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TEMAS DE PEDIATRIA N Ú M E R O 7 3 - 2 0 0 2 Uma Introdução à BioéticaInformação destinada exclusivamente ao profissional de saúde. RG.OR/OE993.64.21.16 Impresso no Brasil. NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil TEMAS DE PEDIATRIA número 73 Uma Introdução à Bioética 2 0 0 2 dosso ao patrocinador e deve vir acom- panhada, quando for o caso, do res- pectivo nome genérico. Bibliografia: 1. Conselho Federal de Medicina, código de Ética Médica. Brasília: CFM, 1988. 2. CIOMS – International Ethical Guidelines for Biomedical Rescarch Involving Human Subjects. Geneva: CIOMS; WHO, 1993. 3. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/ 96, publicada no Diário Oficial da União de 16/10/1996. “SITES” ÚTEIS 1. www.cfm.org.br 2. www.mcw.edu/bioethics/ce/lap-sch.html 3. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica.htm 56 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil Uma Introdução à Bioética DÉLIO JOSÉ KIPPER (Editor) - Médico; Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS; Coordenador do Departamento da Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria, Vice Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. CARLOS FERNANDO FRANCISCONI - Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Coordenador do Programa de Atenção aos Problemas de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde - CONEP/MS. GABRIEL WOEF OSELKA - Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Membro da Comissão de Bioética do IC/HC-FMUSP. JOAQUIM CLOTET - Professor de Bioética da PUCRS; Presidente da Sociedade Rio Grandense de Bioética; Membro da Comissão sobre Acesso e Uso de Genoma Humano do Ministério da Saúde. JOSÉ ROBERTO GOLDIM - Professor de Bioética da PUCRS e Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Biólogo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre; Doutor em Medicina/Bioética. JUSSARA DE AZAMBUJA LOCH - Médica; Professora Assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS; Mestranda em Bioética pela Universidade de Santiago do Chile - Programa de Bioética da OPS para a América Latina e Caribe. visam à proteção dos direitos humanos, aos quais são acrescentados dispositi- vos específicos relativos às criança, especialmente na convenção Internacio- nal sobre os Direitos da Criança. Essas observações alcançam sua dimensão plena à luz do recente progresso em biologia e medicina e da evolução cul- tural relativos às primeiras etapas da vida. As origens da criança • Toda a criança é um ser novo e sin- gular. • A dignidade do embrião produzido in vitro, nos casos de infertilidade do casal ou para prevenir a trans- missão de condições particularmen- te graves, bem como, mais tarde, a do feto humano, devem ser respei- tadas. • A incapacidade de uma criança, in- dependente de sua gravidade, nun- ca deve ser considerada como uma desvantagem. Os laços da criança • As medidas tomadas para assegurar a proteção dos direitos das crianças devem ser adequadas a seu grau de autonomia. • Os interesses da criança, dos pais ou dos responsáveis legais devem orientar o volume de informação a ser compartilhado com a criança, no que se refere às circunstâncias do seu nascimento, quando essas cir- cunstâncias envolvem reprodução assistida por médico. • A melhor situação para uma criança é ser cuidada e educada no seio de uma família, cujos integrantes são responsáveis por ela. Conseqüente- mente, essa situação deve ser pro- curada em todos os casos. • A criança deve participar da tomada de decisões relativas tanto à sua saúde quanto à sua educação, e de maneira crescente e mais qualifica- da, à medida que sua autonomia se afirmar. Cabe aos pais aceitar essa necessidade. • Quando houver diferença de inte- resses, o interesse da criança deve, em princípio, prevalecer sobre o do adulto. O corpo da criança • A atenção à saúde da criança deve incluir devida consideração pelo es- clarecimento, pelo consentimento e, conforme o caso, pela recusa de con- sentimento por parte da criança, conforme seu grau crescente de autonomia. • Esse principio deve ser reforçado, em especial, em relação a exames e/ou tomada de espécimes realizados na criança, os quais só devem visar ao interesse imperativo de saúde da criança que não possa ser atendido de outra maneira. • A proteção dos direitos deve ser re- forçada no caso de crianças porta- doras de incapacidade. O progresso 54 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil científico e suas aplicações, em es- pecial quanto a prevenção e trata- mentos, deve beneficiar as crianças portadoras de incapacidade e nunca levar à sua exclusão ou marginali- zação. • A sociedade deve promover, em es- pecial, pesquisas relativas a doença raras e ao desenvolvimento de tera- pias eficazes. O simpósio acredita que essas conside- rações aumentarão o respeito à dignida- de e à proteção dos direitos da criança. Bibliografia: 1. Cadernos de Ética em Pesquisa. Publicação da CONEP – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, ano III – nº. 5, julho de 2000. VII. PATROCÍNIO Freqüentemente, as jornadas, congres- sos e pesquisas e home pages são patro- cinadas por indústrias ou produtos liga- dos à saúde e não poucas vezes nos perguntamos se aceitar tal patrocínio é eticamente correto. À luz de vários documentos internacio- nais e nacionais o patrocínio é aceitá- vel do ponto de vista ético desde que fique explícito o objetivo de tal patro- cínio e, de quem recebe o patrocínio, a adoção de uma POLÍTICA clara para anúncios e patrocínios. Eis algumas normas e diretrizes. O ar- tigo 126 do Código de Ética Médica [1], que se refere especificamente à pesquisa, reza: “É vedado ao médico obter vantagens pessoais, ter qualquer interesse comercial ou renunciar à sua independência profissional em relação aos financiadores de pesquisa médica de que participe” e vem acompanha- do do seguinte comentário: “O médi- co não deve renunciar à liberdade profissional e deve ter o compromisso de divulgação idônea dos resultados, sejam quais forem”. A Diretriz 4 do CIOMS (2) e o artigo III. 3.s da Reso- lução 196/96, Conselho Nacional da Saúde/Ministério da Saúde (3) afirmam: “Os patrocinadores externos deveriam dar incentivos ao país hospedeiro e às instituições porque um importante objetivo secundário da pesquisa cola- borativa é o de ajudar a desenvolver a capacidade do país hospedeiro para executar independentemente projetos de pesquisas similares, incluindo sua revisão ética”. Quanto à realização de congressos, jornadas, confecção de revistas e home pages, isto praticamente se torna im- possível sem o auxilio de patrocina- dores. O importante é que fique explí- cita uma política de patrocínio e pu- blicidade, que deve ser de conheci- mento público e que evidencie clara- mente os objetivos de tal patrocínio ou publicidade, preservando a inde- pendência profissional e institucional, sem qualquer tipo de coação e/ou indução, tanto do patrocinador em relação à instituição quanto a seus membros, mas também da instituição em relação aos leitores (sejam eles sócios ou usuários). Qualquer marca veiculada não pode significar o en- 55 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil RESUMO Com “Uma Introdução à Bioética” pretendemos levar aos Médicos Pediatras ainda nãoiniciados no tema algumas sugestões e orien- tações para que encontrem e utilizem métodos de análise que possibilitem um estudo mais racional, sistemático e objetivo das decisões de natureza moral, para que a decisão se constitua em um ato bom e correto. Apresentamos, também, os principais documentos elaborados para respeitar a dignidade de pessoas com a autonomia em desenvolvimento. Nunca se pretendeu, na elabo- ração deste tema, aprofundar o estudo da bioética mas apenas levar subsídios que possam ser úteis até para quem terá contato com esse tema pela primeira vez. Vários artigos já publicados em outros periódicos pelos autores foram adaptados para essa finali- dade. No final, encontram-se três “sites” que poderão ser úteis para o aprofundamento no assunto. 5 respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. Art. 14º – O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a preven- ção das enfermidades que ordinariamen- te afetam a população infantil, e cam- panhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. Parágrafo Único: “É obrigatória a vacina- ção das crianças nos casos recomenda- dos pelas autoridades sanitárias”. Para implementar estas leis e assegurar seu cumprimento, muitas instituições criaram comissões multidisciplinares, com representantes dos usuários, da administração da instituição e de sua assessoria jurídica (usualmente denomi- nadas de Comissões de Cuidados Hos- pitalares e Defesa dos Direitos da Crian- ça e do Adolescente). Tais comissões visam fazer respeitar estas leis e coibir os maus-tratos institucionais e/ou fami- liares. Bibliografia 1. Brasil. Estatuto da criança do adolescente. Lei nº. 8069, de 13 de janeiro de 1990. Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados [1] Por ser um documento extremamente útil no exercício do respeito aos direi- tos da criança e do adolescente hospi- talizados, reproduzimos a Resolução nº. 41 de Outubro de 1995, do Ministério da Justiça – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, cujo texto original teve origem na Socie- dade Brasileira de Pediatria. Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados 1. Direito à proteção, à vida e à saú- de com absoluta prioridade e sem qualquer forma de discriminação. 2. Direito de ser hospitalizado quan- do for necessário ao seu tratamen- to, sem distinção de classe social, condição econômica, raça ou cren- ça religiosa. 3. Direito de não ser ou permanecer hospitalizado desnecessariamen- te por qualquer razão alheia ao melhor tratamento da sua enfermi- dade. 4. Direito de ser acompanhado por sua mãe, pai ou responsável, duran- te todo o período de sua hospitali- zação, bem como receber visitas. 5. Direito de não ser separada de sua mãe ao nascer. 6. Direito de receber aleitamento ma- terno sem restrições. 7. Direito de não sentir dor, quando existirem meios para evitá-la. 8. Direito de ter conhecimento ade- quado de sua enfermidade, dos cui- dados terapêuticos e diagnósticos, respeitando sua fase cognitiva, além de receber amparo psicológico quando se fizer necessário. 9. Direito de desfrutar de alguma for- ma de recreação, programas de edu- cação para a saúde, acompanha- mento do curriculum escolar duran- te sua permanência hospitalar. 52 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil I. INTRODUÇÃO A sociedade mundial é surpreendida quase diariamente pelos meios de comunicação social com novas técnicas de início e término da vida, com inovações maravilhosas no diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e com a decodificação do genoma humano e de muitos outros animais e plantas, para citar apenas alguns exemplos. Não há dúvida de que o impacto social é grande e tem repercussões na esfera familiar e na conduta individual e coletiva. Trata-se de um fato sociocultural que atinge a humanidade e que provoca perplexidade, mas também esperança. Enquanto a “mass media” explora alguns destes temas, a classe médica, protagonista e testemunha privilegiada, tem de se posicionar quanto ao seu modo de agir e às suas responsabilidades. Algumas mudanças tiveram um impacto tão grande a ponto de tornar a discussão bioética atual e necessária, como veremos a seguir: • inquestionável progresso das ciências biológicas e biomédicas que altera os processos da medicina tradicional e que contém novidades insuspeitas. O desenvolvimento científico, inédito e vertiginoso, sobretudo a partir da segunda guerra mundial, cer- tamente implica renovação das formas costumeiras de agir e decidir dos envolvidos no mundo da medicina, especialmente porque origina sentimentos de angústia e insatisfação, não tanto pelos insucessos verificados, mas pelas problemáticas conse- qüências dos sucessos alcançados, forçando-nos a perguntar: devemos fazer tudo o que podemos? ou ainda: por que a radical insuficiência do conhecimento científico para a realiza- ção do bem estar do homem? cuja resposta é ainda mais difícil. • A socialização do atendimento médico. O reconhecimento do direito de todo o cidadão de ser atendido e o exercício desse direito na área da saúde multiplica e generaliza o relaciona- mento entre pacientes e profissionais da saúde, exigindo o reconhecimento de direitos e deveres de ambas as partes. O conflito tornou-se comum nessas circunstâncias. A imagem do médico que conhece seu paciente e cuida dele anos a fio, já não é mais comum. Novos padrões de conduta presidem as relações e decisões na medicina contemporânea. Por outro lado, o aprimoramento das diversas formas de medicina não pode ficar restrito ao indivíduo, pois atinge, também, a comu- 6 mediante a efetivação de políticas so- ciais públicas que permitam o nascimen- to e o desenvolvimento sadio e harmo- nioso, em condições dignas de existência. Art. 8º – É assegurado à gestante, atra- vés do Sistema Único de Saúde, o aten- dimento pré e perinatal. §1º – A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos espe- cíficos, obedecendo-se aos prin- cípios de regionalização e hierar- quização do Sistema. §2º – A parturiente será atendida pre- ferencialmente pelo mesmo mé- dico que a acompanhou na fase pré-natal. §3º – Incumbe ao Poder Público propi- ciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem. Art. 9º – O Poder Público, as institui- ções e os empregadores proporcionarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas a medida privativa de liber- dade. Art. 10 – Os hospitais e demais estabe- lecimentos de atenção à saúde de ges- tantes, públicos e particulares, são obri- gados a: I- manter registro das atividades desenvolvidas, através de prontuá- rios individuais, pelo prazo de de- zoito anos; II- identificar o recém-nascido me- diante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa compe- tente; III- proceder a exames visando ao diag- nóstico e terapêutica de anormali- dades no metabolismo do recém- nascido, bem como prestar orien- tação aos pais; IV- fornecer declaração de nascimen- to onde constem necessariamente as intercorrências de parto e do de- senvolvimento do neonato; V- manter alojamento conjunto, pos- sibilitando ao neonato a permanên- cia junto à mãe. Art. 11º – É assegurado atendimento mé- dico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. §1º – A criança eo adolescente porta- dores de deficiência receberão atendimento especializado. §2º – Incumbe ao Poder Público forne- cer gratuitamente àqueles que ne- cessitarem, próteses e outros re- cursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação. Art. 12º – Os estabelecimentos de aten- dimento à saúde deverão proporcionar condições para permanência em tempo integral de um dos pais ou responsá- veis, nos casos de internação de crian- ça ou adolescente. Art. 13º – Os casos de suspeita ou con- firmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da 51 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil nidade, implicando, portanto, em resposta comunitária e, con- seqüentemente, política, quer no âmbito nacional quer no internacional. Essa democratização da medicina deve concre- tizar-se no momento da fixação do percentual a ser destinado à saúde nos orçamentos municipais, estaduais ou federais. Um fato manifesto da universalização da saúde no âmbito interna- cional é a fundação de grandes entidades responsáveis pelo assessoramento técnico aos países que delas participam. Como exemplo, a Organização Panamericana de Saúde não tem pou- pado esforços nesse sentido. • A progressiva participação do médico na vida de todos os dias. O relacionamento com os profissionais da saúde nas socieda- des desenvolvidas é cada vez mais uma praxe e não um fato isolado ou uma situação emergencial. Existem especialidades médicas para as diversas etapas da vida: neonatologia, pedia- tria, clínica médica, obstetrícia, geriatria e surgem novas espe- cialidades como a cirurgia estética, cujo fim primordial não é o terapêutico. A freqüente presença do médico na vida de cada pessoa implica maior aproximação da sociedade com o mundo da medicina do que pode decorrer uma série de problemas. Essa múltipla oferta de serviços médicos requer o estabeleci- mento de prioridades a serem atendidas. • A emancipação do paciente. A ênfase social e política pelo reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas, sem distinção de classe, sexo e idade, está repercutindo também no mundo da medicina. Esta não fica alheia à linguagem reivindica- tória dos direitos. Expressões como: consentimento informado, princípio de independência ou de respeito à autonomia do paciente, são novos na ética médica, desconhecidos da tradi- ção hipocrática e fruto do influxo das idéias sociais e políticas na teoria e práxis médica. O reconhecimento do paciente como pessoa, com valores fundamentais e determinados, é uma vi- tória sobre o poder da classe médica profissional exercido ao longo da história. Nem sempre é fornecida ao paciente a in- formação necessária sobre o diagnóstico e o prognóstico da doença, nem solicitado o seu consentimento para o processo terapêutico. • Criação e funcionamento dos comitês de bioética e dos comi- tês de ética para pesquisa em seres humanos. A função primá- 7 O Estatuto da Criança e do Adolescente [1] Em 13 de julho de l990, o Congresso Nacional do Brasil decretou e o Presi- dente da República sancionou a Lei Federal nº. 8069 (ECA), que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao ado- lescente, festejada em todo o mundo como um dos melhores instrumentos re- lativos ao assunto. Reproduzimos alguns tópicos que se relacionam com deveres e obrigações de médicos e instituições de saúde, com as modificações introduzidas pela Lei nº. 8242, de 12 de outubro de 1991. DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 2º – Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aque- la entre doze e dezoito anos de idade. Art. 3º – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamen- tais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as opor- tunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, men- tal, moral, espiritual e social, em con- dições de liberdade e de dignidade. Art. 4º – É dever da família, da comu- nidade, da