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Introdução à Bioética na Pediatria

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TEMAS DE
PEDIATRIA
N Ú M E R O 7 3 - 2 0 0 2
Uma Introdução
à BioéticaInformação destinada exclusivamente ao profissional de saúde. RG.OR/OE993.64.21.16
Impresso no Brasil.
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
TEMAS DE
PEDIATRIA
número 73
Uma Introdução à Bioética
2 0 0 2
dosso ao patrocinador e deve vir acom-
panhada, quando for o caso, do res-
pectivo nome genérico.
Bibliografia:
1. Conselho Federal de Medicina, código de Ética
Médica. Brasília: CFM, 1988.
2. CIOMS – International Ethical Guidelines for
Biomedical Rescarch Involving Human Subjects.
Geneva: CIOMS; WHO, 1993.
3. Brasil. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes
e Normas Regulamentadoras de Pesquisas
envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/
96, publicada no Diário Oficial da União de
16/10/1996.
“SITES” ÚTEIS
1. www.cfm.org.br
2. www.mcw.edu/bioethics/ce/lap-sch.html
3. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica.htm
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NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
Uma Introdução à Bioética
DÉLIO JOSÉ KIPPER (Editor) - Médico; Professor Adjunto do Departamento de
Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS; Coordenador do Departamento
da Bioética da Sociedade Brasileira de Pediatria, Vice Presidente da Sociedade
Brasileira de Bioética.
CARLOS FERNANDO FRANCISCONI - Professor adjunto do Departamento de
Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Coordenador do
Programa de Atenção aos Problemas de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto
Alegre; Membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da
Saúde - CONEP/MS.
GABRIEL WOEF OSELKA - Professor Associado do Departamento de Pediatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Membro da Comissão de
Bioética do IC/HC-FMUSP.
JOAQUIM CLOTET - Professor de Bioética da PUCRS; Presidente da Sociedade
Rio Grandense de Bioética; Membro da Comissão sobre Acesso e Uso de Genoma
Humano do Ministério da Saúde.
JOSÉ ROBERTO GOLDIM - Professor de Bioética da PUCRS e Universidade
Federal do Rio Grande do Sul; Biólogo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre;
Doutor em Medicina/Bioética.
JUSSARA DE AZAMBUJA LOCH - Médica; Professora Assistente do Departamento
de Pediatria da Faculdade de Medicina da PUCRS; Mestranda em Bioética pela
Universidade de Santiago do Chile - Programa de Bioética da OPS para a América
Latina e Caribe.
visam à proteção dos direitos humanos,
aos quais são acrescentados dispositi-
vos específicos relativos às criança,
especialmente na convenção Internacio-
nal sobre os Direitos da Criança. Essas
observações alcançam sua dimensão
plena à luz do recente progresso em
biologia e medicina e da evolução cul-
tural relativos às primeiras etapas da
vida.
As origens da criança
• Toda a criança é um ser novo e sin-
gular.
• A dignidade do embrião produzido
in vitro, nos casos de infertilidade
do casal ou para prevenir a trans-
missão de condições particularmen-
te graves, bem como, mais tarde, a
do feto humano, devem ser respei-
tadas.
• A incapacidade de uma criança, in-
dependente de sua gravidade, nun-
ca deve ser considerada como uma
desvantagem.
Os laços da criança
• As medidas tomadas para assegurar
a proteção dos direitos das crianças
devem ser adequadas a seu grau de
autonomia.
• Os interesses da criança, dos pais
ou dos responsáveis legais devem
orientar o volume de informação a
ser compartilhado com a criança, no
que se refere às circunstâncias do
seu nascimento, quando essas cir-
cunstâncias envolvem reprodução
assistida por médico.
• A melhor situação para uma criança
é ser cuidada e educada no seio de
uma família, cujos integrantes são
responsáveis por ela. Conseqüente-
mente, essa situação deve ser pro-
curada em todos os casos.
• A criança deve participar da tomada
de decisões relativas tanto à sua
saúde quanto à sua educação, e de
maneira crescente e mais qualifica-
da, à medida que sua autonomia se
afirmar. Cabe aos pais aceitar essa
necessidade.
• Quando houver diferença de inte-
resses, o interesse da criança deve,
em princípio, prevalecer sobre o do
adulto.
O corpo da criança
• A atenção à saúde da criança deve
incluir devida consideração pelo es-
clarecimento, pelo consentimento e,
conforme o caso, pela recusa de con-
sentimento por parte da criança,
conforme seu grau crescente de
autonomia.
• Esse principio deve ser reforçado, em
especial, em relação a exames e/ou
tomada de espécimes realizados na
criança, os quais só devem visar ao
interesse imperativo de saúde da
criança que não possa ser atendido
de outra maneira.
• A proteção dos direitos deve ser re-
forçada no caso de crianças porta-
doras de incapacidade. O progresso
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NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
científico e suas aplicações, em es-
pecial quanto a prevenção e trata-
mentos, deve beneficiar as crianças
portadoras de incapacidade e nunca
levar à sua exclusão ou marginali-
zação.
• A sociedade deve promover, em es-
pecial, pesquisas relativas a doença
raras e ao desenvolvimento de tera-
pias eficazes.
O simpósio acredita que essas conside-
rações aumentarão o respeito à dignida-
de e à proteção dos direitos da criança.
Bibliografia:
1. Cadernos de Ética em Pesquisa. Publicação da
CONEP – Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa, ano III – nº. 5, julho de 2000.
VII. PATROCÍNIO
Freqüentemente, as jornadas, congres-
sos e pesquisas e home pages são patro-
cinadas por indústrias ou produtos liga-
dos à saúde e não poucas vezes nos
perguntamos se aceitar tal patrocínio é
eticamente correto.
À luz de vários documentos internacio-
nais e nacionais o patrocínio é aceitá-
vel do ponto de vista ético desde que
fique explícito o objetivo de tal patro-
cínio e, de quem recebe o patrocínio,
a adoção de uma POLÍTICA clara para
anúncios e patrocínios.
Eis algumas normas e diretrizes. O ar-
tigo 126 do Código de Ética Médica
[1], que se refere especificamente à
pesquisa, reza: “É vedado ao médico
obter vantagens pessoais, ter qualquer
interesse comercial ou renunciar à sua
independência profissional em relação
aos financiadores de pesquisa médica
de que participe” e vem acompanha-
do do seguinte comentário: “O médi-
co não deve renunciar à liberdade
profissional e deve ter o compromisso
de divulgação idônea dos resultados,
sejam quais forem”. A Diretriz 4 do
CIOMS (2) e o artigo III. 3.s da Reso-
lução 196/96, Conselho Nacional da
Saúde/Ministério da Saúde (3) afirmam:
“Os patrocinadores externos deveriam
dar incentivos ao país hospedeiro e às
instituições porque um importante
objetivo secundário da pesquisa cola-
borativa é o de ajudar a desenvolver
a capacidade do país hospedeiro para
executar independentemente projetos
de pesquisas similares, incluindo sua
revisão ética”.
Quanto à realização de congressos,
jornadas, confecção de revistas e home
pages, isto praticamente se torna im-
possível sem o auxilio de patrocina-
dores. O importante é que fique explí-
cita uma política de patrocínio e pu-
blicidade, que deve ser de conheci-
mento público e que evidencie clara-
mente os objetivos de tal patrocínio
ou publicidade, preservando a inde-
pendência profissional e institucional,
sem qualquer tipo de coação e/ou
indução, tanto do patrocinador em
relação à instituição quanto a seus
membros, mas também da instituição
em relação aos leitores (sejam eles
sócios ou usuários). Qualquer marca
veiculada não pode significar o en-
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NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
RESUMO
Com “Uma Introdução à Bioética” pretendemos levar aos Médicos
Pediatras ainda nãoiniciados no tema algumas sugestões e orien-
tações para que encontrem e utilizem métodos de análise que
possibilitem um estudo mais racional, sistemático e objetivo das
decisões de natureza moral, para que a decisão se constitua em
um ato bom e correto. Apresentamos, também, os principais
documentos elaborados para respeitar a dignidade de pessoas com
a autonomia em desenvolvimento. Nunca se pretendeu, na elabo-
ração deste tema, aprofundar o estudo da bioética mas apenas
levar subsídios que possam ser úteis até para quem terá contato
com esse tema pela primeira vez. Vários artigos já publicados em
outros periódicos pelos autores foram adaptados para essa finali-
dade. No final, encontram-se três “sites” que poderão ser úteis
para o aprofundamento no assunto.
5
respectiva localidade, sem prejuízo de
outras providências legais.
Art. 14º – O Sistema Único de Saúde
promoverá programas de assistência
médica e odontológica para a preven-
ção das enfermidades que ordinariamen-
te afetam a população infantil, e cam-
panhas de educação sanitária para pais,
educadores e alunos.
Parágrafo Único: “É obrigatória a vacina-
ção das crianças nos casos recomenda-
dos pelas autoridades sanitárias”.
Para implementar estas leis e assegurar
seu cumprimento, muitas instituições
criaram comissões multidisciplinares,
com representantes dos usuários, da
administração da instituição e de sua
assessoria jurídica (usualmente denomi-
nadas de Comissões de Cuidados Hos-
pitalares e Defesa dos Direitos da Crian-
ça e do Adolescente). Tais comissões
visam fazer respeitar estas leis e coibir
os maus-tratos institucionais e/ou fami-
liares.
Bibliografia
1. Brasil. Estatuto da criança do adolescente. Lei nº.
8069, de 13 de janeiro de 1990.
