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UNIDADE 1 Contextualização epidemiológica e enfrentamento da aids Márcia Cavalcante Vinhas Lucas Elizabethe Cristina Fagundes de Souza O cuidado de pessoas com HIV/aids na Atenção Básica 2 Introdução Bem-vindo ao Curso O cuidado de pessoas com HIV/aids na Atenção Básica! Ele pretende capacitar profissionais para atuarem na prevenção, diagnós- tico e tratamento do HIV no âmbito da Atenção Básica. Sua elaboração contou com a escuta e a participação de vários profissionais que atuam em universidades, Ministério da Saúde, serviços de atenção especializada e unidades de saúde da Atenção Básica, estas em situações diversas de implantação do cuidado às Pessoas Vivendo com HIV/aids (PVHA). Essa composição da equipe possibilitou agregar os diversos olhares sobre a atenção às PVHA, na perspectiva da transição do modelo de atenção. Há recomendações para atender pessoas ou mesmo para fazer testes diagnósticos para HIV em Unidades Básicas de Saúde desde o final dos anos 1990, tendo sido consolidado, em 2011, com o lançamento do Pro- grama Rede Cegonha, que definiu ações específicas para testagem rápi- da para gestantes. Apesar destas recomendações, a testagem para HIV ficou centralizada por muito tempo nos Centros de Testagem e Aconse- lhamento (CTA) e nos Serviços de Atenção Especializada (SAE). O desenvolvimento do conhecimento sobre a infecção por HIV e sobre as mudanças de suas características epidemiológicas, clínicas, de diagnósti- co, de tratamento e modos de prevenção da doença tem exigido novas estratégias de organizar a atenção nos serviços para melhor cuidar das pessoas e responder de maneira mais efetiva ao controle da epidemia. Uma dessas estratégias é o compartilhamento do cuidado à pessoa viven- do com HIV/aids (PVHA) entre a Atenção Básica e o Serviço de Atenção Especializada (SAE). A recomendação é que o fluxo entre SAE e Atenção Básica seja via de mão dupla, tanto nos processos de cuidado em saúde quanto no fluxo dos pacientes, de modo compartilhado e Integral. Este compartilhamento, na perspectiva da integralidade, exige a necessi- dade de reorganizar ações e práticas em todos os serviços de saúde para estruturação de redes de atenção regionalizadas com funcionamento efetivo e incorporação de concepção de saúde ampliada que produza, além da assistência às pessoas infectadas, o cuidado integral, desde a promoção da qualidade de vida e intervenções em situações de vulnera- bilidades e nos fatores que as colocam em risco. O SAE, ao longo de sua existência, adotou modelos eficientes e seguros de atenção às Pessoas Vivendo com HIV/aids (PVHA). No entanto, a atu- al política, ao ser indutora de diagnóstico e tratamento precoces, asso- ciados à cronicidade da infecção por HIV, orienta um novo modelo de organização na produção do cuidado. A proposta não é retirar o papel do serviço especializado, mas sim ampliar o cuidado para atenção básica – cada serviço com seu perfil. 3 Este curso pretende capacitar profissionais de saúde da rede básica para produzir cuidado às PVHA, considerando a transição do modelo de aten- ção especializada para o modelo de cuidado compartilhado. A seguir, você verá algumas diretrizes norteadoras da proposta pedagó- gica do curso. • Noção de educação permanente como movimento potencializador de mudanças de práticas e de reposicionamento dos sujeitos no seu trabalho. Desse modo, para além da capacitação técnica dos profissionais, desejamos que os conhecimentos aqui adquiridos estimulem cada profissional a refletir o processo de trabalho e buscar mudanças nos modos de olhar a epidemia de HIV/aids e de cuidar das pessoas, na perspectiva dos direitos humanos e da promoção da saúde, considerando as vulnerabilidades para a prevenção à infecção do HIV. • Adoção da metodologia problematizadora em que os conteúdos são tra- balhados a partir da análise de situações concretas, próximas à realidade vivenciada por cada trabalhador e sistematização de novos conhecimentos ou atualização dos já existentes. O curso está organizado em quatro Unida- des de Aprendizagem e o recurso disparador para o desenvolvimento dos conteúdos são cincos casos-problemas, elaborados com base em situações identificadas por profissionais de saúde. • Adoção do cuidado integral e compartilhado como eixo norteador na mudança de modelo centrado na assistência especializada às PVHA. A integralidade na atenção à saúde é um dos princípios do SUS, que orien- ta políticas públicas em saúde e ações programáticas/estratégicas que respondam às demandas e necessidades da população no acesso à rede de cuidados em saúde. Para tanto, deve considerar a complexidade e as especificidades de diferentes abordagens do processo saúde-doença e nas distintas dimensões, biológica, cultural e social da pessoa a ser cuidada. A integralidade se constrói no cotidiano dos processos de trabalho e pelo con- junto dos profissionais dos serviços de saúde. O cuidado integral e compar- tilhado exige postura ética e dialógica, assumida por profissionais e serviços de saúde para desenvolverem um conjunto de ações necessárias ao atendi- mento do usuário, considerando seus saberes e seus contextos individual, familiar e social. Esse tema estará presente nas Unidades 2, 3 e 4. Os cinco casos-problemas que nortearão as reflexões durante o desenvolvimento de conteúdo estão apresentados em formato de histórias em quadrinhos. Desejamos que você aproveite bem toda programação que foi elaborada com muito carinho e dedicação pela equipe que pensou em cada um de vocês que trabalha na Atenção Básica nos diversos recantos deste país. Bons estudos! 4 AULA 1 - A SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DA AIDS NO CONTEXTO ATUAL O HIV E A AIDS A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (aids), bem como o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), são conhecidos em outros países de lín- gua portuguesa e espanhola como SIDA e VIH, respectivamente, utilizan- do como referência as palavras em sua língua nativa. HIV = VIH AIDS = SIDA A aids é uma doença identificada no final do século XX, mais especifica- mente no início da década de 1980, e tem apresentado diferentes desafios desde a sua descoberta. No início do século XXI, ela continua desafiadora e nos instigando a buscar novas formas de olhar para a saúde das pessoas e para as relações que a sociedade estabelece com o HIV/aids. A história do HIV é bem documentada. Esse vírus tem sido estudado ao longo desses mais de 30 anos por cientistas de várias partes do mundo. Se não tratado, o HIV destrói o sistema imunológico e resulta na Síndro- me da Imunodeficiência Adquirida (aids). No quadro a seguir, faremos uma síntese das características da infecção em sua evolução clínica. Na Unidade 3, você saberá mais detalhes quanto à identificação e condutas a serem realizadas em cada uma dessas fases. Estágio da Doença Características Fase aguda: síndrome retroviral aguda, ou infecção primária É um quadro autolimitado que aparece de três a quatro semanas após o contágio. Cerca de 50 a 90% dos infectados desenvolverão um quadro viral agudo. Seu diagnóstico é pouco realizado, devido ao baixo índice de suspeição clínica e da dificuldade de se detectar anti- corpos nesse período. 