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Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UFSC 2018 Larissa Pruner Marques Eleonora d’Orsi André Junqueira Xavier Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Larissa Pruner Marques Eleonora d’Orsi André Junqueira Xavier Florianópolis UFSC 2018 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Catalogação elaborada na Fonte. Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável: Rosiane Maria – CRB – 14/1588 P769 Marques, Larissa Pruner Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem [recurso eletrônico] / Larissa Pruner Marques, Eleonora d’Orsi, André Junqueira Xavier. -- Florianópolis : Universidade Federal de Santa Catarina, 2018. 88 p. : il. ; color. Versão adaptada do Curso de Atenção Integral à Saúde do Homem Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br Conteúdo do módulo: Unidade 1: Causas Externas. – Unidade 2: Acidentes e Violência. – Unidade 3: Ações locais e intersetoriais no enfrentamento das situações de violência e acidentes. ISBN: 978-85-8267-134-4 1. Saúde do homem. 2. Políticas de saúde. 3. Morbimortalidade. I. UFSC. II. d’Orsi, Eleonora. III. Xavier, André Junqueira. IV. Título. CDU: 364-7 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Créditos GOVERNO FEDERAL Presidente da República Ministro da Saúde Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) Diretora do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES) Coordenador Geral de Ações Estratégicas em Educação na Saúde Responsável Técnico pelo Projeto UNA-SUS UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitor Ubaldo Cesar Balthazar Vice-Reitora Alacoque Lorenzini Erdmann Pró-Reitor de Pós-graduação Hugo Moreira Soares Pró-Reitor de Pesquisa Sebastião Roberto Soares Pró-Reitor de Extensão Rogério Cid Bastos Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 6 6 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Créditos CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Diretor Celso Spada Vice-Diretor Fabrício de Souza Neves DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA Chefe do Departamento Fabrício Augusto Menegon Subchefe do Departamento Maria Cristina Marino Calvo EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Coordenador Francisco Norberto Moreira da Silva Coordenadora - substituta Renata Gomes Soares ASSESSORES TÉCNICOS Juliano Mattos Rodrigues Michelle Leite da Silva Kátia Maria Barreto Souto Caroline Ludmilla Bezerra Guerra Cícero Ayrton Brito Sampaio Patrícia Santana Santos Thiago Monteiro Pithon GRUPO GESTOR Coordenadora do Projeto Sheila Rubia Lindner Coordenadora do Curso Elza Berger Salema Coelho Coordenadora de Ensino Deise Warmling Coordenadora Executiva Gisélida Garcia da Silva Vieira Coordenadora de Tutoria Carolina Carvalho Bolsoni AUTORIA DO CURSO Larissa Pruner Marques Eleonora d’Orsi André Junqueira Xavier REVISÃO DE CONTEÚDO Revisor Interno: Antonio Fernando Boing Revisores Externos: Helen Barbosa dos Santos Igor Claber Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 7 7 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Créditos ASSESSORIA PEDAGÓGICA Márcia Regina Luz ASSESSORIA DE MÍDIAS Marcelo Capillé DESIGN INSTRUCIONAL Soraya Falqueiro IDENTIDADE VISUAL E PROJETO GRÁFICO Pedro Paulo Delpino ESQUEMÁTICOS Laura Martins Rodrigues DIAGRAMAÇÃO Paulo Roberto da Silva AJUSTES E FINALIZAÇÃO Adriano Schmidt Reibnitz REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA E ABNT Eduard Marquardt PRODUÇÃO DE MATERIAL ONLINE Dalvan Antônio de Campos Naiane Cristina Salvi Cristiana Pinho Tavares de Abreu Thiago Ângelo Gelaim Rodrigo Rodrigues Pires de Mello PRODUÇÃO TÉCNICA DE MATERIAL: Lauriana Urquiza Nogueira Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 8 8 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 9 9 Apresentação do curso O presente curso aborda o tema e é intitulado como Morbimortalidade por Causas Externas na Saúde do Homem. As causas externas de morbimortalidade são reconhecidas como um grave problema de saúde pública. São responsáveis por cerca de 9% da mortalidade mundial, o que representa o óbito de mais de 5 milhões de pessoas anualmente. No Brasil, em 2016, as causas exter- nas corresponderam a quarta maior causa de morte no país (12% do total), sendo que 82% desses óbitos correspondem ao sexo masculino. No Brasil, a violência e os acidentes de trânsito constituem um dos principais problemas de saúde pública desde o final da década de 1970. O impacto dessas causas externas na população tem contribuído para a diminuição da qualidade e expectativa de vida, além do alto custo social com cuidados em saúde, previdência, absenteísmo ao trabalho e à escola. Iniciaremos este curso, então, com um panorama da morbimortalidade por causas exter- nas, seu impacto na população brasileira, entre homens e mulheres. Na segunda unidade, teremos como foco os acidentes e a violência referente à morbimortalidade – caracteriza- ção, seus fatores de risco e sua relação com as construções de gênero. Por fim, trataremos das ações locais e intersetoriais no enfrentamento das situações de violência e de aciden- tes voltadas às políticas públicas, aprimorando o conhecimento sobre o papel da Atenção Básica e a importância do monitoramento dos casos. Vamos juntos aprimorar nossos conhecimentos sobre o tema! Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 10 10 Objetivos de aprendizagem e carga horária Este curso trata de apresentar os indica- dores de causas externas relevantes na saúde do homem, as diferenças do impac- to das causas externas na morbimortali- dade em homens e mulheres, e estratégias intersetoriais voltadas ao enfrentamento deste fenômeno. Objetivos de aprendizagem para este curso Ao final deste curso, você aprofundará co- nhecimentos sobre como identificar o perfil de morbimortalidade por causas externas e reconhecer o impacto das causas externas na população. Também conhecerá melhor estratégias intersetoriais voltadas ao en- frentamento deste fenômeno. Carga horária de estudo recomendada para este curso 30 horas Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 11 11 Unidade 1 Causas externas 13 1.1 O que são causas externas 15 1.2 Morbimortalidade por causas externas e seu impacto na população brasileira 16 1.3 Análise comparativa entre os impactos específicos para homens e mulheres 28 1.4 Recomendação de Leituras complementares 31 Unidade 2 Acidentes e violência 33 2.1 Caracterização de acidentes e violências 35 2.2 Fatores de risco e exposição e sua relação com as construções de gênero 38 2.3 Morbimortalidades 46 2.4 Recomendação de Leituras complementares 53 Unidade 3 Ações locais e intersetoriais no enfrentamento das situações de violência e acidentes 54 3.1 Como as políticas públicas têm lidado com o assunto 56 3.2 O papel da atenção básica em situações de acidentes e violência 65 3.3 A importância do monitoramento dos casos de violências e acidentes74 3.4 Recomendação de Leituras complementares 79 Sumário Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 12 12 Sumário Encerramento do curso 81 Referências 83 Sobre os autores 87 UN1 Causas externas Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 14 14 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 15 UN1 Causas externas Nesta unidade, estudaremos o conceito de causas externas e os seus diferentes tipos. Em seguida, vamos abordar alguns indicadores para a contextualização do perfil de morbimortalidade, tanto para ho- mens quanto mulheres. Também refleti- remos e conheceremos melhor o impacto das causas externas sobre a população. Acompanhe. 