo Alberto Caeiro, do
poeta Fernando Pessoa, extraídas de Literatura
Portuguesa — da Idade Média a Fernando Pes-
soa, de José de Nicola:
“Para [ele], as coisas são como são. (...) Por isso
mesmo, seu mundo é o mundo do real-sensível
(ou real-objetivo), é tudo aquilo que existe e que
percebemos através dos sentidos. (...) ele ‘pensa’
com os sentidos.”
Os versos que ilustram o heterônimo apresenta-
do são
a) Sou um guardador de rebanhos. / O rebanho
é os meus pensamentos / E os meus pensa-
mentos são todos sensações. / Penso com os
olhos e com os ouvidos / E com as mãos e os
pés / E com o nariz e a boca.
b) Amemo-nos tranqüilamente, pensando que po-
díamos, / Se quiséssemos, trocar beijos e bra-
ços e carícias, / Mas que mais vale estarmos
sentados ao pé um do outro / Ouvindo correr o
rio e vendo-o.
c) Não matou outros deuses / O triste deus cris-
tão. / Cristo é um deus a mais, / Talvez um que
faltava.
d) Dizem que finjo ou minto. / Tudo que escrevo.
Não. / Eu simplesmente sinto / Com a imagina-
ção. / Não uso o coração.
e) Já disse: sou lúcido. / Nada de estéticas com
coração: sou lúcido. / Merda! Sou lúcido...
RESPOSTAS
1. a) Na primeira estrofe exaltam-se as virtudes de
um instrumento da cultura, o piano, que pode
conviver com a natureza, embora em condi-
ções inferiores de qualidade. Na segunda, o
piano é excluído como produtor agradável de
sons. Em lugar dele, propõe-se o contato di-
reto do homem com os sons da natureza, e não
com os da cultura, que os imita sem a mesma
autenticidade.
b) Sim, pode, porque insinua que é melhor ou-
vir o ruídos da natureza (riachos e árvores)
do que as harmonias artificiais de um piano.
O piano, quando muito, poderia conduzir à apre-
ciação da arte (cultura); ao passo que o con-
vívio com as árvores e com os rios aguçaria
os sentidos para o conhecimento da própria
vida, sem mediações culturais. O poema fun-
ciona como uma pequena alegoria sobre as
supostas vantagens da natureza sobre a cultu-
ra, porque uma gera a técnica; a outra, o amor.
2. a) O tema do tempo, implícito na idéia da recor-
dação deixada pelas marcas do animal.
b) O presente, pois o vôo da ave indica sua pre-
sença, uma manifestação inequívoca do mo-
mento presente e da realidade. O passado ex-
clui a presença do animal, deixando apenas
sua recordação na subjetividade do homem.
Por isso, é irreal. Outro texto do livro que fala
do tempo é o poema 44 (“Acordo de noite subi-
tamente, / E o meu relógio ocupa a noite toda.”)
Em rigor, esse poema é uma alegoria da idéia
de que a imensidão do tempo não cabe nas en-
grenagens de uma pequena máquina cultural.
SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 96 • ANGLO VESTIBULARES
3. C
Comentário: Cesário Verde é um dos modelos
para a criação do estilo de Alberto Caeiro, com
cuja objetividade prosaica a personagem pes-
soana se identifica. Por isso, faz um poema-ho-
menagem a ele em O Guardador de Rebanhos.
4. A
Comentário: A percepção sensorial do mundo
conduzia Alberto Caeiro a uma valorização das
sensações, o que é confirmado pelos versos da
alternativa A: “E os meus pensamentos são to-
dos sensações / Penso com os olhos e com os
ouvidos / E com as mãos e os pés / E com o na-
riz e a boca.”. Além disso, é de se notar que o tí-
tulo do livro de Caeiro que Pessoa concebeu na
ocasião em que viu surgir o heterônimo é O
Guardador de Rebanhos, expressão que igual-
mente aparece no trecho do poema transcrito.
BIBLIOGRAFIA SELETA
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Rio de Janeiro, José Aguilar Editora, 1969. 
. Ficções do Interlúdio 1: Poemas
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