sociedade em geral e de Po- der Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos re- ferentes à vida, à saúde, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo Único – A garantia de priori- dade compreende: a) primazia de receber proteção e so- corro em quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos servi- ços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na exe- cução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º – Nenhuma criança ou adoles- cente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, puni- do na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Art. 6º – Na interpretação desta Lei levar- se-ão em conta os fins sociais e a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. TÍTULO II CAPÍTULO I DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO À VIDA E À SAÚDE Art. 7º – A criança e o adolescente têm o direito de proteção à vida e à saúde, 50 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil ria desses organismos não é decidir nem policiar, mas proteger e orientar. O caráter pluralista que esses comitês devem ter na sua composição é mais uma demonstração da ampla abrangência da medicina e de sua interferência na vida social. O imperativo tecnológico ou o princípio que permite realizar sem distinção tudo o que a ciência ou a tecnologia têm capa- cidade de fazer, apresenta, certamente, seus limites. Felizmen- te, o Brasil já possui suas normas e diretrizes para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos [1]. • A necessidade de um padrão moral que possa ser compartilha- do por pessoas de moralidade diferente. Em âmbito mundial, constata-se que nossa época se caracteriza pela apatia e frag- mentação moral, em grande parte devida ao caráter pluralista de nossa sociedade. Aceita-se como desafio à moral da vida contemporânea o estabelecimento de alguns princípios comuns para que se resolvam problemas também comuns, decorrentes do progresso das ciências biomédicas e da tecnologia científica aplicada à saúde [2]. • O crescente interesse da ética filosófica e da ética teológica nos temas que se referem à vida, à reprodução e à morte do ser humano. Especialistas em ética filosófica afirmam que muito tem contribuído a medicina para a revitalização da ética que andava afastada dos problemas práticos, concentrada particu- larmente no mundo da cultura anglo-saxônica, em especia- lizadas e restritas questões metaéticas. (Adaptado de Clotet, J. Por que Bioética? Bioética - Vol. 1 - no. 1;1993: 13-19). Bibliografia: 1. BRASIL. Conselho Nacional da Saúde. Diretrizes e Normas Regulamentadoras da Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/96, publicada no Diário Oficial da União, 16/10/1996. 2. Engelhardt Jr. Bioethics and secular humanism: the search for a common morality. London: SCM Press;Philadelphia: Trinity Press International, 1991: XI. 8 discussão, num contexto multiprofissio- nal, dos aspectos que permeiam o atendi- mento do adolescente, por meio de uma reflexão nas várias instâncias, para que possa haver o aprimoramento da assistên- cia ao jovem, além de respaldo legal para adequado atendimento ao adolescente. Recomendações OsDepartamentos de Bioética e Ado- lescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo apresentam as seguintes re- comendações: 1. O médico deve reconhecer o ado- lescente como indivíduo progressi- vamente capaz e atendê-lo de forma diferenciada. 2. O médico deve respeitar a individua- lidade de cada adolescente, man- tendo uma postura de acolhimento, centrada na saúde e no bem estar do jovem. 3. O adolescente, desde que identifi- cado como capaz de avaliar seu pro- blema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo, tem o direito de ser atendido sem a presença dos pais ou responsáveis no ambiente da consulta, garantin- do-se a confidencialidade e a exe- cução dos procedimentos diagnósti- cos e terapêuticos necessários. Des- sa forma, o jovem tem o direito de fazer opções sobre procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou profilá- ticos, assumindo integralmente seu tratamento. Os pais ou responsáveis somente serão informados sobre o conteúdo das consultas, como por exemplo, nas questões relacionadas à sexualidade e prescrição de méto- dos contraceptivos, com o expresso consentimento do adolescente. 4. A participação da família no proces- so de atendimento do adolescente é altamente desejável. Os limites des- se envolvimento devem ficar claros para a família e para o jovem. O adolescente deve ser incentivado a envolver a família no acompanha- mento de seus problemas. 5. A ausência dos pais ou responsáveis não deve impedir o atendimento mé- dico do jovem, seja em consulta de matrícula ou nos retornos. 6. Em situações consideradas de risco (por exemplo: gravidez, abuso de drogas, não adesão a tratamentos re- comendados, doenças graves, risco à vida ou à saúde de terceiros) e diante da realização de procedimen- tos de maior complexidade (por exemplo, biópsias e intervenções ci- rúrgicas) torna-se necessária a parti- cipação e o consentimento dos pais ou responsáveis. 7. Em todas as situações em que se caracterizar a necessidade da que- bra de sigilo médico, o adolescente deve ser informado, justificando-se os motivos para tal atitude. Bibliografia: 1. Françoso LA. Oselka GW. Aspectos éticos do atendimento médico do adolescente. Atualize-se pediatra. Sociedade de Pediatria de São Paulo IV nº 10 04/1999. 49 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil II. CONCEITOS Bioética Trata-se de um conceito novo. O neo- logismo bioética foi cunhado e divul- gado pelo oncologista americano Van Rensselaer Potter no seu livro “Bioethics: bridge to the future” [1]. O sentido do termo bioética tal como é usado por Potter é diferente do significado a ele hoje atribuído. Potter usou o termo para se referir à importância das ciências biológicas na melhoria da qualidade de vida; ou seja, a bioética seria, para ele, a ciência que garantiria a sobrevivência no planeta. Certamente, impõe-se a necessidade de se adotarem determinados valores até agora considerados de caráter não rele- vante. A terra está em perigo, vítima do crescimento descontrolado da socieda- de industrial e de sua tecnologia. Neste início do terceiro milênio o respeito à ecologia e a necessidade de estabele- cer limites ao desenvolvimento indus- trial e tecnológico são inquestionáveis para a sociedade. O termo bioética também poderia ser usado com um significado amplo, refe- rindo-se, por exemplo, à ética ambiental planetária, ao tema dos agrotóxicos ou ao uso indiscriminado de animais em pesquisas ou experimentos biológicos. Mas, atualmente, não é essa sua cono- tação específica e mais comum. Segun- do a “Encyclopedia of Bioethics” [2], bioética é o estudo sistemático da con- duta humana nas áreas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na me- dida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais. A bioética ocupa-se, principalmente, dos problemas éticos referentes ao início e fim da vida humana, dos novos méto- dos de fecundação, da seleção do sexo, da engenharia genética, das pesquisas em seres humanos, do transplante de órgãos, dos pacientes terminais, das formas de eutanásia, entre outros temas atuais. Convém salientar que a bioética não possui novos princípios éticos funda- mentais. Trata-se da ética já conhecida e estudada ao longo da história da filo- sofia, mas aplicada a uma série de si- tuações novas, geradas pelo progresso das ciências biomédicas. Poder-se-ía definir a bioética como a expressão crítica do nosso interesse em usar con- venientemente os poderes da medicina no enfrentamento dos problemas refe- rentes à vida, à saúde e à morte do ser humano. A disparidade existente entre as opiniões morais sobre temas básicos, como são todos os relacionados com a vida e a morte, evidencia o pluralismo moral da sociedade hodierna. De outro lado, devemos concordar que não há normas únicas para resolver as diversas situa- ções que se possam apresentar. No caso de uma criança recém-nascida com síndrome de Down e fístula traqueo- esofágica [3] podem ser emitidas e jus- tificadas opiniões diferentes sobre o tra- tamento ou destino a lhe ser proporcio- nado. O importante, como em todos os 9 Toda a oportunidade de envolvimento do jovem com o serviço de saúde deve ser adequadamente aproveitada. Quan- do são estabelecidas normas rígidas, que dificultem ou impeçam o acesso deste indivíduo às instituições, pode-se perder a ocasião de proporcionar orientação e ajuda em questões referentes à saúde física, exercício sadio da sexualidade e prevenção dos mais diferentes agravos. Também não se deve esquecer que cada adolescente é único e que o respeito a essa individualidade deve permear a consulta. O profissional que se propõe a atender adolescentes não deve adotar posturas estereotipadas e/ou preconcei- tuosas; seus valores devem ser exclusi- vamente relacionados à saúde e bem estar do jovem. Outro aspecto de extrema importância, inerente à qualificação do adolescente como pessoa capaz, está na garantia de confidencialidade e privacidade que ca- racterizam o sigilo médico. Essa postura está respaldada no artigo 103 do Código de Ética Médica