1.1 O que são causas externas As causas externas de morbidade e mor- talidade são conceituadas pela Organi- zação Mundial de Saúde (OMS) como lesões intencionais (incluindo homicí- dios, violências, suicídios, privação ou negligência) e lesões não intencionais (como acidentes de transporte, afoga- mentos, quedas, queimaduras, intoxica- ções acidentais, complicações da as- sistência médica, dentre outras) (KRUG et al., 2002). Figura 1 – Causas externas de morbidade e mortalidade Morbim ortalida de Fonte: Do autor, 2016. Atualmente em sua Décima Revisão, o Brasil baseia-se na Classificação Esta- tística Internacional de Doenças e Pro- blemas Relacionados à Saúde (CID), e nesta unidade trabalharemos com esta Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 16 UN1 Causas externas classificação. A CID é publicada pela OMS e visa padronizar a codificação das doen- ças e problemas relacionados à saúde, em todo o mundo. Ela fornece códigos relati- vos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, as- pectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimen- tos ou doenças. A cada estado de saúde é atribuída uma categoria única à qual corresponde um código do CID-10. Essa Classificação está organizada em diver- sos capítulos (totalizando 22), e cada um contêm vários agrupamentos, formados por um conjunto de categorias e subcate- gorias, conforme o esquema abaixo. As causas externas de morbidade e de mortalidade compõem o Capítulo XX do CID-10, que possibilita a classificação de ocorrências e circunstâncias ambientais, como a causa de lesões, envenenamento e outros efeitos adversos (OMS, 1996). As causas externas englobam uma série de agravos, e seguindo a organização do CID- 10, o Capítulo XX (inclui codificações V01 a Y98) apresenta os seguintes agrupamen- tos, que estão descritos na próxima página, no Quadro 1. Quando utilizado, o Capítulo XX deve vir acompanhado preferencialmente da nature- za da lesão, geralmente classificada no Capí- tulo XIX, Lesões, Envenenamento e Algumas Outras Consequências de Causas Externas (S00-T98). Por exemplo, o acidente de trans- porte (Capítulo XX) pode vir acompanhado de traumatismo da cabeça (Capítulo XIX – lesão que ocorreu como consequência da cau- sa externa). Em casos de análises por cau- sas múltiplas, o capítulo de causas externas pode ser utilizado de forma adicional a outras afecções do CID-10 (OMS, 1996). Acesse o capítulo XX do CID-10, você encon- trará mais detalhes do conteúdo visto, além de orientações sobre o preenchimento de fichas e formulários: http://www.datasus.gov.br/ cid10/V2008/WebHelp/v01_y98.htm. 1.2 Morbimortalidade por causas externas e seu impacto na população brasileira As causas externas de morbimortalidade são reconhecidas como um grave proble- ma de Saúde Pública, principalmente nos países de baixa e média renda. No mundo, Figura 2 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) Capítulo Agrupamentos Categorias Subcategorias Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) Fonte: Do autor, 2016. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 17 UN1 Causas externas Quadro 1 – Agrupamentos por códigos Acidentes (V01-X59) Grupos: • Acidentes de transporte (V01-V99): referem-se ao meio de transporte utilizado pela vítima, o papel da vítima e as circunstâncias do acidente (inclui categorias de pedestre, ciclista, motociclista traumatizado em um acidente de transporte, ocupantes de veículos traumatizados, e acidentes por outro tipo de transporte – água, aéreo); • Outras causas externas de traumatismos acidentais (W00-X59): inclui categorias de quedas, exposição a forças mecânicas, afogamento, exposição à corrente elétrica, temperaturas e pressões extremas, ao fogo, às forças da natureza, contato com animais e plantas venenosas. Lesões autoprovocadas intencionalmente (X60-X84) Inclui categorias de lesões ou envenenamentos auto-infligidosintencionalmente e de suicídios. Agressões (X85-Y09) Inclui categorias referentes a homicídios, negligência e abandono, e lesões infligidas por outra pessoa – violência. Eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada (Y10-Y34) Esse agrupamento contempla eventos, os quais não são possíveis diferenciar se foram auto-infligidos ou agressões (inclui categorias de envenenamento, enforcamento, contato ou exposição a materiais). Intervenções legais e operações de guerra (Y35-36) Inclui as categorias intervenção legal e operações de guerra, traumatismos infligidos pela polícia ou outros agentes da lei, e lesões devidas a operações de guerra a pessoal militar ou população civil, respectivamente. Complicações de assistência médica e cirúrgica (Y40-Y84) Grupos: • Efeitos adversos de drogas, medicamentos e substâncias biológicas usadas com finalidade terapêutica (Y40-Y59): as categorias e subcategorias especificam a substância causa- dora do efeito adverso. • Acidentes ocorridos em pacientes durante a prestação de cuidados médicos e cirúrgicos (Y60-Y69): exemplos de categorias: assepsia insuficiente e erros de dosagem; • Incidentes adversos durante atos diagnósticos ou terapêuticos associados ao uso de dispositivos (aparelhos) médicos (Y70-Y82): inclui quebra ou mau funcionamento de dispositivo médico; • Reação anormal em paciente ou complicação tardia causadas por procedimentos cirúrgicos e outros procedimentos médicos sem menção de acidente ao tempo do procedimento (Y83-Y84): as categorias e subcategorias especificam a intervenção causadora da reação anormal. Sequelas de causas externas de morbidade e mortalidade (Y85-Y89) Inclui categorias e subcategorias de afecções informadas como sequelas ou que ocorrem como efeitos tardios um ano ou mais após o evento inicial. Fatores suplementares relacionados com as causas de morbidade e de mortalidade classificados em outra parte (Y90-98) Pode ser usada de forma suplementar sobre causas de morbidade e de mortalidade – por exemplo, circunstâncias relativas às condições de trabalho; inclui categorias referentes à evidência de alcoolismo, circunstância relativa a condições hospitalares, de trabalho, de poluição ambiente e do modo de vida. Fonte: Adaptado de OMS, 1996. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 18 UN1 Causas externas essas lesões são responsáveis pelo óbi- to de mais de cinco milhões de pessoas anualmente, o que representacerca de 9% da mortalidade mundial (OMS, 2014). Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), os fatores externos consti- tuem a principal causa de perda de anos de vida, em dois terços das nações america- nas, sendo que os acidentes de transpor- te, homicídios e suicídios figuram entre as cinco principais causas de mortes prema- turas (FRAADE-BLANAR; CONCHA-EAST- MAN; BAKER, 2007). Perda de anos de vida > Anos potenciais de vida perdidos (APVP) é um indicador de saúde que traduz o número de anos que uma pessoa, morta prematuramente, poderia ter vivido. Tem o objetivo de comparar a importância relativa das diferentes causas de morte para uma dada população. Diante deste preocupante cenário, explo- raremos detalhadamente indicadores de morbimortalidade por causas externas. Acompanhe. 1.2.1 Mortalidade por causas externas Um dos indicadores amplamente utiliza- dos na saúde é o coeficiente (ou taxa) de mortalidade específico por causas – nes- te caso, o coeficiente específico de mor- talidade (CME) por causas externas. Para o seu cálculo considera-se, no numera- dor, o número de óbitos por causas exter- nas segundo o local de residência e ano, e no denominador a população residente ajustada ao meio do ano, multiplicado por uma constante, que pode ser 1.000, 10.000 ou 100.000, gerando um coeficiente por 1.000, 10.000 ou 100 mil habitantes. A fonte de dados para o numerador é o Sis- tema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e, do denominador, as estimativas e projeções da população residente realiza- das pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O uso do CME permite: • estimar o risco de morte por causas ex- ternas, dimensionando sua magnitude como problema de saúde pública; • refletir aspectos culturais e de desenvol- vimento socioeconômico; • ajuda a identificar os fatores de risco es- pecíficos para cada tipo de acidente ou violência; Coeficiente Específico de Mortalidade por Causas Externas (por mil,10 mil ou 100 mil habitantes) constante (1.000, 10.000 ou 100.000) Números de óbitos por causas externas segundo o local de residência e ano População residente ajustada ao meio do ano, do mesmo local Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 19 UN1 Causas externas • expressar as condições da assistência médica prestada e a qualidade do regis- tro das ocorrências. Esse coeficiente, entretanto, apresenta algu- mas limitações, como a necessidade de cor- reção da subenumeração de óbitos captados pelo SIM, dadas as diferenças regionais de cobertura, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde geralmente há subregistro. Possui restrição de uso sempre que ocorre elevada proporção de óbitos sem assistên- cia médica ou por causas mal definidas, e apresenta imprecisões na declaração da intencionalidade da ocorrência (homicídio, suicídio ou acidente), as quais condicionam o aumento da proporção de causas externas de intenção não determinada, comprome- tendo a qualidade do indicador. No Brasil, em 2016, dados do SIM em con- sulta realizada ao DATASUS em 11/07/2018 mostram que as causas externas vitimaram aproximadamente 156 mil pessoas, corres- pondendo a quarta maior causa de morte no país (11,9% do total de óbitos), ficando atrás das doenças do aparelho circulatório (27,7%), neoplasias (16,4%) e doenças do aparelho respiratório (12,1%). Mais de 80% desses óbitos foram em homens (128 mil em homens e 27 mil em mulheres). Gráfico 1 – Comparativo entre as causas de morte segundo o DATASUS 27,7% 16,4% 12,1% 11,9% 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% Doenças do aparelho circulatório Neoplasias Doenças do aparelho respiratório Causas externas de morbidade e mortalidade Fonte: Brasil, 2016. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 20 UN1 Causas externas Em homens, as causas externas são a se- gunda causa de óbitos no país, correspon- dendo a 18,2% do total de óbitos nesse gru- po. Já em mulheres, elas ficam em sexto lugar, com 5,1% do total de óbitos. As cau- sas externas atingem principalmente os jo- vens, sendo a primeira causa de morte em pessoas de 1 a 49 anos de idade, e corres- pondendo a mais de 75% do total de óbitos entre 15 e 19 anos (2016). O CME por causas externas, no Brasil, en- tre 1996 e 2016, manteve-se entre 75,9 e 75,6 óbitos/100 mil habitantes, sendo em 2006 o menor resultado (68,6 por 100 mil), e em 2014 o maior (77,4 por 100 mil), du- rante a série temporal (Gráfico 2). Quando se comparam as regiões, existem grandes diferenças de magnitude e ten- dência. A região Centro-Oeste ficou bem acima da média nacional durante pratica- mente todo o período, atingindo 93,2 por 100 mil em 2014. O Norte e o Nordeste, que estavam abaixo da média em 1996, terminaram o período bem acima da média nacional, devido ao importante aumento de 33,3% e 37,0%, respectivamente. No Su- deste houve redução de aproximadamente 31,3%, ou seja, de 94,3 para 63,2 por 100 mil habitantes, e no Sul o coeficiente se manteve estável. No final do período, em 2016, apenas o Sul e Sudeste apresenta- ram os valores inferiores à média nacional. A diferença de mortalidade entre homens e mulheres é bastante relevante. Analise o infográfico a seguir. Gráfico 2 – Coeficiente de mortalidade por causas externas para cada 100 mil habitantes, Brasil e grandes regiões, 1996 a 2016 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 Centro-Oeste Norte Brasil Nordeste Sul Sudeste Fonte: Brasil, 2018; IBGE, 2018. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 21 UN1 Causas externas Fonte: Brasil, 1996 a 2016. 26,3 124,6 0 30 60 90 120 150 É possível constatar que o risco de morrer por causas externas é muito maior para os homens do que para as mulheres. Em 2016, foram 124,6 óbitos para cada 100 mil homens, 4,7 vezes mais que no sexo feminino (26,3 óbitos para cada 100 mil mulheres). Essa diferença se mantem ao longo do tempo. Quando analisamos o CME por causas externas segundo faixas etárias, notamos que, em homens, a faixa etária de maior risco é a de 80 anos ou mais, com 395,9 óbitos para cada 100 mil homens em 2016, em seguida a de 20 a 29 anos, com 202,6 óbitos por 100 mil. As faixas etárias de menor risco são as de 5 a 9 anos e 10 a 14. Em mulheres, o padrão é um pouco diferente, com maior risco para a faixa etária de 80 anos ou mais, seguido pela faixa de 70 a 79 anos e risco decrescente conforme diminui a idade. Coeficiente de mortalidade por causas externas segundo faixas etárias no sexo masculino, para cada 100 mil habitantes. Coeficiente de mortalidade por causas externas segundo faixas etárias no sexo feminino, para cada 100 mil habitantes. Risco de morrer por causas externas (para cada 100 mil mulheres/homens) - 50,00 100,00 150,00 200,00 250,00 300,00 350,00 400,00 450,00 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 0 a 4 5 a 9 10 a 14 15 a 19 20 a 29 30 a 39 40 a 4950 a 59 60 a 69 70 a 79 80+ - 50,00 100,00 150,00 200,00 250,00 300,00 350,00 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 Fonte: Brasil, 1996 a 2016. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 22 UN1 Causas externas Comparando-se o CME por idade em ho- mens e mulheres, há diferenças importan- tes: enquanto nas mulheres o CME vai au- mentando suavemente conforme aumenta a idade, até a idade mais avançada (80 ou mais), em homens existe um pico na faixa etária de 20 a 29 anos, na qual o risco de morrer por causas externas, em homens, é mais de 10 vezes maior (202,6 por 100 mil homens) do que em mulheres (19,7 por 100 mil mulheres) em 2016 (Gráfico 3). A partir dos dados expostos, percebe-se o grande impacto dos óbitos sobre a po- pulação brasileira, e quando analisado por sexo, encontra-se um perfil diferente de mortalidade. Observamos que nos últimos anos a região Centro-Oeste apresenta o maior CME por causas externas, enquanto a Sudeste apresenta o menor, seguida da região Sul. Concluímos também que o ris- co de morte por causas externas é maior entre os homens: nestes, enquanto se ve- rifica um pico na faixa etária de 20 a 29 anos, entre as mulheres o índice aumenta conforme a idade. Devido à gravidade das lesões, grande par- te das vítimas de acidentes e violências procura as unidades de assistência à saú- de em busca de atendimento ambulato- rial, internação hospitalar ou reabilitação. Além do impacto no perfil de mortalidade, as causas externas representam um impor- tante desafio para o padrão de morbidade da população, haja vista o elevado núme- ro de internações e a ocorrência de seque- las físicas e psicológicas, temporárias ou permanentes. Gráfico 3 – Coeficiente de mortalidade por causas externas segundo faixas etárias no sexo masculino e feminino, para cada 100 mil habitantes 400 450 250 300 350 200 150 100 50 0 0 a 4 5 a 9 10 a 1 4 15 a 1 9 20 a 2 9 30 a 3 9 40 a 4 9 50 a 5 9 60 a 6 9 70 a 7 9 80 + Homens Mulheres Fonte: Brasil, 2018; IBGE, 2018. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 23 UN1 Causas externas 1.2.2 Internação por causas externas Em 2017 foram registradas 1.071.711 in- ternações hospitalares por causas exter- nas, o que representou 9,9% de todas as in- ternações realizadas nos serviços próprios e conveniados ao SUS, sendo: Causasexternas causa de internações no SUS3ª causa em mulheres com 359.549 (5,3% do total de internações em mulheres) 7ª causa de internações em homens com 794.364 (16,9% do total de internações em homens) 1ª A análise das hospitalizações por causas externas, assim como as análises dos ou- tros dados gerados pelo DATASUS, está em constante aprimoramento. Embora o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) esteja restrito às inter- nações hospitalares que são financiadas pelo próprio sistema, este fornece dados que extrapolam o âmbito financeiro e pos- sibilitam conhecer o comportamento epi- demiológico das doenças e procedimentos que motivam as internações hospitalares (MELIONE; MELLO-JORGE, 2008). Importante! Apesar do SIH/SUS estar restrito ao SUS estima-se que sua cobertura atinja de 70 a 80% das internações hospitalares no Brasil, com variações entre as macrorregiões e estados, dada a população com planos de saú- de privados (MELIONE; MELLO-JORGE, 2008). Um estudo de séries temporais sobre in- ternações em hospitais públicos, utilizan- do dados do SIH/SUS, no período de 2002 a 2011, observou o registro de 6.515.009 internações por causas externas no Bra- sil. Nesse período, houve aumento de 37,3% de internações por causas desta natureza, passando de 708.829 em 2002, para 973.015 em 2011 (MASCARENHAS, BARROS, 2015). No Brasil, o coeficiente de internação hos- pitalar por causas externas apresentou um padrão crescente: aumentou de 422,0/100 mil habitantes, em 2004, para 516,1/100 mil habitantes, em 2017, um incremento anual de 7,2 internações/100 mil habitantes/ano. Coeficiente de internação hospitalar por causas externas > Este coeficiente se refere ao número de casos de internações hospitalares registradas no SUS, por causas externas (SIH/SUS), por uma constante (utili- zamos por 100 mil habitantes), na população residente em determinado espaço geográfico (IBGE), no ano considerado. O aumento foi bem mais acentuado nos homens (8,9 internações/100 mil homens/ Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 24 UN1 Causas externas ano) do que nas mulheres (5,5 interna- ções/100 mil mulheres/ano). O sexo mas- culino foi o grupo com maior coeficiente de internação hospitalar em 2017 (718,8 inter- nações/100 mil homens). Em suma: o risco de os homens se internarem por causas ex- ternas é aproximadamente 1,6 vezes maior do que para as mulheres. Com relação às grandes regiões do país, houve um padrão crescente no coeficiente de internação hospitalar em todas elas, sen- do as maiores variações médias anuais no Sul (13,0 internações/100 mil habitantes/ ano) e Centro-Oeste (10,8 internações/100 mil habitantes/ano). Nas demais regiões, o incremento médio variou de 9,6 interna- ções/100 mil habitantes/ano no Nordeste a 4,7 internações/100 mil habitantes/ano na região Sudeste. Esse aumento do coeficiente de interna- ção hospitalar segundo macrorregião exige uma avaliação cautelosa, uma vez que pode ser consequência de diferentes fatores, tais como