Direitos da Criança e do
Adolescente Hospitalizados [1]
Por ser um documento extremamente
útil no exercício do respeito aos direi-
tos da criança e do adolescente hospi-
talizados, reproduzimos a Resolução nº.
41 de Outubro de 1995, do Ministério
da Justiça – Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente,
cujo texto original teve origem na Socie-
dade Brasileira de Pediatria.
Direitos da Criança e do
Adolescente Hospitalizados
1. Direito à proteção, à vida e à saú-
de com absoluta prioridade e sem
qualquer forma de discriminação.
2. Direito de ser hospitalizado quan-
do for necessário ao seu tratamen-
to, sem distinção de classe social,
condição econômica, raça ou cren-
ça religiosa.
3. Direito de não ser ou permanecer
hospitalizado desnecessariamen-
te por qualquer razão alheia ao
melhor tratamento da sua enfermi-
dade.
4. Direito de ser acompanhado por
sua mãe, pai ou responsável, duran-
te todo o período de sua hospitali-
zação, bem como receber visitas.
5. Direito de não ser separada de sua
mãe ao nascer.
6. Direito de receber aleitamento ma-
terno sem restrições.
7. Direito de não sentir dor, quando
existirem meios para evitá-la.
8. Direito de ter conhecimento ade-
quado de sua enfermidade, dos cui-
dados terapêuticos e diagnósticos,
respeitando sua fase cognitiva, além
de receber amparo psicológico
quando se fizer necessário.
9. Direito de desfrutar de alguma for-
ma de recreação, programas de edu-
cação para a saúde, acompanha-
mento do curriculum escolar duran-
te sua permanência hospitalar.
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NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
I. INTRODUÇÃO
A sociedade mundial é surpreendida quase diariamente pelos meios
de comunicação social com novas técnicas de início e término da
vida, com inovações maravilhosas no diagnóstico, tratamento e
prevenção de doenças e com a decodificação do genoma humano
e de muitos outros animais e plantas, para citar apenas alguns
exemplos. Não há dúvida de que o impacto social é grande e tem
repercussões na esfera familiar e na conduta individual e coletiva.
Trata-se de um fato sociocultural que atinge a humanidade e que
provoca perplexidade, mas também esperança. Enquanto a “mass
media” explora alguns destes temas, a classe médica, protagonista
e testemunha privilegiada, tem de se posicionar quanto ao seu
modo de agir e às suas responsabilidades. Algumas mudanças
tiveram um impacto tão grande a ponto de tornar a discussão
bioética atual e necessária, como veremos a seguir:
• inquestionável progresso das ciências biológicas e biomédicas
que altera os processos da medicina tradicional e que contém
novidades insuspeitas. O desenvolvimento científico, inédito e
vertiginoso, sobretudo a partir da segunda guerra mundial, cer-
tamente implica renovação das formas costumeiras de agir e
decidir dos envolvidos no mundo da medicina, especialmente
porque origina sentimentos de angústia e insatisfação, não tanto
pelos insucessos verificados, mas pelas problemáticas conse-
qüências dos sucessos alcançados, forçando-nos a perguntar:
devemos fazer tudo o que podemos? ou ainda: por que a
radical insuficiência do conhecimento científico para a realiza-
ção do bem estar do homem? cuja resposta é ainda mais difícil.
• A socialização do atendimento médico. O reconhecimento do
direito de todo o cidadão de ser atendido e o exercício desse
direito na área da saúde multiplica e generaliza o relaciona-
mento entre pacientes e profissionais da saúde, exigindo o
reconhecimento de direitos e deveres de ambas as partes. O
conflito tornou-se comum nessas circunstâncias. A imagem do
médico que conhece seu paciente e cuida dele anos a fio, já
não é mais comum. Novos padrões de conduta presidem as
relações e decisões na medicina contemporânea. Por outro
lado, o aprimoramento das diversas formas de medicina não
pode ficar restrito ao indivíduo, pois atinge, também, a comu-
6
mediante a efetivação de políticas so-
ciais públicas que permitam o nascimen-
to e o desenvolvimento sadio e harmo-
nioso, em condições dignas de existência.
Art. 8º – É assegurado à gestante, atra-
vés do Sistema Único de Saúde, o aten-
dimento pré e perinatal.
§1º – A gestante será encaminhada aos
diferentes níveis de atendimento,
segundo critérios médicos espe-
cíficos, obedecendo-se aos prin-
cípios de regionalização e hierar-
quização do Sistema.
§2º – A parturiente será atendida pre-
ferencialmente pelo mesmo mé-
dico que a acompanhou na fase
pré-natal.
§3º – Incumbe ao Poder Público propi-
ciar apoio alimentar à gestante e
à nutriz que dele necessitem.
Art. 9º – O Poder Público, as institui-
ções e os empregadores proporcionarão
condições adequadas ao aleitamento
materno, inclusive aos filhos de mães
submetidas a medida privativa de liber-
dade.
Art. 10 – Os hospitais e demais estabe-
lecimentos de atenção à saúde de ges-
tantes, públicos e particulares, são obri-
gados a:
I- manter registro das atividades
desenvolvidas, através de prontuá-
rios individuais, pelo prazo de de-
zoito anos;
II- identificar o recém-nascido me-
diante o registro de sua impressão
plantar e digital e da impressão
digital da mãe, sem prejuízo de
outras formas normatizadas pela
autoridade administrativa compe-
tente;
III- proceder a exames visando ao diag-
nóstico e terapêutica de anormali-
dades no metabolismo do recém-
nascido, bem como prestar orien-
tação aos pais;
IV- fornecer declaração de nascimen-
to onde constem necessariamente
as intercorrências de parto e do de-
senvolvimento do neonato;
V- manter alojamento conjunto, pos-
sibilitando ao neonato a permanên-
cia junto à mãe.
Art. 11º – É assegurado atendimento mé-
dico à criança e ao adolescente, através
do Sistema Único de Saúde, garantindo
o acesso universal e igualitário às ações
e serviços para promoção, proteção e
recuperação da saúde.
§1º – A criança eo adolescente porta-
dores de deficiência receberão
atendimento especializado.
§2º – Incumbe ao Poder Público forne-
cer gratuitamente àqueles que ne-
cessitarem, próteses e outros re-
cursos relativos ao tratamento,
habilitação ou reabilitação.
Art. 12º – Os estabelecimentos de aten-
dimento à saúde deverão proporcionar
condições para permanência em tempo
integral de um dos pais ou responsá-
veis, nos casos de internação de crian-
ça ou adolescente.
Art. 13º – Os casos de suspeita ou con-
firmação de maus-tratos contra criança
ou adolescente serão obrigatoriamente
comunicados ao Conselho Tutelar da
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NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
nidade, implicando, portanto, em resposta comunitária e, con-
seqüentemente, política, quer no âmbito nacional quer no
internacional. Essa democratização da medicina deve concre-
tizar-se no momento da fixação do percentual a ser destinado
à saúde nos orçamentos municipais, estaduais ou federais. Um
fato manifesto da universalização da saúde no âmbito interna-
cional é a fundação de grandes entidades responsáveis pelo
assessoramento técnico aos países que delas participam. Como
exemplo, a Organização Panamericana de Saúde não tem pou-
pado esforços nesse sentido.
• A progressiva participação do médico na vida de todos os dias.
O relacionamento com os profissionais da saúde nas socieda-
des desenvolvidas é cada vez mais uma praxe e não um fato
isolado ou uma situação emergencial. Existem especialidades
médicas para as diversas etapas da vida: neonatologia, pedia-
tria, clínica médica, obstetrícia, geriatria e surgem novas espe-
cialidades como a cirurgia estética, cujo fim primordial não é
o terapêutico. A freqüente presença do médico na vida de cada
pessoa implica maior aproximação da sociedade com o mundo
da medicina do que pode decorrer uma série de problemas.
Essa múltipla oferta de serviços médicos requer o estabeleci-
mento de prioridades a serem atendidas.
• A emancipação do paciente. A ênfase social e política pelo
reconhecimento dos direitos fundamentais das pessoas, sem
distinção de classe, sexo e idade, está repercutindo também no
mundo da medicina. Esta não fica alheia à linguagem reivindica-
tória dos direitos. Expressões como: consentimento informado,
princípio de independência ou de respeito à autonomia do
paciente, são novos na ética médica, desconhecidos da tradi-
ção hipocrática e fruto do influxo das idéias sociais e políticas
na teoria e práxis médica. O reconhecimento do paciente como
pessoa, com valores fundamentais e determinados, é uma vi-
tória sobre o poder da classe médica profissional exercido ao
longo da história. Nem sempre é fornecida ao paciente a in-
formação necessária sobre o diagnóstico e o prognóstico da
doença, nem solicitado o seu consentimento para o processo
terapêutico.
• Criação e funcionamento dos comitês de bioética e dos comi-
tês de ética para pesquisa em seres humanos. A função primá-
7
O Estatuto da Criança
e do Adolescente [1]
Em 13 de julho de l990, o Congresso
Nacional do Brasil decretou e o Presi-
dente da República sancionou a Lei
Federal nº. 8069 (ECA), que dispõe sobre
a proteção integral à criança e ao ado-
lescente, festejada em todo o mundo
como um dos melhores instrumentos re-
lativos ao assunto.
Reproduzimos alguns tópicos que se
relacionam com deveres e obrigações
de médicos e instituições de saúde, com
as modificações introduzidas pela Lei
nº. 8242, de 12 de outubro de 1991.