que veda ao médico: “Revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus pró- prios meios para solucioná-lo, salvo quan- do a não revelação possa acarretar da- nos ao paciente”. Segundo o parecer nº 1734/87, do Con- selho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), o médico deve guardar segredo profissional sobre to- das as confidências que receber de seu paciente, mesmo que menor de idade. De acordo com o mesmo parecer do CREMESP, a revelação do segredo mé- dico somente deverá ocorrer quando o médico “entender que o menor não tem capacidade para avaliar a extensão e a dimensão de seu problema ou de con- duzir-se por seus próprios meios para solucioná-lo e entender que a não reve- lação possa acarretar danos ao pacien- te”. O julgamento sobre a capacidade do menor é subjetivo e nessa avaliação ajuda muito a experiência e o bom senso do profissional. Em países como os Estados Unidos, o conceito de “menor maduro” (mature minor) encontra-se definido por lei: “in- divíduo capaz de compreender os bene- fícios e riscos do atendimento e de res- ponsabilizar-se pela assistência recebida”. O desafio para os profissionais da saú- de, particularmente para os pediatras que trabalham com adolescentes está em equacionar o direito do adolescente de receber assistência com o direito da família de cuidar da saúde e bem estar deseu filho, procurando estimular o jovem a assumir crescentemente a responsabilidade pelos cuidados que lhe dizem respeito. Esses aspectos consti- tuem o embasamento da medicina do adolescente. Os padrões sociais têm-se modificado de forma intensa nos últimos anos e, com eles, também o comportamento dos jo- vens, com sua possíveis conseqüências. Existe, portanto, a necessidade de que a medicina acompanhe essas modificações. Para tanto, torna-se necessária a ampla 48 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil casos que se apresentem como confli- tantes, é tentar conciliar as melhores soluções. A bioética procura, de ma- neira racional e pactuada, resolver os problemas biomédicos conseqüentes de visões diferentes depois de considera- dos princípios e valores morais. O de- senvolvimento da bioética exige que se medite sobre se é o homem ou a mu- lher que usa a ciência ou se, contraria- mente, são por ela usados. A bioética precisa, portanto, de um paradigma de referência antropológico-moral que, implicitamente, já foi enunciado: o valor supremo da pessoa, de sua vida, da liberdade e de sua autonomia. Esse princípio, porém, às vezes parece conflitar com aquele outro, relativo à qualidade de vida digna que merecem ter o homem e a mulher. Nem sempre os dois princípios se amoldam perfeita- mente sem conflitos, no mesmo caso. Sabemos por própria experiência que, em determinadas circunstâncias, não é fácil tomar uma decisão. Constitui tare- fa da bioética fornecer os meios para fazer uma opção racional de caráter moral referente à vida, à saúde ou à morte, em situações especiais, reconhe- cendo que essa determinação terá de ser dialogada, compartilhada e decidida entre pessoas com valores morais di- ferentes. Para um melhor entendimen- to das exigências e dificuldades da bio- ética, esta deve ser compreendida se- gundo o momento atual de nossa cul- tura e civilização, dentro da linguagem dos direitos [4]. O movimento em fa- vor dos direitos humanos promoveu o movimento dos direitos do enfermo. Fora desse contexto fica difícil enten- der, explicar e justificar a bioética. (Adaptado de: Clotet, J. Por que Bioéti- ca? Bioética - Vol.1 - no. 1; 1993: 13- 19). Bibliografia: 1. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Engle- wood Cliffs: Prentice-Hall, 1971. 2. Reicht WT, editor. Encyclopedia of bioethics. New York: The Free Press; London: Collier Mac- millan Publishers, 1978. 3. Barbash F, Russel CH. Permitted death gives life to an old debate. The Washington Post 1982 apr: 17. 4. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of informed consent. New York: Oxford University Press, 1986:6. Ética, Moral e Direito [1] É extremamente importante saber dife- renciar a Ética da Moral e do Direito. Estas três áreas do conhecimento são distintas, porém, têm grandes vínculos e às vezes se sobrepõem. Tanto a Moral quanto o Direito baseiam- se em regras que visam a estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas. Ambos, porém, se diferenciam. A Moral estabelece regras que são as- sumidas pela pessoa como uma forma de garantir o seu bem-viver. A moral independe das fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum. O Direito busca estabelecer o regra- mento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm 10 cos que devem nortear o atendimento médico dessa faixa etária. Característica da Adolescência As modificações biológicas que ocor- rem durante a adolescência constituem a puberdade e englobam o estirão de crescimento, desenvolvimento das gô- nadas, com aparecimento dos caracteres sexuais secundários, estabelecimento da capacidade reprodutiva, mudanças na composição corporal e desenvolvimen- to de órgãos internos. O desenvolvimento psicossocial carac- teriza-se, nesse período de vida, pela busca da identidade adulta. Nesse pro- cesso, várias manifestações de conduta são freqüentemente identificadas como o distanciamento progressivo dos pais, a tendência a agrupar-se, a evolução manifesta da sexualidade, a deslocação temporal (desorientação em relação ao tempo), tendência a intelectualizar e fantasiar, constantes flutuações de hu- mor e do estado de ânimo, contradi- ções sucessivas nas manifestações de conduta e atitude social reinvindicatória. A Consulta do Adolescente Diante de todas essas características, a consulta médica do adolescente reves- te-se de maior complexidade, de forma que todos os profissionais de saúde, especialmente os médicos que traba- lham com esses jovens, acabam depa- rando-se, em algum momento, com cir- cunstâncias resultantes do novo mode- lo de relação no qual configuram-se novas perspectivas éticas. A consulta é um momento privilegiado da relação humana e deve basear-se em três as- pectos primordiais: confiança, respeito e sigilo. Nessa faixa etária, o primeiro aspecto a ser considerado na relação médico- paciente diferente da consulta da crian- ça, está no modelo até então estabele- cido do contato do profissional com a mãe ou responsável que passa a ser substituído pela relação direta entre médico e paciente. Essa mudança é importante por signifi- car uma situação em que o adolescente deve ser encarado como um indivíduo capaz de assumir progressivamente a responsabilidade pela sua saúde e cui- dados com seu corpo. Por outro lado, a família não deve ser excluída do pro- cesso. Entretanto, seu envolvimento não pode preponderar sobre a relação do médico com o adolescente. Assim, prin- cipalmente o primeiro atendimento, deve ser realizado “em tempos” diferen- tes, em que exista o momento de con- tato do profissional com um familiar, prevalecendo, porém, o espaço médi- co-adolescente. Nessa oportunidade, os familiares são orientados quanto a ques- tões como confidencialidade e sigilo médico e temas a serem abordados nas consultas, além de complementarem os dados de anamnese. A ausência do familiar não inviabiliza a consulta do adolescente, excetuando-se os casos de portadores de distúrbios psiquiátricos ou outras deficiências graves. 47 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil uma base territorial, elas valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus dele- gados vivem. O Direito Civil, que é o referencial utilizado no Brasil, baseia- se na lei escrita. A “Common Law”, dos países anglo-saxônicos, baseia-se na jurisprudência. As sentenças dadas para cada caso em particular podem servir de base para a argumentação de novos casos. O Direito Civil é mais estático e a “Common Law” mais dinâ- mica. Alguns autores afirmam que o Direito é um subconjunto da Moral. Essa pers- pectiva pode levar à conclusão de que toda a lei é moralmente aceitável. Inú- meras situações demonstram a existên- cia de conflitos entre a Moral e o Direi- to. A desobediência civil ocorre quan- do argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei. Esse é um exemplo de que a Moral e o Direito, apesar de se referirem a uma mesma sociedade podem ter perspecti- vas diferentes. A Ética é o estudo geral do que é bom ou mau. Um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e pelo Direito. Ela é diferente de ambos – Moral e Direito – pois não estabelece regras. Essa refle- xão sobre a ação do ser humano é o que a caracteriza. Bibliografia: 1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioeti- ca.htm Comitês de Bioética, Comitês de Ética em Pesquisa e Comissões de Ética MédicaNas instituições de ensino, pesquisa e saúde há, atualmente, uma verdadeira multidão de órgãos vinculados à dis- cussão deontológica e à bioética. A seguir, relataremos seus objetivos e suas funções, a título de esclarecimento. Comitê de Bioética É um grupo interdisciplinar, composto por profissionais da saúde e de outras áreas, assim como de representantes da comunidade (usualmente usuários de instituições) que têm por objetivo auxi- liar na análise de dilemas morais que surgem na atenção individual a pacien- tes, na prestação de consultorias e no ensino, além de sugerir normas institu- cionais para assuntos que envolvam questões éticas. Comissão de Ética Médica Grupo de médicos com a função de avaliar deveres e direitos inerentes ao exercício profissional do médico. É um órgão supervisor da ética profissional do médico por atribuição do Conselho Federal de Medicina e dos Conselhos Regionais de Medicina, ao mesmo tem- po julgador e disciplinador da classe médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da 11 plantation in a neonate. JAMA. 1985; 254(23): 3321-3329. Aspectos Éticos do Atendimento Médico ao Adolescente No “Atualize-se pediatra” IV nº 10, de Abril de 1999 da Sociedade de Pediatria de São Paulo [1], páginas 2 e 3, os mem- bros do Departamento de Adolescência e do Departamento de Bioética da SPSP [1] publicaram o artigo a seguir, que reproduzimos com autorização, por considerá-lo de excelente qualidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência compreen- de a faixa etária entre 10 e 19 anos. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8069 de 13/07/90), é considerado adolescente o indivíduo entre 12 e 18 anos de idade. Essa dife- rença é pouco relevante em face de to- das as modificações biológicas e sociais que caracterizam esse período da vida. Conforme estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU), os adoles- centes representam cerca de 25% da população mundial. No Brasil, segundo dados do censo demográfico do Institu- to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1991, esse grupo corresponde a 21,84% da população do país, sendo que nos últimos 25 anos triplicou a po- pulação de jovens nas regiões urbanas. A maior vulnerabilidade desse grupo aos agravos, determinada pelo processo de crescimento e desenvolvimento, colo- ca-o na condição de presa fácil das mais diferentes situações de risco, como gra- videz precoce, muitas vezes indesejada, DST, AIDS, acidentes, diversos tipos de violência, maus tratos, uso de drogas, evasão escolar, etc. Quando somados esses fatores à importância demográfica que esse grupo representa, encontra-se plenamente justificada a necessidade de atenção integral à sua saúde, levando em consideração as peculiaridades es- pecíficas dessa faixa etária. Em cumprimento à Constituição Brasi- leira, promulgada em 05/10/88, o Mi- nistério da Saúde oficializou o Progra- ma de Saúde do Adolescente (PROSAD), visando proporcionar atenção integral à saúde dos jovens. A Sociedade Brasileira de Pediatria, compreendendo que a atuação do pe- diatra estende-se desde a concepção até o término do crescimento somático do indivíduo, enviou comunicado, em 13/ 08/93, dirigido aos pediatras, às insti- tuições públicas e privadas que pres- tam atendimento médico, às empresas de convênio e às cooperativas médicas, recomendando a abrangência da área de atuação do pediatra até os 18 anos de idade. O médico envolvido na prática da medi- cina do adolescente (hebiatria) precisa preocupar-se com as peculiares dimen- sões éticas da relação médico-paciente nesse período da vida. Os Departamentos de Bioética e de Ado- lescência da Sociedade de Pediatria de São Paulo, reconhecendo essas particu- laridades e as dificuldades enfrentadas pelos pediatras no exercício dessa prá- tica, propuseram-se a elaborar recomen- dações sobre os princípios éticos bási- 46 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil profissão e dos que a exercem legal- mente. Essas comissões foram criadas pela Lei 3.268/57 de 30/09/1957 (DOU 04/10/1957). Comitê de Ética em Pesquisa Colegiados interdisciplinares e indepen- dentes, com Munus público, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos das pesquisas em sua integrida- de e dignidade e contribuir para o de- senvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos. Foram criados no Brasil pela Resolução 01/88 de 13/06/88, do Conselho Nacional de Saúde e modifi- cados pela Resolução 196/96 de 10/10/ 96 do Conselho Nacional de Saúde. III. PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA Introdução A Bioética, assim como a Ética, admite diferentes modelos explicativos ou es- colas, como preferem alguns autores. Os principais modelos explicativos uti- lizados na Bioética são o principialismo (Principlism), a casuística, a ética do cuidado, a ética das virtudes, o modelo ternário, entre outros. O principialismo é o modelo mais uti- lizado e difundido, talvez por ser o mais simples de ser entendido e por ser o que mais se adapta à situação de en- sino. Por esses motivos, vamos nos apro- fundar nesse modelo, sem que isto sig- nifique que os demais não sejam úteis e adequados. Com o surgimento da Bioética na déca- da de 70 do século passado, era neces- sário estabelecer uma metodologia para analisar os casos concretos e os proble- mas éticos que emergiam da prática da assistência à saúde. Em 1979, os norte americanos Tom L. Beauchamp e James F. Childress publicam um livro chama- do Principles of Biomedical Ethics, onde expõem uma teoria, fundamentada em quatro princípios básicos – não-male- ficência, beneficência, respeito à auto- nomia e justiça - que, a partir de então, tornar-se-ia fundamental para o desen- volvimento da Bioética e ditaria uma forma peculiar de definir e manejar os valores envolvidos nas relações entre profissionais de saúde e seus pacientes [1]. Esses quatro princípios, que não possuem um caráter absoluto, nem têm prioridade um sobre o outro, servem como regras gerais para orientar a to- mada de decisão diante de problemas éticos e para ordenar os argumentos nas discussões de casos [2]. O Principialismo de Beauchamp e Chil- dress baseia-se em teorias éticas deon- tológicas e conseqüencialistas [3], mais precisamente nas idéias de William David Ross e William Frankena, sendo influenciado também pelo The Belmont Report, um documento elaborado por uma comissão nacional e publicado pelo governo dos Estados Unidos da América em 1978, que define as bases éticas para a proteção dos seres huma- 12 cas. A utilização de um bebê em um experimento não terapêutico, pois a paciente não teria real benefício com o transplante [2]. A obtenção de órgãos de doadores vi- vos tem sido muito utilizada, ainda é útil, porém, é igualmente questionável do ponto de vista ético. Este tipo de doa- ção somente tem sido aceita quando existe relação de parentesco entre doa- dor e receptor. Neste tipo de transplan- te não é admitida a doação de órgãos de crianças ou adolescentes, exceto de tecidos regeneráveis (medula, por exem- plo). A doação de órgãos por amigos ou até mesmo por desconhecidos tem sido fortemente evitada. As questões en- volvidas são a autonomia e a liberdade do doador em dar seu consentimento e a avaliação do risco-benefício associa- da ao procedimento, especialmente com relação à não-maleficência (mutilação) no tocante ao doador. A utilização de órgãos extraídos de ca-dáveres tem sido a solução mais promis- sora para o problema da demanda ex- cessiva. O problema inicial foi o esta- belecimento de critérios para caracteri- zar a morte do indivíduo doador. A mudança do critério cardiorrespiratório para o encefálico possibilitou um gran- de avanço nesse sentido. Os critérios para a caracterização de morte ence- fálica foram propostos, no Brasil, pelo conselho Federal de Medicina, através da Resolução CFM 21480/97. Na ob- tenção do órgão de cadáver transfere- se a discussão da origem para a forma de obtenção: doação voluntária, consen- timento presumido, manifestação com- pulsória ou abordagem de mercado. Em 16 de janeiro de 1997, foi aprovada pelo Congresso Nacional, após uma longa discussão, a nova lei dos trans- plantes (Lei 9434/97), sancionada pelo Presidente da República em 4 de feve- reiro de 1997, que altera a forma de obtenção para o consentimento presu- mido. A legislação anteriormente vigente estabelecia a doação voluntária. A destinação dos órgãos para transplan- tes, assim como a de outros recursos escassos, compreende duas etapas. A primeira deve ser cumprida pela própria equipe de saúde, contemplando critéri- os de elegibilidade, probalidade de su- cesso e de progresso da ciência, visando a beneficência ampla. A segunda, a ser realizada por um Comitê de Bioética, pode utilizar os critérios de igualdade de acesso, das probabilidade estatísticas relativas ao caso, da necessidade de tra- tamento futuro, do valor social do indi- víduo receptor, da dependência de ou- tras pessoas, dentre muitos outros. Em 30/06/1997 o decreto 2.268 regula- menta a Lei nº 9.434 de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tra- tamento. Em 06/10/1998 foi editada a medida provisória nº 1.718 alterando o art. 4º da Lei 9.434 de 04/02/1997. Bibliografia: 1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica. htm 2. Bailey LL, Nehlsen C, Sandra L, Concepcion W. Jolley WB. Baboon-to-human cardiac xenotrans- 45 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil nos submetidos à pesquisa biomédica, onde são reconhecidos os princípios da beneficência, da justiça e a necessida- de do consentimento após a outorga da informação em respeito à autonomia dos sujeitos pesquisados [4]. Em seu livro The Right and the Good, de 