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CP-TGE-2013 - Resumo 15 (Democracia semidireta e representativa) (1)

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FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA – FADI 
Ciência Política e Teoria Geral do Estado – 2013 
Professor Jorge Marum 
Resumo 15 – Democracia direta, representativa e semidireta 
“Nenhum homem é bom o bastante para governar a outro sem o seu consentimento" (Abraham Lincoln)
Introdução. A democracia é o regime de governo em que deve prevalecer a vontade do povo. Essa vontade pode ser expressa diretamente, como ocorria na democracia antiga, ou por meio de representantes, como é mais freqüente na democracia moderna. Também é possível a combinação da vontade popular com a de representantes eleitos. 
Conforme o modo e a intensidade da participação popular nas decisões mais relevantes do governo de um Estado, podemos classificar as formas de democracia como direta, semidireta e representativa. Essas espécies de democracia podem ser praticadas de forma isolada ou combinada. 
Democracia direta. Democracia direta era a forma de democracia praticada na Grécia antiga, especialmente em Atenas, onde o povo debatia e decidia as questões mais importantes da polis em assembléias realizadas em praça pública, sem a intermediação de representantes. 
Gregos antigos na ágora
Atualmente esse tipo de democracia só é praticado em pequenos cantões� suíços (Landsgemeinde), e ainda assim de forma restrita, porque os assuntos não são amplamente discutidos, havendo uma preparação prévia pelas autoridades. Rousseau, que era cidadão de Genebra, na Suíça, era um defensor da democracia direta, tendo escrito: 
“É nula toda lei que o povo diretamente não ratificar e, em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois o é somente durante a eleição dos membros do parlamento; logo que estes são eleitos, ele é escravo, não é nada. Durante os breves momentos de sua liberdade, o uso que dela faz, mostra que bem merece perdê-la” (Do contrato social, 1765).
Suíços votando na Landsgemeinde 
Democracia Representativa. Os Estados modernos são caracterizados pela grande extensão territorial e por populações de milhões de habitantes, o que impossibilita a reunião de uma assembléia popular para a tomada de decisões políticas. A isso se somou a desconfiança dos líderes políticos modernos quanto à capacidade do povo de tomar decisões políticas para que, no Estado Moderno, a democracia passasse a ser predominantemente representativa. Nesse tipo de democracia o povo elege representantes para tomar as decisões em seu lugar. Prevaleceu, assim, a linha defendida, entre outros, por Montesquieu, que escreveu: 
“O povo é admirável para escolher aqueles a quem deve confiar parte de sua autoridade (...). Mas saberá ele conduzir um assunto, conhecer os lugares, ocasiões e momentos mais favoráveis para resolvê-lo? Não: não saberá.” (Montesquieu, O espírito das leis, 1748).
Stuart Mill
John Stuart Mill (1806-1873). Uma grande contribuição para a teoria da democracia representativa foi dada por esse filósofo liberal inglês, que escreveu várias obras famosas, dentre as quais uma sobre o governo representativo. Segundo Stuart Mill: 
“O único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser uma parcela muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.” (O governo representativo, 1861). 
Representação Política. A representação política pressupõe a escolha de representantes, aos quais é conferido um mandato. O mandato, portanto, é o instrumento da representação. O mandato político foi inspirado no contrato de mandato do Direito Civil, através do qual uma pessoa nomeia outra para representá-la num ato jurídico (procuração). Com o tempo, ele passou por modificações que o diferenciam do modelo original.
Mandato imperativo. De início, o mandato político era imperativo, ou seja, havia vinculação do representante às instruções dos representados, que poderiam revogar o mandato caso houvesse desobediência ou infidelidade. Na França, por exemplo, essas instruções se chamavam cahiers de dolèance (cadernos de queixas). 
Cahier de dolèance
Mandato livre. A partir da Revolução Francesa e dos escritos de Burke� na Inglaterra, o titular de mandato passa a ser visto como representante de todo o povo, e não apenas dos seus próprios eleitores. Surge, assim, o mandato livre, pelo qual o representante não se vincula às instruções de seus eleitores. Segundo Burke: 
“O Parlamento não é um congresso de embaixadores que defendem interesses distintos e hostis, interesses que cada um de seus membros deve sustentar, como agente e advogado, contra outros agentes e advogados, mas uma assembléia deliberativa de uma nação, com um interesse: o da totalidade, onde o que deve valer não são os interesses e preconceitos locais, mas o bem geral que resulta da razão geral do todo. Elegei um deputado, mas quando o haveis escolhido, ele não é o deputado por Bristol, e sim um membro do parlamento.” (“Discurso aos eleitores de Bristol”, 1774).