DAS DISPOSIÇÕES
PRELIMINARES
Art. 2º – Considera-se criança, para os
efeitos desta Lei, a pessoa até 12 anos de
idade incompletos, e adolescente aque-
la entre doze e dezoito anos de idade.
Art. 3º – A criança e o adolescente
gozam de todos os direitos fundamen-
tais inerentes à pessoa humana, sem
prejuízo da proteção integral de que
trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por
lei ou por outros meios, todas as opor-
tunidades e facilidades, a fim de lhes
facultar o desenvolvimento físico, men-
tal, moral, espiritual e social, em con-
dições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º – É dever da família, da comu-
nidade, da sociedade em geral e de Po-
der Público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos re-
ferentes à vida, à saúde, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo Único – A garantia de priori-
dade compreende:
a) primazia de receber proteção e so-
corro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência do atendimento nos servi-
ços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na exe-
cução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos
públicos nas áreas relacionadas com
a proteção à infância e à juventude.
Art. 5º – Nenhuma criança ou adoles-
cente será objeto de qualquer forma de
negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão, puni-
do na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais.
Art. 6º – Na interpretação desta Lei levar-
se-ão em conta os fins sociais e a que
ela se dirige, as exigências do bem
comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento.
TÍTULO II
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS
DO DIREITO À VIDA
E À SAÚDE
Art. 7º – A criança e o adolescente têm
o direito de proteção à vida e à saúde,
50
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
ria desses organismos não é decidir nem policiar, mas proteger
e orientar. O caráter pluralista que esses comitês devem ter na
sua composição é mais uma demonstração da ampla
abrangência da medicina e de sua interferência na vida social.
O imperativo tecnológico ou o princípio que permite realizar
sem distinção tudo o que a ciência ou a tecnologia têm capa-
cidade de fazer, apresenta, certamente, seus limites. Felizmen-
te, o Brasil já possui suas normas e diretrizes para a realização
de pesquisas envolvendo seres humanos [1].
• A necessidade de um padrão moral que possa ser compartilha-
do por pessoas de moralidade diferente. Em âmbito mundial,
constata-se que nossa época se caracteriza pela apatia e frag-
mentação moral, em grande parte devida ao caráter pluralista
de nossa sociedade. Aceita-se como desafio à moral da vida
contemporânea o estabelecimento de alguns princípios comuns
para que se resolvam problemas também comuns, decorrentes
do progresso das ciências biomédicas e da tecnologia científica
aplicada à saúde [2].
• O crescente interesse da ética filosófica e da ética teológica nos
temas que se referem à vida, à reprodução e à morte do ser
humano. Especialistas em ética filosófica afirmam que muito
tem contribuído a medicina para a revitalização da ética que
andava afastada dos problemas práticos, concentrada particu-
larmente no mundo da cultura anglo-saxônica, em especia-
lizadas e restritas questões metaéticas. (Adaptado de Clotet, J.
Por que Bioética? Bioética - Vol. 1 - no. 1;1993: 13-19).
Bibliografia:
1. BRASIL. Conselho Nacional da Saúde. Diretrizes e Normas Regulamentadoras da
Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Resolução 196/96, publicada no Diário Oficial
da União, 16/10/1996.
2. Engelhardt Jr. Bioethics and secular humanism: the search for a common morality.
London: SCM Press;Philadelphia: Trinity Press International, 1991: XI.
8
discussão, num contexto multiprofissio-
nal, dos aspectos que permeiam o atendi-
mento do adolescente, por meio de uma
reflexão nas várias instâncias, para que
possa haver o aprimoramento da assistên-
cia ao jovem, além de respaldo legal para
adequado atendimento ao adolescente.
Recomendações
OsDepartamentos de Bioética e Ado-
lescência da Sociedade de Pediatria de
São Paulo apresentam as seguintes re-
comendações:
1. O médico deve reconhecer o ado-
lescente como indivíduo progressi-
vamente capaz e atendê-lo de forma
diferenciada.
2. O médico deve respeitar a individua-
lidade de cada adolescente, man-
tendo uma postura de acolhimento,
centrada na saúde e no bem estar
do jovem.
3. O adolescente, desde que identifi-
cado como capaz de avaliar seu pro-
blema e de conduzir-se por seus
próprios meios para solucioná-lo,
tem o direito de ser atendido sem a
presença dos pais ou responsáveis
no ambiente da consulta, garantin-
do-se a confidencialidade e a exe-
cução dos procedimentos diagnósti-
cos e terapêuticos necessários. Des-
sa forma, o jovem tem o direito de
fazer opções sobre procedimentos
diagnósticos, terapêuticos ou profilá-
ticos, assumindo integralmente seu
tratamento. Os pais ou responsáveis
somente serão informados sobre o
conteúdo das consultas, como por
exemplo, nas questões relacionadas
à sexualidade e prescrição de méto-
dos contraceptivos, com o expresso
consentimento do adolescente.
4. A participação da família no proces-
so de atendimento do adolescente é
altamente desejável. Os limites des-
se envolvimento devem ficar claros
para a família e para o jovem. O
adolescente deve ser incentivado a
envolver a família no acompanha-
mento de seus problemas.
5. A ausência dos pais ou responsáveis
não deve impedir o atendimento mé-
dico do jovem, seja em consulta de
matrícula ou nos retornos.
6. Em situações consideradas de risco
(por exemplo: gravidez, abuso de
drogas, não adesão a tratamentos re-
comendados, doenças graves, risco
à vida ou à saúde de terceiros) e
diante da realização de procedimen-
tos de maior complexidade (por
exemplo, biópsias e intervenções ci-
rúrgicas) torna-se necessária a parti-
cipação e o consentimento dos pais
ou responsáveis.
7. Em todas as situações em que se
caracterizar a necessidade da que-
bra de sigilo médico, o adolescente
deve ser informado, justificando-se
os motivos para tal atitude.
Bibliografia:
1. Françoso LA. Oselka GW. Aspectos éticos do
atendimento médico do adolescente. Atualize-se
pediatra. Sociedade de Pediatria de São Paulo IV
nº 10 04/1999.
49
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
II. CONCEITOS
Bioética
Trata-se de um conceito novo. O neo-
logismo bioética foi cunhado e divul-
gado pelo oncologista americano Van
Rensselaer Potter no seu livro “Bioethics:
bridge to the future” [1]. O sentido do
termo bioética tal como é usado por
Potter é diferente do significado a ele
hoje atribuído. Potter usou o termo para
se referir à importância das ciências
biológicas na melhoria da qualidade de
vida; ou seja, a bioética seria, para ele,
a ciência que garantiria a sobrevivência
no planeta.
Certamente, impõe-se a necessidade de
se adotarem determinados valores até
agora considerados de caráter não rele-
vante. A terra está em perigo, vítima do
crescimento descontrolado da socieda-
de industrial e de sua tecnologia. Neste
início do terceiro milênio o respeito à
ecologia e a necessidade de estabele-
cer limites ao desenvolvimento indus-
trial e tecnológico são inquestionáveis
para a sociedade.
O termo bioética também poderia ser
usado com um significado amplo, refe-
rindo-se, por exemplo, à ética ambiental
planetária, ao tema dos agrotóxicos ou
ao uso indiscriminado de animais em
pesquisas ou experimentos biológicos.
Mas, atualmente, não é essa sua cono-
tação específica e mais comum. Segun-
do a “Encyclopedia of Bioethics” [2],
bioética é o estudo sistemático da con-
duta humana nas áreas das ciências da
vida e dos cuidados da saúde, na me-
dida em que esta conduta é examinada
à luz dos valores e princípios morais. A
bioética ocupa-se, principalmente, dos
problemas éticos referentes ao início e
fim da vida humana, dos novos méto-
dos de fecundação, da seleção do sexo,
da engenharia genética, das pesquisas
em seres humanos, do transplante de
órgãos, dos pacientes terminais, das
formas de eutanásia, entre outros temas
atuais.
Convém salientar que a bioética não
possui novos princípios éticos funda-
mentais. Trata-se da ética já conhecida
e estudada ao longo da história da filo-
sofia, mas aplicada a uma série de si-
tuações novas, geradas pelo progresso
das ciências biomédicas. Poder-se-ía
definir a bioética como a expressão
crítica do nosso interesse em usar con-
venientemente os poderes da medicina
no enfrentamento dos problemas refe-
rentes à vida, à saúde e à morte do ser
humano.
A disparidade existente entre as opiniões
morais sobre temas básicos, como são
todos os relacionados com a vida e a
morte, evidencia o pluralismo moral da
sociedade hodierna. De outro lado,
devemos concordar que não há normas
únicas para resolver as diversas situa-
ções que se possam apresentar. No caso
de uma criança recém-nascida com
síndrome de Down e fístula traqueo-
esofágica [3] podem ser emitidas e jus-
tificadas opiniões diferentes sobre o tra-
tamento ou destino a lhe ser proporcio-
nado. O importante, como em todos os
9
Toda a oportunidade de envolvimento
do jovem com o serviço de saúde deve
ser adequadamente aproveitada. Quan-
do são estabelecidas normas rígidas, que
dificultem ou impeçam o acesso deste
indivíduo às instituições, pode-se perder
a ocasião de proporcionar orientação e
ajuda em questões referentes à saúde
física, exercício sadio da sexualidade e
prevenção dos mais diferentes agravos.
Também não se deve esquecer que cada
adolescente é único e que o respeito a
essa individualidade deve permear a
consulta. O profissional que se propõe
a atender adolescentes não deve adotar
posturas estereotipadas e/ou preconcei-
tuosas; seus valores devem ser exclusi-
vamente relacionados à saúde e bem
estar do jovem.