1930, William David Ross expressa o conceito de que a vida moral está fundamentada em alguns princípios básicos, evidentes e incontestáveis que todos os seres humanos consideram obrigatórios numa primeira considera- ção e chamou-os de deveres prima facie [5,6]. Os deveres prima facie são obri- gações que devem ser cumpridas a não ser que conflitem, numa situação deter- minada, com outra obrigação igual ou mais forte [2]. Entre os deveres prima facie de Ross, estão a beneficência, a não maleficência e a justiça. Décadas mais tarde, em 1963, quando publica o livro Ethics, o filósofo William Frankena, constrói sua teoria em con- sonância com as idéias de Ross e diz que são dois os princípios básicos ou deveres prima facie: a beneficência e a justiça ou eqüidade7. Beauchamp e Childress transportaram essas idéias para o Principialismo, di- zendo que, em Bioética, há quatro destas obrigações ou deveres prima facie: não-maleficência, beneficência, respeito à autonomia e justiça. Assim, para estes autores, o ponto de partida para orientar qualquer discussão ética deve ser a análise destas quatro condi- ções e de como elas podem ser melhor respeitadas em cada caso. Desde seu aparecimento, o Principialis- mo gerou críticas. O problema reside no caráter relativo dos princípios, fa- zendo com que surjam conflitos entre eles porque, na prática, nem sempre se pode respeitá-los igualmente. Por outro lado, tem a vantagem de ser operacio- nal, constituindo-se em parte necessá- ria, apesar de nem sempre suficiente, para a tomada de decisão. Os princípi- os facilitam e ordenam a análise dos casos concretos e, a partir de então, pode-se necessitar de outros valores para aprofundar a análise ética. Na Bioética contemporânea, é consenso que o Prin- cipialismo apresenta um conjunto de postulados básicos que não podem ser ignorados mesmo que não tenham, re- conhecidamente, o caráter incondicio- nal de princípios [8]. Este capítulo propõe-se a definir cada um desses conceitos à luz da teoria principialista e comentar algumas ques- tões específicas da sua utilização no exercício da Pediatria. Não foi escrito para esgotar a fundamentação filosófica e ética da teoria principialista. Para tal, é necessário que os leitores utilizem as referências bibliográficas do final desta exposição. O Princípio da não-maleficência De acordo com este princípio, o profis- sional de saúde tem o dever de, inten- cionalmente, não causar mal e/ou da- nos a seu paciente. Considerado por muitos como o princípio fundamental da tradição hipocrática da ética médi- 13 dinárias, medidas fúteis, critérios de acesso aos cuidados (triagem), sigilo, confidencialidade e privacidade. Nesta área, outra questão importante é a que diz respeito às condições de trabalho às quais os profissionais de saúde são sub- metidos, como a questão da jornada de trabalho. Muitas vezes é exigido um tipo de atendimento que as condições ma- teriais não possibilitam. Os fatores de risco associados a esse tipo de atendi- mento também contribuem para aumen- to da tensão associada aos procedimen- tos. Um importante elemento de qual- quer proteção à saúde é a relação mé- dico-paciente. Habitualmente, num ser- viço de emergência o contato anterior é inexistente, os antecedentes clínicos são desconhecidos e o nível de ansie- dade associado à própria situação di- ficulta uma boa relação. As ativida- des de ensino em serviços de emergên- cia devem ser criteriosamente planeja- das, de forma a evitar que os alunos sejam expostos, desnecessariamente, a situações com as quais tenham dificul- dade em lidar e nas quais se vejam li- mitados. Potencialmente, são situações prejudiciais tanto para os pacientes quanto para os alunos. A pesquisa da emergência é um assun- to extremamente atual e controverso. Inúmeras questões podem ser discuti- das, inclusive quanto à sua possibilida- de de ocorrer. A montagem de projetos de pesquisa nesta área deve incorporar redobrados cuidados éticos e metodoló- gicos. As questões metodológicas mais importantes são as que dizem respeito à seleção da amostra, sua validade in- terna e externa, critérios de exclusão e identificação de potenciais fatores de confusão. Na área da ética o item que mais se destaca é o referente à utiliza- ção do consentimento informado. Bibliografia: 1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica. htm Ética Aplicada aos Transplantes de Órgãos O transplante de órgãos vem provocan- do inúmeros questionamentos éticos so- bre a origem e a forma de obtenção do material a ser transplantado. Quanto à origem, os órgãos podem ser oriundos de outras espécies animais (xenotrans- plantes), de seres humanos vivos (alo- transplantes intervivos) ou mortos (alo- transplante de cadáver doador). A utili- zação do órgão de outros animais em seres humanos vem atraindo a atenção de cientistas desde o inicio do século passado. Exemplo é o caso Baby Fae. - Em 1984, uma paciente pediátrica, em estado terminal, por problemas car- díacos, recebeu um transplante de co- ração de babuíno em Loma Linda University Medical Center/EEUU. Os cientistas sabiam que o coração trans- plantado não poderia ajudá-la mais que alguns dias. A paciente sobreviveu ape- nas 20 dias.Este caso, apesar de não ter sido o primeiro xenotransplante reali- zado em seres humanos, desencadeou a discussão de inúmeras questões éti- 44 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil ca, tem suas raízes em uma máxima que preconiza “que se crie o hábito de socorrer (ajudar) ou, ao menos, não cau- sar danos [6]. Esse preceito, mais conhe- cido na sua versão latina (primum non nocere), é utilizado freqüentemente co- mo uma exigência moral da profissão médica. Trata-se, portanto, de um míni- mo ético, um dever profissional que, se não cumprido, coloca o profissional de saúde numa situação de imperícia ou prática negligente da medicina ou das demais profissões da área biomédica. A Não-Maleficência tem importância porque, muitas vezes, o risco de causar danos é inseparável de uma ação ou procedimento moralmente indicado. No exercício da medicina este é um fato muito comum, pois quase toda inter- venção diagnóstica ou terapêutica en- volve risco de dano. Por exemplo, com uma simples retirada de sangue para realizar um teste diagnóstico incorre-se no risco de causar hemorragia no local puncionado. Do ponto de vista ético, este dano pode justificar-se o benefício esperado com o resultado do exame for maior do que o risco de hemorragia. A intenção do procedimento é beneficiar o paciente e não causar-lhe o sangra- mento. Nesse exemplo as conseqüên- cias do dano são pequenas e certamen- te não há risco de vida. Porém, se o paciente tiver problemas de hemostasia, este risco aumentará. Quanto maior o risco de causar dano, maior e mais justificado deve ser o objetivo do pro- cedimento para que este possa ser con- siderado um ato eticamente correto. O Princípio da Beneficência A beneficência tem sido associada à excelência profissional desde os tem- pos da medicina grega e está expressa no Juramento de Hipócrates: “Usarei o tratamento para ajudar os doentes, de acordo com minha habilidade e julga- mento e nunca o utilizarei para preju- dicá-los” [9]. Beneficência quer dizer fazer o bem. De uma maneira prática, isto significa que temos a obrigação moral de agir para o benefício do outro. Este concei- to, quando é utilizado na área de cui- dados com a saúde, que engloba todas as profissões das ciências biomédicas, significa fazer o que é melhor para o paciente, não só do ponto de vista técni- co-assistencial, mas também do ponto de vista ético. É usar todos os conheci- mentos e habilidades profissionais a serviço do paciente, considerando, na tomada de decisão, a minimização dos riscos e a maximização dos benefícios do procedimento a realizar [8]. O princípio da Beneficência obriga o profissional de saúde a ir além da Não- Maleficência (não causar danos inten- cionalmente) e exige que ele contribua para o bem estar dos pacientes, promo- vendo ações: a) para prevenir e remo- ver o mal ou dano que, neste caso, é a doença e a incapacidade; e b) para fazer o bem, entendido aqui como a saúde física, emocional e mental. A Benefi- cência requer ações positivas, ou seja, é necessário que o profissional atue para beneficiar seu paciente. Além disso, é 14 nesta faixa etária, pesquisas não tera- pêuticas. A alternativa de realizar apenas pes- quisas sem benefício associado é etica- mente inadequada, pois restringiria o direito ao beneficio que as pessoas po- deriam ter. A última possibilidade, a simples e to- tal proibição da pesquisa em crianças e adolescentes é uma posição de repú- dio aos abusos, mas que gera riscos para o próprio grupo [10]. As pesquisas realizadas com crianças e adolescentes que resultarem em dor ou sofrimento, sem benefício direto para os sujeitos da pesquisa, geram, à prin- cípio, uma reação contrária à sua rea- lização. Provocar dor com o objetivo de verificar se o limiar de dor varia de acordo com a idade, por exemplo, pode parecer uma pesquisa abusiva e desne- cessária. Todavia, analisando mais pro- fundamente a questão constataremos que os conhecimentos poderão gerar benefícios potenciais para toda as pes- soas dessa faixa etária, possibilitando um tratamento mais adequado e redu- zindo desconfortos. Essas pesquisas podem ser realizadas de forma respei- tosa e eticamente adequada. (Adaptado de: Kipper, DJ; Goldim, JR. A pesquisa em crianças e adolescentes. J. pediatr. 