5 Fase assintomática Pode durar cerca de 10 anos ou mais. Nesse período, a pessoa geralmente não apresenta sintomatologia. Linfadenopatia (aumento dos gânglios linfáticos), generali- zada, persistente e indolor pode estar presente. Essa fase tem importância significativa na transmissão do vírus, porque o indivíduo não se sente doente e man- tém sua atividade sexual habitual. Um percentual significativo de pessoas desconhece seu estado sorológico positivo. Fase sintomática e aids Ocorrência de manifestações relacionadas à presença da imunodeficiência decorrenteda infecção pelo HIV. Febre, perda de peso, diarreia, tosse, anorexia, astenia, aumento dos gânglios linfáticos, dermatite persistente, disfunção do sistema nervoso central, febre e anemia. Fase mais avançada da imunodeficiência dentro do espectro da infecção crônica pelo HIV. Manifestações inespecíficas peculiares à doença. Ocorrência das infecções oportunistas: pneumocistose, neurotoxoplasmose, histoplasmose, criptococose, cito- megaolovirose, isosporíase, criptosporidiose, candidía- se, tuberculose (formas disseminadas) e neoplasias. Quadro 1 - Características da infecção por HIV em sua evolução clínica. Fonte: Brasil (2017c). Agora que já abordamos diferenças entre HIV e aids, convidamos você a compreender como se produziu historicamente a epidemia em nossa sociedade. A Linha do tempo 1 que está no AVASUS é uma adaptação do texto produzido por Richard Parker e Vera Paiva, disponível em: <https://rets.org.br/?q=node/1481>. Acesse! Linha do Tempo 1 6 Henfil - Henrique de Souza Filho era hemofílico e sempre teve uma saúde bastante delicada, assim como seus dois irmãos, Herbert de Sousa, o Betinho, e Francisco Mário. Além deles, tinha mais cinco irmãs. Henfil teve uma atuação marcante nos movimentos políticos e sociais do país, lutando contra a ditadura, pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas Diretas Já. Na história dos quadrinhos no Brasil, ele renovou o desenho humorístico com seus personagens “Os Fradinhos”, o “Capitão Zeferino”, a “Graúna”, e “Bode Orelana”, entre outros. Devido a uma transfusão de sangue em um hospital público, durante tratamento da hemofilia, contraiu o vírus da aids e faleceu em 1988, em decorrência da doença. <http://educacao.uol.com.br/biografias/henfil.htm>. Acesso em: 13 dez. 2017. As conquistas alcançadas historicamente no enfrentamento da epidemia serão sempre ameaçadas por forças políticas com outros valores. A per- sistência de uma boa análise social e humanista, uma resposta baseada em direitos humanos e com a garantia da participação dos movimentos sociais dispostos a lutar para proteger tais conquistas são o que pode assegurar continuidade e sustentabilidade ampliada da resposta ao HIV/ aids no Brasil e no mundo. Convidamos você a assistir o vídeo História ilustrada da aids, que aborda a luta contra a aids no Brasil (acesse o link <https://www.youtube.com/ watch?v=Kg9nVYs-xRk>). Você, em sua prática profissional, já atendeu alguém que consi- derou estar em situação de limitações de direitos sociais? Que tipo de situação? Como você se posicionou profissionalmente? 7 Convidamos você a assistir o vídeo a seguir. Trata-se de uma produção do Núcleo de Estudos para Prevenção da aids (NEPAIDS) que mostra como, ao longo do desenvolvimento da epidemia, ocorreram os avanços quanto à prevenção, tra- tamento e diagnóstico, e também que perspectivas há para as próximas décadas. Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=DR7940CeQ2Q&feature=player_embed- ded>. Acesso em: 13 dez. 2017. A AIDS AINDA NÃO TEM CURA, MAS... Ainda não alcançamos a cura efetiva da aids, mas cientistas de diversos países estão trabalhando intensamente em busca de resultados. Diante da impossibilidade atual de cura, é importante ressaltar que a pessoa que vive com o HIV pode ter o vírus controlado e não progredir para o estágio da doença aids, desde que esteja em tratamento, com cuidados apropriados e carga viral suprimida. Quanto aos serviços, estes devem oferecer testagem e diagnóstico, para que as pessoas com resultado reagente possam entrar em tratamento o mais cedo possível. Você já deve ter percebido que muitas coisas mudaram desde os anos 1980, em especial a partir de 1987, com a introdução do primeiro antirre- troviral - o AZT (Zidovudina ou Azidotimidina). Desde então, o tratamen- to para o HIV se ampliou em termos de acesso e de opções de fármacos, o que tem repercutido positivamente na efetividade do tratamento e resultado no aumento da expectativa e qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA). O tratamento para o HIV, terapia antirretroviral (TARV), pode prolongar significativamente a vida de pessoas infectadas pelo vírus e diminuir as chances de transmissão. Antes da introdução da TARV, em meados dos anos 1990, pessoas com HIV progrediam para a aids em torno de uma década. Hoje em dia, se alguém for diagnosticado com HIV e tratado antes do desenvolvimento da imunossupressão poderá ter uma expec- tativa de vida quase igual à de uma pessoa não infectada. Além do tratamento adequado, o diagnóstico é outro importante aliado no enfrentamento da epidemia. Em 1985, foi disponibilizado o primei- ro teste anti-HIV e, desde então, avanços tecnológicos têm permitido o 8 diagnóstico seguro da infecção em indivíduos de todas as idades a partir de diferentes métodos como, por exemplo, o Teste Rápido com uso da gota de sangue obtida por meio da punção digital e do fluido oral, obtido pressionando a gengiva, por meio de um coletor. Figura 1 - Método de fluido oral para o Teste Rápido para HIV. Fonte: Brasil (2014). Figura 2 - Método de punção digital para coleta de sangue para o Teste Rápido para HIV. Fonte: Freitas, Souza e Melo (2017, p. 8). 