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Responsabilidade Ética e Legal do Profissional de Enfermagem Taka Oguisso Fundamentos Básicos da Responsabilidade O termo “responsabilidade” tem origem nas palavras latinas respondere e responsus, de responder ou ser responsável. O Moderno dicionário da língua portuguesa indica que responsabilidade é o “dever jurídico de responder pelos próprios atos ou de outrem, sempre que estes violem o direito de terceiros protegidos por lei e de reparar os danos causados”. Pode ser ainda uma “imposição legal ou moral de reparar ou satisfazer qualquer dano ou perda”. Kelsen, famoso e respeitado jurista alemão, classifica a responsabilidade em dois tipos: a responsabilidade pela culpa e a pelo resultado. O conceito do primeiro pode abranger a hipótese de negligência, neste sentido o delito negligente seria um delito de omissão para qual é estatuída a responsabilidade pelo resultado. Neste estudo são pautados três tipos de modalidades de responsabilidade: a civil, a penal e a ética-profissional. Poder-se-ia também incluir a responsabilidade funcional no exercício de uma função pública ou a contratual de trabalho conforme previsto na legislação trabalhista. O enfermeiro e membros da equipe de enfermagem devem pautar-se de acordo com a regulamentação ou legislação do exercício profissional e com o respectivo código de ética, assim, a reflexão sobre a responsabilidade e competências constituirá um instrumento norteador para a tomada de decisões. Antigamente a ética se ocupava quase que exclusivamente da ação individual, porém hoje a prioridade passou a ser o sujeito social. Temas polêmicos (engenharia genética, clonagem, etc.) desafiam cada vez mais os códigos de ética, as argumentações filosóficas e até as normas religiosas. Neste contexto é necessário refletir sobre a dimensão dessas novas possibilidades, considerando a relação entre o que é tecnicamente possível e o que é eticamente lícito. Reconhecer o outro, estabelecer relações com ele e admitir a existência de valores são componentes da ética. Um conjunto de valores de uma determinada profissão é também chamado de éthos. O éthos de enfermagem é expresso nos códigos de ética, assim, o Código de Ética do Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE) tem na promoção da saúde, na prevenção de enfermidades, no restabelecimento da saúde e no alívio dos sofrimentos a definição do seu éthos. As ações profissionais baseiam-se em parâmetros ou fundamentos, como os valores, a consciência e a liberdade. A consciência pode ser expressa do ponto de vista psicológico, refere-se à percepção individual; do ponto de vista deontológico, refere-se ao conhecimento que o profissional deve ter das obrigações, por exemplo, o dever de respeitar o outro e de não decidir sobre o que é melhor para a outra pessoa. Assim, pode-se dizer que a consciência está relacionada com a capacidade do indivíduo. Responsabilidade Civil A responsabilidade legal pode aparecer imbricada de um caráter civil e/ou penal e, ainda, ético-profissional, abrangendo todos esses aspectos de forma cumulativa. Responsabilidade significa a obrigação de responder pelos próprios atos ou de outrem, e de reparar ou indenizar os danos causados, entendida como Reparação Civil. A reparação pode ser classificada em natural ou específica e pecuniária ou por equivalência. A natural é aquela em que o direito é reintegrável; subdivide-se em material, quando obtém de volta algo que lhe foi subtraído, e econômica, quando recebe em lugar de algo que se deteriorou, outro novo da mesma espécie. A reparação pecuniária, em virtude de dano moral, não pede um preço para sua dor, apenas que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências da lesão jurídica. Para ser obrigado a reparar um dano a pessoa deve ser juridicamente capaz, o que é definido pelo Código Civil (CC), Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que estipula que a capacidade jurídica é o ato de poder dispor livremente de algo de acordo com a própria vontade ou interesse. O direito de personalidade, definidos no novo Código Civil, podem impactar o exercício da enfermagem, pois são considerados intransmissíveis e irrenunciáveis (art.11), como o art. 14 sobre “a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte, com objetivo científico e altruístico”, nesse caso, para fins de transplante, mas “ninguém pode ser constrangido a submeter-se com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica, conforme estabelecido no art. 15. O art. 186 dispõe que “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, “também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes”, art. 187. Entre outros artigos sobre a ação de enfermagem, destaca-se, em primeiro lugar, que a indenização é medida pela extenção do dano (art. 944), isto é, quanto maior o dano ou prejuízo, maior a indenização, Assim, o profissional terá de indenizar o paciente