melhorias na qualidade do preen- chimento da AIH, por meio de informações mais fidedignas da causa que levou à inter- nação, ou em decorrência da oferta de servi- ços de saúde para o atendimento às vítimas desses agravos, podendo ainda tratar-se do aumento da exposição aos fatores de risco, tais como uso de motocicleta, por exemplo. Com relação ao grupo etário destaca-se, nas mulheres, o maior coeficiente entre as idosas (60 anos ou mais), com tendência de aumento no período entre 2004 e 2017. Em seguida aparece o grupo das mulheres adul- tas entre 30 e 59 anos, sendo que o risco di- minui conforme diminui a idade (Gráfico 4a). Já para os homens, notamos que o padrão é completamente diferente. A faixa etária de maior risco para internações por causas externas é a de jovens de 20 a 29 anos, com tendência de aumento no período entre 2004 e 2017, chegando a atingir o valor de 916,3 internações por 100 mil homens jo- vens em 2017. Em segundo lugar vem a fai- xa etária dos idosos, também com tendên- cia de aumento no período, e, em terceiro lugar, também aumentando, a faixa etária dos adultos entre 30 e 59 anos (Gráfico 4b). Para os subtipos de causas, no período de 2004 a 2017 houve um padrão crescen- te, para ambos os sexos, no coeficiente de internação por quedas e por acidentes de transporte (especialmente acidentes de moto) no Brasil. O coeficiente de interna- ções por agressões ficou estável e o coe- ficiente de internações por tentativas de suicídio diminuiu até o ano de 2012, au- mentando novamente em 2013 e 2014, se- guido de redução até 2017(Gráfico 5). Quando analisados os subtipos de causas externas por faixa etária, em cada sexo, Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 25 UN1 Causas externas notamos importantes variações nas causas que levaram à internação hospitalar. Para o sexo masculino, no ano de 2017, entre crian- ças (0 a 9 anos) predominam as internações por quedas, com 38,0% do total, seguidas pela exposição a corrente elétrica, radiação (11,9%). Em adolescentes (10 a 19 anos) do sexo masculino as quedas continuam em primeiro lugar, com 57,6%, porém, em segun- do lugar aparecem os acidentes de trans- porte (20,8%), seguido Exposição a corrente elétrica, radiação (11,3%). Em jovens de 20 a 29 anos a variação das causas de internação fica com acidentes de transportes (27,4% - 17,5% envolvendo motos), 24,0% envolvendo quedas e 10,1% Exposição a corrente elé- trica, radiação, etc. Em adultos de 30 a 59 anos os acidentes com moto diminuem um pouco, porém estes ainda são responsáveis por 13,6%. Há o aumento do peso relativo das quedas (27,6%), e permanece o caso de exposição a corrente elétrica, radiação, etc. (10,4%). Em idosos, a maior parte das inter- nações é devido às quedas (41,9%), seguido de acidentes de transporte (11,3%). Em mulheres, no ano de 2017, também exis- tem variações nos subtipos de causas ex- ternas que levaram à internação hospitalar. Assim como nos meninos, nas meninas de Gráfico 4 – Coeficientes de internações hospitalares pelo SUS segundo faixas etárias, sexo feminino(a)/masculino(b), por 100 mil mulheres/homens 800,0 1.000,0 600,0 400,0 200,0 0,0 800,0 1.000,0 600,0 400,0 200,0 0,0 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 20 17 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 20 17 - 0 a 9 10 a 19 20-29 30-59 60+ Fonte: Brasil, 2018; IBGE, 2018. a b Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 26 UN1 Causas externas 0 a 9 anos predominam as quedas com 36,8% do total, seguidas pelos Exposição a corrente elé- trica, radiação, com 10,8. Em adolescentes (10 a 19 anos) as quedas continuam em primeiro lugar, com 28,0%, porém aumentam os episó- dios dos acidentes de transporte com motoci- cletas (9,1%). Em jovens de 20 a 29 anos cresce mais ainda a atenção sobre os acidentes com moto, responsáveis por 13,4% das internações nesse grupo, assim como quedas (26,8%) e exposição a corrente elétrica, radiação, etc. (11,0%). Em mulheres adultas de 30 a 59 anos diminui bastante o peso relativo dos aciden- tes com moto, que caem para 6,6%; aumenta o peso relativo das quedas (36,3%) e aumentou a ocorrência de internação por exposição a corrente elétrica, radiação, etc. (11,5%). Em idosas, a maior parte das internações é devido às quedas (55,5%) e os acidentes de transpor- te chegam a 6,0%. Importante! Nesse contexto, conclui-se, então, que a tendência de internações por causas externas no Brasil é crescente. Apesar de re- presentarem a quarta causa de internação no Brasil, entre os homens aparece como a pri- meira, com destaque para os jovens entre 20 e 29 anos, enquanto no sexo feminino ocupa a oitava posição e ocorre predominantemente entre os idosos. O aumento da internação por causas exter- nas para o conjunto da população brasilei- ra usuária dos serviços públicos de saúde era esperado, em decorrência do padrão de aumento, nos últimos anos, da frota de veí- culos, especialmente motocicletas (OMS, 2010). Esses são alguns dos fatores que contribuem para o aumento, mas na próxi- ma unidade vamos discutir outros elemen- tos também importantes. Gráfico 5 – Coeficientes de internações hospitalares pelo SUS segundo subtipos de causas externas, por 100 mil habitantes Acidentes com transporte Agressões Quedas Acidentes com motocicletas Suicídios 250,0 200,0 150,0 100,0 50,0 0,0 20 04 20 05 20 06 20 07 20 08 20 09 20 10 20 11 20 12 20 13 20 14 20 15 20 16 20 17 Fonte: Brasil, 2018; IBGE, 2018. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 27 UN1 Causas externas econômicas, emocionais e sociais, que se traduzem em dias de ausência no traba- lho, custos para o sistema de saúde, de- manda aos serviços sociais, perda de vida produtiva por morte. Além disso, acarreta danos mentais e emocionais, muitas vezes invisíveis e imensuráveis, tanto para as ví- timas quanto para as famílias. Esperança de vida ao nascer > A espe- rança ou expectativa de vida ao nascer é um dos indicadores de especial interesse, associa- do às condições de saúde, acesso aos serviços de saneamento e às políticas educacionais. Observa-se o grande prejuízo, e, apesar de importante, é difícil calcular o impac- to exato de todos os tipos de causas ex- ternas sobre os sistemas de saúde ou os seus efeitos sobre a produtividade econômica em todo o mundo. Dados da OMS (2013) indicam que os acidentes de trânsito já representam um custo global de US$ 518 bilhões/ano, ou um percentual Figura 2 – Aumento das internações causadas por aciden- tes de motocicletas Fonte: Fotolia, 2016. Em conclusão aos indicadores trabalhados nessa unidade gostaríamos de destacar que, para a compreensão do padrão de in- ternação hospitalar, é necessária também a avaliação dos coeficientes de mortalida- de. Lembre-se que apenas uma fração dos casos letais representam as vítimas de le- sões, por isso avaliar esses dois indicado- res em conjunto é fundamental. 1.2.3 Impacto da morbimortalidade por causas externas Grande proporção dos que sobrevivem às lesões decorrentes de causas exter- nas sofre com deficiências temporárias ou permanentes, causando, muitas vezes, perda da capacidade laborativa e da qua- lidade de vida. Por isso, é preciso lem- brar que as causas externas têm grande impacto na economia e nas condições de saúde da população: seus efeitos vão além do sofrimento individual e coletivo, já que incidem na cultura e no modo de viver das pessoas. As causas externas também têm determi- nado um importante impacto, até mesmo sobre a esperança de vida ao nascer do brasileiro. Ela apresenta consequências Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 28 UN1 Causas externas de 1% a 3% do PIB (Produto Interno Bruto) de cada país. Sem campanhas de conscientização, a OMS estima que 1,9 milhão de pessoas devem morrer no trânsito em 2020 (pas- sando para a quinta maior causa de mor- talidade) e 2,4 milhões, em 2030. No Bra- sil, as causas externas correspondem a um maior gasto médio e custo-dia de in- ternação do que as causas naturais, ape- sar da menor proporção de internações e menor tempo médio de permanência (MELIONE; MELLO-JORGE, 2008). O Instituto de Pesquisa Econômica Apli- cada (IPEA), entre os anos de 2001 e 2003, estimou no Brasil perdas anuais de R$ 5,3 bilhões com acidentes de trânsi- to em aglomerações urbanas. Em 2006, estimou em R$ 24,6 bilhões. Esses gas- tos se dãoprincipalmente com cuidados em saúde, perda de produção, morte das pessoas ou interrupção de suas ativida- des, seguido dos custos associados aos veículos (BRASIL, 2007). Em 2014, segundo dados da Polícia Rodo- viária Federal, ocorreram 167.247 aciden- tes de trânsito nas rodovias federais bra- sileiras, que determinaram uma despesa para a sociedade de R$ 12,8 bilhões, sen- do que 62% desses custos estavam agre- gados às vitimas dos acidentes, como cuidados com a saúde e perda de produ- ção devido às lesões ou morte. Enquanto os custos dos acidentes nas rodovias es- taduais e municipais se encontram numa faixa de R$ 24,8 bilhões a R$ 30,5 bilhões nesse mesmo ano. Ainda, os custos dos acidentes nas aglomerações urbanas brasileiras se encontram numa faixa de R$ 9,9 bilhões a R$ 12,9 bilhões no ano de 2014. Assim, os custos de acidentes de trânsito estimados no Brasil para o ano de 2014, foi de aproximadamente, 54 bi- lhões de reais (IPEA, 2015) Apesar de esses valores serem represen- tativos, muitos outros impactos não es- tão inclusos nessa quantificação. E com esse cenário, cabe destacar, os agravos que estamos discutindo são passíveis de prevenção. 