Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE ARTES E DESIGN DEPARTAMENTO DE ARTES E DESIGN DISCIPLINA: Estética e Crítica da Arte (ART203) Profª: Raquel Quinet Pifano EMENTA: Estudo da estética e crítica de arte sob uma perspectiva histórica. Fundamentos filosóficos da antiguidade. Humanismo e o surgimento da teoria da arte. Estética e crítica de arte na modernidade. PROGRAMA: INTRODUÇÃO I A ANTIGUIDADE Platão: a crítica da imitação Aristóteles: as regras da arte II O HUMANISMO Alberti: a teoria da arte Vasari: vida dos pintores Lomazzo: a representação da Idéia Bellori: Idéia e natureza III – O SÉCULO XVIII O belo clássico: Winckelmann Lessing: pintura, arte do espaço IV – A MODERNIDADE Baudelaire e a modernidade A pureza dos meios artísticos: Clement Greemberg Harold Rosenberg e a pintura de ação Rosalind Krauss e o campo ampliado da arte 1 2 BIBLIOGRAFIA: ALBERTI, Leon Batista. Da Pintura. (Trad.: Antônio da Silva Mendonça) Campinas: Ed. da UNICAMP, 1992. ARISTÓTELES. Arte Poética. (Tradução: Pietro Nassetti). São Paulo: Martin Claret, 2003. ARISTÓTELES. Retórica das Paixões (Tradução: Isis Borges da Fonseca). São Paulo: 2003. (Clássicos) ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Lisboa: Estampa, 1995. ARGAN, Giuluio0 Carlo; FAGIOLO, Maurizio. Guia de Historia da Arte. Lisboa: Estampa, 1994. BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo, Perspectiva, 1986. (coleção debates) BLUNT, Anthony. Teoria artística na Itália 14501600. (Tradução: João Moura Jr.) São Paulo: Cosac & Naify, 2001. CAUQUELIN, Anne. Teorias da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2005. (Todas as Artes) DUVE, Thierry de. A arte depois do mal radical. In: ARS 13. São Paulo: Dep. De Artes Plásticas/ ECA/ USP, 2009. www: cap.eca.usp.br/ars.html FRIED, Michael. Arte e objetidade; in: Artes & Ensaios 9. Rio de Janeiro: PPGAV/EBA/UFRJ, 2002. GUINSBURG, J. (org.) O Classicismo. São Paulo: Perspectiva, 1999. GREENBERG, Clement. Clement Greenberg e o debate crítico. (organização, apresentação e notas, Glória Ferreira e Cecilia Cotrim de Mello; tradução, Maria Luiza Borges) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. GREENBERG, Clement. A pintura moderna. In: BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo, Perspectiva, 1986. (coleção Debates) 2 3 ROSENBERG, Harold. Desestetização; in: BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo, Perspectiva, 1986. (coleção debates) JIMENEZ, Marc. O que é estética? [Trad.: Fúlvia M. L. Moretto] São Leopoldo: UNISINOS, 1999. (Coleção Focus) KLEIN, Robert. A forma e o inteligível. São Paulo: Editora da universidade de São Paulo, 1998. (Clássicos; 13) KRAUSS, Rosalind E. Escultura no campo ampliado; in: Artes & Ensaios 17. Rio de Janeiro: PPGAV/EBA/UFRJ, 2008 LACOSTE, Jean. A filosofia da arte. Rio de Janeiro: Joege Zahar, 1986. LESSING, G. E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia. (Marcio SeligmannSilva: Introdução/ Intradução: Mimesis, Tradução, Enárgeia e Tradição do “ut pictura poesis). São Paulo: Iluminuras, 1998. LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura: textos essenciais (14 volumes). São Paulo: Ed. 34, 2004 (data 1º volume). LOMAZZO, G. P. Do modo de conhecer e de construir as proporções conforme a beleza. In: PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. [Tradução Paulo Neves] São Paulo: Martins Fontes, 1994. (Coleção Tópicos) OSORIO, Luiz Camilo. Razões da Crítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. São Paulo, Martins Fontes,1994. PLATÃO. O Banquete. In: Diálogos. (Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha, 2. ed.) São Paulo: Abril Cultural, 1979. PLATÃO. Fedro. (Tradução Jean Melville). São Paulo: Martin Claret, 2002. ROSENBERG, Harold. Desestetização; in: BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo, Perspectiva, 1986. (coleção debates) ROSENBERG, Harold. Objeto Ansioso. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. ROSENBERG, Harold. A tradição do novo. São Paulo: Perspectiva, 1974. VASARI, Giorgio. The Lives of the Artists. (Trad.: Julia Conaway Bondanella e Peter Bondanella) Oxford; New York: Oxford University Press, 1998. (Edição giuntina, 1568) VASARI, Giorgio. Vida dos Artistas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. (Edição de Lorenzo Torrentino, 1550) 3 4 VENTURI, Lionelo. História da crítica de arte. (1ª edição 1960) Lisboa: Edições 70, 2007. WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexoes Sobre a Arte Antiga. São Paulo: Movimento, 1975. LEITURAS OBRIGATÓRIAS: PLATÃO. Fedro. (Tradução Jean Melville). São Paulo: Martin Claret, 2002. ARISTÓTELES. Arte Poética. (Tradução: Pietro Nassetti). São Paulo: Martin Claret, 2003. ALBERTI, Leon Batista. Da Pintura. (Trad.: Antônio da Silva Mendonça) Campinas: Ed. da UNICAMP, 1992 cap. 2 e 3: pp 95 – 140 LICHTENSTEIN, Jacqueline (org.). A Pintura: textos essenciais (14 volumes). São Paulo: Ed. 34, 2004 (data 1º volume). vol 1: pp 100 – 114; vol 9: pp 19 – 22 LOMAZZO, G. P. Que a beleza é algo espiritual; Do modo de conhecer e de construir as proporções conforme a beleza. In: PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. [Tradução Paulo Neves] São Paulo: Martins Fontes, 1994. (Coleção Tópicos) pp. 125 141 BELLORI, Giovanni Pietro. A Idéia do pintor, do escultor e do arquiteto, obtida das belezas naturais e superior à natureza. In: PANOFSKY, Erwin. Idea: a evolução do conceito de belo. [Tradução Paulo Neves] São Paulo: Martins Fontes, 1994. (Coleção Tópicos) pp. 143 – 158 WINCKELMANN, Johann Joachim. Reflexoes Sobre a Arte Antiga. São Paulo: Movimento, 1975. LESSING, G. E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia. São Paulo: Iluminuras, 1998. pp 8398; pp 193 – 202 BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. GREENBERG, Clement. A pintura moderna. In: BATTCOCK, Gregory (org.). A nova arte. São Paulo, Perspectiva, 1986. (coleção Debates) pp 95106 ROSENBERG, Harold. Os “Action Painting” americanos; in: A tradição do novo. São Paulo: Perspectiva, 1974. KRAUSS, Rosalind E. Escultura no campo ampliado; in: Artes & Ensaios 17. Rio de Janeiro: PPGAV/EBA/UFRJ, 2008. Pp 128137 KRAUSS, Rosalind. Introdução. In: Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1998. pp17 4 5 INTRODUÇÃOESTÉTICA: A palavra estética vem do grego aesthesis, que significa conhecimento sensorial ou sensibilidade, e foi adotada pelo filósofo alemão Alexander Baumgarten (17141762) para nomear o estudo das obras de arte como criação da sensibilidade, tendo por finalidade o belo. Estética é a área da filosofia que estuda racionalmente o belo aquilo que desperta a emoção estética por meio da contemplação e o sentimento que ele suscita nos homens. HUMANISMO O Humanismo foi um movimento intelectual que repercutiu profundamente na formação cultural do ocidente. O pensamento católico medieval insistiu no tema da miséria e da indignidade do homem, orientado pela noção de que o pecado marca fundamentalmente a condição humana, como estigma degradante e que este mundo material é apenas lugar de perdição ou lugar de penas regeneradoras. Indignidade resultante da Queda e que, sozinho, o homem não conseguiria superar, necessitando, assim, da ação mediadora da Igreja, seus clérigos, seus sacramentos. Apesar de contradições internas, como o caso dos Franciscanos, a tese que prevalece na Idade Média, como concepção “oficial” da Igreja, é aquela da degradação do homem em decorrência do pecado original e a natureza como reino da perigosa e tentadora materialidade . 