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a natureza do espaço

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Resenha do texto "A natureza do espaço" de Milton Santos 
Introdução. 
Milton Santos faz uma breve introdução afirmando que a principal forma de relação 
entre o homem e o meio é dada pela técnica, e que, as técnicas “são um conjunto de 
meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao 
mesmo tempo, cria espaço.” 
1. A Negligência com as Técnicas. 
Nesse tópico, Milton Santos, aborda a maneira como os estudos empreendidos sobre o 
fenômeno técnico são realizados. Ele afirma o fenômeno técnico não é totalmente 
explorada. E isso ocorre por que a técnica é analisada como se não fosse parte do 
território, um elemento de sua construção e transformação. Para Santos o espaço 
geográfico não é apenas um palco das ações. Considerando apenas as técnicas de 
produção, isto é, a técnica específica, chegamos a noção de espaço industrial, agrícola 
ou econômico. Só podemos alcançar a noção de espaço geográfico quando 
consideramos o fenômeno técnico em sua total abrangência. 
Alguns autores, que falam dessa problemática, são citados no texto. B. Joerges crítica o 
fato de sociólogos e cientistas políticos não reconhecerem que a “tecnologia embutida 
nos objetos constitui matéria central da análise sociológica.” M. Mauss propõe a criação 
de um saber que se ocuparia do conjunto das relações entre as técnicas e o solo e entre o 
solo e as técnicas. Ele diz que “em função das técnicas é que observamos a base 
geográfica da vida social: o mar, a montanha, o rio e a laguna.” François Sigaud crítica 
os geógrafos, afirmando que “os geógrafos evitam tão sistematicamente o estudo das 
técnicas que estão no centro das relações sociedade-meio.” Pierre George lembra que “a 
influência da técnica sobre o espaço se exerce de duas maneiras e em duas escalas 
diferentes: a ocupação do solo pelas infra-estruturas das técnicas modernas (fábricas, 
minas, carrières, espaços reservados à circulação) e, do outro lado, as transformações 
generalizadas impostas pelo uso da máquina e pela execução de novos métodos de 
produção e de existência.” Para Pierre Gourou “o homem, esse fazedor de paisagens, 
somente existe porque ele é membro de um grupo que em si mesmo é um tecido de 
técnicas.” Ele também acredita que o nível de civilização seja medido pelo próprio nível 
das técnicas. O primeiro geógrafo a ter uma noção abrangente da técnica foi Maximilien 
Sorre. Ele acredita que “essa palavra técnica deve ser considerada no seu sentido mais 
largo, e não no seu sentido estreito, limitado a aplicações mecânicas e para ele a noção 
de técnica “estende-se a tudo o que pertence à indústria e à arte, em todos os domínios 
da atividade humana”. De acordo com Sorre, os estudos geográficos devem levar em 
conta, simultaneamente, as técnicas da vida social, as técnicas da energia, as técnicas da 
conquista do espaço e da vida de relações e as técnicas da produção e da transformação 
das matérias-primas. André Fel lembra que “se os objetos técnicos se instalam na 
superfície da terra, fazem-no para responder as necessidades materiais fundamentais dos 
homens: alimentar-se, residir, deslocar-se, rodear-se de objetos úteis.” 
2. A Técnica, Ela Própria, É um Meio 
 
Santos começa comentado que para a técnica servir como uma base para uma 
explicação geográfica, devemos considerar a própria técnica como um meio. Santos 
continua citando vários autores que já consideraram essa proposta, como G. Böhnee que 
escreveu sobre a Tecnoestutra, definido como o resultado das inter-relações essenciais 
do sistema de objetos técnicos com as estruturas sócias e ecológicas. 
 
Santos segue para a questão do que constitui um objeto técnico, e escreve que tanto os 
objetos artificiais quanto os objetos naturais podem ser objetos técnicos se cumprem o 
critério do uso possível. Segundo a autora M. Akrich, um objeto técnico define ao 
mesmo tempo os atores e um espaço. Mas o espaço não só é formado de objetos; 
também determina os objetos porque o espaço é um conjunto de objetos organizados e 
utilizados segundo uma lógica. 
 