1.3 Análise comparativa entre os impactos específicos para homens e mulheres O sexo masculino é responsável por 82,2% dos óbitos por causas externas no Brasil. Nesse panorama, segundo dados de 2016, destacam-se os óbitos por agressões e acidentes de transporte, que correspon- deram a 41% e 28% do total de óbitos por causas externas na população masculina, respectivamente. Já no sexo feminino, os óbitos por acidentes de transporte e ou- tras causas externas de traumatismos acidentais corresponderam a 29% e 32% do total, respectivamente, seguidos por agressões, em 18% (BRASIL, 2018). Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 29 UN1 Causas externas De maneira geral, os fatores externos de óbitos, como os homicídios, são fenôme- nos tipicamente masculinos, e também estão relacionados com a juventude. Ou seja, homens e jovens estão mais ex- postos à violência. Esse perfil demonstra maior vulnerabilidade do sexo masculino para esses tipos de agravos, em decor- rência de comportamentos e atividades que os mesmos assumem socialmente, e que os colocam em maior risco. Gráfico 6 – Impacto da mortalidade nos homens, 2016 18% 82% Óbito feminino Acidentes com transporte: 13,1% Agressões: 2,2% Óbito masculino Agressões: 44% Acidentes com transporte: 20,3% Fonte: Do autor, 2018. Importante! A identificação desse perfil mas- culino e jovem para as agressões é fundamen- tal para o planejamento das equipes de saúde. Contudo, lembre-se de que, para cada ação es- tratégica, deve-se analisar o perfil que compõe as pessoas mais vulneráveis. Por exemplo, as ações que visam o combate à violência sexual precisam conhecer o perfil das pessoas sob maior risco, neste caso as mulheres. A morte prematura é uma das consequên- cias das causas externas, discutida no pa- norama de morbimortalidade. Além desta, destacamos as consequências psicofísi- cas e socioeconômicas dos eventos, uma vez que as vidas perdidas são de jovens em plena fase produtiva, contribuindo com a estrutura financeira da família. Outro im- pacto negativo está sobre a esperança de vida dos homens brasileiros, e dentre estes os negros. Para este grupo, homens negros, o principal componente causador da perda de expectativa de vida são os homicídios, predominantemente nas regiões Nordes- te, Norte e Centro-Oeste. Já entre os não negros, a maior causa de letalidade são os acidentes de trânsito (IPEA, 2013). Esperança de vida > Na população brasi- leira, a média da expectativa, em 2016, foi de 75,8 anos, sendo 72,2 anos para os homens, e 79,4 anos para as mulheres. No grupo infanto-juvenil (0 a 24 anos de idade), as causas externas ocupam as primeiras colocações como causa de mortalidade. Para as crianças, o pano- rama pode ter relação com a imaturida- de, curiosidade e intenso crescimento e desenvolvimento. No adolescente, pode estar associado à exposição a drogas, marginalidade, entre outros eventos ne- gativos. De maneira geral, enquanto na infância o ambiente doméstico é o princi- pal local onde são gerados esses agravos, na adolescência o espaço extradomiciliar tem prioridade no perfil epidemiológico das causas externas. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 30 UN1 Causas externas 100 mil habitantes. Entre todas as capitais, sete delas apresentaram CME maiores que 90/100 mil habitantes, como Porto Velho, Boa Vista, Macapá, Recife, Vitória, Rio de Janeiro e Cuiabá. Dada a frequência com que ocorrem e por serem os adolescentes e adultos jovens os grupos mais atingidos, as causas externas são as maiores responsáveis pelos anos potenciais de vida perdidos (APVP). Para as causas externas, o sexo masculino respon- de por cerca de 45% dos APVP, o que cor- responde a quase três vezes os APVP por doenças do aparelho cardiovascular. A população feminina, conforme mostrado anteriormente, e pessoas mais velhas es- tão consideravelmente menos expostas às influências das violências urbanas. O com- portamento social que as caracteriza as exime das causas de morte violenta. Des- sa forma, diferente do sexo masculino, as causas externas não têm tanta influência na esperança de vida desse grupo. O ganho na esperança de vida das mulheres ocorre independentemente da idade. Apesar de o panorama mostrar elevado CME por causas externas do sexo masculi- no, quando avaliado de maneira específica, para o sexo feminino temos um grave pro- blema de saúde pública. As mulheres são as principais pessoas em situação de vio- lência doméstica e sexual. Nesse compa- rativo, elas desenvolvem mais problemas de saúde, custos significativamente mais altos de tratamento e consultas mais fre- quentes aos atendimentos de emergência durante toda a sua vida. Um outro olhar, fundamental para esse con- texto, está sobre o impacto da perda ou in- ternação de um familiar ou amigo devido a circunstâncias violentas, e a literatura mos- tra que isso frequentemente acarreta no de- senvolvimento de transtornos psicológicos Figura 3 – Exposição de drogas e alcool na adolescência Fonte: Fotolia. O Brasil tem uma dinâmica de mortalidade bastante heterogênea e suas característi- cas regionais geram diferenças em relação ao desenvolvimento econômico, ao aces- so à saúde, à educação, ao saneamento básico, dentre outros aspectos. Para as causas externas, o cenário da mortalida- de está intimamente associado às carac- terísticas da violência de cada região. Em 2003, o CME por causas externas nas ca- pitais brasileiras variou de 53,8 a 120,1 por Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 31 UN1 Causas externas transitórios ou de longa evolução dos mem- bros envolvidos. Estima-se que aproxima- damente três pessoas são afetadas dire- tamente por cada evento que leva alguém conhecido a óbito ou internação, o que no contexto da saúde vem gradativamente se constituindo como uma demanda para a rede pública. Nesta unidade, observamos a importân- cia epidemiológica das causas externas na população brasileira, que correspondem a quarta maior causa de morte no país, sendoa primeira entre a faixa etária de 1 a 49 anos. Com relação às internações, o Brasil apre- senta uma tendência crescente pelas cau- sas externas, tanto no sexo masculino quanto feminino. Destacam-se predomi- nantemente as internações por quedas e acidentes de transporte. Da mesma forma, abordamos o impacto desses dados sobre a economia do país, e principalmente sobre as famílias brasileiras. Aproveite os indica- dores discutidos na unidade para investigar esse panorama de morbimortalidade por causas externas em seu território de atua- ção, município ou estado. 1.4 Recomendação de Leituras complementares BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Aná- lise de Situação de Saúde. Política nacional de redução da morbimortalidade por aciden- tes e violências: Portaria MS/GM no 737 de 16/05/2001, publicada no DOU no 96 seção 1E de 18/05/2001. 2. ed. Brasília: Editora do Mi- nistério da Saúde, 2005. Série E. Legislação de Saúde. Disponível em: <http://conselho.saude. gov.br/comissao/acidentes_violencias2.htm>. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 32 32 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem 34 Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 35 35 Nesta unidade serão caracterizados os aci- dentes e as violências, desde sua concei- tuação, tipologia, fatores de risco para sua ocorrência, assim como as diferenças en- tre gêneros e o perfil de morbimortalidade. Acompanhe e confira importantes informa- ções para aprofundar seus conhecimentos sobre estes temas. 