Outro aspecto de extrema importância,
inerente à qualificação do adolescente
como pessoa capaz, está na garantia de
confidencialidade e privacidade que ca-
racterizam o sigilo médico. Essa postura
está respaldada no artigo 103 do Código
de Ética Médica que veda ao médico:
“Revelar segredo profissional referente a
paciente menor de idade, inclusive a seus
pais ou responsáveis legais, desde que o
menor tenha capacidade de avaliar seu
problema e de conduzir-se por seus pró-
prios meios para solucioná-lo, salvo quan-
do a não revelação possa acarretar da-
nos ao paciente”.
Segundo o parecer nº 1734/87, do Con-
selho Regional de Medicina do Estado
de São Paulo (CREMESP), o médico deve
guardar segredo profissional sobre to-
das as confidências que receber de seu
paciente, mesmo que menor de idade.
De acordo com o mesmo parecer do
CREMESP, a revelação do segredo mé-
dico somente deverá ocorrer quando o
médico “entender que o menor não tem
capacidade para avaliar a extensão e a
dimensão de seu problema ou de con-
duzir-se por seus próprios meios para
solucioná-lo e entender que a não reve-
lação possa acarretar danos ao pacien-
te”. O julgamento sobre a capacidade
do menor é subjetivo e nessa avaliação
ajuda muito a experiência e o bom senso
do profissional.
Em países como os Estados Unidos, o
conceito de “menor maduro” (mature
minor) encontra-se definido por lei: “in-
divíduo capaz de compreender os bene-
fícios e riscos do atendimento e de res-
ponsabilizar-se pela assistência recebida”.
O desafio para os profissionais da saú-
de, particularmente para os pediatras
que trabalham com adolescentes está
em equacionar o direito do adolescente
de receber assistência com o direito da
família de cuidar da saúde e bem estar
deseu filho, procurando estimular o
jovem a assumir crescentemente a
responsabilidade pelos cuidados que lhe
dizem respeito. Esses aspectos consti-
tuem o embasamento da medicina do
adolescente.
Os padrões sociais têm-se modificado de
forma intensa nos últimos anos e, com
eles, também o comportamento dos jo-
vens, com sua possíveis conseqüências.
Existe, portanto, a necessidade de que a
medicina acompanhe essas modificações.
Para tanto, torna-se necessária a ampla
48
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
casos que se apresentem como confli-
tantes, é tentar conciliar as melhores
soluções. A bioética procura, de ma-
neira racional e pactuada, resolver os
problemas biomédicos conseqüentes de
visões diferentes depois de considera-
dos princípios e valores morais. O de-
senvolvimento da bioética exige que se
medite sobre se é o homem ou a mu-
lher que usa a ciência ou se, contraria-
mente, são por ela usados. A bioética
precisa, portanto, de um paradigma de
referência antropológico-moral que,
implicitamente, já foi enunciado: o valor
supremo da pessoa, de sua vida, da
liberdade e de sua autonomia. Esse
princípio, porém, às vezes parece
conflitar com aquele outro, relativo à
qualidade de vida digna que merecem
ter o homem e a mulher. Nem sempre
os dois princípios se amoldam perfeita-
mente sem conflitos, no mesmo caso.
Sabemos por própria experiência que,
em determinadas circunstâncias, não é
fácil tomar uma decisão. Constitui tare-
fa da bioética fornecer os meios para
fazer uma opção racional de caráter
moral referente à vida, à saúde ou à
morte, em situações especiais, reconhe-
cendo que essa determinação terá de
ser dialogada, compartilhada e decidida
entre pessoas com valores morais di-
ferentes. Para um melhor entendimen-
to das exigências e dificuldades da bio-
ética, esta deve ser compreendida se-
gundo o momento atual de nossa cul-
tura e civilização, dentro da linguagem
dos direitos [4]. O movimento em fa-
vor dos direitos humanos promoveu o
movimento dos direitos do enfermo.
Fora desse contexto fica difícil enten-
der, explicar e justificar a bioética.
(Adaptado de: Clotet, J. Por que Bioéti-
ca? Bioética - Vol.1 - no. 1; 1993: 13-
19).
Bibliografia:
1. Potter VR. Bioethics: bridge to the future. Engle-
wood Cliffs: Prentice-Hall, 1971.
2. Reicht WT, editor. Encyclopedia of bioethics.
New York: The Free Press; London: Collier Mac-
millan Publishers, 1978.
3. Barbash F, Russel CH. Permitted death gives life
to an old debate. The Washington Post 1982 apr:
17.
4. Faden RR, Beauchamp TL. A history and theory of
informed consent. New York: Oxford University
Press, 1986:6.
Ética, Moral e Direito [1]
É extremamente importante saber dife-
renciar a Ética da Moral e do Direito.
Estas três áreas do conhecimento são
distintas, porém, têm grandes vínculos
e às vezes se sobrepõem.
Tanto a Moral quanto o Direito baseiam-
se em regras que visam a estabelecer
uma certa previsibilidade para as ações
humanas. Ambos, porém, se diferenciam.
A Moral estabelece regras que são as-
sumidas pela pessoa como uma forma
de garantir o seu bem-viver. A moral
independe das fronteiras geográficas e
garante uma identidade entre pessoas
que sequer se conhecem, mas utilizam
este mesmo referencial moral comum.
O Direito busca estabelecer o regra-
mento de uma sociedade delimitada
pelas fronteiras do Estado. As leis têm
10
cos que devem nortear o atendimento
médico dessa faixa etária.
Característica da Adolescência
As modificações biológicas que ocor-
rem durante a adolescência constituem
a puberdade e englobam o estirão de
crescimento, desenvolvimento das gô-
nadas, com aparecimento dos caracteres
sexuais secundários, estabelecimento da
capacidade reprodutiva, mudanças na
composição corporal e desenvolvimen-
to de órgãos internos.
O desenvolvimento psicossocial carac-
teriza-se, nesse período de vida, pela
busca da identidade adulta. Nesse pro-
cesso, várias manifestações de conduta
são freqüentemente identificadas como
o distanciamento progressivo dos pais,
a tendência a agrupar-se, a evolução
manifesta da sexualidade, a deslocação
temporal (desorientação em relação ao
tempo), tendência a intelectualizar e
fantasiar, constantes flutuações de hu-
mor e do estado de ânimo, contradi-
ções sucessivas nas manifestações de
conduta e atitude social reinvindicatória.
A Consulta do Adolescente
Diante de todas essas características, a
consulta médica do adolescente reves-
te-se de maior complexidade, de forma
que todos os profissionais de saúde,
especialmente os médicos que traba-
lham com esses jovens, acabam depa-
rando-se, em algum momento, com cir-
cunstâncias resultantes do novo mode-
lo de relação no qual configuram-se
novas perspectivas éticas. A consulta é
um momento privilegiado da relação
humana e deve basear-se em três as-
pectos primordiais: confiança, respeito
e sigilo.
Nessa faixa etária, o primeiro aspecto a
ser considerado na relação médico-
paciente diferente da consulta da crian-
ça, está no modelo até então estabele-
cido do contato do profissional com a
mãe ou responsável que passa a ser
substituído pela relação direta entre
médico e paciente.
Essa mudança é importante por signifi-
car uma situação em que o adolescente
deve ser encarado como um indivíduo
capaz de assumir progressivamente a
responsabilidade pela sua saúde e cui-
dados com seu corpo. Por outro lado,
a família não deve ser excluída do pro-
cesso. Entretanto, seu envolvimento não
pode preponderar sobre a relação do
médico com o adolescente. Assim, prin-
cipalmente o primeiro atendimento,
deve ser realizado “em tempos” diferen-
tes, em que exista o momento de con-
tato do profissional com um familiar,
prevalecendo, porém, o espaço médi-
co-adolescente. Nessa oportunidade, os
familiares são orientados quanto a ques-
tões como confidencialidade e sigilo
médico e temas a serem abordados nas
consultas, além de complementarem os
dados de anamnese. A ausência do
familiar não inviabiliza a consulta do
adolescente, excetuando-se os casos de
portadores de distúrbios psiquiátricos ou
outras deficiências graves.
47
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
uma base territorial, elas valem apenas
para aquela área geográfica onde uma
determinada população ou seus dele-
gados vivem. O Direito Civil, que é o
referencial utilizado no Brasil, baseia-
se na lei escrita. A “Common Law”,
dos países anglo-saxônicos, baseia-se
na jurisprudência. As sentenças dadas
para cada caso em particular podem
servir de base para a argumentação de
novos casos. O Direito Civil é mais
estático e a “Common Law” mais dinâ-
mica.
Alguns autores afirmam que o Direito é
um subconjunto da Moral. Essa pers-
pectiva pode levar à conclusão de que
toda a lei é moralmente aceitável. Inú-
meras situações demonstram a existên-
cia de conflitos entre a Moral e o Direi-
to. A desobediência civil ocorre quan-
do argumentos morais impedem que
uma pessoa acate uma determinada lei.
Esse é um exemplo de que a Moral e o
Direito, apesar de se referirem a uma
mesma sociedade podem ter perspecti-
vas diferentes.
A Ética é o estudo geral do que é bom
ou mau. Um dos objetivos da Ética é a
busca de justificativas para as regras
propostas pela Moral e pelo Direito. Ela
é diferente de ambos – Moral e Direito
– pois não estabelece regras. Essa refle-
xão sobre a ação do ser humano é o
que a caracteriza.