1 Renascimento inverte a imagem homem medieval. O homem se reconhece afirmado e engrandecido por seu trabalho, como ser que inventa, cria, descobre. Reconhecese na posse de uma altíssima dignidade, que se expressa nas construções filosóficas, artísticas científicas. Por isso, o tema da dignidade humana ocupa o centro do humanismo renascentista. O homem é apresentado como superior a todos os demais seres da natureza, superioridade que pode ser transformada em excelência quando equipada com sabedoria e eloquência. 1 Pessanha, José Américo Motta. Humanismo e Pintura; In: Artepensamento. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 5 6 Na Antigüidade Clássica o conceito de humanitas significava a qualidade que distingue o homem não apenas dos animais, mas também, e principalmente, daqueles homens que não merecem o nome de Homo Humanus: o bárbaro ou o indivíduo vulgar que não respeita valores morais e não tem “cultura” (mistura de erudição e urbanidade) 2 . Já na Idade Média, o conceito de humanitas é substituído pela idéia de humanidade como algo oposto à divindade, mais do que à animalidade ou barbarismo. À idéia de humanidade eram associadas as qualidades de fragilidade e transitoriedade. No Renascimento, o novo interesse pelo ser humano baseavase tanto na renovação da antítese clássica entre “humanidade e barbarismo”, quanto na aparição da antítese medieval entre “humanidade e divindade”. Foi dessa concepção ambivalente de humanitas que o Humanismo nasceu. Não tanto um movimento, como uma atitude que pode ser definida como a convicção da dignidade do homem, baseada, ao mesmo tempo, na insistência sobre os valores humanos (racionalidade e liberdade) e na aceitação das limitações humanas (falibilidade e fragilidade); daí, resultou dois postulados: responsabilidade e tolerância. O Humanismo rejeitou a autoridade, mas respeitou a tradição, algo real e objetivo que era preciso estudar e, se necessário, reintegrar. A Idade Média aceitou e desenvolveu mais do que estudou e restaurou a herança do passado. Não tentou interpretála do ponto de vista histórico. Nenhum homem do medievo poderia ver a civilização da Antigüidade como um fenômeno completo em si mesmo e historicamente desligado do mundo de sua época. Do prisma humanístico, tornouse razoável e até inevitável distinguir, dentro do campo da criação, entre a esfera da natureza e a esfera da cultura; e definir natureza com referência à cultura. Natureza foi definida como a totalidade do mundo acessível aos sentidos, excetuandose os registros deixados pelo homem. O homem é o único animal que deixa registros, pois é o único animal cujos produtos “chamam à mente” uma idéia que se distingue da existência material destes. Esses registros possuem a qualidade de emergir da corrente do tempo e, neste sentido, são estudadas pelos humanistas. O humanista é um historiador. 2 PANOFSKY, Erwin. A história da arte como disciplina humanística; In: Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 1991. 6 7 7 8 I A ANTIGUIDADE I.1 PLATÃO: A CRÍTICA DA IMITAÇÃO Platão: (428348 a.C.) Atenas Platão: revelou à humanidade a esfera da transcendência e a possibilidade de construir um sistema metafísico. Não há na obra de Platão discurso especificamente dedicado à arte. O BELO, O BEM E O VERDADEIRO: O belo, para Platão, é o rosto do bem e da verdade. São três princípios intimamente ligados: nada pode ser considerado belo se não for verdadeiro; nenhum bem pode existir fora da verdade. Essa tríade é o princípio da ordem que dá acesso à inteligibilidade e sem a qual o mundo seria apenas caos. Esse princípio único (e de unicidade) que dá aos seres sua consistência não pode ser encontrado no diverso, no heterogêneo, no misturado, no sensível, nos fenômenos nem, evidentemente, na arte tal como é praticada. Só o exercício do intelecto permite distinguilo. Um belo corpo, uma bela coisa, uma bela imagem podem dar o impulso necessário à busca do princípio que governa o universo. Mas em si esse germe nada é caso não seja seguido de uma 'busca' da verdade, do bem e do belo, as formas ou Idéias que são a fonte e ao mesmo tempo o fim de toda presença no mundo. A condenação platônica da pintura pesou de forma considerável sobre toda a história das artes visuais. O ataque mais violento foi desenvolvido em A república, que leva à exclusão do pintor e do poeta dramático da cidade. A cidade ideal, aquela onde os filósofos serão reis ou os reis filósofos, não inclui nem pintores nem autores de teatro. Com efeito, a pintura só diz respeito à aparência das coisas, não à sua essência. Diz Platão que ela está afastada da verdade em três graus, uma vez que o pintor imita um objeto que já é por sua vez uma imitação, uma imagem da Idéia (é o célebre exemplodas três camas: a Idéia da cama, a cama fabricada pelo artesão que contempla a Idéia, e a cama do pintor que imita a do artesão). Ao mesmo tempo mentirosa e sedutora, a pintura é portanto uma atividade inútil e perigosa, em todos os pontos semelhante à dos retóricos e dos sofistas. 8 9 A mimese pictórica, constata Platão, apresenta a particularidade de não ser uma cópia fiel, uma imagem parecida com a coisa, mas sim um simulacro enganador. Com efeito, o pintor é forçado a se afastar das proporções reais para produzir uma imagem que pareça verdadeira, isto é, que dê ao espectador a ilusão de ver a própria coisa. I.2 ARISTÓTELES: AS REGRAS DA ARTE Aristóteles: (384 – 322 a. C.) Estagira/ Macedônia Enquanto Platão busca a verdade em um mundo das idéias, Aristóteles a procura no plano do contato prático e perceptivo com a realidade. Tal como seu mestre Platão, Aristóteles também pretende alcançar a inteligibilidade do mundo, isto é, estabelecer as condições de um conhecimento racional que vá além das aparências ou do contato imediato com as coisas. Mas, diferentemente de Platão, Aristóteles não busca atingir esse objetivo por meio da separação entre aparências sensíveis e idéias inteligíveis, existências contingentes e essências absolutas; opta por um outro caminho que é o de tentar encontrar o que há de essencial e de inteligível no próprio âmbito da realidade que nos é dada. Podemos dizer, simplificando bastante, que Platão busca a verdade em um mundo transcendente (o mundo das idéias, distinto do mundo sensível) e Aristóteles a procura em uma ordem imanente ao mundo percebido, isto é, no mesmo plano em que desenvolvemos nosso contato prático e perceptivo com a realidade. Essa diferença, decisivamente importante para entender os dois autores e as vertentes filosóficas a que dão origem, não nos deve fazer esquecer, no entanto, que ambos consideram que há uma nítida distinção entre o conhecimento sensível e o intelectual, e que o segundo é hierarquicamente superior ao primeiro. O que Aristóteles rejeita em Platão é a interpretação dessa diferença como separação e a conseqüente duplicação da realidade em dois mundos, o que faz do processo de conhecimento uma ascensão metódica do mundo sensível ao mundo inteligível e, no limite, o abandono dos conteúdos sensíveis em prol da intuição das formas inteligíveis. Para Aristóteles, o conhecimento consiste em descobrir no sensível as condições de sua própria inteligibilidade. Pressupõese, então, que é possível passar de um primeiro contato com a multiplicidade contingente das coisas percebidas ao 9 10 conhecimento intelectual da ordem e da estrutura, ou seja, é possível transformar a experiência imediata em compreensão teórica mediada por categorias e princípios que nos permitem saber não apenas que