Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Questões Geopolíticas Centrais Departamento de Prospectiva e Planeamento A IMPORTÂNCIA DO ISLAMISMO POLÍTICO NO MÉDIO ORIENTE Hassan al-Banna “Precisamos de três gerações para os nossos planos – uma para ouvir, uma para lutar e a outra para ganhar” Catarina Mendes Leal1 INTRODUÇÃO Criada em 1928 pelo egípcio Hassan al-Banna, a Irmandade Muçulmana contou, desde o início, com uma grande adesão e rapidamente se expandiu para outros países. Actualmente, a Irmandade é uma das forças políticas e religiosas mais influentes no mundo islâmico, sobretudo no mundo árabe. A Irmandade Muçulmana tem como grande objectivo a criação do Califado Islâmico, segundo o Alcorão e sob a égide da Sharia. O presente trabalho propõe-se analisar o papel da Irmandade Muçulmana no Médio Oriente e compreender o seu papel na propagação e implementação do Islão Político no século XXI. Este artigo está dividido em três partes. Começa-se por fazer uma breve descrição da Irmandade Muçulmana, analisando a sua criação e os seus objectivos. Apontam-se ainda as suas personagens e ideólogos chave na criação e evolução desta Organização. Seguidamente, analisam-se os principais “braços” da Irmandade no Médio Oriente, onde nalguns países ela tem uma representação legal no Parlamento. Na terceira, e última parte, são abordadas as relações conturbadas entre a Irmandade Muçulmana e a Arábia Saudita. 1 catarina@dpp.pt Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 218 1. OS PILARES DA IRMANDADE MUÇULMANA 1.1. Breve Enquadramento A “Irmandade Muçulmana” (jamiat al-Ikhwan al-muslimun) significa literalmente Sociedade de Irmãos Muçulmanos. Trata-se da designação dum movimento islâmico do qual surgiram várias organizações religiosas e políticas no Médio Oriente. Apesar de existirem vários “braços” da Irmandade noutros países, estes braços são estruturalmente separados; todavia, estão ligados pela ideologia comum do Islão Sunita, bem como pela ideia de serem uma organização além-fronteiras. A primeira Irmandade foi fundada em 1928 por Hassan al-Banna no Egipto, sendo o Egipto ainda hoje considerado como a sede do Movimento. A Irmandade Muçulmana opõe-se às tendências seculares das nações islâmicas (por exemplo, na Turquia) e pretende "regressar" aos ensinamentos do Alcorão, rejeitando as influências ocidentais. Rejeita, igualmente, as influências Sufi. O lema da organização é o seguinte: “Alá é o nosso objectivo. O Profeta o nosso líder. O Alcorão a nossa lei. Jihad é o nosso caminho. Morrer pelo caminho de Alá é a nossa maior esperança”. Com efeito, a “Irmandade Muçulmana” defende a criação dum Governo Islâmico, seguindo os princípios consignados no Alcorão “O Alcorão é a nossa Constituição”. A interpretação do Islão é bastante conservadora em relação aos assuntos sociais, como por exemplo em relação ao papel da mulher. Acreditam que o Islão impõe ao homem a luta pela justiça social, a erradicação da pobreza e da corrupção e a liberdade política, tal como estão definidas no Estado Islâmico. É fortemente hostil ao colonialismo e teve um importante papel na luta contra o domínio Ocidental no Egipto e noutros países muçulmanos no início do século XX. Esta Organização encontra-se implantada com mais força no Levante Árabe2, do que no Magrebe ou no Norte de África. Em vários países do mundo Árabe a Irmandade é uma das principais forças de oposição aos Governos, como acontece no Egipto, na Síria e na Jordânia e é politicamente activa em praticamente quase todos os países muçulmanos. Existem também braços da diáspora em países do Ocidente, através de imigrantes que tinham previamente sido activos nos seus países de origem. Dispondo de uma influência bastante grande em muitos países muçulmanos, frequentemente dirige importantes redes islâmicas de caridade, granjeando o apoio da base muçulmana pobre. Consequentemente, o Movimento foi banido em várias nações árabes, e a ausência de sistemas democráticos impede-os de conquistarem mais poder através das eleições. 2 O Levante Árabe é constituído por Israel, pela Jordânia, pelo Líbano, pela Palestina e pela Síria. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 219 Ao contrário do que se crê no Ocidente, a Irmandade persegue os seus valores pacificamente, e defende a participação em sistemas democráticos, bem como a reforma democrática das ditaduras. Todavia, aceita excepções no caso de ocupação militar, e o seu braço na Palestina – o Hamas – colocou em prática uma luta violenta contra Israel. Inicialmente, a Irmandade foi construída segundo o modelo duma Confraria Religiosa3, implicando o dever de obediência ao Guia (murshid) e ao Conselho (Comité Central), criando e dominando organizações sociais – sindicatos, movimentos de mulheres e de estudantes, entre outros. O seu fundador colocou o acento na acção política e social e o estrito respeito pela Lei Islâmica, marcando uma ruptura com os meios fundamentalistas tradicionais. Com efeito, H. al-Banna insistiu na necessidade de assegurar a justiça social, cuja responsabilidade cabia ao Estado através da aplicação do imposto islâmico (zakat) e da sua redistribuição. Tomando como ponto de partida os conceitos base do Alcorão, H. al-Banna propôs a reorganização da sociedade a partir de um Estado Islâmico. Relativamente aos castigos ordenados pelo Alcorão (os hudud), o fundador defendeu que estes não podiam ser aplicados numa sociedade verdadeiramente islâmica onde regenera a justiça. No plano internacional, H. al-Banna críticou o nacionalismo e sonhou com a reconstrução da Umma4. Em termos de estrutura, a Irmandade apresenta uma estrutura de movimento político- religioso no mundo muçulmano. O seu modo de funcionar é o resultado da tradição oriunda das ordens místicas Sufis (apesar deles a recusarem) e dum partido político moderno. Na liderança do movimento existe o Guia Supremo (Murshid), escolhido por um Conselho Consultivo Geral (majlis al shura), espécie dum Comité Central do movimento. Uma vez o Guia eleito (o qual é praticamente inamovível), é ajudado por um Gabinete de Orientação (maktab ai irshad al ’amm) e de nove Comités Especializados (cultura, propaganda, finanças, ...). Os membros podem aderir a seguir a uma formação que engloba vários graus. Devem obediência e fidelidade ao Guia e comprometem-se a viver como verdadeiros muçulmanos na sua vida privada e social. Os membros do movimento aplicam os princípios como se já vivessem numa verdadeira sociedade islâmica. Trata-se duma espécie de Confraria religiosa, com a preocupação do perfeccionismo moral dos seus membros, dum partido político e dum movimento social. 3 A origem das Confrarias remonta aos primeiros místicos muçulmanos, os Sufis. Pretendiam ter o conhecimento da Lei e atingir um grau de vivência ascética que lhes permitia uma maior aproximação ao Transcendente. Nos séculos X e XI reuniam-se em conventos (ribat), tendo começado a partir do século XII a transformação em movimentos de discípulos com um guia cuja função era iniciar os novos membros. Com o decorrer dos séculos foram surgindo numerosas Confrarias muçulmanas, que se estenderam ao conjunto do mundo muçulmano. As quatro maiores são as seguintes: Qâdiriyya (século XII), Mawâwiyya (século XII), Shâdhiliyya (século XIII) e a Tijâniyya (século XVIII). A Confraria tem por objectivo transmitir e difundir a herança espiritual do fundador. 4 Comunidade dos crentes; "a nação islâmica”.Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 220 Figura 1.1 ESTRUTURA DA IRMANDADE MUÇULMANA Gabinete de Orientação (maktab ai irshad al 'amm) Cultura Propaganda Finanças ... Comítés Especializados Guia (Murshid) Conselho Consultivo Geral (majlis al shura) Fonte: Baseado em Olivier Roy, 2001, p. 41. A Sociedade de Irmãos Muçulmanos preconiza a substituição da Umma à nação, tratando-se dum movimento internacionalizado. Com efeito, foram criadas noutros países secções nacionais, as quais teoricamente reconhecem o Guia escolhido no Egipto. Cada uma é liderada por um Supervisor (muraqib): em 1944, sob a direcção de Mustafa al Siba’y, foi criada a Irmandade Muçulmana na Síria; em 1946 foi criada a secção na Jordânia; em 1954 foi constituída a secção do Sudão, a qual em 1964, criou a Frente da Carta Islâmica, cujo Secretário Geral é Hassan Tourabi. Em 1985 organizou a Frente Islâmica Nacional, a qual se autonomizou do Cairo. A partir de 1989, H. Tourabi procurou fundar uma nova Internacional Islâmica; na Palestina, o Partido da Libertação Islâmica, fundado em 1953, pela Irmandade Muçulmana, deixou logo a organização e acentuou gradualmente a sua vertente política. A Confraria restabeleceu-se na Palestina de forma mais organizada com a fundação do Hamas, em 1987, sob a direcção do Xeque Ahmed Yasin; no Magrebe, a Irmandade tem uma influência tardia. Em Marrocos, existem simpatizantes da Irmandade entre os líderes do Istqlal5. Na Tunísia ela influenciou 5 O Istqlal é um partido político marroquino. Fundado em 1944, é um partido nacionalista e bastante activo em relação às questões pan-árabes. Inicialmente era o umbrella do grupo que lutava pela A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 221 Rachid Ghanouchi e Abdel Fattah Mourou, que fundaram a Associação para a Defesa do Alcorão em 1971, seguidamente o Movimento de Tendência Islâmica em 1981, rebaptizado de Al Nahda em 1988. Todavia, a Tunísia não têm nenhuma ligação orgânica com a Irmandade Muçulmana Egípcia. Na Argélia a Irmandade não tem nada a ver com a FIS, apesar de alguns membros egípcios da Confraria