9 O Ministério da Saúde do Brasil capacitou organizações não governa- mentais para a aplicação do teste rápido por meio do fluido oral em populações-chave, uma proposta arrojada de expansão do diagnóstico. Nesse percurso, ampliou-se a possibilidade de acesso oportuno ao diag- nóstico e viabilizou-se a sua realização em diferentes situações e locali- dades nas quais a infraestrutura laboratorial esteja ou não disponível. A OMS define populações-chave como grupos que, devido a comportamentos de alto risco específicos, estão em maior risco de HIV, independentemente do tipo de epidemia ou contexto local. Além disso, elas muitas vezes têm problemas jurídicos e sociais relacionados com os seus comportamentos, o que aumenta sua vulnerabilidade ao HIV. Essas pessoas estão em maior risco de infecção pelo HIV e ainda estão menos propensas a ter acesso à prevenção, testes e serviços de tratamento. Em muitos países, são deixadas de fora dos planos nacionais de HIV e a existência de leis e políti- cas discriminatórias são as principais barreiras para o acesso. Se quiser obter mais informações, você poderá encontrar no link <http://www.rets.epsjv.fiocruz.br/noticias/oms-lanca-novas- -diretrizes-sobre-prevencao-diagnostico-e-tratamento-da-aids>. Acesso em 19 jan. 2018. A Figura 3 sintetiza possíveis situações do emprego dos testes para detecção do HIV. 10 Figura 3 - Indicações para testagem para HIV. Fonte: Adaptado de Brasil (2015). Os insumos de prevenção – preservativos masculino e feminino e gel lubri- ficante – têm papel fundamental na luta contra o HIV/aids. No início da epidemia, eram distribuídos em momentos pontuais, tais como Carnaval e o Dia Mundial de Luta Contra aids ou por meio de projetos de pesquisa. Em 1994, o SUS passou a adotar a distribuição ampla e sistemática de pre- servativos masculinos e géis lubrificantes (DOURADO, 2015). Grandes transformações ocorreram no campo da prevenção do HIV nos últimos 35 anos. Atualmente, a prevenção efetiva do HIV requer uma combinação de estratégias de intervenções comportamentais, biomé- dicas e estruturais (prevenção combinada), que estão resumidas no Quadro 2. Sabe-se que uma única estratégia de prevenção não será sufi- ciente para o controle das múltiplas epidemias do HIV. 11 CATEGORIA DEFINIÇÃO EXEMPLOS DE AÇÕES Intervenções Biomédicas São estratégias voltadas à redução do risco de exposi- ção mediante intervenção na interação entre o HIV e a pes- soa passível à infecção. Essas estratégias podem ser dividi- das em dois grupos: interven-ções biomédicas clássicas, que empregam métodos de barrei- ra física ao vírus, já largamente empregados no Brasil; e inter- venções biomédicas baseadas no uso do antirretroviral (ARV). Distribuição de preserva- tivos masculinos e femi- ninos; distribuição de gel lubrificante; oferta de Tes- tagem; tratamento para todas as pessoas; profilaxia Pós-Exposição – PEP; profi- laxia Pré-Exposição – PrEP; tratamento das Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST. Intervenções Comportamentais São estratégias que contri- buem para o aumento da infor- mação e da percepção do risco à exposição ao HIV e para sua consequente redução, median- te incentivos a mudanças de comportamento do indivíduo e da comunidade ou grupo social em que está inserido. Incentivo ao uso de preser- vativos masculinos e femi- ninos; aconselhamento ao HIV/aids e outras IST; incen- tivo à testagem; adesão às intervenções biomédicas; vinculação e retenção aos serviços de saúde; redução de danos para as pessoas que usam álcool e outras drogas; estratégias de comunicação e educação entre pares; campanhas de prevenção em HIV e outras IST. Intervenções Estruturais São estratégias voltadas a enfrentar fatores e condições socioculturais que influen- ciam diretamente a vulne- rabilidade de indivíduos ou grupos sociais específicos ao HIV mediante preconcei- to, estigma, discriminação ou qualquer outra forma de alie- nação dos direitos e garantias fundamentais à dignidade humana. Ações de enfrentamento ao racismo, sexismo, homofo- bia e demais preconceitos; promoção e defesa dos Direitos Humanos; campa- nhas educativas e de cons- cientização. Quadro 2 - Componentes da prevenção combinada. Fonte: Adaptado de Brasil (2017b). 12 No Brasil e no mundo, há uma imensa expectativa e aposta nas cha- madas “novas tecnologias de prevenção” ou “tecnologias biomédicas” de prevenção (DOURADO, 2015). Na Unidade 3, faremos uma discussão ampliada sobre prevenção combinada. Você deve já ter concluído, a partir da leitura feita até aqui, que, para alcançarmos o fim de novas infecções pelo HIV e mortes relacionadas à aids, faz-se necessário compreender que, atualmente, no Brasil, as estra- tégias de prevenção são compostas pelo acesso regular e universal aos insumos de prevenção, diagnóstico precoce e tratamento para todos. Estes componentes trazem benefícios para todas as pessoas e têm por base a garantia dos direitos humanos. Para as PVHA, tais estratégias con- tribuem para uma melhor qualidade de vida, a partir de benefícios indi- viduais obtidos pelo tratamento adequado, que reduz as coinfecções, outras comorbidades e mortalidade. As ações de enfrentamento da aids no Brasil consideram o perfil da epide- mia, caracterizada como concentrada, garantindo a universalidade e equi- dade, por meio de ações com foco nas populações-chave e prioritárias. POPULAÇÕES-CHAVE E POPULAÇÕES PRIORITÁRIAS São populações-chave para HIV: profissionais do sexo, pessoas que usam drogas, gays e HSH, pessoas trans, pessoas em privação de liberdade. Além das populações-chave, o Ministério da Saúde aborda o conceito de populações prioritárias, entendidas como aquelas que também são afetadas pela epidemia de forma diferente da população geral, consi- derando que a dinâmica social destas populações varia de acordo com o território que ocupam e as colocam em situação de maior vulnerabili- dade social. Entre estas, estão: pessoas em situação de rua, população negra e população indígena. 13 Figura 4 - Populações-chave. Fonte: Freitas, Souza e Melo (2017, p. 7). 14 AULA 2 - POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO DA EPIDEMIA DA AIDS NO MUNDO E NO BRASIL A infecção pelo HIV constitui-se em uma pandemia, ou seja, está pre- sente em todas as regiões do planeta e a Organização das Nações Uni- das está intensamente mobilizada para seu enfrentamento. O Sistema das Nações Unidas é composto por organismos que atuam interna- cionalmente pelo bem-estar e segurança das populações e congrega 193 países que compartilham informações, políticas e estratégias para enfrentar problemas que atingem todo o planeta. As instituições do Sistema que estão mais diretamente à frente da resposta à epidemia de HIV e aids no mundo são o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). A Política Global de Enfrentamento da Epidemia de HIV e aids no mundo tem como documentos de referência global mais importantes as Decla- rações de Compromisso e Declarações Políticas na Luta Contra o HIV e a aids, que têm sido lançadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas desde 2001. Suas recomendações e análises sobre a epidemia vêm sendo atualizadas pelas Declarações de 2006, 2011 e, a mais recente, de 2016. As diretrizes, as recomendações e as metas apresentadas nas Declarações são adotadas pelos estados membros da ONU, entre eles o Brasil. A RESPOSTA GLOBAL À EPIDEMIA DO HIV/AIDS Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (UNAIDS), nos últimos 30 anos, a epidemia mundial de aids já custou mais de 35 milhões de vidas com efeitos devastadores em famílias, comunidades e países. Ao mesmo tempo, a resposta à epidemia gerou um movimento global diante de uma realidade na qual o HIV continua a ser a quinta principal causa de morte entre adultos. A resposta global à aids está inscrita no âmbito da Declaração do Milê- nio e dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que reco- nhecem que reverter a epidemia global de HIV é um importante avanço para promover a saúde das populações. 