1999; 75 (4): 211-2). Bibliografia 1. Vieira S, Hossne WS. Experimentação em seres humanos. São Paulo: Moderna, 1987:14-16. 2. Baker R. A theory of international biothics: the negociable and the non-negotiable. Kenne- dy Institute os Ethics Jornal 1988;8(3): 233- 274. 3. Lederer SE. Subjected to science. Baltimore: Johns hopkins, 1997:20, 132, 143-146. 4. Goldim JR. O consentimento informado e seu uso na pesquisa em seres humanos. Porto Alegre: UFRGS, 1999 [teses de doutorado]: 28. 5. Capron AM. Human experimentation. In: Veatch RM. Medical ethics. Boston: Jones and bartlett, 1997: 137. 6. Trials of war criminal before the Nuremberg Military Tribunals. Control Council Law 1949;10(2): 181-1982. 7. World Medical Association. Declaration of Helsink: recommendations guiding physicians in biomedical research involving human subjects. JAMA 1997;277(11):922-3. 8. CIOMS. International ethical guidelis for biomedical research involving humans subjects. Geneva: WHO, 1993. 9. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96 sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Diário oficial da União 16/10/ 96:21082-21085. 10. Grodin MA, Alpert JJ. Children as participants in medical research. The Pediatric Clinicas of Norh America 1988;35(6):1389-1402. Aspectos Éticos da Medicina na Emergência [1] A medicina da emergência tem inúme- ros aspectos éticos que merecem ser discutidos. Questões que envolvem as- sistência, ensino e pesquisa devem ser claramente discutidas, utilizando os princípios da beneficência, do respeito às pessoas, da justiça e da fidelidade como instrumentos didáticos. Esses prin- cípios estão sempre presentes no dia-a- dia dos profissionais que atendem a esse tipo de intercorrência. A assistência aos pacientes em emergência pode gerar reflexões que envolvem temas como limites de tratamento, medidas extraor- 43 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil preciso avaliar a utilidade do ato, pe- sando benefícios versus riscos e/ou custos. Por exemplo, um pesquisador submete um protocolo de investigação ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição: espera-se que o investiga- dor esclareça quais são os riscos para os sujeitos pesquisados e quais são os benefícios esperados com o estudo, tanto para os participantes como para a sociedade em geral e, então, argumen- te porque os possíveis benefícios sobre- pujam os riscos, pois só neste caso a pesquisa é considerada eticamente cor- reta ou adequada. O mesmo raciocínio pode ser utilizado para os procedimen- tos da prática clínica, com o intuito de definir a sua utilidade e beneficência. O Princípio de Respeito à Autonomia Autonomia é a capacidade de uma pessoa de fazer ou buscar aquilo que ela julga ser o melhor para si mesma. Para que ela possa exercer essa autode- terminação são necessárias duas condi- ções fundamentais: a) capacidade para agir intencional- mente, o que pressupõe compreen- são, razão e deliberação para deci- dir coerentemente entre as alternati- vas apresentadas; b) liberdade, ou seja, ausência de qual- quer imposição que possa influir na tomada de posição [2]. O respeito à Autonomia requer a cons- ciência do direito de a pessoa possuir um projeto de vida próprio, de ter seus pontos de vista e opiniões, de fazerescolhas autônomas, de agir segundo seus valores e convicções [1,2]. Respei- tar a autonomia é, em última análise, preservar os direitos fundamentais do homem, aceitando o pluralismo ético- social que existe na atualidade [10,11]. Este princípio está eticamente funda- mentado na dignidade da pessoa hu- mana. Beauchamp e Childress buscam subsídio em Immanuel Kant e em John Stuart Mill para justificar o respeito à autodeterminação. I..Kant, em sua ética deontológica, explicita que a dignidade das pessoas provém da condição de serem moralmente autônomas e, por isso, merecerem respeito. Diz, ainda, que é um dever moral tratar as pessoas como a causa final e nunca como um meio, apenas. Apesar de pertencer a uma corrente filosófica diferente do deontologismo kantiano, J.S.Mill, um dos expoentes do utilitarismo anglo- saxão do séc.XIX, posiciona-se de ma- neira semelhante quando escreve que deve ser permitido aos cidadãos desen- volverem-se de acordo com suas con- vicções pessoais, desde que não inter- firam com a mesma expressão de liber- dade dos outros[2]. Na prática assistencial, é no respeito ao princípio da Autonomia que se basei- am a aliança terapêutica entre o profis- sional de saúde e seu paciente e o con- sentimento para a realização de diag- nósticos, procedimentos e tratamentos. Este princípio obriga o profissional de saúde a dar ao paciente a mais comple- 15 ticas, sem consentimento informado de seus pais ou responsáveis e seu próprio, quando tiver discernimento para tal. A Resolução 196/96, do Conselho Na- cional de Saúde que atualmente regula a pesquisa em seres humanos no Brasil, estabelece que as crianças e adolescen- tes têm o direito de serem informados, “no limite de sua capacidade”, sendo que o consentimento informado deve ser obtido de seus representantes legais [9]. Em 1997, através da Resolução 251/ 97, que é específica para a pesquisa em farmacologia, vacinas e novas substân- cias, as crianças e adolescentes passa- ram a poder participar mais ativamen- te do processo do consentimento infor- mado. A pesquisa em crianças e adolescentes apresentou vários enfoques, como ficou demostrado nessa breve revisão históri- ca. Num primeiro período, especialmen- te no século XIX, havia uma total liber- dade, faltando até mesmo o respeito à dignidade da criança como pessoa. Em resposta a isto, as legislações que se seguiram ao longo do século XX proi- biram a participação dos menores em atividades de pesquisa. Atualmente, as pesquisas estão sendo autorizadas, com algumas salvaguardas. Seria injusto não permitir a realização de pesquisas com crianças e adolescen- tes, pois esses grupos poderiam ser pri- vados de novos conhecimentos que potencialmente possibilitariam melhor qualidade de vida. As crianças e ado- lescentes, especialmente, vem conquis- tando direitos de poderem participar ativamente nas decisões que lhes di- zem respeito. O exercício da autono- mia pode situar-se na participação ampla do processo de obtenção do consentimento informado ou na acei- tação inequívoca de participar, que pode denominar-se de assentimento in- formado. As pesquisas em crianças também po- dem ser diferenciadas quanto ao bene- fício a elas associado. Assim, podem existir, teoricamente, quatro possibili- dades: 1) permissão para a realização de pes- quisa com ou sem benefício; 2) permissão para a realização de pes- quisa somente quando houver be- nefício direto para os indivíduos; 3) permissão apenas quando não hou- ver benefício; 4) proibição da pesquisa independente- mente de benefício associado ou não. A primeira possibilidade é o reconhe- cimento de que todas as pessoas po- dem ser o sujeito de experimentação, desde que respeitadas as normas para sua realização. A segunda alternativa, de que a pesqui- sa nesta faixa etária só é admissível quan- do os sujeitos auferem benefício direto com sua participação, como por exem- plo nas pesquisas terapêuticas, limita a realização de pesquisas com benefícios apenas sociais. Estariam proibidas todas as pesquisas básicas e as próprias pes- quisas terapêuticas teriam risco agre- gado pois não teriam sido realizadas, 42 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil ta informação possível, com o intuito de promover uma compreensão adequa- da do problema, condição essencial para que o paciente possa tomar uma decisão. Respeitar a autonomia signifi- ca, ainda, ajudar o paciente a superar seus sentimentos de dependência, equi- pando-o para hierarquizar seus valores e preferências legítimas para que possa discutir as opções diagnosticas e tera- pêuticas. Esta é, de maneira muito resumida, a essência do consentimento informado, resultado dessa interação profissional/ paciente. O consentimento informado é uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experi- mentação, com consciência dos riscos, benefícios e possíveis conseqüências [12]. Não deve ser entendido, portanto, como um documento firmado por am- bas as partes – o qual contempla muito mais o aspecto legalista do problema – mas sim, como um processo de rela- cionamento onde o papel do profissio- nal de saúde é o de indicar as opções, seus benefícios, seus riscos e custos, discuti-los com o paciente e ajudá-lo a escolher aquela que lhe for mais bené- fica. Existem algumas circunstâncias espe- ciais que limitam a obtenção do con- sentimento informado: a) incapacidade: tanto a das crianças e adolescentes como a causada, em adultos, por diminuição do sensório ou da consciência e nas patologias neurológicas e psiquiátricas severas; b) nas situações de urgência, quando se necessita agir e não se pode obtê- lo; c) na obrigação legal de declarar doen- ças de notificação compulsória; d) na