Bibliografia:
1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioeti-
ca.htm
Comitês de Bioética,
Comitês de Ética em Pesquisa
e Comissões de Ética MédicaNas instituições de ensino, pesquisa e
saúde há, atualmente, uma verdadeira
multidão de órgãos vinculados à dis-
cussão deontológica e à bioética. A
seguir, relataremos seus objetivos e suas
funções, a título de esclarecimento.
Comitê de Bioética
É um grupo interdisciplinar, composto
por profissionais da saúde e de outras
áreas, assim como de representantes da
comunidade (usualmente usuários de
instituições) que têm por objetivo auxi-
liar na análise de dilemas morais que
surgem na atenção individual a pacien-
tes, na prestação de consultorias e no
ensino, além de sugerir normas institu-
cionais para assuntos que envolvam
questões éticas.
Comissão de Ética Médica
Grupo de médicos com a função de
avaliar deveres e direitos inerentes ao
exercício profissional do médico. É um
órgão supervisor da ética profissional
do médico por atribuição do Conselho
Federal de Medicina e dos Conselhos
Regionais de Medicina, ao mesmo tem-
po julgador e disciplinador da classe
médica, cabendo-lhe zelar e trabalhar,
por todos os meios ao seu alcance, pelo
perfeito desempenho ético da medicina
e pelo prestígio e bom conceito da
11
plantation in a neonate. JAMA. 1985; 254(23):
3321-3329.
Aspectos Éticos do Atendimento
Médico ao Adolescente
No “Atualize-se pediatra” IV nº 10, de
Abril de 1999 da Sociedade de Pediatria
de São Paulo [1], páginas 2 e 3, os mem-
bros do Departamento de Adolescência
e do Departamento de Bioética da SPSP
[1] publicaram o artigo a seguir, que
reproduzimos com autorização, por
considerá-lo de excelente qualidade.
Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a adolescência compreen-
de a faixa etária entre 10 e 19 anos. De
acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº. 8069 de 13/07/90),
é considerado adolescente o indivíduo
entre 12 e 18 anos de idade. Essa dife-
rença é pouco relevante em face de to-
das as modificações biológicas e sociais
que caracterizam esse período da vida.
Conforme estimativa da Organização
das Nações Unidas (ONU), os adoles-
centes representam cerca de 25% da
população mundial. No Brasil, segundo
dados do censo demográfico do Institu-
to Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), de 1991, esse grupo corresponde
a 21,84% da população do país, sendo
que nos últimos 25 anos triplicou a po-
pulação de jovens nas regiões urbanas.
A maior vulnerabilidade desse grupo aos
agravos, determinada pelo processo de
crescimento e desenvolvimento, colo-
ca-o na condição de presa fácil das mais
diferentes situações de risco, como gra-
videz precoce, muitas vezes indesejada,
DST, AIDS, acidentes, diversos tipos de
violência, maus tratos, uso de drogas,
evasão escolar, etc. Quando somados
esses fatores à importância demográfica
que esse grupo representa, encontra-se
plenamente justificada a necessidade de
atenção integral à sua saúde, levando
em consideração as peculiaridades es-
pecíficas dessa faixa etária.
Em cumprimento à Constituição Brasi-
leira, promulgada em 05/10/88, o Mi-
nistério da Saúde oficializou o Progra-
ma de Saúde do Adolescente (PROSAD),
visando proporcionar atenção integral
à saúde dos jovens.
A Sociedade Brasileira de Pediatria,
compreendendo que a atuação do pe-
diatra estende-se desde a concepção até
o término do crescimento somático do
indivíduo, enviou comunicado, em 13/
08/93, dirigido aos pediatras, às insti-
tuições públicas e privadas que pres-
tam atendimento médico, às empresas
de convênio e às cooperativas médicas,
recomendando a abrangência da área
de atuação do pediatra até os 18 anos
de idade.
O médico envolvido na prática da medi-
cina do adolescente (hebiatria) precisa
preocupar-se com as peculiares dimen-
sões éticas da relação médico-paciente
nesse período da vida.
Os Departamentos de Bioética e de Ado-
lescência da Sociedade de Pediatria de
São Paulo, reconhecendo essas particu-
laridades e as dificuldades enfrentadas
pelos pediatras no exercício dessa prá-
tica, propuseram-se a elaborar recomen-
dações sobre os princípios éticos bási-
46
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
profissão e dos que a exercem legal-
mente. Essas comissões foram criadas
pela Lei 3.268/57 de 30/09/1957 (DOU
04/10/1957).
Comitê de Ética em Pesquisa
Colegiados interdisciplinares e indepen-
dentes, com Munus público, de caráter
consultivo, deliberativo e educativo,
criados para defender os interesses dos
sujeitos das pesquisas em sua integrida-
de e dignidade e contribuir para o de-
senvolvimento da pesquisa dentro de
padrões éticos. Foram criados no Brasil
pela Resolução 01/88 de 13/06/88, do
Conselho Nacional de Saúde e modifi-
cados pela Resolução 196/96 de 10/10/
96 do Conselho Nacional de Saúde.
III. PRINCÍPIOS
DA BIOÉTICA
Introdução
A Bioética, assim como a Ética, admite
diferentes modelos explicativos ou es-
colas, como preferem alguns autores.
Os principais modelos explicativos uti-
lizados na Bioética são o principialismo
(Principlism), a casuística, a ética do
cuidado, a ética das virtudes, o modelo
ternário, entre outros.
O principialismo é o modelo mais uti-
lizado e difundido, talvez por ser o mais
simples de ser entendido e por ser o
que mais se adapta à situação de en-
sino. Por esses motivos, vamos nos apro-
fundar nesse modelo, sem que isto sig-
nifique que os demais não sejam úteis
e adequados.
Com o surgimento da Bioética na déca-
da de 70 do século passado, era neces-
sário estabelecer uma metodologia para
analisar os casos concretos e os proble-
mas éticos que emergiam da prática da
assistência à saúde. Em 1979, os norte
americanos Tom L. Beauchamp e James
F. Childress publicam um livro chama-
do Principles of Biomedical Ethics, onde
expõem uma teoria, fundamentada em
quatro princípios básicos – não-male-
ficência, beneficência, respeito à auto-
nomia e justiça - que, a partir de então,
tornar-se-ia fundamental para o desen-
volvimento da Bioética e ditaria uma
forma peculiar de definir e manejar os
valores envolvidos nas relações entre
profissionais de saúde e seus pacientes
[1]. Esses quatro princípios, que não
possuem um caráter absoluto, nem têm
prioridade um sobre o outro, servem
como regras gerais para orientar a to-
mada de decisão diante de problemas
éticos e para ordenar os argumentos nas
discussões de casos [2].
O Principialismo de Beauchamp e Chil-
dress baseia-se em teorias éticas deon-
tológicas e conseqüencialistas [3], mais
precisamente nas idéias de William
David Ross e William Frankena, sendo
influenciado também pelo The Belmont
Report, um documento elaborado por
uma comissão nacional e publicado
pelo governo dos Estados Unidos da
América em 1978, que define as bases
éticas para a proteção dos seres huma-
12
cas. A utilização de um bebê em um
experimento não terapêutico, pois a
paciente não teria real benefício com o
transplante [2].
A obtenção de órgãos de doadores vi-
vos tem sido muito utilizada, ainda é
útil, porém, é igualmente questionável
do ponto de vista ético. Este tipo de doa-
ção somente tem sido aceita quando
existe relação de parentesco entre doa-
dor e receptor. Neste tipo de transplan-
te não é admitida a doação de órgãos
de crianças ou adolescentes, exceto de
tecidos regeneráveis (medula, por exem-
plo). A doação de órgãos por amigos
ou até mesmo por desconhecidos tem
sido fortemente evitada. As questões en-
volvidas são a autonomia e a liberdade
do doador em dar seu consentimento e
a avaliação do risco-benefício associa-
da ao procedimento, especialmente com
relação à não-maleficência (mutilação)
no tocante ao doador.
A utilização de órgãos extraídos de ca-dáveres tem sido a solução mais promis-
sora para o problema da demanda ex-
cessiva. O problema inicial foi o esta-
belecimento de critérios para caracteri-
zar a morte do indivíduo doador. A
mudança do critério cardiorrespiratório
para o encefálico possibilitou um gran-
de avanço nesse sentido. Os critérios
para a caracterização de morte ence-
fálica foram propostos, no Brasil, pelo
conselho Federal de Medicina, através
da Resolução CFM 21480/97. Na ob-
tenção do órgão de cadáver transfere-
se a discussão da origem para a forma
de obtenção: doação voluntária, consen-
timento presumido, manifestação com-
pulsória ou abordagem de mercado.
Em 16 de janeiro de 1997, foi aprovada
pelo Congresso Nacional, após uma
longa discussão, a nova lei dos trans-
plantes (Lei 9434/97), sancionada pelo
Presidente da República em 4 de feve-
reiro de 1997, que altera a forma de
obtenção para o consentimento presu-
mido. A legislação anteriormente vigente
estabelecia a doação voluntária.
A destinação dos órgãos para transplan-
tes, assim como a de outros recursos
escassos, compreende duas etapas. A
primeira deve ser cumprida pela própria
equipe de saúde, contemplando critéri-
os de elegibilidade, probalidade de su-
cesso e de progresso da ciência, visando
a beneficência ampla. A segunda, a ser
realizada por um Comitê de Bioética,
pode utilizar os critérios de igualdade de
acesso, das probabilidade estatísticas
relativas ao caso, da necessidade de tra-
tamento futuro, do valor social do indi-
víduo receptor, da dependência de ou-
tras pessoas, dentre muitos outros.