Caricatura de Edmund Burke
Características do Mandato Político. Atualmente, prevalece a idéia de que o mandato político é:
livre (não vinculado)
geral (para qualquer assunto de competência do representante) 
autônomo (os atos do representante não dependem de confirmação) 
irresponsável (o representante não deve explicações por suas decisões)
irrevogável (com exceção do recall, que não existe no Brasil). 
Democracia semidireta. A democracia semidireta, também chamada de participativa, é um meio-termo entre a democracia direta e a representativa. Nesse tipo de democracia o povo participa da tomada de decisões políticas, propondo, aprovando ou autorizando a elaboração de uma lei ou a tomada de uma decisão relevante pelo Estado. É importante notar que a atuação do povo não é exclusiva, como ocorre na democracia direta, pois ele age em colaboração com os representantes eleitos. 
A democracia semidireta é utilizada atualmente em combinação com a democracia representativa, sendo que esta ainda prevalece. Muito usada em países como EUA e Itália, é rara no Brasil, que só a utilizou em 1963, 1993 e 2005 e em quatro leis de iniciativa popular. Sobre o assunto, assim se manifestou recentemente o ministro do STF Celso de Mello:
"Consultas populares deveriam se tornar mais frequentes na prática institucional brasileira, pois o exercício da cidadania representa um dos fundamentos expressivos do Estado Democrático de Direito".�
Instrumentos da democracia semidireta. São instrumentos da democracia semidireta: 
plebiscito
referendo
iniciativa popular
veto popular
recall 
Plebiscito. Plebiscito (do latim plebiscitum: decreto da plebe�) é uma consulta ao povo pelo qual este aprova ou não a futura elaboração ou modificação de uma lei ou decisão governamental. Se houver aprovação, cabe ao poder competente a elaboração da medida. É importante notar que o plebiscito é anterior à lei ou à decisão governamental, que só serão elaboradas se houver aprovação popular. Exemplo: o plebiscito ocorrido no Brasil em 1993 sobre forma e sistema de governo. Caso fosse aprovada pelo povo a implantação da monarquia e/ou do parlamentarismo, a regulamentação caberia aos deputados e senadores, por meio de emenda à Constituição. 
“Na Roma antiga e até mesmo em Genebra e Basileia, e também em municípios menores, são as pessoas que fazem o plebiscito, ou seja, as leis” (Voltaire) 
Cédula do plebiscito de 1993
Também é por meio de plebiscito que se decide a criação denovos municípios e estados da Federação, como ocorreu no Pará, em 2011, quando o povo, consultado sobre a divisão do estado, rejeitou a medida.
 
Resultado do plebiscito de 2011, que rejeitou a divisão do Pará
Referendo. Referendo (do latim referendum: aprovação) é uma consulta feita ao povo sobre uma lei ou decisão governamental já elaborada pelo poder competente, mas ainda não vigente. Se houver aprovação, a medida entra em vigor. Note-se que o referendo é posterior à elaboração da medida pelos representantes. Exemplo: o referendo de 2005 sobre o desarmamento. Neste caso, a proibição da fabricação e da venda de armas já constava da lei, porém a sua vigência dependia da aprovação popular, o que não ocorreu. 
Propaganda a favor da proibição da fabricação e venda de armas para o referendo de 2005
Propaganda contra a proibição da fabricação e venda de armas
Iniciativa popular. Na democracia representativa, o processo de elaboração ou modificação de uma lei é iniciado por um projeto apresentado por um representante eleito (membro do Poder Legislativo ou chefe do Poder Executivo, conforme o caso). A iniciativa popular é um instrumento de democracia semidireta que permite ao povo dar início ao processo legislativo. Exige-se que um número relevante de eleitores� assine o projeto. A partir daí, o processo legislativo segue seu trâmite normal, com discussão e deliberação pelo Poder Legislativo e veto sou sanção pelo Poder Executivo. Um exemplo de lei aprovada por meio de iniciativa popular foi a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 2010). 