Santos escreve que o fenômeno da hipertelia (uma especialização exagerado do objeto 
técnico) ajuda a explicar porque construímos cada vez mais objetos mais intricados e 
complexos. Segundo Santos, os objetos concretos “tendem alcançar uma especialização 
máxima e a obter uma intencionalidade extrema.” 
 
Santos aclara a diferença entre um objeto técnico concreto e um objeto abstrato, citando 
Thierry Gaudin que escreveu que cada elemento de um objeto concreto “se integra no 
todo e à medida que o objeto se torna mais concreto, cada qual de suas partes colabora 
mais intimamente com as outras.” Segundo Simondon, um objeto técnico concreto 
acaba por ser mais perfeito que a própria natureza porque permite um comando mais 
eficaz do homem sobre ele. 
 
Santos explica que a tendência de separar o meio técnico e o meio geográfico está 
errada porque são unidos pelo desenvolvimento do objeto técnico. O meio geográfico 
começou como meio natural (pré-técnico), que se virou meio técnico ou maquinio, e 
que agora é meio técnico-científico-informacional. Santos conclui dizendo que o espaço 
“é um misto, um híbrido, um composto de formas-contéudo.” 
3. A Necessidade de um Enfoque mais Abrangente 
A grande questão que Milton Santos coloca neste tópico é saber em que medida a noção 
de espaço pode contribuir para o entendimento do fenômeno técnico, e de outro lado, 
investigar o papel do fenômeno técnico na produção e nas transformações do espaço 
geográfico. 
O autor inicia este tópico destacando que na relação entre técnica e espaço não se deve 
esquecer que as técnicas se propagam de forma desigual. Jean Louis Lespes, foi um dos 
pioneiros em considerar que em um território podem coexistir técnicas provenientes de 
épocas diversas. 
Santos lembra que para J. Perrin um sistema técnico, pode absorver, se existe 
compatibilidade, estruturas de um sistema precedente. O autor então, chama atenção, 
que do ponto de vista geográficos, diferentes sistemas técnicos não só existem num 
local dado, mas estes, formam uma situação no lugar, e que o entedimento disto é 
fundamental para se tentar entender como as ações humanas se realizam. 
A noção proposta por Th. Hughes de “Reverse Salient”, (um Salient é resultante da 
expansão não homogênea dos sistemas tecnológicos.) é retomada por Santos, que 
aproxima o conceito de Hughes do seu conceito de “Rugosidade” (rabalhado no livro 
“Por uma Geografia Nova”) que traz embutida a idéia, de que a produção do espaço é 
ao mesmo tempo construção e destruição de formas e funções sociais do mesmo. 
O autor destaca novamente o caráter evolutivo desigual das técnicas, e examina a 
história do mundo, para concluir que a aceitação das técnicas sempre foi relativa e 
incompleta. Santos, cita o exemplo dos EUA, que dominam muitas tecnologias, mas 
tem um sistema de correio ineficiente, Outro fator que exemplifica este fato, é a relação 
entre metrópoles e colônias, onde o desenvolvimento tecnológico de uma, era barrado 
por interesses comerciais de outro. 
Se referindo ao mundo atual, Santos afirma que “O processo de globalização, em sua 
fase atual, revela uma vontade de fundar o domínio do mundo na associação entre 
grandes organizações e uma tecnologia cegamente utilizada. Mas a realidade dos 
territórios e as contingências do “meio associado” asseguram a impossibilidade da 
desejada homogeneização” 
A partir daqui Milton Santos chama a atenção dos geógrafos sobre a importância do 
estudo e do entendimento das técnicas para a compreensão do espaço geográfico, 
criticando a forma como estes profissionais lidam com essa questão atualmente. 
4. As técnicas de empiricização do espaço e tempo 
 