2.1 Caracterização de acidentes e violências A Política Nacional de Redução da Mor- bimortalidade por Acidentes e Violências (PNRMAV) entrou em vigor em 16 de maio de 2001, pela Portaria Ministerial MS/GM no 737 (BRASIL, 2005), sendo a responsável pela temática no país. A PNRMAV foi o mar- co para a inclusão da violência na agenda do setor saúde, e incluiu decisivamente a importância e o papel desse setor no en- fretamento dos acidentes e violências, a partir do desenvolvimento de um conjun- to de ações articuladas e sistematizadas (MINAYO, 2009). A promoção de saúde constitui o eixo central da PNRMAV, e o desenvolvimen- to da cidadania, a construção de redes de proteção e o estimulo à cultura da paz são seus objetivos principais. Junto à promoção, outras ações de saúde são propostas como diretrizes da PNRMAV. Cultura da paz > A ONU definiu cultura da paz, em 1999, como um conjunto de valores, ati- tudes, tradições, comportamentos e estilos de vida de pessoas, grupos e nações baseados no respeito pleno à vida e na promoção dos direi- tos humanos e das liberdades fundamentais, na prática da não violência por meio da educa- ção, do diálogo e da cooperação, podendo ser uma estratégia política para a transformação da realidade social. Confira as diretrizes da PNRMAV no esque- mático a seguir Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 36 36 A PNRMAV utiliza do conceito ampliado de saúde para abordar a temática dos aciden- tes e violências como problemas de saúde pública. Segundo a Constituição Federal e a Legislação decorrente da política, o conceito ampliado de saúde abrange não só as ques- tões médicas e biomédicas, mas aquelas re- lativas a estilos de vida e ao conjunto de con- dicionantes sociais, históricos e ambientais, nos quais a sociedade brasileira vive, traba- lha, se relaciona e projeta seu futuro. Nessa perspectiva, a PNRMAV amplia as responsabilidades e compromissos com os outros setores e a sociedade civil na cons- trução da cidadania e da qualidade de vida da população. Por outro lado, define o papel específico da saúde e seus instrumentos para atuação, como estratégias de promo- ção da saúde e de prevenção de doenças e agravos, e melhor adequação das ações relativas à assistência, à recuperação e re- abilitação das pessoas em situação de vio- lência ou vítima de acidentes. No âmbito governamental, a PNRMAV é o instrumento orientador de atuação do setor saúde. A política também entende, como resultado dos acidentes e violência, a mor- bimortalidade devida a um conjunto de fa- tores, como o trânsito, trabalho, quedas, envenenamentos, afogamentos e outros tipos de acidentes. As causas intencionais incluem agressões e lesões autoprovoca- das, sendo importante destacar que essas são as principais responsáveis pelos óbitos e agravos à saúde, ou seja, que demandam grande quantidade de atendimentos nos serviços de saúde (MINAYO, 2009). Figura 4 – Reabilitação das pessoas vítimas de acidentes Fonte: Fotolia. Diretrizes da PNRMAV Promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis. Monitorização da ocorrência de acidentes e de violências. Sistematização, ampliação e consolidação do atendimento pré-hospitalar das vítimas. Assistência interdisciplinar e intersetorial às pessoas em situação de violência e vítimas de acidentes. Estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação. Capacitação de recursos humanos. Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 37 37 Apesar dos delineamentos propostos pela PNRMAV, ainda existem muitas bar- reiras a serem enfrentadas. Na esfera da Atenção Básica, pouco investimento tem sido feito, aliado a uma cultura popular de busca por uma atenção pontual e ime- diata, o que leva à utilização indevida e sobrecarga dos prontos-socorros e dos hospitais de emergência, dificultando as estratégias organizacionais da rede de serviços de saúde. O país também enfren- ta a insuficiência de leitos de emergência e de UTI, muitos ocupados por agravos preveníveis com os acidentes de trans- porte e situações de violência. Dentre os serviços, a área de Reabilitação é a que mais necessita de avanços para cumprir com as diretrizes da PNRMAV (MINAYO; DESLANDES, 2009). Um dos pontos positivos da implantação está no ingresso do Serviço de Atendi- mento Móvel de Urgência (SAMU), que, apesar de problemas localizados, repre- senta considerável benefício para a po- pulação. No entanto, chamamos aten- ção para discrepâncias na estruturação desses serviços, importantes de serem resolvidas para proporcionar seguran- ça e atendimento adequado às pes- soas com lesões e traumas (MINAYO; DESLANDES, 2009). Conforme analisamos a partir do perfil agravante de morbimortalidade, o inves- timento nas ações de prevenção e es- truturação das redes de atenção preci- sa ser expandido. Frente ao trabalho da PNRMAV, a grande fragilidade e o desafio estão na falta de articulação intra e inter- setorial para a realização das ações. São necessárias mais parcerias das universi- dades com os serviços e redes de saúde para aumentar o conhecimento, tanto do fenômeno como das melhores formas de enfrentamento. Importante! O mérito da PNRMAV é incluir o problema da violência na agenda do MS, com diretrizes definidas para a prevenção, assis- tência às vítimas, melhoria do registro e atua- ção intersetorial.2.1.1 Definição de acidentes A PNRMAV define como acidente “o even- to não intencional e evitável, causador de lesões físicas e ou emocionais no âmbito doméstico ou nos outros ambientes sociais, como o do trabalho, do trânsito, da escola, de esportes e o de lazer”. Tais eventos são, em maior ou menor grau, perfeitamente pre- visíveis e preveníveis (BRASIL, 2005). Como vimos na unidade anterior, a CID-10 compre- ende o agrupamento acidentes (V01-X59). 2.1.2 Definição de violência Ainda segundo a Política, entende-se por vio- lência “o evento representado por ações rea- lizadas intencionalmente por indivíduos, gru- Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 38 38 pos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e/ou espirituais a si próprio ou a outros – por exemplo: homi- cídio, agressão física, abuso sexual, violência psicológica, negligência e abandono” (BRA- SIL, 2005). Esse grupo compreende as agres- sões, de acordo com o CID-10 (X85-Y09). Na literatura, é possível encontrar diversas classificações de violência. Não há consen- so, visto que cada autor organiza a tipologia conforme uma teoria. As tipologias comu- mente utilizadas são da OMS, que classi- fica violência em três grandes categorias, conforme as características daquele que comete o ato violento, ou seja, o agressor. 2.2 Fatores de risco e exposição e sua relação com as construções de gênero A discussão sobre fatores de risco e de ex- posição é largamente proposta no âmbito da saúde. Conhecer esses fatores significa a possibilidade de intervir em cunho pre- ventivo, curativo e de promoção da saúde sobre os agravos. E discuti-los frente às construções de gênero, será que é comum? Acompanhe a leitura e aproveite as leituras complementares propostas nesta unidade para aprofundar a temática. Violência coletiva Inclui os atos violentos que acontecem nos âmbitos macrossociais, políticos e econômicos e caracterizam a domi- nação de grupos e do Estado. Nesta estão os crimes cometidos por grupos organizados, os atos terroristas, os crimes de multidões, as guerras e os processos de aniquilamento de determinados povos e nações. Violência autoinfligida Subdividide-se em comportamentos suicidas e autoabusos. No primeiro caso, a tipologia contempla suicídio, ideação suicida e tentativas de suicídio. Para o conceito de autoabuso nomeiam-se as agressões a si próprio e as automutilações. Violência interpessoal Subdividide-se em violência comunitária e violência familiar, que inclui a violência infligida pelo parceiro íntimo, o abuso infantil e o abuso contra os idosos. Na violência comunitária incluem-se a violência juvenil, os atos aleató- rios de violência, o estupro e o ataque sexual por estranhos, bem como a violência em grupos institucionais, como escolas, locais de trabalho, prisões e asilos Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 39 39 2.2.1 Violência A mortalidade por causas externas cons- titui-se um problema de etiologia multifa- torial, e envolve vários níveis de influência, desde o nível individual até o social. A vio- lência comporta-se da mesma forma, sen- do ainda um fenômeno social e histórico de conceituação complexa. Ela ocorre após eventos de natureza diversa relacionados às estruturas sociais, econômicas, políti- cas, culturais e comportamentais, os quais, muitas vezes, fundamentam e reforçam atos de violência (MALTA et al., 2007). A violência apresenta uma forte asso- ciação com a pobreza, resultante das desigualdades sociais e da exclusão. Apesar desse predomínio, não é exclusi- vo desse cenário, e pode também acon- tecer em diferentes contextos sociais e econômicos. A violência é um fenôme- no que se reveste de complexidade, seja pelos seus diversos determinantes, seja pela variedade de abordagens e poten- cialidades de intervenção, o