15 Figura 5 - O combate a aids como um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Fonte: <http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio> Acesso em: 15 jan. 2018. Em âmbito mundial, acontece um movimento pelo acesso universal à prevenção, ao tratamento e ao cuidado às PVHA. As metas da UNAIDS, anteriores a 2015, estavam relacionadas ao controle progressivo da epi- demia do HIV/aids, enquanto que, para a era pós-2015, estabelecem o fim da epidemia de aids até 2030. Em todo o mundo, está acontecendo um movimento de construção de uma nova narrativa sobre o tratamento para enfrentamento do HIV com uma meta ambiciosa denominada 90-90-90. Figura 6 - Meta da OMS para o fim da epidemia de aids. Fonte: <https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/11/2015_11_20_UNAIDS_ TRATAMENTO_META_PT_v4_GB.pdf> Acesso em: 15 de jan. 2018. • Até 2020, 90% de todas as pessoas vivendo com HIV saberão que têm o vírus. • Até 2020, 90% de todas as pessoas com infecção pelo HIV diag- nosticada receberão terapia antirretroviral ininterruptamente. • Até 2020, 90% de todas as pessoas recebendo terapia antirretroviral terão supressão viral. 16 As ações para alcançar estas metas devem estar imbricadas pelo tema Zero Discriminação, também preconizado pelo UNAIDS. O Brasil aderiu a essa estratégia mundial de aceleração à resposta para erradicar a epidemia de aids até 2030, incorporando as metas propostas mundialmente. Para isso terá de usar todas as ferramentas disponíveis, criando novas estratégias para alcançar as populações mais vulneráveis, reorganizando as redes de atenção e as linhas de cuidado do HIV/aids e assumindo as responsabilidades para atingir as metas propostas. Você deve estar se perguntando: e no Brasil, como está a situação da epidemia? Fizemos uma síntese dos dados do boletim epidemiológico e convidamos você a fazer uma análise destes, olhando para sua região. O HIV E A AIDS NO BRASIL O Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexu- almente Transmissíveis, do HIV/aids e das Hepatites Virais (DIAHV), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde(MS), publica anualmente o Boletim Epidemiológico HIV-aids, contendo infor- mações e análises sobre os casos de HIV/aids no Brasil, por regiões, estados e capitais, de acordo com os principais indicadores epidemio- lógicos e operacionais estabelecidos nacional e internacionalmente. Dados municipais podem ser visualizados por meio do seguinte link: <http://www.aids.gov.br/indicadores>. As fontes utilizadas para a obtenção dos dados são as notificações compul- sórias dos casos de HIV e de aids no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), dados obtidos no Sistema de Informações sobre Mor- talidade (SIM) e dados do Sistema de Informação de Exames Laboratoriais (SISCEL) e do Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (SICLOM). Não deixe de ler o documento da UNAIDS 90-90-90: <https://unaids.org.br/wp-content/uploads/2015/11/2015_11_20_ UNAIDS_TRATAMENTO_META_PT_v4_GB.pdf>. 17 Organizamos uma síntese dos dados epidemiológicos obtidos do boletim epidemiológico HIV/aids 2016, que o ajudará a compreender a dimensão deste agravo. DADOS DE INFECÇÃO POR HIV A notificação de casos de infecção por HIV (casos não aids) passou a ser obrigatória a partir de 2007. Antes disso, a obrigatoriedade da notifica- ção era restrita a casos de infecção em gestantes, crianças e para todos os casos de aids. Entre 2000 e junho de 2016, foram notificadas 99.804 gestantes infec- tadas com HIV no Brasil com uma tendência de crescimento na taxa de detecção nesta população em todas as regiões do Brasil, exceto na região Sudeste, que permaneceu estável no período de 2006 a 2015. Neste mesmo período, as regiões Norte e Nordeste foram as que apresenta- ram os maiores incrementos na taxa de detecção em gestantes. Vale destacar, no entanto, que em 2015, a região Sul apresentou a maior taxa de detecção entre as regiões brasileiras (5,9/mil nascidos vivos) – aproxi- madamente 2,2 vezes maior que a taxa do Brasil. Na população geral, no período de 2007 até junho de 2016, foram notificados, no Sinan, 136.945 casos de infecção pelo HIV no Brasil, sendo 52,1% no Sudeste, 21,1% no Sul, 13,8% no Nordeste, 6,7% no Centro-Oeste e 6,3% na Região Norte. A maioria de casos novos do HIV em todo país está concentrada em populações-chave (gays e homens que fazem sexo com homens, traves- tis e transexuais, pessoas que usam drogas e profissionais do sexo). Já o crescimento de aids em jovens tem ocorrido de 15 a 24 anos. DADOS DE NOTIFICAÇÃO DE AIDS No Brasil, no período de 1980 a junho de 2016, foram notificados 842.710 casos de aids, com registro anual médio de 41,1 mil casos nos últimos cinco anos. A taxa de detecção de aids tem se estabilizado nos últimos dez anos, com uma média de 20,7 casos/100 mil habitantes. Na análise por região (Figura 7), identifica-se tendência de queda na região Sudeste, estabilização no Centro-Oeste e tendência de crescimento nas regiões Norte e Nordeste. 18 Figura 7 - Taxa de detecção de aids (/100.000 mil habitantes) segundo região de residência por ano de diagnóstico. Brasil, 2006 a 2015. Fonte: Brasil (2016). Segundo a UNAIDS (2016), na América Latina, assim como no Brasil, o núme- ro anual de novas infecções pelo HIV em adultos vem aumentando lenta- mente desde 2000, com incremento de casos no México e no Panamá (8%), Chile (6%), Colômbia (5%) e Brasil (4%) (Prevention Gap Report – UNAIDS, 2016). Tais dados sugerem uma provável reemergência da epidemia. Para saber mais sobre a situação epidemiológica do HIV e aids no Brasil, consulte os boletins epidemiológicos no <www. aids.gov.br>. 19 Figura 8 - Razão de sexos segundo região de residência por ano de diagnósti- co. Brasil, 2006 a 2015. Fonte: Brasil (2016). A maior concentração dos casos de aids no Brasil está nos indivíduos com idade entre 25 e 39 anos para ambos os sexos, na proporção de 2 homens para 1 mulher. Vale mencionar que há uma diferença nesta proporção entre as regiões, conforme a Figura 8. A taxa de detecção de aids em menores de cinco anos tem sido utilizada como indicador para monitoramento da transmissão vertical do HIV. A boa notícia é que há uma tendência de queda de 42,7% neste indicador em todas as regiões (Figura 9), em paralelo ao aumento da detecção em gestantes (Figura 10). Figura 9 - Taxa de detecção de aids (/100.000 mil habitantes) em menores de 5 anos segundo região de residência, por ano de diagnóstico. Brasil, 2006 a 2015. Fonte: Brasil (2016). 