das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo sofrido. Se da lesão resultar defeito, pelo qual não possa exercer a profissão, a indenização incluirá também pensão correspondente à importância do trabalho. Se houver morte, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: pagamento das despesas do tratamento, funeral e luto da família, prestação de pensão às pessoas que o morto devia. Portanto, responsabilidade civil consiste na obrigação de indenizar e só haverá indenização quando existir prejuízo a reparar. Se houver desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, o juiz poderá reduzir equitativamente, a reparação ou indenização. É importante destacar que o CC atual estipula no art. 951 que todas as disposições indenizatórias são aplicáveis ao profissional que, no exercício de sua atividade, por imprudência, negligência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho. Em contrapartida, aplica a obrigatoriedade de reparação ou indenização pelo exercício de atividade profissional sem distinção de categoria ou nível de qualificação (superior ou médio). A responsabilidade civil indenizatória pode ser requerida do profissional ou da instituição em que ele é empregado, não são incomuns questionamentos judiciais acerca da responsabilidade civil, tendo em conta problemas, acidentes e lesões do paciente dentro do hospital ou clínica. O enfermeiro, responsável técnico, deve responder pelo que aconteceu, elucidando o fato ou o que viu, no caso de servi como testemunha. Após a coleta e apreciação das provas testemunhais e/ou documentais, o juiz avaliará e julgará quem tem a razão Responsabilidade Penal Quem delega uma função, assume a responsabilidade pelo que mandou fazer e quem recebe a delegação deve prestar contas do que fez, assim, o enfermeiro pode ser convocado a responder pelos seus atos ou de um outro profissional de enfermagem a ele subordinado, quando dos mesmos resultarem quaisquer danos ou prejuízos ao paciente, seja de ordem física ou moral, ou ambas, porque se tornaram co-autores. Por isso, o enfermeiro, antes de delegar uma função a outro profissional, precisa avaliar a competência técnica e a capacidade legal da pessoa a quem está delegando a atribuição; esta, por sua vez, pode recusar-se a executá-la em razão de a atividade extrapolar seu grau de competência legal, conforme lhe faculta o art. 7 do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE). Portanto, a liberdade de exercer um trabalho ou profissão está limitada pelas qualificações estabelecidas em lei, no caso da enfermagem, trata-se da Lei do Exercício Profissional (Lei n. 7.498/8621) que identifica as pessoas que têm capacidade legal para o exercício da enfermagem e especifica também as categorias que podem exercer essas atividades técnicas e seus respectivos grausde competências, o que precisa ser considerado pelo enfermeiro ao delegar uma função de enfermagem a sua equipe de trabalho, deste modo, é responsabilidade do profissional “assegurar ao cliente uma assistência de enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência” (CEPE, art. 16). O art. 52 ressalta que “provocar, cooperar, ou ser conivente com maus tratos” é considerado uma atitude antiética e criminosa do profissional que agir dessa maneira. O enfermeiro poderá tomar conhecimento de um fato tido como infração ou crime durante o exercício de seu mister. Neste caso, deve relatar o fato a quem de direito para tomar as devidas providências legais, denunciar o crime às autoridades competentes, registrar o que observou e as condutas administrativas tomadas na instituição no prontuário do paciente. Caso não tome nenhuma providência e fique omisso diante do fato, poderá ser acusado de cumplicidade ou conivência com quem cometeu o crime. O concurso de pessoas pode ocorrer no crime profissional por meio da co-autoria e da participação. O crime profissional é aquele praticado por quem exerce uma profissão, utilizando-se dela para a atividade ilícita. Há co-autoria a decisão comum para a obtenção do resultado ou da consecção do objetivo previamente delineado para a ação. Na participação, o sujeito não comete a conduta típica, ou seja, prevista na lei (homicídio, por exemplo), mas pratica atividades que contribuem para a ocorrência do delito (crime). Outro aspecto importante e de grande impacto nas atividades de enfermagem é a questão de registros e prontuário do paciente. Trata-se de crime de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do Código Penal, e que consiste em alterar a idéia de um documento ou seu conteúdo, sem alterar a forma material deste documento. Pode ser praticado por omissão, por não anotar o que deveria ser anotado, ou por comissão, ou seja, inserir uma informação falsa ou diversa da que deveria ser registrada. O prontuário do paciente constitui um tipo de documento particular, no qual o pessoal de enfermagem deve registrar todas as ações realizadas. Assim, se o profissional de