Em 30/06/1997 o decreto 2.268 regula-
menta a Lei nº 9.434 de 4 de fevereiro
de 1997, que dispõe sobre a remoção
de órgãos, tecidos e partes do corpo
humano para fins de transplante e tra-
tamento. Em 06/10/1998 foi editada a
medida provisória nº 1.718 alterando o
art. 4º da Lei 9.434 de 04/02/1997.
Bibliografia:
1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica. htm
2. Bailey LL, Nehlsen C, Sandra L, Concepcion W.
Jolley WB. Baboon-to-human cardiac xenotrans-
45
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
nos submetidos à pesquisa biomédica,
onde são reconhecidos os princípios da
beneficência, da justiça e a necessida-
de do consentimento após a outorga da
informação em respeito à autonomia dos
sujeitos pesquisados [4].
Em seu livro The Right and the Good,
de 1930, William David Ross expressa
o conceito de que a vida moral está
fundamentada em alguns princípios
básicos, evidentes e incontestáveis que
todos os seres humanos consideram
obrigatórios numa primeira considera-
ção e chamou-os de deveres prima facie
[5,6]. Os deveres prima facie são obri-
gações que devem ser cumpridas a não
ser que conflitem, numa situação deter-
minada, com outra obrigação igual ou
mais forte [2]. Entre os deveres prima
facie de Ross, estão a beneficência, a
não maleficência e a justiça.
Décadas mais tarde, em 1963, quando
publica o livro Ethics, o filósofo William
Frankena, constrói sua teoria em con-
sonância com as idéias de Ross e diz
que são dois os princípios básicos ou
deveres prima facie: a beneficência e a
justiça ou eqüidade7.
Beauchamp e Childress transportaram
essas idéias para o Principialismo, di-
zendo que, em Bioética, há quatro
destas obrigações ou deveres prima
facie: não-maleficência, beneficência,
respeito à autonomia e justiça. Assim,
para estes autores, o ponto de partida
para orientar qualquer discussão ética
deve ser a análise destas quatro condi-
ções e de como elas podem ser melhor
respeitadas em cada caso.
Desde seu aparecimento, o Principialis-
mo gerou críticas. O problema reside
no caráter relativo dos princípios, fa-
zendo com que surjam conflitos entre
eles porque, na prática, nem sempre se
pode respeitá-los igualmente. Por outro
lado, tem a vantagem de ser operacio-
nal, constituindo-se em parte necessá-
ria, apesar de nem sempre suficiente,
para a tomada de decisão. Os princípi-
os facilitam e ordenam a análise dos
casos concretos e, a partir de então,
pode-se necessitar de outros valores para
aprofundar a análise ética. Na Bioética
contemporânea, é consenso que o Prin-
cipialismo apresenta um conjunto de
postulados básicos que não podem ser
ignorados mesmo que não tenham, re-
conhecidamente, o caráter incondicio-
nal de princípios [8].
Este capítulo propõe-se a definir cada
um desses conceitos à luz da teoria
principialista e comentar algumas ques-
tões específicas da sua utilização no
exercício da Pediatria. Não foi escrito
para esgotar a fundamentação filosófica
e ética da teoria principialista. Para tal,
é necessário que os leitores utilizem as
referências bibliográficas do final desta
exposição.
O Princípio da não-maleficência
De acordo com este princípio, o profis-
sional de saúde tem o dever de, inten-
cionalmente, não causar mal e/ou da-
nos a seu paciente. Considerado por
muitos como o princípio fundamental
da tradição hipocrática da ética médi-
13
dinárias, medidas fúteis, critérios de
acesso aos cuidados (triagem), sigilo,
confidencialidade e privacidade. Nesta
área, outra questão importante é a que
diz respeito às condições de trabalho às
quais os profissionais de saúde são sub-
metidos, como a questão da jornada de
trabalho. Muitas vezes é exigido um tipo
de atendimento que as condições ma-
teriais não possibilitam. Os fatores de
risco associados a esse tipo de atendi-
mento também contribuem para aumen-
to da tensão associada aos procedimen-
tos. Um importante elemento de qual-
quer proteção à saúde é a relação mé-
dico-paciente. Habitualmente, num ser-
viço de emergência o contato anterior
é inexistente, os antecedentes clínicos
são desconhecidos e o nível de ansie-
dade associado à própria situação di-
ficulta uma boa relação. As ativida-
des de ensino em serviços de emergên-
cia devem ser criteriosamente planeja-
das, de forma a evitar que os alunos
sejam expostos, desnecessariamente, a
situações com as quais tenham dificul-
dade em lidar e nas quais se vejam li-
mitados. Potencialmente, são situações
prejudiciais tanto para os pacientes
quanto para os alunos.
A pesquisa da emergência é um assun-
to extremamente atual e controverso.
Inúmeras questões podem ser discuti-
das, inclusive quanto à sua possibilida-
de de ocorrer. A montagem de projetos
de pesquisa nesta área deve incorporar
redobrados cuidados éticos e metodoló-
gicos. As questões metodológicas mais
importantes são as que dizem respeito
à seleção da amostra, sua validade in-
terna e externa, critérios de exclusão e
identificação de potenciais fatores de
confusão. Na área da ética o item que
mais se destaca é o referente à utiliza-
ção do consentimento informado.
Bibliografia:
1. Goldim, JR. www.ufrgs.br/HCPA/gppg/bioetica.
htm
Ética Aplicada aos Transplantes
de Órgãos
O transplante de órgãos vem provocan-
do inúmeros questionamentos éticos so-
bre a origem e a forma de obtenção do
material a ser transplantado. Quanto à
origem, os órgãos podem ser oriundos
de outras espécies animais (xenotrans-
plantes), de seres humanos vivos (alo-
transplantes intervivos) ou mortos (alo-
transplante de cadáver doador). A utili-
zação do órgão de outros animais em
seres humanos vem atraindo a atenção
de cientistas desde o inicio do século
passado. Exemplo é o caso Baby Fae.
- Em 1984, uma paciente pediátrica,
em estado terminal, por problemas car-
díacos, recebeu um transplante de co-
ração de babuíno em Loma Linda
University Medical Center/EEUU. Os
cientistas sabiam que o coração trans-
plantado não poderia ajudá-la mais que
alguns dias. A paciente sobreviveu ape-
nas 20 dias.Este caso, apesar de não ter
sido o primeiro xenotransplante reali-
zado em seres humanos, desencadeou
a discussão de inúmeras questões éti-
44
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
ca, tem suas raízes em uma máxima
que preconiza “que se crie o hábito de
socorrer (ajudar) ou, ao menos, não cau-
sar danos [6]. Esse preceito, mais conhe-
cido na sua versão latina (primum non
nocere), é utilizado freqüentemente co-
mo uma exigência moral da profissão
médica. Trata-se, portanto, de um míni-
mo ético, um dever profissional que, se
não cumprido, coloca o profissional de
saúde numa situação de imperícia ou
prática negligente da medicina ou das
demais profissões da área biomédica.
A Não-Maleficência tem importância
porque, muitas vezes, o risco de causar
danos é inseparável de uma ação ou
procedimento moralmente indicado. No
exercício da medicina este é um fato
muito comum, pois quase toda inter-
venção diagnóstica ou terapêutica en-
volve risco de dano. Por exemplo, com
uma simples retirada de sangue para
realizar um teste diagnóstico incorre-se
no risco de causar hemorragia no local
puncionado. Do ponto de vista ético,
este dano pode justificar-se o benefício
esperado com o resultado do exame for
maior do que o risco de hemorragia. A
intenção do procedimento é beneficiar
o paciente e não causar-lhe o sangra-
mento. Nesse exemplo as conseqüên-
cias do dano são pequenas e certamen-
te não há risco de vida. Porém, se o
paciente tiver problemas de hemostasia,
este risco aumentará. Quanto maior o
risco de causar dano, maior e mais
justificado deve ser o objetivo do pro-
cedimento para que este possa ser con-
siderado um ato eticamente correto.
O Princípio da Beneficência
A beneficência tem sido associada à
excelência profissional desde os tem-
pos da medicina grega e está expressa
no Juramento de Hipócrates: “Usarei o
tratamento para ajudar os doentes, de
acordo com minha habilidade e julga-
mento e nunca o utilizarei para preju-
dicá-los” [9].
Beneficência quer dizer fazer o bem.
De uma maneira prática, isto significa
que temos a obrigação moral de agir
para o benefício do outro. Este concei-
to, quando é utilizado na área de cui-
dados com a saúde, que engloba todas
as profissões das ciências biomédicas,
significa fazer o que é melhor para o
paciente, não só do ponto de vista técni-
co-assistencial, mas também do ponto
de vista ético. É usar todos os conheci-
mentos e habilidades profissionais a
serviço do paciente, considerando, na
tomada de decisão, a minimização dos
riscos e a maximização dos benefícios
do procedimento a realizar [8].
O princípio da Beneficência obriga o
profissional de saúde a ir além da Não-
Maleficência (não causar danos inten-
cionalmente) e exige que ele contribua
para o bem estar dos pacientes, promo-
vendo ações: a) para prevenir e remo-
ver o mal ou dano que, neste caso, é a
doença e a incapacidade; e b) para fazer
o bem, entendido aqui como a saúde
física, emocional e mental. A Benefi-
cência requer ações positivas, ou seja,
é necessário que o profissional atue para
beneficiar seu paciente. Além disso, é
14
nesta faixa etária, pesquisas não tera-
pêuticas.