20 Figura 10 - Taxa de detecção de HIV em gestantes (/mil nascidos vivos) segun- do região de residência e ano do parto. Brasil, 2006 a 2015. Fonte: Brasil (2016). A transmissão sexual é o principal modo de disseminação do vírus entre indivíduos com 13 anos ou mais de idade. Entre os homens, observou-se um predomínio da categoria de exposição heterossexual. No entanto, há uma tendência de aumento na proporção de casos em homens que fazem sexo com homens (HSH) nos últimos dez anos, a qual passou de 35,3% em 2006 para 45,4% em 2015. A proporção de usuários de drogas injetáveis (UDI) vem diminuindo ao longo dos anos em todo o Brasil. MORTALIDADE POR AIDS Do início da epidemia de aids (1980) até dezembro de 2015, foram iden- tificados 303.353 óbitos cuja causa básica foi a aids (CID10: B20 a B24). Observou-se uma leve queda no coeficiente de mortalidade padronizado para o Brasil, o qual passou de 5,9 óbitos/100 mil habitantes, em 2006, para 5,6 em 2015, o que representa uma queda de 5,0%. Destaque-se, no entanto, que as regiões Norte e Nordeste não acompanharam esta tendência de queda, conforme Figura 11. 21 Figura 11 - Coeficiente de mortalidade padronizado de aids (/100 mil habitan- tes) segundo região de residência por ano do óbito. Brasil, 2006 a 2015. Fonte: Brasil (2016). Outro importante dado para levarmos em conta, ao analisarmos os rumos da epidemia do HIV/aids no Brasil, é o gráfico que mostra a casca- ta de cuidado contínuo no país. Ele estabelece a linha de base e permite avaliar o progresso brasileiro rumo à meta 90-90-90, estabelecida pelo UNAIDS em âmbito global, como vimos anteriormente. Na cascata brasileira, observa-se que, do total de pessoas vivendo com HIV, 80% foram diagnosticadas, das quais 48% estavam em tratamento para o HIV e, destes, apenas 40% apresentavam carga viral indetectável, conforme gráfico com dados de 2013 (Figura 12). Estes dados possivel- mente devem estar mais satisfatórios, considerando a recente recomen- dação do governo brasileiro para tratar todos os indivíduos com HIV. 22 Figura 12 - Cascata do cuidado contínuo Brasil 2013. Fonte: Brasil (2014). Para saber sobre o perfil da epidemia em sua região e/ou estado, acesse o conteúdo do Boletim correspondente ao pesquisado no link: <http://www.aids.gov.br/pt-br/taxonomy/ term/595>. A fim de obter informações mais detalhadas e atualizadas sobre a morbidade e mortalidade por aids na sua região, você poderá acessar: <http://www2.aids.gov.br/final/dados/dados_aids.asp>. Os dados disponibilizados são provenientes do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN), Sistema de Controle de Informações Laboratoriais (SISCEL) e Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). 23 Antes de proceder a leitura do texto sobre a resposta brasileira à epide- mia HIV/aids, convidamos você a fazer a leitura da história de Pedro, que está no nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem (o AVASUS), intitulada Fechando janelas. Em seguida, reflita sobre a seguinte questão: Como sua unidade tem recebido jovens gays ou outros grupos da “população-cha- ve” em busca de cuidado? POLÍTICA BRASILEIRA DE ENFRENTAMENTO DO HIV – AIDS A Política Brasileira de Enfrentamento do HIV e da aids tem se configura- do desde os anos de 1980 para responder aos diferentes desafios postos pelaepidemia, em consonância com as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e com as recomendações adotadas mundialmente. Na década de 1980, surgiu a epidemia de aids no Brasil e também nes- se período foi promulgada a Constituição Cidadã, em 1988, que, aliada à franca mobilização pela Reforma Sanitária Brasileira, inseriu a saúde como um “direito de todos e um dever do Estado” no Capítulo da Saúde. Esse duplo movimento, de redemocratização do país e de surgimento de uma enfermidade desconhecida, com rótulos estigmatizantes, como “peste gay”, “câncer gay”, confrontou a sociedade tanto com questões relacionadas ao estigma e preconceito contra as pessoas infectadas pelo HIV, como com a mobilização da luta pela ampliação dos direitos dos cidadãos, e em especial pelo direito à saúde. Nesse contexto, estrutura-se e institucionaliza-se uma política de aten- ção ao HIV/aids no Ministério da Saúde, com a criação do Programa Nacional de DST e aids, responsável em âmbito federal por definir, em conjunto com a sociedade civil, universidades, gestores e profissionais de saúde as diretrizes da atenção a essas doenças e organizar a resposta brasileira para o controle da epidemia. Para responder aos desafios dos diferentes momentos ao longo da his- tória da epidemia brasileira, a Política de Enfrentamento do HIV/aids vem ganhando diferentes contornos. Em 1999, o então Programa de DST/ aids do Ministério da Saúde lança o documento Política Nacional de DST/ aids: Princípios, Diretrizes e Estratégias. Nesse documento, o curso da epi- demia no Brasil é dividido em três grandes fases, que acontecem entre a década de 1980, época da detecção do vírus no Brasil, e o fim da década de 1990. 24 PRIMEIRA FASE Olhar restrito ao infectado, impedindo a adoção de ações mais amplas no campo da saúde, caracterizada por transmissão, principalmente em homens que fazem sexo com homens, e por um nível de escolaridade alto, perpassando um conceito de “grupo de risco”. SEGUNDA FASE Olhar se amplia sobre a exposição ao vírus, caracterizada pelo incremen- to da transmissão em usuários de drogas injetáveis e por uma maior disseminação entre as pessoas que têm prática heterossexual, perpas- sando um conceito de “comportamento de risco”. TERCEIRA FASE Caracteriza a suscetibilidade das pessoas ao vírus, quando se acen- tua uma maior disseminação entre os heterossexuais, principalmente mulheres, um aumento percentual entre as pessoas de baixa escolarida- de e a interiorização para municípios de médio e pequeno porte, exigin- do aqui a adoção do conceito de “vulnerabilidade”. QUARTA FASE Reemergência da aids concentrada em populações-chave. EPIDEMIA DE AIDS NO BRASIL: UM OLHAR SOBRE A TERCEIRA FASE ENTENDENDO O CONCEITO DE RISCO E VULNERABILIDADE Primeiramente, precisamos conhecer os conceitos de risco e vulnerabili- dade para compreendermos o que aconteceu na terceira fase da epide- mia de aids no Brasil, momento em que as análises epidemiológicas e as orientações preventivas eram baseadas no conceito de risco. O conceito de risco, na epidemiologia, segundo Ayres (1997, p. 294), diz respeito às “[...] chances probabilísticas de susceptibilidade, atribuíveis a um indivíduo qualquer de grupos populacionais particularizados, deli- mitados em função da exposição aos agentes (agressores ou protetores) de interesse técnico ou científico”. 