enfermagem registrar ou mandar que se registre no prontuário informação falsa ou diversa da que deveria constar, por referir-se à condição ou estado do paciente ou à assistência de enfermagem prestada, que são fatos relevantes, essa anotação pode, eventualmente, tornar-se fato jurídico por intercorrências, acidentes, denuncias e outros. Responsabilidade Ético- Profissional Os princípios fundamentais do CEPE enunciam que: “a Enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais” e ainda que “o profissional de enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana, em todo o seu ciclo vital, sem discriminação de qualquer natureza (...) exerce suas atividades com justiça, competência, responsabilidade e honestidade”, além de autonomia, respeitando-se os preceitos legais da profissão. Um outro aspecto importante na responsabilidade é a questão da liberdade humana, que pode ser entendida como possibilidade de o indivíduo realizar suas potencialidades com suas aptidões e habilidades. A liberdade de um indivíduo tem seu limite onde começa o direito a liberdade do outro, somente o indivíduo livre para agir, para fazer algo, pode ser responsável plenamente pelo seu agir. Em contrapartida, se uma pessoa sofrer restrição (ou coação) significa que ela não teve liberdade de escolher, sendo assim, não pode ser responsabilizada pelo ato por ela praticado, pois não o quis nem o almejou. Responsabilidade ética, pois, decorre da infração ética, ou seja, do descumprimento de normas, valores ou princípios éticos. O art. 21 do Código Penal estabelece que “o desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, é insento de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço”. Antigamente, cabia ao prejudicado demonstrar com robustas provas a culpa do profissional. Atualmente, cabe ao profissional ou à instituição de saúde provar que o tratamento realizado era tecnicamente correto e que estava indicado pelo diagnóstico também adequadamente feito. Distinção entre Imperícia, Negligência e Imprudência no Exercício da Enfermagem São os produtos de atos ou omissões de profissionais de enfermagem que acarretam algum tipo de prejuízo ou dano ao paciente (físico, moral, patrimonial) com intencionalidade ou não. Em regra, o profissional não almeja o malefício ao paciente, mas este pode acontecer por falta de atenção, atitude precipitada ou mesmo falta de conhecimento ou de destreza do profissional ao executar um determinado procedimento. Os tipos de culpa estão discriminados no art. 18 do Código Penal, inc.II e também nos arts. 16 e 24 do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem: imprudência, negligência e imperícia. A imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, afoiteza ou sem cautelas ou precaução, não se detendo por bom senso nem diante da possibilidade de causar um acidente ou dano a alguém, por exemplo, no caso da enfermagem, quando o enfermeiro delega ao auxiliar de enfermagem a execução de uma atividade privativa dele. Com isso, poderá responder em conjunto com esse auxiliar, pois tanto quem delega quanto quem assume uma delegação são co-responsáveis pela ação ou por seu resultado. A negligência é inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as devidas causas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. A imperícia consiste na falta de conhecimento técnico no exercício da profissão, não tomando o conhecimento do que sabe e do que deveria saber. O erro profissional ocorre quando, empregado os conhecimentos normais de medicina chega ao médico conclusões erradas, por engano ou equívoco; neste caso não há crime ou infração; já a culpa é entendida como conduta voluntária que produz resultado antijurídico e não almejado, que pode acarretar risco ou dano ao paciente. Considerações Finais Em suma, o enfermeiro terá de assumir sua parte na responsabilidade de assistência ao cliente/paciente, independentemente de querer ou não. As denúncias à ocorrência de danos à saúde por ações culposas decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência estão se tornando cada vez mais frequentes. Assim, além da atualização permanente de conhecimentos técnicos, o enfermeiro necessita também estudar os aspectos legais do seu próprio exercício profissional, a fim de não incorrer ou ser envolvido em problemas de responsabilidade civil ou criminal, que poderá exigir reparação pecuniária ou até mesmo a pena de restrição de liberdade. Na eventualidade de uma ocorrência o processo educacional deve acompanhar o envolvido, discutindo e refletindo com ele sobre as possíveis causas que o teriam levado a cometer a falha, encaminhá-lo, se necessário, à Educação Continuada e procurar dar-lhe apoio e supervisão mais próxima. Finalmente, pode-se afirmar que “o respeito que a sociedade terá ao enfermeiro só se justificará se, além de o sentir capaz, o souber responsável”, parafraseando Afrânio Peixoto, que assim escrevia em 1914, referindo-se ao médico.