Mais uma discussãoepistemológica é apresentada nesta parte. Desta vez, a geografia, 
para Santos, deixa a desejar ao não englobar o tempo em sua análise. Costuma-se 
apresentar, assim, um espaço situado fora do tempo. A idéia principal apresentada é a de 
que não se pode separar espaço e tempo, que são conectados a partir da técnica, já que o 
trabalho não ocorre sem tempo nem espaço. A técnica é uma forma de tornar o tempo 
material, isto é, empiricizado, permitindo que espaço e tempo sejam igualados e vistos 
de forma intrincada. 
5. A idade de um lugar. 
Milton Santos começa este capítulo perguntando se pode falar em “idade” de um lugar. 
Juridicamente Salvador da Bahia foi fundada em 1549. Um critério propriamente 
geográfico também é possível: os geomorfólogos datam grandes áreas segundo a 
disposição das camadas ou estratos, revelando as fases da historia natural. 
Milton pergunta: “Diante das paisagens elaboradas pelo homem, será possível encontrar 
um método de observação que produza idêntico resultado? Pode a técnica exercer, em 
relação á geografia, um papel semelhante ao dos cortes geomorfológicos?” 
As técnicas são um fenômeno histórico. Por isso, é possível identificar o momento de 
sua origem, tanto a escala de um lugar quanto a escala do mundo. O capitalismo vai 
acelerar o processo de internacionalização das técnicas. Neste fim de século esta 
tendência converteu-se fato, de mão da globalização. Neste momento histórico podemos 
falar de uma idade universal das técnicas, a partir do momento em que surge cada uma 
de essas técnicas. 
É o lugar que atribui às técnicas o principio de realidade histórica, integrando-as num 
conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade 
histórica. Quando uma técnica se incorpora á vida de uma sociedade, essa técnica deixa 
de ser ciência para ser propriamente técnica. É somente quando é utilizada que podemos 
falar de uma idade propriamente histórica de uma técnica. Num determinado lugar 
encontramos a operação simultânea de varias técnicas. Essas técnicas particulares são 
manejadas por grupos sociais com técnicas socioculturais diversas e se dão sobre um 
território que, ele próprio, em sua constituição material, é diverso, do ponto de vista 
técnico. Todas essas técnicas, incluindo as técnicas da vida, nos dão a estrutura de um 
lugar. 
Os lugares redefinem as técnicas. Cada objeto ou ação que se instala se insere num 
tecido preexistente e seu valor real é encontrado no funcionamento concreto do 
conjunto. Sua presença também modifica os valores preexistentes. Os respectivos 
“tempos” das técnicas industriais e sociais presentes se misturam, mudando a 
significação absoluta de essas técnicas e ganhando uma significação relativa, que é 
impossível em outro lugar e em outro tempo. É assim como se constitui uma espécie de 
tempo do lugar, um “tempo espacial”. 
Com a produção estandardizada e os progressos nas comunicações, a idade das 
variáveis presentes em um lugar acaba sendo medida com referencia a fatores internos e 
externos. As relações econômicas presentes em um lugar e a possibilidade concreta de 
postos de trabalho condicionam as características técnicas de um instrumento de 
trabalho o uma técnica concreta. A idade de um lugar é medida com referencia a fatores 
internos e externos. Sobretudo nos países subdesenvolvidos, onde a história da produção 
é intimamente ligada à criação, nos países do centro, de novas formas de produção. 
A obra de Milton Santos e as mídias locativas: o espaço para a criação simbólica e a 
apropriação de sentido. 
“Quanto mais artificial é o meio, maior a exigência dessa racionalidade instrumental 
que, por sua vez, exige mais artificialidade e racionalidade. Mas esses imperativos da 
vida urbana estão cada vez mais invadindo o campo modernizado, onde as 
conseqüências da globalização impõem práticas estritamente ritmadas.” 
“O meio geográfico atual, graças ao seu conteúdo em técnica e ciência, condiciona os 
novos comportamentos humanos, e estes, por sua vez, aceleram a necessidade da 
utilização de recursos técnicos, que constituem a base operacional de novos 