as coisas existem, mas também como e por que elas são tais como se apresentam aos nossos sentidos e ao nosso intelecto. Dentre as condições ou requisitos de inteligibilidade destacase a causalidade: quando entendemos que a gênese e a estrutura de tudo que existe depende de causas, atingimos um patamar de ordem e de articulação em que todos os elementos das coisas tornamse explicáveis. Entendemos que algo existe porque é feito de uma determinada matéria; que obedece a uma certa forma; que o fato de algo vir a existir depende de uma ação e de um agente e que se destina a alguma finalidade. Assim podemos articular a imensa variedade do real com a unidade intelectual de uma noção que nos permite compreender a pluralidade e a composição pela unidade e pela simplicidade. Da mesma maneira compreendemos que a variedade das qualidades que apreendemos nas coisas articulase em torno da substância ou essência, o atributo principal que confere à multiplicidade qualitativa, em muitos aspectos acidental e passageira, a unidade de uma coisa, uma realidade dotada de permanência. A visão dessa ordem é também o impulso para que procuremos seu princípio e sua razão de ser, o elemento primeiro que dá origem ao universo dos fenômenos e que deve ser entendido como Causa na acepção mais elevada, porque sua posição o coloca como absoluto, isto é, uma existência que deve ser pensada como independente de qualquer outra condição. Passando assim da Filosofia Natural à Filosofia Primeira, realizamos o conhecimento no mais alto grau que o ser humano possa alcançar; realizamos o propósito implicado na Filosofia como amor ao saber ou como o desejo de saber que anima naturalmente, segundo Aristóteles, todo ser racional. E por que nos deixamos levar por esse amor e esse desejo? Certamente não nos move qualquer motivação utilitária; a Filosofia nada acrescenta à nossa prática natural, à nossa vida estritamente cotidiana. Aristóteles diz mesmo que a filosofia começa quando já estão estabelecidos os meios de satisfazer as necessidades imediatas. A questão é que, quando já temos tudo de que aparentemente necessitamos, um outro desejo nos assola, um outro objeto de amor; e a ele nos dirigimos não movidos por necessidades práticas, mas simplesmente pela admiração, um estado de ânimo que abre 10 11 a nossa mente para investigar não aquilo de que precisamos, mas aquilo que admiramos e diante do que nos colocamos como que perplexos e tomados por um sentimento de ignorância infinitamente maior do que tudo que já sabemos. Tratase de um espanto proveniente de que sentimos que tudo que sabemos é nada frente ao que há para saber. A ignorância filosófica é, portanto, o fundamento da liberdade de saber; pois se trata de um conhecimento que procuramos movidos pela admiração, que é algo como uma espontaneidade gratuita quando comparado à necessidade, à urgência de saber aquilo de que precisamos para viver. Quando submetidos à necessidade, somos menos do que homens, somos escravos; quando movidos pela admiração, quase superamos a condição humana, pois nos colocamos na via de um saber divino: mesmo que não o alcancemos, diz Aristóteles, nossa dignidade está em buscálo. (Franklin Leopoldo e Silva USP) Da mesma maneira que os gêneros e as espécies biológicas têm seus traços próprios,que podem ser descritos, os gêneros (genos) e espécies (eide) literários têm os seus, que permitem que sejam reconhecidos. O método de classificação adotado na biologia pode aqui também servir para distinguir dentro do gênero narrativo a espécie 'tragédia'. Aristóteles coloca como princípio o fato de a arte fazer parte das atividades humanas, sem a submeter a um a priori desfavorável. A arte é, então, 'uma disposição de produzir (poiésis) acompanhada de regras'. Produzir é "trazer à existência uma das coisas que são suscetíveis de ser ou de não ser e cujo princípio de existência reside no artista“.. (Ética a Nicômaco) Nessa ótica, uma produção é julgada por sua conformidade às regras 'verdadeiras' que foram seguidas. Caso tenha seguido as regras falsas, a produção terá falhado. Nenhuma pretensão de se comparar a um ideal, de visar à transcendência, que não compete à atividade produtiva. O que importa ao teórico da arte (filósofo) é, então, enunciar essas regras verdadeiras e, diante isso, avaliar os meios e a matéria da produção de acordo com os fins que ela se dispõe a alcançar. Daí o interesse em classificar os fins e ver como se articulam os gêneros e as espécies. Percebese portanto que, dentro do gênero 'discurso', a espécie 'filosofia', por exemplo, tem como fim a tríade 'bemverdadeirobelo'. A espécie 'retórica', por sua vez, visa 11 12 decerto ao bem, mas já o verdadeiro está um tanto afastado de seu objetivo; é o verossímil que ela procura na maioria das vezes. Já a história tem em vista o verdadeiro, mas se preocupa pouco com o bem e o belo. A arte da mimesis também deve ter algum traço a mais ou a menos por intermédio do qual seus fins se distingam das outras espécies e a definam. Não se trata nem do bem nem do verdadeiro, mas do verossímil e do prazer, o que de fato a diferencia de tudo o mais. Se temos em mente que toda arte é produção acompanhada de regras, compreendemos de imediato que a mimesis não é cópia de um modelo, pálido decalque da idéia, afastada da verdade em muitos graus, como era o caso para Platão. Ela é antes de tudo fabricadora, afirmativa, autônoma. Se ela repete ou imita, o que repete não é um objeto, mas um processo: a mimesis produz do mesmo modo como a natureza produz, com meios análogos, com vista a dar existência a um objeto ou a um ser; a diferença se deve ao fato de que esse objeto será um artefato, que esse ser será um ser de ficção. O produto de uma ficção é tão real quanto o gerado pela natureza, apenas não pode ser avaliado de acordo com os mesmos critérios. Para a natureza, os seres que ela produz são como eles são: ela sabe o que faz, e o faz bem, suas regras de produção são imanentes. Não acontece a mesma coisa com os seres de ficção; o que é processo interior na natureza está, no artefato, submetido à exterioridade e, portanto, à contingência. O afastamento. Há, pois, um afastamento necessário em toda ficção, pois a produção não pode ser senão um analogon do processo natural. Como a natureza, a produção dispõe de elementos, de meios e de um objetivo ou fim: fazer com que, de algum modo, os objetos ou seres que ela vai produzir possam 'funcionar' no universo para o qual estão destinados. Comparação com a História: a história que procura permanecer o mais fiel possível aos acontecimentos produzidos não manifesta esse afastamento que constitui a essência da poesia. A história repete o mais exatamente possível, é guiada pela preocupação com a verdade. A ficção, por sua vez, 'não repete, ela compõe, e sua preocupação é com o verossímil, não com a verdade. A mimesis aristotélica em nada se assemelha à cópia de Platão: ela é ativa, tem sua própria natureza, e não pretende de modo algum mudála para procurar o verdadeiro. 