25 Isto significa que, em saúde, o conceito de “risco” é um instrumento que identifica as probabilidades de exposição de determinados grupos à infecção. Este conceito, aplicado à prevenção do HIV, acabou gerando a criação dos chamados grupos de risco. Na noção de comportamento de risco, à medida que uma pessoa se infecta com o HIV, tende-se a lhe atribuir a responsabilidade pela infec- ção por não ter aderido a um comportamento seguro (e não arriscado), por ter falhado nos esforços de prevenção. Essa abordagem se volta à culpabilização individual. Em saúde, compreender as vulnerabilidades de cada pessoa seria conhe- cer as condições que podem deixá-las em situação de fragilidade e expô- -las ao adoecimento. No que diz respeito às IST/HIV/aids, condições que fragilizam ou tornam a pessoa vulnerável ao adoecimento, não pelo seu comportamento de risco, e sim pelo conjunto de aspectos de sua vida particular e coletiva, das condições socioambientais em que ele vive e, ainda, das respostas que as instituições público-sociais podem dar às suas necessidades de saúde. Vulnerabilidade está diretamente relacio- nada: • ao contexto do indivíduo (produtor de maior ou menor susceptibilidade à infecção e ao adoecimento); • ao contexto coletivo (que definiria a maior ou menor disponibilidade de recur- sos de todas as ordens para a proteção das pessoas contra as enfermidades). Neste sentido, o profissional de saúde, durante o aconselhamento, deve explorar as condições descritas a seguir: • Vulnerabilidade Individual – refere-se ao grau e à qualidade da informa- ção que cada indivíduo dispõe sobre as DST/aids, capacidade de elabora- ção das informações e aplicação destas na sua vida prática. • Vulnerabilidade Social – diz respeito a um conjunto de fatores sociais que determinam o acesso a informações, serviços, bens culturais, às restri- ções, ao exercício da cidadania, exposição à violência, grau de prioridade política ou de investimentos dados à saúde e condições de moradia, educação e trabalho. • Vulnerabilidade Programática – relaciona-se às ações que o poder públi- co, iniciativa privada e organizações da sociedade civil empreendem, ou não, no sentido de diminuir as chances de ocorrência das enfermidades, assim como se refere ao grau e à qualidade de compromisso das institui- ções, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção. 26 O conhecimento dessas vulnerabilidades e as elaborações feitas pelo profissional de saúde e usuário, durante o processo de aconselhamento, podem iniciar a construção de uma proposta de prevenção e cuidado que seja, realmente, eficaz para a pessoa que está sendo atendida. OS DESAFIOS DA TERCEIRA FASE A epidemia da aids em nosso país passava por um processo de hete- rossexualização, feminização, interiorização e pauperização, afetando cada vez mais pessoas que tinham muitos de seus direitos negados. Os novos contornos se colocavam diante do desafio da implementação do SUS, buscando-se a integração das ações para o seu enfrentamento ao sistema de saúde, a articulação intersetorial, a sustentabilidade das ações e programas, o fortalecimento dos espaços institucionais e a cons- trução de uma Política Nacional de DST/aids que envolvesse outros seto- res da área governamental e não governamental, priorizando os setores mais afetados pela epidemia (BRASIL, 1999). As diretrizes e ações da Política se organizavam em três componentes articulados entre si: Componente 1 – Promoção, Proteção e Prevenção – Compreendendo a ações de: Promoção à Saúde; Proteção dos Direitos Fundamentais das Pessoas com HIV/aids; Prevenção da Transmissão das IST e do HIV/aids; Prevenção ao Uso de Drogas; e Saúde Mental em HIV/aids. Componente 2 – Diagnóstico e Assistência – onde já se vislumbrava a integração, a ampliação e a descentralização dos serviços da rede pública de saúde, no intuito de garan- tir o diagnóstico e tratamento numa perspectiva de rede; o treinamento/capacitação de profissionais de saúde para a assistência aos indivíduos infectados pelo HIV/aids; o acesso a medicamentos para tratamento da infecção pelo HIV e compli- cações oportunistas, reduzindo a morbidade e a mortalidade por HIV/aids; redução da transmissão vertical do HIV; estímulo à utilização de testes rápidos para o diagnóstico da sífilis e da infecção pelo HIV em gestantes no pré-natal e em trabalho de parto (quando não realizado nopré-natal). Componente 3 – Desenvolvimento Institucional e Gestão – com uma função estratégica, subsidiando o processo de tomada de decisões dos gestores de instituições governamentais e não governamentais na formulação, execução e aprimoramento das políticas de prevenção e de controle das IST e aids. 27 Desde 1999, a Política Nacional de Enfrentamento do HIV/aids vem apon- tando a descentralização das ações, visando à continuidade e à sustenta- bilidade do programa, embora as suas ações tenham se mantido ainda centradas nos serviços especializados até a década seguinte. EPIDEMIA DE AIDS NO BRASIL: UM OLHAR SOBRE A QUARTA FASE Passadas quase duas décadas desde a elaboração desse documento, é possível identificar uma quarta fase da epidemia brasileira do HIV/aids, na qual as expectativas de feminização e heterossexualização não se concretizam, conforme projeções para os primeiros anos da década de 2000, e como visto em dados epidemiológicos nos textos anteriores. Na década de 2010, a epidemia aponta para uma reemergência no Brasil, concentrada em populações-chave. A descentralização proposta no fim da década de 1990 ganha força nes- se momento, aliada à estratégia 90-90-90. A Política centra suas ações e diretrizes tomando a Atenção Básica como coordenadora do cuidado. O objetivo então é alcançar a expansão do diagnóstico, do tratamento e ampliar as estratégias de prevenção, na perspectiva da consolidação de uma rede de atenção integral às pessoas vivendo com HIV/aids. Em 2012, o então Departamento Nacional de DST/HIV/aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde lança o documento Política Brasileira de Enfrentamento da Aids: Resultados, Avanços e Perspectivas, que logo nas primeiras linhas afirma: A resposta programática às DST/aids entra em um novo ciclo de desenvolvimento da epidemia, com taxas de prevalência relativa- mente baixas na população geral, em contraste com prevalências mais elevadas em subgrupos populacionais em situação de maior vulnerabilidade, o que exige o aprimoramento das estratégias de vigilância, prevenção, assistência e tratamento (BRASIL, 2012, p. 3). O documento afirma a necessidade da focalização da resposta nacional e da intensificação das estratégias de diagnóstico, prevenção e assistên- cia para populações em situação de maior vulnerabilidade. Como exemplos das novas estratégias adotadas, destacamos a publi- cação, em outubro de 2010, das diretrizes para emprego da profilaxia pós-exposição sexual (PEP) ao HIV e a adoção do teste rápido como o maior investimento do Ministério da Saúde para o acesso ao diagnóstico durante o pré-natal na Atenção Básica. 