O plebiscito, o referendo e a iniciativa popular são previstos na atual Constituição brasileira e regulamentados pela Lei Federal nº 9.709/98. Os demais instrumentos da democracia semidireta não estão previstos na nossa Constituição, havendo necessidade de uma reforma constitucional para implantá-los. 
Eleitores fazem campanha pela aprovação da Lei da Ficha Limpa
Veto Popular. É um instrumento da democracia semidireta por meio do qual o povo pode vetar uma lei já aprovada ou revogar uma decisão judicial. Não existe no Brasil, sendo utilizado em alguns estados norte-americanos. 
Recall. O recall é a revogação do mandato político pelo povo. Funciona como uma eleição negativa ou “deseleição”. Colhendo-se um número de assinaturas determinado pela Constituição ou pela lei, convoca-se um recall, através do qual o eleitorado decide se um mandatário deve ou não ter o seu mandato cassado. Embora o recall não exista atualmente no Brasil, segundo Celso de Mello foi “previsto expressamente nas constituições estaduais de São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás, de 1891, e na de Santa Catarina, de 1892” �. 
O recall é utilizado nos EUA, como, por exemplo, na Califórnia, em 2003, quando o povo revogou o mandato do então governador Gray Davis, considerado inepto, e elegeu Arnold Schwarzenegger. Há proposta para implantá-lo no Brasil, com o sugestivo nome de “Lei da Justa Causa”.
Arnold Schwarzenegger
Deturpação da democracia semidireta. Embora sejam meios de aumentar a participação do povo em decisões políticas importantes, os instrumentos da democracia semidireta podem ser utilizados para legitimar medidas antidemocráticas, o que se faz mediante a manipulação da opinião pública com propaganda maciça e intimidação da oposição, da imprensa e dos eleitores. É a clássica utilização de instrumentos da democracia para destruir a democracia. Exemplos: cesarismo, bonapartismo, nazismo e chavismo ou bolivarianismo. 
Por isso é importante sempre lembrar esta lição: 
"É o eterno destino do indolente ver seus direitos se tornarem uma presa para o esperto. A condição sob a qual Deus deu a liberdade ao homem é a eterna vigilância" (Mr. T.P. Curran, 1790). 
Chávez retratado como César
Para pensar:
 
Você acha que seria interessante implantar o veto popular e o recall no Brasil?
Atualmente, com ampliação do acesso à internet, seria interessante a utilização pelos governos desse instrumento para a consulta popular, ampliando, assim, a participação do povo nas decisões políticas?
Que lei você proporia em seu município através da iniciativa popular? 
Bibliografia
Leitura essencial: 
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 79 a 83.
Leituras complementares: 
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política, vol. 2, capítulos sobre Burke e Stuart Mill.
� Cantão é como são chamados os estados federados na Suíça. 
� Edmund Burke (1729-1797), importante político inglês da linha liberal conservadora, escreveu vários discursos e artigos que exerceram grande influência na Ciência Política. 
� � HYPERLINK "http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2013/06/1302726-ministro-celso-de-mello-do-supremo-tribunal-federal-apoia-a-ideia-de-plebiscito.shtml" �http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2013/06/1302726-ministro-celso-de-mello-do-supremo-tribunal-federal-apoia-a-ideia-de-plebiscito.shtml� 
� Segundo � HYPERLINK "http://www.veja.com/sobrepalavras" �www.veja.com/sobrepalavras�, “Plebiscito é uma palavra que nasceu na antiga Roma pela união de plebs (“povo”) e scitum (“decreto”). Referia-se a uma decisão tomada pela maioria das pessoas presentes a um comício popular, manifestando-se contra ou a favor da consulta feita por um tribuno. Data do século XVIII o início do seu uso moderno. Voltaire, em carta de 1776, chama de plébiscite o modelo de democracia direta então vigente na Suíça. 
� 1% do eleitorado para leis federais e estaduais. Para leis municipais, o percentual sobe para 5%. 
� � HYPERLINK "http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2013/06/1302726-ministro-celso-de-mello-do-supremo-tribunal-federal-apoia-a-ideia-de-plebiscito.shtml" �http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2013/06/1302726-ministro-celso-de-mello-do-supremo-tribunal-federal-apoia-a-ideia-de-plebiscito.shtml�

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