12 13 O afastamento, longe de ser um defeito, é, pois, uma qualidade; melhor: ele é constitutivo de qualquer atividade artística. Assim, há afastamento na pintura ("Polignoto pintava os homens mais bonitos; Pauson, os menos bonitos"...), mas também quando se toca flauta, na prosa e no verso (por exemplo "Homero faz os homens superiores à realidade..."). O que o afastamento anuncia é a possibilidade de as coisas serem diferentes do que elas são. Em outras palavras, é um universo do possível instaurado pela ficção. Aristóteles usa a História como contraexemplo: quer seja em verso, quer em prosa, ela só fala do que já aconteceu, ao passo que a poesia (a ficção) fala do que vai acontecer, do possível. Com isso, há mais filosofia na ficção pois esta trata do geral, de uma soma de ações possíveis do que na história, a qual versa apenas sobre o singular, o particular, e faz a descrição dos acontecimentos (Arte Poética). tudo o que é possível não é forçosamente acreditável: o possível deve, portanto, ser 'verossímil' para que os espectadores acreditem nele. É então o verossímil que se encontra no cerne do prazer estético proporcionado pela ficção. A arte da mimesis poderia caber nesta fórmula: "Devese preferir o impossível verossímil ao possível inacreditável" (Poética). O prazer, a catarse fim último dessa produção de ficção, a finalidade da arte: o prazer que ela proporciona. Como uma atividade se define por seu fim, é na definição da tragédia (livro 6) que esse fim é evocado. E, como se não pairasse nenhuma dúvida de que a arte da mimesis busca provocar o prazer, Aristóteles indica apenas de que maneira esse prazer advém. Não se trata nem da utilidade, que era um dos critérios de avaliação da arte por Platão, nem de educação moral, nem sequer de um meio de se aproximar da verdade, mesmo que de longe. A arte é unicamente voltada para o deleite estético. Antes de mais nada, tratase de um prazer garantido de ver adornada a natureza tal como ela nos é apresentada, prazer que coroa qualquer atividade de produção artística. A arte, com efeito, completa a natureza, ela a engrandece por intermédio dessa grande quantidade de possibilidades, dessa virtualidade que a ficção acrescenta às coisas comoelas são. Em seguida, o prazer, próprio da arte da mimesis, da tragédia, mais sutil para ser descrito, que consiste em interromper por um momento as afecções da alma, das 13 14 quais ela padece a maior parte do tempo, tais como o assombro, o medo ou a piedade, e de que somos cotidianamente acometidos diante do espetáculo das desgraças do mundo. Experimentar essas emoções ao mesmo tempo não as experimentando verdadeiramente: tal é o efeito da ficção. As peripécias, os golpes da sorte, as desgraças, os crimes e as lágrimas dos personagens da tragédia nos comovem, decerto, mas ao mesmo tempo sabemos que são fictícios: o afastamento desejado pela mimesis age nesse caso sobre nossos sentimentos como se fosse um remédio, um alívio. O termo catarse um termo médico que designa depuração do mal (como a purgação alivia o estômago) exprime com exatidão a ação executada pelo afastamento: devolver, no espaço de um momento, qualquer destino trágico à sua ilusão. 14 15 II O HUMANISMO II.1 ALBERTI: A TEORIA DA ARTE Leon batista Alberti (1404 1472) Itália grande humanista e um dos maiores artistasteóricos da sua época. Da Pictura, 1435 (latim), 1436 (italiano); De Statua, 1450; De re aedificatoria 1452. mérito de Alberti: pela primeira vez, fazer da pintura, escultura e arquitetura objetos de teoria e doutrina sistematizados; transferiu para a pintura, pela primeira vez, esquemas abstratos e a noção de retórica. Alberti construiu um pensamento artístico fundado na geometria e na retórica (e poética). inaugurou uma nova compreensão da pintura onde o autor, o pintor, deixou de ser o simples artesão para ser um culto imitador e recriador da natureza. No prólogo do tratado Da pintura, , Alberti se refere à cúpula de Santa Maria das Flores em Florença, obra (ainda inacabada, pois faltavalhe a lanterna) de seu admirado amigo, Brunelleschi: compreensão da perspectiva. Afirmar que a cúpula, um objeto arquitetônico, se elevava acima do céu, era compreender que ela estabelecia um limite visível para o infinito, o céu. A afirmação de que a cúpula cobre com sua sombra os povos da Toscana, não correspondia somente a uma figura literária, correspondia a afirmar que aquele objeto representava o espaço em sua totalidade (perspectiva: invenção do renascimento, método de representação do espaço) para Alberti, o objeto de representação da pintura era a história, ou seja, a ação dramática considerada como a forma mais alta de representação. (Poética aristotélica). Alberti aplicou à representação artística as categorias da retórica clássica: invenção, disposição (composição) e elocução (recepção de luz). reintroduziu na teoria das artes o que chegaria a constituir o conceito central da estética renascentista, o velho princípio de convenienza ou concinnitas cuja tradução mais aproximada seria o termo “harmonia”. Essa doutrina propunha os postulados da seleção estética e racionalização matemática (compreendendo o princípio de proporção). 15 16 O tratado Da Pintura apresenta o mesmo esquema tripartido da “Arte Poética” de Horácio. O primeiro livro trata dos rudimentos, o segundo livro trata da pintura e o terceiro livro trata do pintor. Os rudimentos referemse à matemática. Alberti alerta o leitor que escreve não como matemático, mas como pintor; o compromisso da pintura é com a visão: queremos que as coisas sejam postas bem diante dos olhos.(Alberti, p.71) A visão é o fundamento primeiro da teoria matemática da perspectiva: O pintor só se esforça por representar aquilo que se vê. (Alberti p.71) distinção aristotélica entre arte e natureza, ars e natura, na divisão do tratado de Alberti. O primeiro e o segundo livro correspondem especificamente à atividade artística (no sentido de oposição ao natural) entendida como “estudo”, estudium. O segundo livro se dedica a ensinar como tornar eloqüente a imagem pictórica, devolvendolhe assim o poder de contar a história. seguindo a proposição de que a visão é o fundamento da pintura e por isso esta é a figuração da natureza, Alberti divide a pintura em conceitos fundamentais: circunscrição, composição e recepção de luzes. No elenco das categorias da retórica, disposição é convertida em circunscrição e composição; e elocução, em recepção de luzes: “Dividese a pintura em três partes; essa divisão nós a tiramos da própria natureza. Como a pintura se dedica a representar as coisas vistas, procuremos notar como são vistas as coisas. Em primeiro lugar, ao ver uma coisa dizemos que ela ocupa um lugar. Neste ponto, o pintor, descrevendo um espaço, dirá que percorrer uma orla com linha é uma circunscrição. Logo em seguida, olhando esse espaço, fica sabendo que muitas superfícies desse corpo visto convêm entre si, e então o artista, marcandoas em seus lugares, dirá que está fazendo uma composição. Por último, discernimos mais distintamente as cores e as qualidades das superfícies e, como toda diferença se origina da luz, com propriedade podemos chamar sua representação de recepção de luzes”. (p. 101) a circunscrição é o delineamento da coisa vista, é o desenho. A composição referese á relação de cada objeto visto no conjunto do espaço a ser projetado. E por fim, a 16 17 recepção de luz referese à distribuição do claroescuro e de seus efeitos sobre as superfícies coloridas de cada objeto visto, assim como no conjunto. A composição tem papel importante na pintura. Como interseção da geometria e da retórica, é ela que garante à pintura o poder de representar a história, a grande obra do pintor. “Composição é o processo de pintar pelo qual as partes das coisas vistas se ajustam na pintura. A maior obra do pintor não é um colosso, mas a história. A história proporciona maior glória ao engenho do que o colosso. Os corpos são parte da história, os membros são partes dos corpos, a superfície é parte dos membros, portanto as primeiras partes da pintura são as superfícies. Da composição das superfícies nasce aquela graça nos corpos a que chamamos beleza. [...] A seguir falaremos dos membros. Convémsobretudo empenharse para que todos os membros se convenham bem. Serão convenientes quando o tamanho, o ofício, a espécie, a cor e outras coisas semelhantes corresponderem a uma beleza”. 