que, no âm- bito da saúde, corresponde a um novo significado, à prevenção. Figura 5 – Não à violência Fonte: Shutterstock Retomando a invisibilidade, a violência vivi- da na esfera doméstica tende a ser minimi- zada ou tratada como uma questão policial e jurídica, algumas vezes criminalizando o autor. Em outras situações, a pessoa que sofre a violência é que se torna penalizada, por exemplo, quando é vista como culpa- da, quando afastada do seu convívio fami- liar ou de amigos, entre outros. De qualquer maneira, pouco é apresentado à sociedade como alternativas sociais de práticas pre- ventivas e promocionais de saúde e quali- dade de vida. A partir dos anos 2000, com a inclusão dos homens nas propostas de intervenção para barrar o ciclo de violência entre os gêneros, observou-se a necessidade de maior co- nhecimento acerca do papel do homem nas violências ditas não fatais, com destaque as do tipo doméstico. A violência doméstica, do homem no papel de agressor contra a par- ceira, aponta a imposição de uma autoridade sobre as mulheres e a submissão feminina nas relações afetivas, o que reflete em atos Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 40 40 de humilhação, maus tratos, xingamentos e ameaças de outras agressões por parte dos homens, quando desapontados quanto aos afazeres domésticos, obrigações com filhos ou nas relações de casal, por exemplo. Figura 6 – Violência por parceiros íntimos Fonte: Shutterstock. Resultados na literatura reiteram a marca da violência de gênero contra as mulheres, particularmente contra as parceiras ínti- mas. Há um contraste entre os tipos de vio- lência contra as mulheres, comparados às sofridas pelos homens. Os homens repre- sentam os principais perpetradores da vio- lência sexual, ou seja, como autores, contra as mulheres; no entanto, são os principais em violência física entre seus pares, ou seja, entre os homens. Nesse contexto, é importante lembrar a diferença de revela- ção da violência sexual entre os gêneros, considerada mais difícil quando sofrida pe- los homens (SCHRAIBER et al., 2012). A partir do que foi exposto, naturalmente o espaço em que os homens perpetram a violência é principalmente no ambiente do- méstico, enquanto eles sofrem mais vio- lência no espaço público. Ainda, o homem é o sexo que mais se envolve em situa- ções de violência, de grandes magnitudes e sobreposições, quer como vítimas, quer como agressores. Estudos sobre a masculinidade apontam para o sentimento de desvalo rização que os homens sentem em razão de deter- minadas situações de classe e de raça. Os homens são apontados como alvo preferencial, em comparação às mulhe- res, de depreciações por parte da polícia, o que, segundo o Fórum Brasileiro de Se- gurança Pública, apresenta uma tendência crescente no contexto atual (MACHADO; NORONHA, 2002; RAMOS; MUSUMECI, 2005; SCHRAIBER et al., 2012). Retomando o sentimento de desvaloriza- ção por raça, no Brasil a letalidade violenta está acompanhada de uma forte herança das discriminações econômicas e raciais contra os afrodescendentes. Nascimento et al (2011) inferem que a alta mortalida- de masculina entre os jovens pobres revela Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentese violência 41 41 em parte a discriminação à brasileira, ou seja, uma conduta que legitima a cor e a classe como critérios que tornam a pessoa um perigo em potencial. Diante de tantas restrições sociais, a violência é uma tática de poder que garante ao homem seu lugar de “macho”, ou seja, “retorno virilista”, por exemplo quando jovens dos meios popula- res desempregados e sem dinheiro, se lan- çam em ações violentas entre eles e contra outras pessoas para provar sua virilidade (WELZER-LANG, 2009). A violência vem como forma de provar a si mesmo, e aos outros, que se é homem, quando todos os privilégios da masculinidade desaparecem (WELZER-LANG, 2009). Segundo Ministério da Saúde (MS), o Bra- sil apresentou taxa de mortalidade de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, com a marca histórica de 62.517 homicídios. Esse dado corresponde a 30 vezes a taxa da Eu- ropa segundo dados contidos no Atlas da Violência 2018, produzido pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) (CERQUEIRA et al., 2018). Em termos proporcionais, para cada ho- micídio de não negro no Brasil, 2,5 negros são assassinados, em média (IPEA, 2013). Segundo a Teoria das Abordagens de Ativi- dades Rotineiras (COHEN; FELSON, 1979), a incidência de crimes, e, em particular, de homicídios, depende de três elementos: uma vítima em potencial, um agressor em potencial e uma tecnologia de proteção di- tada pelo estilo de vida da vítima, em fun- ção do seu sexo, idade, relações familiares, comunitárias e profissionais. A maior propensão ao envolvimento em atividades arriscadas está associada aos homens jovens e às relações familiares, comunitárias e profissionais, as quais es- tão condicionadas por fatores estruturais (status econômico, mobilidade residencial e acesso à Justiça). Dessa forma, as po- pulações mais vulneráveis socioeconomi- camente são aquelas sujeitas a uma maior probabilidade de vitimização violenta, em face dos menores níveis educacionais, maiores dificuldades de acesso à Justiça e a mecanismos de solução de conflitos, me- nor acesso a mecanismos de proteção, e, inclusive, menor flexibilidade para residir e frequentar lugares menos violentos. 2.2.2 Acidentes Conforme temos discutido, os transportes estão cada vez mais associados ao au- mento dos acidentes de trânsito e às mor- tes prematuras, assim como às incapaci- tações físicas e psicológicas. Nos países de baixa e média renda, os usuários mais vulneráveis são pedestres, ciclistas, moto- ristas de veículos motorizados de duas e/ ou três rodas e passageiros de transporte público inseguro. Nesse cenário, os pedes- Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 42 42 tres e ciclistas são os que se beneficiam menos das políticas voltadas aos desloca- mentos motorizados, mas arcam com uma parcela desproporcional das desvantagens da motorização, como as lesões, a poluição e a divisão das comunidades por rodovias, dificultando a locomoção (BRASIL, 2015). Também nos países de baixa e média ren- da, a situação se agrava pela urbanização rápida e não planejada. A ausência de in- fraestrutura adequada nas cidades, soma- da à falta de um marco regulatório legal, tornam o exponencial aumento no número de acidentes algo ainda mais preocupante. A falta de desenvolvimento urbano e pla- nejamento de transportes e rodovias são fatores que contribuem significativamente para o aumento do risco de acidentes de trânsito. Contudo, melhorar a segurança no trânsito requer abordar questões mais amplas de acesso equitativo aos meios de transporte sustentáveis. É fato que os sistemas de transportes tornaram-se componentes cruciais da modernidade. Estes sistemas aceleraram as comunicações e o transporte de bens e pessoas, gerando uma revolução nas relações econômicas e sociais. Ainda, a incorporação de novas tecnologias veio acompanhada de outros fatores, como a contaminação do ambiente, o estres- se urbano e a deterioração da qualidade do ar, diretamente ligados aos moder- nos sistemas de transportes terrestres (OMS, 2012). O perfil epidemiológico dos casos de aci- dentes de trânsito, além de composto por adultos jovens, do sexo masculino, também é predominantemente por negros (IPEA, Fatores de risco para os acidentes Fatores econômicos e demográficos Práticas de planejamento de uso de solo Índices de motorização Modos de deslocamento Volume de deslocamentos desnecessários . Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 43 43 2013). Contudo, no que se refere à cor da pele, é importante ter em mente que esse é um fator que também pode revelar iniquida- des socioeconômicas, quando analisado. Em relação à ocorrência de acidentes, os fa- tores de risco incluem: falta de componentes de segurança ou problemas de manutenção de veículos, traçados viários inseguros, fa- diga do condutor, falta de experiência para dirigir, falta de acesso a sistemas de trans- porte público seguro, uso inapropriado de telefones celulares e envio de mensagens de texto enquanto condutor de veículo (aumen- ta em quatro vezes o risco de acidente), a velocidade excessiva e não apropriadas em ruas, e, por fim, condução imprudente (OMS, 2012). Como tem sido seu comportamento como motorista? A fadiga do condutor nos remete às pro- fissões de transporte de bens e pessoas; a falta de experiência, velocidade excessiva e imprudência para conduzir vão ao encontro do perfil jovem e masculino de morbimorta- lidade, no caso de caminhoneiro e motoci- clista que faz entregas de produtos e servi- ços, geralmente trabalham sobre prazos de entrega, o que os coloca em risco de aciden- tes e mortes no trânsito. A falta de experi- ência, velocidade excessiva e imprudência para conduzir vão ao encontro do perfil jo- vem e masculino de morbimortalidade. Figura 7 – Ocorrência de acidentes Fonte: Shutterstock. Retomando a velocidade excessiva como fator de risco, é importante lembrar que a probabilidade de um pedestre morrer em atropelamento é exponencialmente maior à medida que aumenta a velocidade do carro. Pedestres têm 90% de chance de sobreviver a uma colisão de um veículo que circula a uma velocidade igual ou abaixo de 30 km/h, mas, em impacto a uma velocidade igual ou acima de 45 km/h, as chances de sobrevi- vência ficam abaixo de 50%. Nesse contex- to, ainda considera-se que pedestres mais idosos são mais vulneráveis do que os jo- vens. A probabilidade de um pedestre de 65 anos ou mais ser morto por um carro a uma velocidade de 75 km/h é de mais de 60%, contra 20% para um pedestre com menos de 15 anos (OMS, 2012). O lugar onde as pessoas residem também pode influenciar a exposição aos riscos no trânsito. De uma forma geral, pessoas que Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 44 44 residem em áreas urbanas têm maior risco de se envolver em acidentes de trânsito. Porém, pessoas que residem nas zonas rurais têm maior chance de morrerem ou fi- carem gravemente feridas nestes eventos. Essa diferença pode ser atribuída aos veí- culos motorizados que tendem a se deslo-car em maior velocidade nas áreas rurais. Outra contribuição do espaço refere-se às construções de rodovias que atravessam comunidades, expondo muitas pessoas a novos riscos (OMS, 2012). Além disso, a condução sob a influência de álcool e outras drogas apresenta sérios riscos para a ocorrência de acidentes. Uma análise das pesquisas em países de renda baixa e média demonstrou que havia álcool presente no sangue de 33% a 69% dos con- dutores que haviam sofrido lesões fatais, e em 8% a 29% daqueles envolvidos em aci- dentes não fatais (OMS, 2012). Os pedes- tres também se expõem a um maior risco de lesão no trânsito quando consomem muito álcool. O uso do álcool como fator de acidente pre- domina nos finais de semana e à noite, já que esse é o período em que o consumo de bebidas alcoólicas é mais provável. Con- comitantemente, são os períodos em que o risco de acidentes e o nível de gravidade das lesões aumentam. Conforme mencio- nado, o sexo masculino e os jovens são as vítimas mais acometidas por ocorrências no trânsito, entretanto, destaca-se o alto grau de mortalidade em idosos, visto que, na maioria das vezes, esses são vítimas de atropelamentos. Importante! Apesar de citarmos a infraestrutu- ra como determinante dos acidentes, também existem inúmeros fatores de risco que estão intimamente relacionados aos hábitos de di- reção dos ocupantes/motoristas, por isso o envolvimento da população nas ações preven- tivas é fundamental. A falta de aplicação eficaz da legislação e regulamentações de segurança no trânsito também contribuem para o combate aos acidentes, uma vez que câmeras ou rada- res detectores de velocidade podem flagrar os motoristas que ultrapassam os limites. Uma análise recente da experiência em di- versos países mostrou que o uso destes mecanismos reduziu as mortes no trân- sito e as lesões graves em 14%, enquan- to a abordagem sobre violação realizadas por ação policial alcançou 6% de redução (ELVIK; VAA, 2004). No que se refere à gravidade de lesão, os fatores de risco incluem os elementos descritos no esquemático a seguir. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 45 45 Em relação à evolução das lesões após o acidente, os fatores de risco incluem atra- sos para se identificar uma colisão e pro- videnciar medidas que salvam vida; pres- tação de assistência psicológica; falta ou atraso de cuidados emergenciais no local do acidente e no transporte até um local com serviços de saúde, disponibilidade e qualidade dos cuidados pós-traumáticos e reabilitação. Importante! Um dos desafios a serem supe- rados é a falta de consciência educativa, de compromisso político e a crença equivocada de que há um dilema entre crescimento eco- nômico e mobilidade segura, enquanto os in- vestimentos para superar essas deficiências têm preços acessíveis e altas taxas de retorno (BRASIL, 2015). Para garantir a segurança e a proteção de todos os usuários do trânsito por meio da ênfase em infraestrutura rodoviária mais segura, recomenda-se o incenti- vo de esforços com foco inicial em 10% nas estradas de maior risco, que, nor- malmente, correspondem a cerca de 50% dos acidentes, por meio da combinação de planejamento adequado e avaliação de segurança, desenho, construção e manutenção, com padrões de desempe- nho de segurança elevados e verificáveis (BRASIL, 2015). A Matriz Haddon, exposta a seguir, também apresenta uma abordagem sistemática para o auxílio de estratégias de intervenção, a fim de reduzir a exposição ao risco dos aciden- tes, evitá-los, reduzir a gravidade e conse- quências da lesão. Há aproximadamente 30 O não uso de cintos de segurança (o uso pode reduzir em 40 até 50% no risco de lesões em acidentes). O não uso de mecanismos de retenção de crianças (o uso reduz em 70% em bebês e 54% em crianças pequenas o índice de mortalidade). O não uso de capacetes (o uso reduz entre 20 a 45% traumatismos cranianos fatais e graves). O não uso de outros equipamentos de segurança. A falta de veículos com as partes dianteiras cujo desenho seja menos lesivo aos pedestres, em casos de atropelamentos. A infraestrutura inadequada às margens das vias para proteção aos choques. Fatores relacionados à tolerância do corpo humano. Fatores de risco relacionados à gravidade de lesão Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 46 46 anos, nos Estados Unidos, William Haddon Jr., a partir da observação de um transpor- te rodoviário mal planejado, desenvolveu a Matriz, que ilustra a interação de três fatores (ser humano, veículo e ambiente) em cada fase de um acidente (antes, evento em si e após). Em cada etapa, a Matriz apresenta oportunidades de intervenções que podem reduzir as lesões causadas pelos acidentes de trânsito. Essa abordagem busca identi- ficar e corrigir os principais erros ou falhas no planejamento que contribuem para os eventos. Em países altamente motoriza- dos, essa abordagem sistêmica integrada à segurança no trânsito tem reproduzido re- duções significativas no número de mortes e lesões graves. Aprofunde a leitura sobre os fatores de risco e aproveite para conhecer estratégias desenvol- vidas em outros países para o enfrentamento dos acidentes de trânsito. MOHAN et al. Prevenção de lesões causadas pelo trânsito. Manual de Treinamento. 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/ bvs/publicacoes/prevencao_lesao_causadas_ transito.pdf 2.3 Morbimortalidades O conhecimento do perfil das morbimor- talidades por causas externas é essencial para a orientação do trabalho no serviço de saúde. A partir disso, para que os esforços do coletivo e as ações estratégicas alcan- cem seus objetivos, os profissionais de- vem conhecer esse perfil, segundo a causa Quadro 2 – Matriz Haddon FASE FATOR HUMANO VEÍCULO E EQUIPAMENTOS AMBIENTE Pré-evento Informação Atitudes Condição física comprometida Fiscalização Boas condições técnicas Iluminação Freios Dirigibilidade Controle da velocidade Projeto e traçado viário Limites de velocidade Recursos para o deslocamento de pedestres Evento Utilização de mecanismos de retenção Mecanismos de retenção dos ocupantes Outros recursos de segurança Design com proteção aos impactos Dispositivos de proteção aos choques nas margens das vias Pós-evento Primeiros socorros e acesso ao atendimento médico Facilidade de acesso Risco de incêndio Serviços de resgate Congestionamento Fonte: OMS, 2012. Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem Morbimortalidade por causas externas na saúde do homem UN2 Acidentes e violência 47 47 externa específica de interesse. Você vai perceber, assim como na unidade 1, que para cada causa há um perfil diferente, por isso a análise direcionada é fundamental para o planejamento em saúde. 2.3.1 Mortalidade por causas externas específicas na população masculina Agora vamos trabalhar com outro indi- cador, muito utilizado na área da saúde: a mortalidade proporcional por grupos de causas. Este indicador representa a distri- buição percentual de óbitos por grupos de causas definidas na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado. número de óbitos de residentes por grupo de causas definidas número de óbitos de residentes, excluídas
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