28 Também em 2010, foram publicadas as diretrizes de reprodução humana assistida para as pessoas vivendo com HIV/aids com desejo de ter filhos. Em 2014, o Departamento Nacional de DST/HIV/aids e Hepatites Virais publicou em seu site uma retrospectiva de suas ações, apontando as conquistas e desafios vivenciados nos anos de 2013 e 2014. Disponível em: <https://www.unasus.gov.br/noticia/politica-brasileira- de-controlede-dstaids-e-hepatites-virais-um-ano-e-meio-de- conquistas-e>. Até aqui, acompanhamos os principais fatos que marcaram o contexto da epidemia do HIV/aids no Brasil, uma história que se caracterizou por con- quistas sociais, tecnológicas e histórias nas quais o Brasil avança na garan- tia dos direitos e na qualidade e acesso da atenção à saúde das PVHA. Conquistas e desafios no enfrentamento da epidemia de HIV/aids no Brasil • Diversificação das estratégias de acesso ao diagnóstico, por meio da ampliação da cobertura de serviços de saúde que fazem teste de HIV. • Utilização de diferentes metodologias de testagem para diag- nóstico do HIV, que considerem diferentes cenários e situações. Por exemplo, Teste Rápido para populações em regiões de difícil acesso, portadores de tuberculose e pessoas sintomáticas, serviços de emergência, entre outros. • Combinação de ações de intervenções comportamentais, bio- médicas e estruturais, otimizando as ferramentas disponíveis para responder às necessidades atuais da epidemia. • Desenvolvimento e utilização de esquemas reduzidos a um com- primido diário, otimizando a adesão e a manutenção do tratamento. • Fortalecimento das estratégias de prevenção positiva, promo- vendo ações direcionadas ao estilo de vida e ao convívio com HIV ao longo do tempo. • Desenvolvimento de programas de atenção integral para coin- fecção tuberculose (TB) e HIV, incluindo diagnóstico oportuno do HIV, prevenção da TB e organização das redes de atenção, com disponibilização de medicamentos anti-TB para SAE e Unidades Dispensadoras de Medicamentos. 29 Agora, como síntese de tudo o que vimos até aqui, convidamos você a percorrer esses mais de 30 anos de epidemia assistindo ao vídeo A história ilustrada da aids, fazendo uma reflexão sobre as conquistas alcançadas até o momento e pensando em todo o caminho que temos pela frente... <https://www.youtube.com/watch?v=ShaCZ9b1MKs> 30 AULA 3 - A DESCENTRALIZAÇÃO DA ATENÇÃO AO HIV E À AIDS: O CUIDADO NA ATENÇÃO BÁSICA Como pudemos constatar, a Política de enfrentamento do HIV e aids vem agregando e substituindo estratégias para dar conta dos diferentes per- fis da epidemia ao longo dessas três décadas, alinhando-se com os prin- cípios e diretrizes do SUS, suas estratégias e lógicas de financiamento. A organização do cuidado à saúde da PVHA foi pensada no Brasil desde o início da epidemia. Os pacientes eram inicialmente diagnosticados em hospitais, com aids já em uma fase muito avançada da doença, próximo à sua morte, e, por isso os ambulatórios estavam vinculados a estes ser- viços. Posteriormente, com o surgimento dos ARV e o aumento na expec- tativa de vida das PVHA, surgiram os SAE. Atualmente, com o alcance da estabilização clínica, imunológica e virológica, e o grande número de casos em atendimento, impõe-se uma mudança do modelo de atenção às PVHA. Tal mudança de modelo, que atualmente é centrado em serviços especia- lizados – Serviço de Atenção Especializada (SAE) e Centro de Tratamento e Aconselhamento (CTA), caminha para um novo modelo, estruturado de acordo com a realidade local, passando a envolver diferentes níveis de atenção. Essa mudança foi fortalecida pelo avanço do cuidado às PVHA e com a eficácia do tratamento, que deu características de uma condição crônica à aids. Os SAE continuam sendo fundamentais e constituem-se em um impor- tante ponto de atenção a essas pessoas, mas a linha de cuidado agora deve envolver também outros serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade (BRASIL, 2015b). A estratégia de manejo do HIV na Atenção Básica se incorpora à Polí- tica de Enfrentamento do HIV/aids como estratégia fundamental para ampliar o acesso ao diagnóstico, ao tratamento, às abordagens de pre- venção e para promover o vínculo terapêutico da PVHA com a rede de serviços de saúde. A Atenção Básica tem potencial para promover um estilo de vida saudável, avaliação e identificação dos fatores de risco para outros agravos crônico-degenerativos e situações de vulnerabilida- de individual, programática e social (BRASIL, 2015b). Em 2014, foi publicado o documento 5 passos para a implementação do Manejo da Infecção pelo HIV na Atenção Básica, que trata da reorganiza- ção do modelo de atenção em saúde no manejo da infecção pelo HIV em todos os níveis de atenção, mas especialmente, na Atenção Básica. 31 O eixo de reorientação desse modelo é o conceito do cuidado, respon- dendo a uma concepção de saúde centrada não somente na assistência aos doentes, mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e inter- venção nos fatores que a colocam em risco, pela incorporação das ações programáticas de uma forma mais abrangente e do desenvolvimento de açõesintersetoriais. A seguir, estão descritos os passos indicados pelo documento. 1. Estabelecer um modelo de estratificação de risco. Primeiramente, é necessário estabelecer, a partir da estratifica- ção de risco, quais pessoas que vivem com HIV serão manejadas na Atenção Básica e quais deverão ser encaminhadas para seguimento nos Serviços de Atenção Especializada – SAE, com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde das pessoas. 2. Qualificar os profissionais. Vários métodos podem ser utilizados para a qualificação dos profissionais da Atenção Básica no manejo da infecção pelo HIV. 3. Garantir suporte técnico aos profissionais. É muito importante que o profissional de saúde tenha o suporte de outros profissionais com experiência no manejo da infecção pelo HIV para maior segurança e troca de conhe- cimentos e experiências. 4. Disponibilizar exames de CD4 e Carga Viral (CV). Além dos testes rápidos para diagnóstico do HIV e exames básicos, as Unidades de Saúde da Atenção Básica devem disponibilizar acesso aos exames de linfócitos T CD4+/ CD8+ (CD4) e Carga Viral (CV). 