A alternativa de realizar apenas pes-
quisas sem benefício associado é etica-
mente inadequada, pois restringiria o
direito ao beneficio que as pessoas po-
deriam ter.
A última possibilidade, a simples e to-
tal proibição da pesquisa em crianças
e adolescentes é uma posição de repú-
dio aos abusos, mas que gera riscos
para o próprio grupo [10].
As pesquisas realizadas com crianças e
adolescentes que resultarem em dor ou
sofrimento, sem benefício direto para
os sujeitos da pesquisa, geram, à prin-
cípio, uma reação contrária à sua rea-
lização. Provocar dor com o objetivo
de verificar se o limiar de dor varia de
acordo com a idade, por exemplo, pode
parecer uma pesquisa abusiva e desne-
cessária. Todavia, analisando mais pro-
fundamente a questão constataremos
que os conhecimentos poderão gerar
benefícios potenciais para toda as pes-
soas dessa faixa etária, possibilitando
um tratamento mais adequado e redu-
zindo desconfortos. Essas pesquisas
podem ser realizadas de forma respei-
tosa e eticamente adequada. (Adaptado
de: Kipper, DJ; Goldim, JR. A pesquisa
em crianças e adolescentes. J. pediatr.
1999; 75 (4): 211-2).
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humanos. Diário oficial da União 16/10/
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10. Grodin MA, Alpert JJ. Children as participants in
medical research. The Pediatric Clinicas of Norh
America 1988;35(6):1389-1402.
Aspectos Éticos da Medicina na
Emergência [1]
A medicina da emergência tem inúme-
ros aspectos éticos que merecem ser
discutidos. Questões que envolvem as-
sistência, ensino e pesquisa devem ser
claramente discutidas, utilizando os
princípios da beneficência, do respeito
às pessoas, da justiça e da fidelidade
como instrumentos didáticos. Esses prin-
cípios estão sempre presentes no dia-a-
dia dos profissionais que atendem a esse
tipo de intercorrência. A assistência aos
pacientes em emergência pode gerar
reflexões que envolvem temas como
limites de tratamento, medidas extraor-
43
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
preciso avaliar a utilidade do ato, pe-
sando benefícios versus riscos e/ou
custos. Por exemplo, um pesquisador
submete um protocolo de investigação
ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma
Instituição: espera-se que o investiga-
dor esclareça quais são os riscos para
os sujeitos pesquisados e quais são os
benefícios esperados com o estudo,
tanto para os participantes como para a
sociedade em geral e, então, argumen-
te porque os possíveis benefícios sobre-
pujam os riscos, pois só neste caso a
pesquisa é considerada eticamente cor-
reta ou adequada. O mesmo raciocínio
pode ser utilizado para os procedimen-
tos da prática clínica, com o intuito de
definir a sua utilidade e beneficência.
O Princípio de Respeito
à Autonomia
Autonomia é a capacidade de uma
pessoa de fazer ou buscar aquilo que
ela julga ser o melhor para si mesma.
Para que ela possa exercer essa autode-
terminação são necessárias duas condi-
ções fundamentais:
a) capacidade para agir intencional-
mente, o que pressupõe compreen-
são, razão e deliberação para deci-
dir coerentemente entre as alternati-
vas apresentadas;
b) liberdade, ou seja, ausência de qual-
quer imposição que possa influir na
tomada de posição [2].
O respeito à Autonomia requer a cons-
ciência do direito de a pessoa possuir
um projeto de vida próprio, de ter seus
pontos de vista e opiniões, de fazerescolhas autônomas, de agir segundo
seus valores e convicções [1,2]. Respei-
tar a autonomia é, em última análise,
preservar os direitos fundamentais do
homem, aceitando o pluralismo ético-
social que existe na atualidade [10,11].
Este princípio está eticamente funda-
mentado na dignidade da pessoa hu-
mana. Beauchamp e Childress buscam
subsídio em Immanuel Kant e em John
Stuart Mill para justificar o respeito à
autodeterminação. I..Kant, em sua ética
deontológica, explicita que a dignidade
das pessoas provém da condição de
serem moralmente autônomas e, por
isso, merecerem respeito. Diz, ainda,
que é um dever moral tratar as pessoas
como a causa final e nunca como um
meio, apenas. Apesar de pertencer a
uma corrente filosófica diferente do
deontologismo kantiano, J.S.Mill, um
dos expoentes do utilitarismo anglo-
saxão do séc.XIX, posiciona-se de ma-
neira semelhante quando escreve que
deve ser permitido aos cidadãos desen-
volverem-se de acordo com suas con-
vicções pessoais, desde que não inter-
firam com a mesma expressão de liber-
dade dos outros[2].
Na prática assistencial, é no respeito ao
princípio da Autonomia que se basei-
am a aliança terapêutica entre o profis-
sional de saúde e seu paciente e o con-
sentimento para a realização de diag-
nósticos, procedimentos e tratamentos.
Este princípio obriga o profissional de
saúde a dar ao paciente a mais comple-
15
ticas, sem consentimento informado de
seus pais ou responsáveis e seu próprio,
quando tiver discernimento para tal.
A Resolução 196/96, do Conselho Na-
cional de Saúde que atualmente regula
a pesquisa em seres humanos no Brasil,
estabelece que as crianças e adolescen-
tes têm o direito de serem informados,
“no limite de sua capacidade”, sendo
que o consentimento informado deve
ser obtido de seus representantes legais
[9]. Em 1997, através da Resolução 251/
97, que é específica para a pesquisa em
farmacologia, vacinas e novas substân-
cias, as crianças e adolescentes passa-
ram a poder participar mais ativamen-
te do processo do consentimento infor-
mado.
A pesquisa em crianças e adolescentes
apresentou vários enfoques, como ficou
demostrado nessa breve revisão históri-
ca. Num primeiro período, especialmen-
te no século XIX, havia uma total liber-
dade, faltando até mesmo o respeito à
dignidade da criança como pessoa. Em
resposta a isto, as legislações que se
seguiram ao longo do século XX proi-
biram a participação dos menores em
atividades de pesquisa.
Atualmente, as pesquisas estão sendo
autorizadas, com algumas salvaguardas.
Seria injusto não permitir a realização
de pesquisas com crianças e adolescen-
tes, pois esses grupos poderiam ser pri-
vados de novos conhecimentos que
potencialmente possibilitariam melhor
qualidade de vida. As crianças e ado-
lescentes, especialmente, vem conquis-
tando direitos de poderem participar
ativamente nas decisões que lhes di-
zem respeito. O exercício da autono-
mia pode situar-se na participação
ampla do processo de obtenção do
consentimento informado ou na acei-
tação inequívoca de participar, que
pode denominar-se de assentimento in-
formado.
As pesquisas em crianças também po-
dem ser diferenciadas quanto ao bene-
fício a elas associado. Assim, podem
existir, teoricamente, quatro possibili-
dades:
1) permissão para a realização de pes-
quisa com ou sem benefício;
2) permissão para a realização de pes-
quisa somente quando houver be-
nefício direto para os indivíduos;
3) permissão apenas quando não hou-
ver benefício;
4) proibição da pesquisa independente-
mente de benefício associado ou não.
A primeira possibilidade é o reconhe-
cimento de que todas as pessoas po-
dem ser o sujeito de experimentação,
desde que respeitadas as normas para
sua realização.
A segunda alternativa, de que a pesqui-
sa nesta faixa etária só é admissível quan-
do os sujeitos auferem benefício direto
com sua participação, como por exem-
plo nas pesquisas terapêuticas, limita a
realização de pesquisas com benefícios
apenas sociais. Estariam proibidas todas
as pesquisas básicas e as próprias pes-
quisas terapêuticas teriam risco agre-
gado pois não teriam sido realizadas,
42
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
ta informação possível, com o intuito
de promover uma compreensão adequa-
da do problema, condição essencial
para que o paciente possa tomar uma
decisão. Respeitar a autonomia signifi-
ca, ainda, ajudar o paciente a superar
seus sentimentos de dependência, equi-
pando-o para hierarquizar seus valores
e preferências legítimas para que possa
discutir as opções diagnosticas e tera-
pêuticas.
Esta é, de maneira muito resumida, a
essência do consentimento informado,
resultado dessa interação profissional/
paciente. O consentimento informado
é uma decisão voluntária, verbal ou
escrita, protagonizada por uma pessoa
autônoma e capaz, tomada após um
processo informativo, para a aceitação
de um tratamento específico ou experi-
mentação, com consciência dos riscos,
benefícios e possíveis conseqüências
[12]. Não deve ser entendido, portanto,
como um documento firmado por am-
bas as partes – o qual contempla muito
mais o aspecto legalista do problema –
mas sim, como um processo de rela-
cionamento onde o papel do profissio-
nal de saúde é o de indicar as opções,
seus benefícios, seus riscos e custos,
discuti-los com o paciente e ajudá-lo a
escolher aquela que lhe for mais bené-
fica.
Existem algumas circunstâncias espe-
ciais que limitam a obtenção do con-
sentimento informado:
a) incapacidade: tanto a das crianças e
adolescentes como a causada, em
adultos, por diminuição do sensório
ou da consciência e nas patologias
neurológicas e psiquiátricas severas;
b) nas situações de urgência, quando
se necessita agir e não se pode obtê-
lo;
c) na obrigação legal de declarar doen-
ças de notificação compulsória;
d) na vigência de risco grave para a
saúde de outras pessoas cuja identi-
dade é conhecida o que obriga o
médico a informá-las mesmo que o
paciente não autorize;
e) quando o paciente recusa-se a ser
informado e participar das decisões
[1].