vigência de risco grave para a saúde de outras pessoas cuja identi- dade é conhecida o que obriga o médico a informá-las mesmo que o paciente não autorize; e) quando o paciente recusa-se a ser informado e participar das decisões [1]. O Princípio de Justiça A ética biomédica tem dado muito mais ênfase à relação interpessoal entre o pro- fissional de saúde e seu paciente, colo- cando-se a beneficência, a não male- ficência e a autonomia em papel de destaque e ofuscando, de certa manei- ra, o tema social da justiça. A Justiça está associada, preferencialmente, com as relações entre grupos sociais, preo- cupando-se com a eqüidade na distri- buição de bens e recursos considerados comuns, numa tentativa de igualar as oportunidades de acesso a esses bens [8]. O conceito de justiça, do ponto de vista filosófico, tem sido explicado com o uso de vários termos. Todos eles inter- pretam a justiça como um modo justo, apropriado e eqüitativo de tratar as pes- soas em razão de algo merecido ou de- vido a elas. Esses critérios de mereci- 16 ros. O motivo dessa escolha foi de se- rem muito caros os bezerros. Em 1896, Albert Neisser anunciou publicamente que havia imunizado três meninas e cin- co prostitutas com plasma de pacientes com sífilis [2]. Tais declarações causa- ram grande impacto, gerando indigna- ção na população de vários países. Nos Estados Unidos, o senador Jacob H. Gallinger, em 2 de março de 1900, propôs uma lei para regulamentar os experimentos científicos em seres hu- manos. Nessa lei, não aprovada, cons- tava a proibição da participação em pesquisas de pessoas com menos de 20 anos de idade [3]. A Prússia, em 1901, logo após a publi- cação do livro “Memórias de um Médi- co” do russo VikentiiV. Vereseav, apro- vou a primeira legislação para ordenar as atividades de pesquisa em seres hu- manos. Era uma instrução do Diretor das Clínicas e Policlínicas sobre inter- venções médicas com objetivos outros que não o diagnóstico, terapêutica ou imunização. Nesse texto, a pesquisa em crianças foi expressamente proibida [4]. O livro do médico russo descrevia inú- meras pesquisas abusivas realizadas com crianças e outros grupos de pes- soas vulneráveis, denominadas por ele de “mártires da ciência” [5]. O Código de Nuremberg, de 1947, no seu artigo primeiro estabelece a condi- ção essencial para a realização de pes- quisas em seres humanos: o consenti- mento voluntário do ser humano é abso- lutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao ex- perimento devem ser legalmente capa- zes de dar consentimento (...) [6]. Mais uma vez, as crianças e os adolescentes foram excluídos, justamente por sua incapacidade legal. A Declaração de Helsinki, proposta em 1964 e revista pela última vez em 2000, abriu a possibilidade da participação de menores de idade em projetos de pes- quisas em saúde desde que outorgado o consentimento pelo responsável legal [7]. As Diretrizes Internacionais do CIOMS, de 1993 [8], dedicam toda a diretriz de número 5 à pesquisa em crianças, des- tacando-se três itens: • os pais ou representantes legais de- vem dar um consentimento por pro- curação; • o consentimento de cada criança deve ser obtido na medida de sua capacidade e • a recusa da criança em participar na pesquisa deve sempre ser respei- tada, a menos que, de acordo com o projeto de pesquisa, a terapia que a criança receberá não tenha qualquer alternativa medicinal acei- tável. O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), do Ministério da Justiça, através da Resolução 041/95, estabeleceu, em outubro de 1995, os Direitos da Crian- ça e do Adolescente Hospitalizados. O artigo 12 desse documento estabelece: Direito de não ser objeto de ensaio clí- nico, de provas diagnosticas e terapêu- 41 NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil mento ou princípios materiais de justi- ça, devem estar baseados em algumas características capazes de tornar rele- vante e justo esse tratamento. Como exemplos desses princípios materiais de justiça pode-se citar [2]: 1. Para cada um, uma igual porção 2. Para cada um, de acordo com sua necessidade. 3. Para cada um, de acordo com seu esforço. 4. Para cada um, de acordo com sua contribuição. 5. Para cada um, de acordo com seu mérito. 6. Para cada um, de acordo com as regras de livre mercado. Algumas teorias de justiça incluem mais de um ou mesmo todos estes princípios a fim de validar a decisão mais justa da distribuição de bens e recursos. Cada um desses argumentos pode ser visto como um dever prima facie e, depen- dendo das circunstâncias de cada caso em particular, são mais - ou menos - aplicáveis como critério. Com a crescente socialização dos cui- dados com a saúde, as dificuldades de acesso e o alto custo dos serviços, as questões relativas à justiça social são cada dia mais prementes e necessitam ser consideradas quando se analisam os conflitos éticos que emergem da necessidade de uma distribuição justa de assistência à saúde às populações. A ética, no seu aspecto público, além de proteger a vida e a integridade das pessoas, objetiva evitar a discriminação, a marginalização e a segregação social [1]. Nesse contexto, o conceito de jus- tiça deve fundamentar-se na premissa de que as pessoas têm direito a um mí- nimo decente de cuidados com sua saúde. Isto inclui garantias de igualda- de de direitos, eqüidade na distribuição de bens, riscos e benefícios, respeito às diferenças individuais e a busca de al- ternativas para atendê-las, liberdade de expressão e igual consideração dos in- teresses envolvidos nas relações do sis- tema de saúde, dos profissionais e dos usuários. Conflitos de Beneficência X Autonomia na Prática Pediátrica A maioria das discussões na literatura a respeito do exercício da autonomia pelo paciente, refere-se a procedimentos e tratamentos de pessoas adultas e com- petentes, ou seja, capazes de entender sua situação de saúde/doença e de as- similar as informações relevantes que lhes permitirão uma tomada de decisão adequada. Em Pediatria, surge a impor- tante questão da falta de competência das crianças para decidir. Como elas não preenchem as condições mínimas para fazer escolhas autônomas e racio- nais, torna-se necessário que outras pessoas decidam por elas (decisões por substituição ou proxy consent). É razoável assumir que os pais são as pessoas que melhor conhecem seu fi- lho e que, motivados pelo amor, têm o maior interesse por seu bem-estar e a maior probabilidade de agir para o 17 tar-se todas as possibilidades de se obte- rem dados por outros meios, como simu- lações em animais ou culturas de célu- las. Os pesquisadores devem dar garan- tias de que os dados serão utilizados apenas para fins científicos, preservan- do a privacidade e a confidencialidade dos indivíduos envolvidos na pesquisa. Somente com autorização expressa do indivíduo pesquisado serão permitidas a identificação e o uso de suas ima- gens. Na avaliação da relação risco-benéfico tanto participam o princípio da não- maleficência como o da beneficência. O dano irreparável ou a possibilidade de morte em decorrência do projeto impedem sua realização. Caso o risco real exceda ao previsto, o projeto deve ser interrompido e revisto. Os projetos podem ser caracterizados tanto pelo risco quanto pelo benefício. A classifi- cação pode basear-se na não-maleficên- cia, valendo-se dos riscos associados aos procedimentos (risco menor que o mí- nimo, risco mínimo e risco maior que o mínimo). O critério da beneficência, quando utilizado, avalia se o indivíduo terá ou não ganhos terapêuticos com o estudo (projetos clínicos e não clínicos). A obtenção do Consentimento Informa- do de todos os indivíduos pesquisados é um dever moral do pesquisador e de respeito à autonomia. Assim, o Consen- timento Informado é livre e voluntário. A existência de uma relação de depen- dência invalida o Consentimento e nesse grupo incluem-se os alunos, os milita- res, os funcionários de hospitais e os presidiários. O processo que leva ao Consentimento Informado deve resultar de informações completas, compreen- dendo os riscos e desconfortos, benefí- cios e os procedimentos que serão uti- lizados. A sua redação deve ser adequa- da ao nível de compreensão dos indiví- duos. É sempre registrado em um docu- mento escrito, salvo em projetos com risco menor do que mínimo, por auto- rização expressa do Comitê de Ética em Pesquisa. O último ponto fundamental é a avalia- ção por um Comitê de Ética em Pesqui- sa independente. Deste comitê devem participar pesquisadores de reconheci- da competência, além de representan- tes da comunidade. Deve ser garantida a presença de representantes de ambos os sexos. O Comitê deve avaliar os aspectos éticos do projeto de pesquisa assim como a integridade e a qualifica- ção da equipe de pesquisadores. Na história da pesquisa em saúde exis- tem muitos registros da utilização de crianças em diferentes investigações com e sem benefício direto para os parti- cipantes. O teste da vacina para varíola humana, realizado por Edward Jenner, em 1768, foi realizado no menino James Phipps. Em 1885, Louis Pasteur testou a sua vacina anti-rábica no menino Jo- seph Meister [1]. Porém, algumas situa-
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