automatismos sociais.” 
Milton Santos. A Natureza do Espaço. 
Hoje temos uma ampla interação de objetos e ações, que configuram o que Santos 
chama de meio “técnico-científico-informacional”, onde a técnica mostra sua força 
modificadora do espaço como nunca. A crise do sujeito aparece como um problema 
dessa globalização inevitável. Mas para Santos o aspecto humano não se desvaloriza. 
Santos fala que hoje cada lugar é resultado de uma dialética entre uma razão global e 
outra razão local. 
“A idéia de que o tempo suprime o espaço provém de uma interpretação delirante do 
encurtamento das distâncias, com os atuais progressos no uso da velocidade pelas 
pessoas, coisas e informações.” 
Milton Santos não concorda com os autores que falam da supressão do espaço na era da 
informação. Para ele, o que se dá é um novo comando da distancia e, de acordo com ele, 
o espaço não é definido exclusivamente por essa dimensão. O crescimento das 
tecnologias da informação não dissolve as cidades, como tem sido freqüentemente 
anunciado, pois os lugares urbanos e os espaços de fluxo eletrônico influenciam-se 
mutuamente na cidade eletrônica. 
“O agir técnico leva a interações formalmente requeridas pela técnica. O agir formal 
supõe obediência aos formalismo jurídicos, econômicos e científicos. E existe um agir 
simbólico, que não é regulado por cálculo e compreende formas afetivas, emotivas, 
rituais...” 
Milton Santos fala que os objetos técnicos promovem conexão, aproximação, 
vizinhança, apropriações, usos distintos. 
“Assim cada lugar, cada subespaço, tanto se define por sua existência corpórea, quanto 
por sua existência relacional.” 
“O fato de o sistemismo dos objetos condicionar o sistemismo das ações não significa 
que entre eles haja uma relação automática. (...) A interação humana pode forjar novas 
relações, criando a surpresa e impondo a novidade.” 
Em minha opinião, os processos interativos entre sujeitos usando tecnologia móvel 
estabelecem vínculos, criam sentidos, promovem a apropriação de espaços simbólicos e 
físicos. Se dá uma nova sociabilidade baseada em convergências de interesses. No há 
dissolução do vínculo social. 
“A tecnosfera se adapta aos mandamentos da produção e do intercambio (...) “A 
psicosfera, reino das idéias, crenças, paixões e lugar da produção de um sentido, 
também faz parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras à 
racionalidade ou estimulando o imaginário.” 
Milton Santos fala da “tecnosfera” (mundo dos objetos) que é impossível de separar de 
outra esfera de ação, que é a “psicosfera” (reio das idéias, crenças e paixões) e lugar de 
produção de sentido. Esta psicosfera, embora seja a garantia da legitimidade das novas 
técnicas (que têm legitimidade na forma de pensar tecnológica do tempo atual), também 
é o reino da improvisação, dos novos usos, da mudança dos usos e dos espaços 
marcados e definidos “técnica” e “formalmente” pelas novas tecnologias. 
Para acabar, apresentamos os conceitos chave do livro de Santos, que estão expressos 
no título. 
A NATUREZA DO ESPAÇÕ. Técnica e tempo, razão e emoção. 
Espaço: Coexistência do passado e do presente, reconstruída em um território sob um 
sistema técnico. 
Técnica: Sistema de objetos e ações (potencia e ato) concretizados num entorno social. 
Tempo: Historia de um espaço materializado através da recepção, transformação e uso 
da técnica. 
Razão: Fundamento de implementação das técnicas com fines econômicos / 
instrumentais / sociais / de controle. 
Emoção: Capacidade para integrar as técnicas na vida social, mas também para fazernovos usos de elas, interagir, inventar novos sentidos simbólicos e novas apropriações 
do espaço. 
A “emoção” seria o lugar da imaginária, da criatividade simbólica, a oportunidade de 
apropriação das tecnologias para um uso consciente, livre, critico e transformador. 
“O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm 
solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro 
insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas 
mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade.”

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