O Princípio de Justiça
A ética biomédica tem dado muito mais
ênfase à relação interpessoal entre o pro-
fissional de saúde e seu paciente, colo-
cando-se a beneficência, a não male-
ficência e a autonomia em papel de
destaque e ofuscando, de certa manei-
ra, o tema social da justiça. A Justiça
está associada, preferencialmente, com
as relações entre grupos sociais, preo-
cupando-se com a eqüidade na distri-
buição de bens e recursos considerados
comuns, numa tentativa de igualar as
oportunidades de acesso a esses bens
[8].
O conceito de justiça, do ponto de vista
filosófico, tem sido explicado com o
uso de vários termos. Todos eles inter-
pretam a justiça como um modo justo,
apropriado e eqüitativo de tratar as pes-
soas em razão de algo merecido ou de-
vido a elas. Esses critérios de mereci-
16
ros. O motivo dessa escolha foi de se-
rem muito caros os bezerros. Em 1896,
Albert Neisser anunciou publicamente
que havia imunizado três meninas e cin-
co prostitutas com plasma de pacientes
com sífilis [2]. Tais declarações causa-
ram grande impacto, gerando indigna-
ção na população de vários países.
Nos Estados Unidos, o senador Jacob
H. Gallinger, em 2 de março de 1900,
propôs uma lei para regulamentar os
experimentos científicos em seres hu-
manos. Nessa lei, não aprovada, cons-
tava a proibição da participação em
pesquisas de pessoas com menos de 20
anos de idade [3].
A Prússia, em 1901, logo após a publi-
cação do livro “Memórias de um Médi-
co” do russo VikentiiV. Vereseav, apro-
vou a primeira legislação para ordenar
as atividades de pesquisa em seres hu-
manos. Era uma instrução do Diretor
das Clínicas e Policlínicas sobre inter-
venções médicas com objetivos outros
que não o diagnóstico, terapêutica ou
imunização. Nesse texto, a pesquisa em
crianças foi expressamente proibida [4].
O livro do médico russo descrevia inú-
meras pesquisas abusivas realizadas
com crianças e outros grupos de pes-
soas vulneráveis, denominadas por ele
de “mártires da ciência” [5].
O Código de Nuremberg, de 1947, no
seu artigo primeiro estabelece a condi-
ção essencial para a realização de pes-
quisas em seres humanos: o consenti-
mento voluntário do ser humano é abso-
lutamente essencial. Isso significa que
as pessoas que serão submetidas ao ex-
perimento devem ser legalmente capa-
zes de dar consentimento (...) [6]. Mais
uma vez, as crianças e os adolescentes
foram excluídos, justamente por sua
incapacidade legal.
A Declaração de Helsinki, proposta em
1964 e revista pela última vez em 2000,
abriu a possibilidade da participação de
menores de idade em projetos de pes-
quisas em saúde desde que outorgado
o consentimento pelo responsável legal
[7].
As Diretrizes Internacionais do CIOMS,
de 1993 [8], dedicam toda a diretriz de
número 5 à pesquisa em crianças, des-
tacando-se três itens:
• os pais ou representantes legais de-
vem dar um consentimento por pro-
curação;
• o consentimento de cada criança
deve ser obtido na medida de sua
capacidade e
• a recusa da criança em participar
na pesquisa deve sempre ser respei-
tada, a menos que, de acordo com
o projeto de pesquisa, a terapia
que a criança receberá não tenha
qualquer alternativa medicinal acei-
tável.
O Conselho Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente (CONANDA),
do Ministério da Justiça, através da
Resolução 041/95, estabeleceu, em
outubro de 1995, os Direitos da Crian-
ça e do Adolescente Hospitalizados. O
artigo 12 desse documento estabelece:
Direito de não ser objeto de ensaio clí-
nico, de provas diagnosticas e terapêu-
41
NESTLÉ - Nutrição Infantil NESTLÉ - Nutrição Infantil
mento ou princípios materiais de justi-
ça, devem estar baseados em algumas
características capazes de tornar rele-
vante e justo esse tratamento. Como
exemplos desses princípios materiais de
justiça pode-se citar [2]:
1. Para cada um, uma igual porção
2. Para cada um, de acordo com sua
necessidade.
3. Para cada um, de acordo com seu
esforço.
4. Para cada um, de acordo com sua
contribuição.
5. Para cada um, de acordo com seu
mérito.
6. Para cada um, de acordo com as
regras de livre mercado.
Algumas teorias de justiça incluem mais
de um ou mesmo todos estes princípios
a fim de validar a decisão mais justa da
distribuição de bens e recursos. Cada
um desses argumentos pode ser visto
como um dever prima facie e, depen-
dendo das circunstâncias de cada caso
em particular, são mais - ou menos -
aplicáveis como critério.
Com a crescente socialização dos cui-
dados com a saúde, as dificuldades de
acesso e o alto custo dos serviços, as
questões relativas à justiça social são
cada dia mais prementes e necessitam
ser consideradas quando se analisam
os conflitos éticos que emergem da
necessidade de uma distribuição justa
de assistência à saúde às populações.
A ética, no seu aspecto público, além
de proteger a vida e a integridade das
pessoas, objetiva evitar a discriminação,
a marginalização e a segregação social
[1]. Nesse contexto, o conceito de jus-
tiça deve fundamentar-se na premissa
de que as pessoas têm direito a um mí-
nimo decente de cuidados com sua
saúde. Isto inclui garantias de igualda-
de de direitos, eqüidade na distribuição
de bens, riscos e benefícios, respeito às
diferenças individuais e a busca de al-
ternativas para atendê-las, liberdade de
expressão e igual consideração dos in-
teresses envolvidos nas relações do sis-
tema de saúde, dos profissionais e dos
usuários.
Conflitos de Beneficência X
Autonomia na Prática Pediátrica
A maioria das discussões na literatura a
respeito do exercício da autonomia pelo
paciente, refere-se a procedimentos e
tratamentos de pessoas adultas e com-
petentes, ou seja, capazes de entender
sua situação de saúde/doença e de as-
similar as informações relevantes que
lhes permitirão uma tomada de decisão
adequada. Em Pediatria, surge a impor-
tante questão da falta de competência
das crianças para decidir. Como elas
não preenchem as condições mínimas
para fazer escolhas autônomas e racio-
nais, torna-se necessário que outras
pessoas decidam por elas (decisões por
substituição ou proxy consent).
É razoável assumir que os pais são as
pessoas que melhor conhecem seu fi-
lho e que, motivados pelo amor, têm o
maior interesse por seu bem-estar e a
maior probabilidade de agir para o
17
tar-se todas as possibilidades de se obte-
rem dados por outros meios, como simu-
lações em animais ou culturas de célu-
las. Os pesquisadores devem dar garan-
tias de que os dados serão utilizados
apenas para fins científicos, preservan-
do a privacidade e a confidencialidade
dos indivíduos envolvidos na pesquisa.
Somente com autorização expressa do
indivíduo pesquisado serão permitidas
a identificação e o uso de suas ima-
gens.
Na avaliação da relação risco-benéfico
tanto participam o princípio da não-
maleficência como o da beneficência.
O dano irreparável ou a possibilidade
de morte em decorrência do projeto
impedem sua realização. Caso o risco
real exceda ao previsto, o projeto deve
ser interrompido e revisto. Os projetos
podem ser caracterizados tanto pelo
risco quanto pelo benefício. A classifi-
cação pode basear-se na não-maleficên-
cia, valendo-se dos riscos associados aos
procedimentos (risco menor que o mí-
nimo, risco mínimo e risco maior que
o mínimo). O critério da beneficência,
quando utilizado, avalia se o indivíduo
terá ou não ganhos terapêuticos com o
estudo (projetos clínicos e não clínicos).
A obtenção do Consentimento Informa-
do de todos os indivíduos pesquisados
é um dever moral do pesquisador e de
respeito à autonomia. Assim, o Consen-
timento Informado é livre e voluntário.
A existência de uma relação de depen-
dência invalida o Consentimento e nesse
grupo incluem-se os alunos, os milita-
res, os funcionários de hospitais e os
presidiários. O processo que leva ao
Consentimento Informado deve resultar
de informações completas, compreen-
dendo os riscos e desconfortos, benefí-
cios e os procedimentos que serão uti-
lizados. A sua redação deve ser adequa-
da ao nível de compreensão dos indiví-
duos. É sempre registrado em um docu-
mento escrito, salvo em projetos com
risco menor do que mínimo, por auto-
rização expressa do Comitê de Ética em
Pesquisa.
O último ponto fundamental é a avalia-
ção por um Comitê de Ética em Pesqui-
sa independente. Deste comitê devem
participar pesquisadores de reconheci-
da competência, além de representan-
tes da comunidade. Deve ser garantida
a presença de representantes de ambos
os sexos. O Comitê deve avaliar os
aspectos éticos do projeto de pesquisa
assim como a integridade e a qualifica-
ção da equipe de pesquisadores.
Na história da pesquisa em saúde exis-
tem muitos registros da utilização de
crianças em diferentes investigações
com e sem benefício direto para os parti-
cipantes. O teste da vacina para varíola
humana, realizado por Edward Jenner,
em 1768, foi realizado no menino James
Phipps. Em 1885, Louis Pasteur testou
a sua vacina anti-rábica no menino Jo-
seph Meister [1]. Porém, algumas situa-

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