5. Viabilizar o acesso aos antirretrovirais – ARV. Para viabilizar o acesso aos antirretrovirais a pacientes que estão em seguimento na Atenção Básica, pode-se a) utilizar Unidades Dispensadoras de Medicamentos (UDM) já existentes (nesse caso, é necessário que os formulários de dispensa- ção de medicamentos estejam disponíveis nas unidades da Atenção Básica e que os pacientes sejam encaminhados para uma determinada UDM); 32 O Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/aids e das Hepatites Virais do Ministério da Saúde publicou vários documentos nos últimos dois anos com o propósito de subsidiar e apoiar a descentrali- zação do manejo da infecção pelo HIV na Atenção Básica. Nós destacamos aqui dois deles, a cartilha Cuidado integral às pessoas que vivem com HIV pela Atenção Básica - Manual para a equipe multiprofissional e o Kit HIV/Aids na Atenção Básica: Material para Profissionais de Saúde e Gestores. A cartilha Cuidado integral às pessoas que vivem com HIV pela Atenção Básica – Manual para a equipe multiprofissional traz recomendações sim- ples, passíveis de serem prontamente aplicadas por profissionais das equipes multiprofissionais da Atenção Básica no cuidado integral às PVHA, tanto as que estão sendo acompanhadas nos SAE como as que estão em seguimento na Atenção Básica. Essa cartilha é lançada com vistas a fortalecer e estimular a inclusão da Atenção Básica no cuidado compartilhado do HIV/aids com os serviços especializados, fortalecendo vínculo das PVHA com o sistema de saúde (BRASIL, 2015b). O Kit é composto por seis fascículos que articulam informações sobre diver- sos aspectos da atenção ao HIV e à aids. Essa coletânea foi elaborada para subsidiar ações de gestores e trabalhadores da saúde na perspectiva de consolidar o cuidado do HIV/aids na Atenção Básica de forma comparti- lhada com os demais pontos de atenção da Rede de Saúde, fornecendo orientações gerais e técnicas, na forma de “5 passos” para: 1 e 2) elabora- ção e implementação da linha de cuidado para as pessoas vivendo com HIV/aids (PVHA) para profissionais de saúde e grupos locais; 3) prevenção combinada do HIV/aids; 4) ações de vigilância e informações epidemiológi- cas; 5) elaboração de planos de educação permanente; 6) monitoramento e avaliação das ações. A Educação Permanente em Saúde é o fio condutor nesse processo, pois promove a qualificação e a integração dos processos de trabalho, bem como preconiza o protagonismo e a autonomia dos pro- fissionais e gestores, por meio da criação ou do fortalecimento de espaços de debate e de construção coletiva (BRASIL, 2017a). Essas publicações reforçam e apoiam a organização do cuidado compar- tilhado em nível local e são ótimas referencias para você discutir com a equipe que você integra, as mudanças necessárias para o acolhimento das PVHA no território onde você atua. e b) Criar novas Unidades de Dispensação de Medicamentos (UDM) nos serviços da Atenção Básica (nesse caso, cabe ao gestor local estruturar a nova UDM de acordo com a Portaria Conjunta nº 1, de 16 de janeiro de 2013; cadastrar a nova UDM no SICLOM - responsabilidade do gestor estadual; estabelecer fluxos de distribuição dos ARV para as novas UDM; disponi- bilizar os formulários de dispensação de medicamentos nas unidades da Atenção Básica). 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Até aqui discutimos o que é o vírus do HIV e as diversas fases da infecção por ele provocada e entendemos que a epidemia do HIV está presente em todas as regiões do mundo, fazendo dela uma pandemia. O cará- ter pandêmico do HIV e da aids necessita de uma resposta coordenada e global, que vem sendo conduzida internacionalmente pela UNAIDS e pela OMS, com desdobramentos em políticas nacionais e ações locais. Cada um desses âmbitos da resposta tem sua importância equivalente e no enfrentamento da epidemia não podemos prescindir de nenhuma delas. A Política do Brasil para responder à epidemia, atualmente, reforça o princípio da descentralização das ações como estratégico para ampliar a atenção às pessoas vivendo com HIV ou em risco de contrai-lo, abordan- do a atenção ao HIV e à aids no contexto das redes de atenção à saúde e a inserção das suas ações no âmbito da Atenção Básica. Colocar as pessoas vivendo com HIV ou mais vulneráveis a ele no cen- tro do modelo da atenção que vem sendo construído é essencial para que todos os avanços tecnológicos até agora empreendidos, tanto para diagnóstico como para tratamento e prevenção, sejam realmen- te acessíveis de maneira equânime na perspectiva de atingir as metas propostas para controle e erradicação da infecção e para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A proposta deste curso está articulada a esse novo momento da Política de enfrentamento à epidemia da infecção do HIV e aids. Os novos conhe- cimentos e as novas tecnologias desenvolvidas como, por exemplo, os testes rápidos para diagnóstico e a indicação de terapia antirretroviral para pessoas infectadas, independentemente da fase da infecção, possi- bilitaram também reconhecer que o cuidado a essas pessoas deve estar o mais próximo possível de onde elas residem, vivem e trabalham. Pensando assim, e com o intuito de ofertar o melhor e mais efetivo cui- dado às PVHA, desde a prevenção, diagnóstico precoce e tratamento, a Atenção Básica se constitui no lugar privilegiado da coordenação do cuidado à semelhança do que já ocorre com algumas outras doenças crônicas. O foco do cuidado deverá ser sempre a pessoa que necessita ser cuidada e a relação mais confortável que seja possível produzir entre ela e equipes de saúde. Reconhecemos que o território da Unidade Básica de Saúde é o lugar onde a complexidade das situações que produzem doenças e deman- dam atenção é melhor identificada pela equipe. Isso gera potencial de cuidado diferenciado e de qualidade, pois a proximidade da equipe com as pessoas que vivem no território possibilita maior vínculo e conheci- mento de seu cotidiano no âmbito pessoal, familiar e social. 34 Sabemos também que a capacitação de profissionais de saúde que atuam na atenção básica é uma exigência para superar lacunas em sua formação e se faz necessária para atualizar conteúdos técnicos e humanísticos sobre como cuidar de forma compartilhada das PVHA. Nas Unidades seguintes deste curso serão abordados esses conteúdos para que toda a equipe tenha oportunidade de se apropriar de conhecimentos necessários ao cuidado compartilhado na Atenção Básica e nas redes de atenção. Alertamos que os objetivos deste curso não esgotam a necessidade de educação permanente e reflexão constante sobre os processos de tra- balho em saúde, que devem estarpresentes no cotidiano de todos os serviços de saúde. Agora convidamos você a responder ao exercício avaliativo da Unidade 1. Após concluí-lo, acesse a Unidade 2, que abordará o Cuidado Comparti- lhado à PVHA na Atenção Básica. Desejamos que tenha um bom resultado na avaliação desta Unidade e que continue os estudos com interesse e dedicação! 35 REFERÊNCIAS AYRES, J. R. C. M. Sobre o risco: para compreender a epidemiologia. São Paulo: Hucitec, 1997. BRASIL. Lei n° 9.313, de 13 de novembro de 1996: Dispõe sobre a distribuição gratuita de medicamentos aos portadores do HIV e doentes de AIDS. Diário Oficial da União, 14 nov. 1996. Disponível em: <www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9313.htm>. Acesso em: 28 nov. 2017. ______. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Política Nacional de DST/aids: princípios e diretrizes. Brasília: MS, 1999. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e aids. 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