107108 a composição da pintura envolve quatro requisitos (tamanho, ofício, espécie e cor) subordinados à conveniência. É da conveniência que se obtém a beleza. Aí se encontra o conceito de harmonia tão caro ao Renascimento. a analogia entre pintura e poesia: como o discurso do orador, a história ensina, deleita e move – docere, delectare e movere: “A história comoverá a alma dos espectadores se os homens nela pintados manifestarem especialmente seu movimento de alma. [...] Mas os movimentos da alma são conhecidos pelos movimentos do corpo.” (p. 114) terceiro livro, Alberti trata da formação do pintor. Alberti aconselha os pintores a companhia dos poetas e oradores: “A companhia de poetas e oradores traria aos pintores muita satisfação. Eles tem muitos recursos em comum com os pintores; dotados de vasto conhecimento sobre muitas coisas, serão de grande ajuda para uma bela composição da história, cujo maior mérito consiste na invenção que, como veremos costuma ser de tal força que, mesmo sem a pintura, agrada por si mesma. Não se lê sem louvor a famosa descrição da Calúnia que Luciano diz ter sido pintada por Apeles. [...] Essa história, se contada, já agrada, imaginese a graça e o encanto que teria se a víssemos pintada por Apeles”.(p. 129) 17 18 O enunciado ut pictura poesis permeia toda a reflexão sobre pintura de Alberti. exemplo da história da Calúnia narrada por Luciano, um autor grego desconhecido na Idade Média, Alberti situa na invenção a afinidade entre pintura e poesia. um ponto central na arte renascentista e presente na teoria da arte de Alberti é a imitação da natureza, meio para se apreender a beleza. Alberti prescreve a observação da natureza, mas recomenda ao artista que a corrija. Assim expõe os conceitos de imitatio e electio: “Não se tenha a menor dúvida de que a cabeça e o princípio desta arte, bem como todas as etapas para se tornar mestre nela, devem ser buscadas na natureza. [...] Todas essas coisas o pintor dedicado conhecerá pela natureza [...]. E de tudo não apenas lhe será do agrado aterse à semelhança, mas também acrescentarlhe beleza, porque na pintura, a formosura, além de ser grata, é uma exigência. [...] Por isso, será útil retirar de todos os corpos belos as partes mais apreciadas e devemos nos aplicar com empenho e dedicação para apreender toda a formosura. É verdade que isso é bastante difícil porque em um só corpo não se encontra a beleza acabada que está dispersa e rara em muitos corpos.” 131132 3 II.2 VASARI: VIDA DOS PINTORES Giorgio Vasari: (1511 – 1574) Arezzo/ Italia As vidas dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos. 1ª publicação em 1550, republicado em 1568 em edição aumentada. artista predileto dos Medici. projeto da obra resulta de sua participação em Roma, em 1543, do círculo de estudos humanistas do Cardeal Farnese, futuro Paulo II. Em seus escritos deu atenção para a trajetória de vida, formação e “maneiras” dos artistas. Arco edificado por Vasari: Início da perfeição na Antiguidade Clássica – Declínio com Barbárie maniera greca/bizantina e Idade Média (maniera tedesca) – Ressurgimento em Cimabue e Giotto – Apogeu em Michelangelo (maniera perfetta). Sua classificação cronológica é ordenada a partir da ausência de beleza, própria à arte 3 ALBERTI (1992) pp.131132 18 19 bizantina, que representa a infância, à consagração soberana de Miguel Ângelo, símbolo da maturidade, do progresso e da perfeição. Para Vasari, todas as artes visuais – arquitetura, escultura e pintura – procedem do desenho. Jogando com o duplo sentido da palavra disegno, que significa ao mesmo tempo a concepção e o contorno, o projeto e a execução manual do traçado, Vasari define desenho segundo dois aspectos, teórico e prático. Expressão sensível da ideia, fonte da invenção pictórica, o desenho confere à pintura a dignidade de uma atividade intelectual. Ao basearse na premissa de que o desenho é mais importante do que a cor, Vasari o utiliza como critério para avaliar o talento dos artistas e enfatizar a arte florentina, sem deixar de considerar as normativas do classicismo para julgar as suas obras. Como Alberti, ele enfatiza a qualidade não só do desenho, mas também a capacidade de imitação da natureza, mesmo tendo consciência de que a arte pode suplantála. Uma das principais razões de Vasari para recomendar o estudo cuidadoso da natureza é porque entendia ser esse o único meio pelo qual o artista poderia atingir um estágio em que seria capaz de desenhar qualquer coisa de memória com facilidade e sem referência ao modelo. “A melhor coisa é desenhar homens e mulheres a partir do nu e assim fixar na memória por meio do exercício constante os músculos do torso, das costas, dos braços e dos joelhos, com ossos sob eles. Desse modo se poderá ter certeza de que , graças a muito estudo, é possível desenhar poses em qualquer postura com a ajuda da imaginação e sem que se tenha à vista as formas vivas.” O estudo da natureza não é portanto um fim em si, mas um meio para atingir a eficiência no desenho executado de memória. II.3 LOMAZZO: A REPRESENTAÇÃO DA IDÉIA séc. XVI: dois grupos de maneiristas: 1) Academia del Disegno em Roma (Federico Zuccaro e Giovanni Battista Armenini) 2) Academia della Valle di Bregno em Milão (Lomazzo) Enquanto para os teóricos do Renascimento, a natureza era a fonte de que toda beleza derivava, por mais que fosse transformada pela imaginação do artista, para os 19 20 maneiristas, a beleza era algo diretamente instilado na mente do homem pela mente de Deus, e existia lá independentemente de qualquer impressão dos sentidos. Gian Paolo Lomazzo: 15381600 Italia pintor, poeta e teórico lombardo (Milão) perdeu a visão e dedicouse à redação de vários escritos, entre outros o Trattato della pittura (1587 – Tratado de Pintura) e a Idea del tempio della pittura (1590 – Idéia dotemplo da pintura) Idéia do templo da pintura: parte teórica dividese em sete noções que correspondem aos sete governadores do templo da pintura (Michelangelo, Gaudenzio Ferrari, Polidoro, Leonardo, Rafael, Mantegna e Ticiano), o qual não é nada menos do que uma construção cosmológica. As sete partes da pintura: 1) proporção – proportione 2) movimento moto: movimento, expressão, fisionomia, caráter, paixão. 3) cor – colore 4) luz lume 5) perspectiva – prospettiva 6) composição – compositione (arranjo) 7) forma – forma (iconografia, invenção, vocabulário das formas das coisas) O exercício da pintura requer um dom natural (la fúria): “Esse dom divino que acompanha somente aqueles que nasceram com essa arte, isto é, que não a adquiriram apenas por meio do estudo, mas dela foram dotados pela natureza de maneira privilegiada.” Na esteira de Marsílio Ficino, em que se inspira, Lomazzo vê na luz uma “imagem do espírito divino” que, na pintura, se torna uma “qualidade sem corpo”. (...) os conceitos de proporção, modo, espécie e forma, que, com Ficino, constituíam um conhecimento analógico da luz divina, penetram a teoria de Lomazzo até tornar inteligíveis todos os graus da criação pictórica. Para o neoplatônico Lomazzo, a beleza é a manifestação visível do bem. A beleza é uma graça espiritual, uma “certa graça viva e espiritual”, que brota de Deus e surge de três maneiras: nos anjos, onde forma idéias; na alma, onde é chamada de razão ou conhecimento; na matéria, onde cria imagens ou forma. 20 21 II.4 BELLORI: IDÉIA E NATUREZA Giovanni Pietro Bellori: (16131689) Itália teve contato com pintores da pequena “colônia” francesa em Roma, em particular com Nicolas Poussin. Teoria da arte de meados século XVII combatia de um lado, um “modo amaneirado de pintar”, e por outro, na vertente oposta, o “naturalismo” excessivo de Caravaggio. Condenase a arte “maneirista” pela ausência de um estudo sistemático da natureza; resultando em uma arte distanciada do real, não baseada no estudo sério nem na visão concreta, mas simplesmente na prática e na imaginação. Condenase o “naturalismo” – Caravaggio, embora imitasse a natureza, por outro lado, parece ter cometido falta ainda mais imperdoável: pobre de imaginação e privado de espírito (Bernini), completamente submisso aos modelos tomados na natureza, ele teria se contentado em reproduzir, sem praticar nenhuma escolha, a aparência sensível e no entanto defeituosa das coisas: “Um grande tema, mas não um Ideal”, conforme Scaramuccia. Definição do termo Maneira na teoria da arte do século XVII e surgimento do termo “estilo”: Quanto ao termo "maniera": Além das declarações de Bellori, temos: Baldinucci: "em todos os pintores (exceto Miguel Ângelo, Rafael e Andrea del Sarto), podese entrever às vezes algo desse defeito que chamamos 'maneira' ou modo 'amaneirado' de pintar, e que constitui uma espécie de fraqueza da inteligência e sobretudo da mão, que deveriam 'obedecer ao verdadeiro"; Marquês de Giustiniani: "O décimo modo de pintar é chamado pintar 'di maniera', o que significa que o pintor, graças à sua longa prática do desenho e da cor, representa em sua pintura aquilo que tem em sua imaginação, pautandose por essa própria imaginação e sem utilizar nenhum modelo...; esse modo de pintar é praticado em nossa época por Barocci, Romanelli, Passignano e Giuseppe d'Arpino...; vários outros 21 22 pintores serviramse igualmente desse modo para pintar a óleo obras muito belas e muito dignas de elogio". Esta definição específica da expressão "maniera", no sentido de uma prática artística estranha ou exterior à natureza, não foi sua primeira definição (significava somente um modo de trabalhar). As declarações de Bellori, de Baldinucci e de Giustiniani revelam que, a partir do século XVII, começouse a dar um sentido próprio e definitivo ao termo "maniera"; "dipingere di maniera" significa desde então pintar de memória; e é somente essa profunda emancipação em relação ao modelo natural, mais do que uma referência qualquer a outros mestres, que caracteriza, segundo os "maneiristas", o sentido originário da palavra. É portanto no próprio cerne da teoria do Neoclassicismo que a expressão "maniera", agora portadora de uma significação específica e encarregada de designar qualquer criação estranha à natureza, poderia receber o sentido pejorativo que conservou quase até nossos dias. E a inversão num sentido negativo do conceito de "maniera", que parece terse realizado no círculo de Bellori (BelIori e Baldinucci usam já expressamente os qualificativos "vicioso", "defeituoso", "afetado", enfim, "amaneirado"), explica talvez a necessidade que sentiam os teóricos da arte de encontrar um outro termo que pudesse designar apenas a maneira artística peculiar às épocas, às nações e aos indivíduos. É também no círculo de Bellori, que justamente havia dado à expressão "maniera" um sentido depreciativo, que se começou (o que parece hoje natural, mas que não o era até a metade do século XVII) a tomar emprestado da poética e da retórica o termo "estilo" e aplicálo às obras das artes plásticas. “O estilo constitui uma maneira e uma habilidade particulares de pintar e de desenhar, que vem do gênio próprio de cada um para realizar e utilizar suas idéias; esse estilo, essa maneira ou esse gosto provêm da natureza e do talento". (Máximas de Poussin, reunidas por Bellori) Quanto ao naturalismo de Caravaggio, Beloria airmava: “é incontestável que Caravaggio praticou a arte numa época em que, sem grande consideração pela natureza, o tratamento das formas baseavase apenas na prática e na ‘maneira’, fazendose mais pelo sentido da beleza do que pelo da verdade” (Belori “A idéia do pintor, do escultor e do arquiteto...). Giovani Bellori 22 23 Segundo Panofsky, não se trata mais de um artista escrevendo sobre as coisas da arte, mas de um “crítico de arte” (PANOFSKY, Idea, p102). Tratado: “Le Vite de Pittori, Scultori et Architetti Modern”, 1672 “A ideia do pintor, do escultor e do Arquiteto, obtida das belezas naturais e superior à natureza”, umaintrodução de Vidas, é um discurso proferido na Academia Romana de São Lucas em 1664. Tratado começa por uma introdução de inspiração neoplatônica. Essa metafísica neoplatônica atribui ao artista a seguinte missão: “a exemplo do artista supremo”, o artista deve ter dentro de si a representação da beleza sem mistura, sobre cujo modelo pode “corrigir” a natureza. Até aqui, pode ser confundido com Lomazzo. Mas, adiante opera uma ruptura: a idéia que se encontra no interior do espírito do artista não tem validade metafísica; a própria idéia artística provém da intuição sensível, mas com a capacidade de conferirlhe uma forma mais pura e mais sublime: “originada na natureza, supera sua origem e constitui o original da arte” (Belori). Assim, após uma partida neoplatônica, a teoria das Idéias de Belori volta a afirmar que a idéia não reside a priori no homem, mas deriva a posteriori da intuição da natureza. missão do artista: tendo a beleza em si, “corrigir” a natureza. Pela 1ª vez dáse a transformação da Idéia em Ideal “originada na natureza, supera sua origem e constitui o original da arte.” condenação de Bellori aos naturalistas por não formarem neles próprios absolutamente nenhuma idéia e, “obedecendo somente ao modelo”, copiarem, sem submetêlos á crítica, todos os defeitos que apresentam os objetos da natureza. condenação aos maneiristas: “sem nada conhecer da verdade”, exercem sua arte em razão de uma simples prática e, desprezando o estudo da natureza, procuram trabalhar num estilo “amaneirado” ou a partir de uma simples “idéia da imaginação”. Combatendo os maneiristas e os naturalistas, indicava a salvação num justo equilíbrio entre esses dois extremos igualmente condenados. Esse justo equilíbrio encontravase nas obras da arte antiga, considerada como arte “natural” mais do que naturalista, justamente porque se limitava a uma realidade “depurada” ou “enobrecida”. 23 24 24 25 III – O SÉCULO XVIII III.1 O BELO CLÁSSICO: WINCKELMANN Tanto o clássico quanto o romântico foram teorizados entre a metade do século XVIII e a metade do século seguinte: o clássico, sobretudo por Winckelmann e Mengs, o romântico, pelos defensores do renascimento do Gótico e pelos pensadores e literatos alemães. (ARGAN, Arte Moderna) Teorizar períodos históricos significa transpôlos da ordem dos fatos para a ordem das idéias ou modelos; com efeito é a partir da metade do século XVIII que os tratados e preceitísticas do Renascimento e do Barroco são substituídos, a um nível teórico mais elevado, por uma filosofia da arte (estética). (ARGAN, Arte Moderna) Segundo Venturi, a Historia da Arte segundo os Antigos (17171718) de Winckelmann foi considerada obra prima e teve profunda influência sobre a estética idealista. Johan Joachim Winckelmann: (17171768) Stendal, Prússia Além de ser considerado o fundador da arqueologia moderna, em função de seus estudos das escavações de Pompéia e Herculano, Winckelmann estabeleceu novos parâmetros para a história da arte, influenciando todo o seu desenvolvimento posterior. W: escultura se impõe como caminho mais segura para voltar à fonte pura de Atenas. Cai o ideal barroco de arte total. Antes da Renascença a arte é dominada pela, usando uma_expressão da escolástica medieval, intentio recta: a função criadora do artista tornase anônima diante dos valores objetivos (as exigências do culto, por exemplo), e a arte é manifestação da glória divina. Na Renascença, as coisas começam a mudar de figura. Descobrese a arte antiga, ou se lhe dá ao menos uma nova dimensão, integrandoa ingenuamente no próprio clima espiritual da época. Põese, por exemplo, um violino nos braços de Apolo e disso queixase revoltado Winckelmann e o deus grego se torna o espírito protetor das festas. Assim, aos poucos, esvaise a integração em um ideal objetivo e introduzse uma intentio obliqua. Com outras palavras, começase a descobrir sentido na atividade 25 26 criadora do gênio artístico. Surgem as biografias e mesmo as autobiografias. Le Vite de piu eccellenti pittori scultori ed architettori, de Vasari, é um excelente indício dessa mudança de acento tônico, pois a biografia do artista começa a imporse como algo tão ou mais importante do que a própria obra realizada. Tornase cada vez mais secundário saber o que produz o artista, e sublinhase o como ele produz. Windkelmann deu nesta orientação, de modo consciente, um passo decisivo. Quando descreve uma estátua grega, busca um ideal humano que vale por si, independentemente da estátua; persegue o ideal da “nobre simplicidade e da calma grandeza". Se os gregos são importantes é porque nos podem ensinar o excelente, nos podem dar a "visão do elevado e do sublime": a arte adquire uma nova função educativa, presa ao estético, que passa a ser considerado o alicerce e o caminho para uma nova sabedoria. Daí a idéia que se introduz de uma dignidade e de uma santidade próprias do artista. O conceito de imitação Winckelmann: "A imitação do belo na natureza concerne ou bem a um objeto único ou então reúne as notas de diversos objetos particulares e faz delas um único todo. O primeiro processo implica fazer uma cópia semelhante, um retrato; é o caminho que conduz às formas e figuras dos holandeses. O segundo é o caminho que leva ao belo universal e suas imagens ideais; esse foi o seguido pelos gregos". O que interessa, pois, não está simplesmente na cópia, e sim no eidos, na idéia ou na forma universal. O sentido da imitação não é naturalista ou realista, mas platônico. O importante, quando se faz arte, não consiste simplesmente em copiar os antigos, e sim em pensar como os gregos, em comportarse como eles, exigindo da arte uma missão semelhante à dos gregos. Só desse modo a imitação pode ser criadora e evitar o impasse do servilismo. A educação e o condicionamento geral da cultura grega ofereciam ao artista um tal esplendor da natureza, que o seu ato criador se processava em condições excepcionalmente felizes. O entusiasmo de Winckelmann radica precisamente nessa coincidência entre a natureza e o eidos; assim ele compreende a natureza grega. 2627 A diferença entre o grego e o moderno reside em que, naquele, a natureza já se apresentava ao artista em seu estado de perfeição, ao passo que para o moderno e aqui vai implícita uma crítica ao cristianismo a perfeição da natureza perdeuse. Desse modo, o que para o grego era realizado sem esforço maior, para o moderno deverseia tornar objeto de uma laboriosa conquista, de um trabalho paciente e teimoso. Excluise, portanto, a obtusidade da arte entendida como cópia, e acedese ao sentido de uma frase como a seguinte: "O estudo da natureza deve ser, ao menos para o conhecimento do belo perfeito, um caminho mais longo e mais penoso que o estudo das obras da antigüidade". Daí a sua oposição a Bernini, que recomendava o estudo direto da natureza. Segundo Winckelmann, este caminho é penoso, se não impossível, devido à deficiência da natureza moderna. Os gregos, pelo contrário, "tinham, quotidianamente, a ocasião de observar o belo na natureza; uma ocasião que, para nós, não se oferece todos os dias e raras vezes se mostra tal como o artista a deseja". Tornase claro, assim, que quando Winckelmann prega a imitação da arte grega, não se refere simplesmente a uma cópia, mas à captação da natureza em seu estado de perfeição, o que só pode ser conseguido em nível exemplar através dos gregos. Em última análise, não se trata de imitar a natureza a isso está confinada a cópia e sim uma presença na natureza que a transcende. "Estas numerosas ocasiões de observar a natureza levaram os artistas gregos a ir ainda mais longe: começaram a formar certos conceitos universais tanto a partir de partes isoladas do corpo, como de suas proporções de conjunto que se erguiam acima da própria natureza; o seu modelo original, ideal, era a natureza espiritual concebida tão só pelo entendimento". O artista realiza uma obra bela, apenas na medida em que o seu trabalho manifesta sensivelmente o divino na natureza. A arte deve, conseqüentemente, apresentar através do sensível aquilo que o transcende; tratase, portanto, de fazer coincidir o plano "físico" da realidade com o metafísico; a arte tem por finalidade um processo recíproco, de transcendentalizar a imanência e de imanentizar a transcendência. Essa idéia é expressa por Winckelmann em sua frase mais famosa e que condensa a sua doutrina: o ideal da arte é "a nobre simplicidade e a calma grandeza". Nesta frase, contudo, nada é novo. De fato, já na Renascença italiana encontramos a exigência de um archetypus humanitatis, cujo nervo seria constituído pela sancta simplicitas. Do seicento italiano, os franceses vão aceitar a idéia de uma simplicité, naturelle, de uma noble 27 28 simplicité, chave para compreender o verdadeiro homem, o verus homo. Shaftesbury também já falara na accurate simplicity of the ancients. A idéia, portanto, não é nova. Mais do que italiano, francês ou inglês, o ideal da "nobre simplicidade e calma grandeza" deve ser entendido como manifestação de uma tendência básica e constante do Humanismo Ocidental: a crença de que o divino, o digno, o nobre, estão aliados ao imóvel, ao simples, ao calmo, ao repouso. A primeira expressão vigorosa dessa estaticidade encontrase no présocrático Xenófanes, quando diz, por exemplo, em um de seus fragmentos, que "nem é próprio de Deus moverse". O reverso dessa concepção implica asseverar que a mobilidade está unida à ausência de perfeição, a insuficiência, a um certo deficit da realidade. O movimento acentua a finitude, está preso ao sentido da morte e traz consigo até mesmo certa vulgaridade. A tentativa de transportar o sensível ao divino constituirá a alma daquilo que o classicismo alemão vai batizar com o nome de "bela alma"; e que implica a suspensão de todo o conflituoso em uma harmonia superior de “nobre simplicidade e calma grandeza". Característica de Winckelmann é a crença de que a "bela alma" encontra o seu modelo original na Grécia antiga, razão pela qual a imitação dos gregos afiançase como sendo um caminho insubstituível. "Quem não conhece as obras da antiguidade não creia saber o que é verdadeiramente belo". A visão da Grécia defendida por Winckelmann concretizase através de suas análises de peças da escultura antiga, de modo especial do Laocoonte e, sobretudo, do ApoIo Belvedere. O grupo do Laocoonte é analisado não como manifestação do patológico que era a tese de Berníni ou da violência, um estado efêmero e indigno da arte, mas a partir da idéia do triunfo da alma, de um extremo da dor que se sabe vitoriosa e que, por isso mesmo, é plenamente compatível com a perenidade do divino. O interesse principal que oferece, contudo, a análise do Laocoonte é que a calma grandeza não se confunde para Winckelmann com uma estaticidade morta; a famosa escultura seria a personificação da vitória da vida, o triunfo da nobreza e da medida sobre a dor e a imperfeição. Mas é no Apolo Belvedere que Winckelmann vê a suprema síntese da arte e do homem gregos, o mais alto ideal antigo e a máxima vitória da divinização do humano. Diante dessa estátua, o seu comportamento transformase em religioso e ele a descreve 28 29 com tal entusiasmo que as suas palavras se tornam um hino. Ergue o Apolo à condição de critério supremo para compreender a arte grega e inaugura, assim, a visão apolínea da cultura antiga; contemplandoo, "acreditava ver o próprio deus, tal como aparece aos mortais". Apolo passa a ser a epifania, a manifestação divina, do sentido último da Grécia. III.2 LESSING: PINTURA, ARTE DO ESPAÇO Gotthold Ephraim Lessing: (17291781) Kamenz, Alemanha Ut pictura poesis non erit (a pintura não é como a poesia): estas foram palavras de Diderot no Salão de 1767. Apesar da aparente oposição ao enunciado horaciano sobre a analogia entre pintura e poesia, Diderot não nega o princípio fundamental daquele enunciado: a imitação. Diderot partia do princípio de que todas as artes imitavam a natureza, mas o faziam de acordo com leis próprias. Para o filósofofrancês, a distinção entre o pintor e o poeta residia no tempo: enquanto o pintor tinha à sua disposição um único momento, o poeta operava com momentos sucessivos. Salvo pequenas diferenças, a idéia das diferentes temporalidades da pintura e da poesia é o fundamento do argumento de Lessing. Podemos apontar como um ponto em comum entre os estetas do século XVIII a tentativa de aclarar a natureza de cada arte e suas relações entre si. O “Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia” de Lessing, como explicita o título, foi escrito com a finalidade de demarcar os limites da pintura e da poesia. Inserido num amplo debate cujo eco se ouvia em toda a Europa, Lessing abordou questões que “estavam no ar” (palavras de Peter Gay), mas lhe coube o mérito de sintetizar tais questões e “de ter posto termo ao debate sobre o paralelo entre as artes.” Já no Prefácio de sua obra, Lessing procura corrigir aquilo que ele entendia ser uma interpretação incorreta realizada pela teoria da arte humanista da frase de Simônides, “a pintura é uma poesia muda e a poesia, uma pintura falante”. Para Lessing, a semelhança entre a pintura e a poesia anunciada pelos antigos encontravase nos seus efeitos e não nos meios de obtêlos como concluíram os humanistas. Ancorandose no 29 30 mesmo porto dos humanistas, a autoridade da Antigüidade, Lessing inverte o sentido do enunciado e defende a diferença entre as duas artes: Antes, restringindo o dito de Simônides ao efeito das duas artes [pintura e poesia], eles [os antigos] não se esqueceram de precisar que apesar da completa semelhança desse efeito, elas [pintura e poesia] ainda assim são diferentes, tanto quanto aos objetos como também no modo de imitação deles (...). 4 O efeito da arte, fosse pintura ou poesia, era o mesmo, a ilusão estética, mas os meios de se obtêlos eram específicos ou intransferíveis. Lessing argumentava que a única garantia de assegurar tal efeito era, ao contrário daquilo que a teoria da arte humanista pregava, a distinção precisa entre os campos de cada arte. Daí sua condenação à 5 tendência da poesia de descrever e da pintura de fazer alegorias, pois estes não lhes eram meios próprios. Concordando tanto com os antigos, quanto com os humanistas que o fim da pintura e da poesia e o elemento unificador de ambas era a imitação, Lessing as distinguiu definindo a poesia como arte do tempo e a pintura como arte do espaço. O poeta deveria imitar a ação, ou seja, objetos que se desdobram no tempo, já o pintor deveria imitar os corpos, restritos a um momento. Para tal, o poeta deve evitar a prosa e pintor deve evitar a alegoria. (...) a pintura utiliza nas suas imitações um meio ou signos totalmente diferentes dos da poesia; aquela, a saber, figuras e cores, já esta, sons articulados no tempo; (...) são os corpos com suas qualidades visíveis que constituem o objeto próprio da pintura. (...) as ações constituem o objeto próprio da poesia. 6 Através da análise do grupo escultórico Laocoonte, datado do século I a.C., Lessing construiu seu argumento sobre as especificidades da pintura e da poesia. A escultura representa Laocoonte, filho de Príamo e Hécuba, sufocado junto com seus filhos por duas gigantescas serpentes. Na verdade, o ponto central da discussão é a cavidade que corresponde à boca de Laocoonte. Segundo Lessing, se o tema de Laocoonte fosse narrado exatamente como o fez Virgilio, tal obra seria feia. Para representar o grito, a boca de Laocoonte teria que estar aberta, mas Laocoonte não grita ele apenas suspira. O 4 LESSING (1998) p. 76 5 SELIGMANNSILVA (1998) 6 LESSING (1998) p. 193 30 31 Laocoonte exprime a dor, não à maneira de um poeta ao narrar um episódio de monstros hediondos, mas sim ao dobrarse às leis específicas de sua arte, sendo a primeira delas a da beleza. 7 (...) essa dor, eu dizia, exteriorizase no entanto sem nenhuma feiúra na face e em todo posicionamento. Ele não brada nenhum grito terrível, como Virgílio canta do seu Laocoonte; a abertura da boca não o permite: tratase muito mais de um gemido medroso e oprimido (...). 8 Como o belo, para Lessing, era a mais alta lei das artes visuais, Laocoonte não poderia ser esculpido gritando e com a face contorcida, o que seria visualmente repulsivo. Para evitar o feio nas artes visuais, os gregos, reduziram a fúria à severidade, à angustia e à tristeza, e deixaram à cargo da imaginação do espectador completar a impressão que a arte deve somente sugerir. Esta seria a correta interpretação das concepções artísticas da Antigüidade. Partindo deste princípio e de que a pintura é uma arte do espaço, Lessing concebeu o “momento fecundo”: A pintura pode utilizar apenas um único momento da ação nas suas composições coexistentes e deve, portanto, escolher o momento mais expressivo a partir do qual tornase mais compreensivo o que já se passou e o que se seguirá. 9 O momento fecundo era uma concessão à imaginação temporal, sendo uma sugestão de ações passadas e futuras. Como a pintura (ou escultura) se apresentava de uma só vez ao espectador, por isso ela ser uma arte do espaço, o seu tempo deveria ser o mais expressivo o possível, afim de se obter o efeito desejado, o da ilusão estética. Este era o medium da pintura. A pintura enquanto imitação poderia exprimir a feiúra, mas não enquanto arte. Sendo a beleza a maior finalidade da pintura, era ela que qualificava a obra como arte: (...) eu gostaria que nós reservássemos o nome de obra de arte apenas para aquelas nas quais o artista pode verdadeiramente mostrarse como artista, nas quais a beleza constituía a sua primeira e última intenção. Todo o resto onde mostramse de modo por 7 JIMENEZ (1999) p.100 8 LESSING (1998) p. 83 9 LESSING (1998) p. 194 31 32 demais perceptível os traços de convenções de serviço religioso não merece esse nome porque a arte não era trabalhada aqui por ela mesma, mas antes era um mero meio de auxílio da religião que via
Compartilhar