terem desempenhado um importante papel na arabização e na islamização do sistema de ensino argelino (como por exemplo, Mohammad Ghazzali ou Qardhawi) nos anos 70 e 80, segundo as ordens da FLN então no poder. Em 1990, foi criado o Movimento da Sociedade para a Paz, por Mahfud Nahnah, argenlino membro da Irmandade Muçulmana Egípcia. Este partido está actualmente no poder em Governo de Coligação; no resto do panorama islâmico a influência da Irmandade é feita através de contactos pessoais e pela literatura. B. Rabbani, o Presidente do Partido do Afeganistão Jamiat-i Islami, foi Chefe de Estado entre 1992-1996. B. Rabbani estudou na Universidade Al Azhar no Cairo e é seguidor das ideias da Irmandade Muçulmana. Na Ásia Central, Qazi Akbar Touradjanzade, jovem oficial mollah soviético tornou-se num dos dirigentes da oposição islâmica em 1992, adoptando as visões da Irmandade Muçulmana, aquando dos seus estudos na Universidade de Teologia de Omã, nos anos 80. No Iémen, o movimento Islah é próximo da Irmandade, sem, no entanto, estar organicamente ligado a ele. A Irmandade Muçulmana tem entre os seus membros intelectuais de alto nível, bem como profissionais, homens de negócios e técnicos. “Ils fournissent aujourd’hui les réseaux d’influence qui manquent aux milieux wahhabis saoudiens, riches en argent mais pauvres en hommes et en idées.”6 O corpo da doutrina elaborado por H. al-Banna não implica nem a violência, nem a revolução, apesar de propor uma acção reformista. Esta opção reformista será posta em prática nos raros países muçulmanos onde existe um sistema parlamentar que permite o jogo político, como na Turquia. No início da sua criação, a Irmandade foi apresentada como uma organização puramente religiosa e filantrópica, cujo objectivo era a expansão dos princípios morais islâmicos e a realização de boas obras. independência de Marrocos de França e de Espanha. Actualmente, é considerado como a ferramenta política da monarquia marroquina. O seu líder é Abbas El-Fassi. Nas eleições legislativas de 1993 ficou em terceiro lugar, nas de 1997 e de 2002 tem ficado sempre em segundo lugar. 6 Olivier Roy, Généalogie de L’Islamisme, (Paris: Hachette Littératures, 2001), p. 44. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 222 No nascimento da Irmandade houve uma certa reacção ao contexto que circundava o mundo árabe. Os poderes europeus tinham dividido e enfrentado os árabes. Não apenas em temas políticos, mas também em temas religiosos. Naquela época a estrutura social do Egipto estava dividida em dois blocos: por um lado, uma sociedade cada vez mais interessada pelos assuntos públicos e pela globalização do Islão; por outro, o Clero estabelecido. Um era formado pela pessoas da Universidade Al Ahzar e o outro era composto pelas “Sociedades Islâmicas”. As actividades da Irmandade apresentaram um carácter mais político a partir do ano 1938 e houve momentos em que houve ameaças de “lutar contra qualquer político ou organização que não trabalhe para apoiar o Islão e a restauração da sua glória”. Paralelamente, a Irmandade teve o cuidado de não enfrentar a Coroa, a qual parecia apoiar a Irmandade, dado que a considerava uma força capaz de fazer frente aos nacionalistas liberais do partido Wafd. No início dos anos 40, momento em que eclodiu um confronto entre os egípcios e os britânicos, a Irmandade também evitou um enfrentamento com os britânicos, pois ainda não tinha a sua capacidade orgânica e militar desenvolvida. Paralelamente, nessa altura já a Irmandade tinha iniciado a organização duma “estrutura secreta especial” no seio do movimento, tendo sido formadas unidades especiais. A Irmandade construiu as suas próprias fábricas, escolas e hospitais e conseguiu infiltrar-se em organizações como sindicatos e as forças armadas, de forma a que, nos finais dos anos 40, a Irmandade podia qualificar-se como um “Estado, dentro do Estado.”7 Tinha ocorrido uma transformação na organização e tiveram lugar ataques terroristas contra os interesses judeus e britânicos no Egipto, tendo provocado vítimas civis. O Governo teve de intervir e dissolver a Irmandade. Os confrontos entre ambos alcançaram o seu nível máximo em finais de 1948 e princípios de 1949 com o assassinato do Primeiro-Ministro Nuqrashi, por parte da Irmandade. A resposta do Governo foi o assassinato de Hassan al- Banna. Com a morte do Pai da Irmandade, a organização continuou a sua actividade; o Guia que se seguiu ao fundador foi Hassan al Hudaibi. A 23 de Julho de 1952, estabeleceu-se o regime militar e em 1954 a actividade da Irmandade foi dissolvida pelas autoridades. Todavia, os seus dirigentes continuaram o seu trabalho, apesar de grande parte dos seus membros se encontrarem em prisão, ou expatriados (após a sua liberdade da prisão). 7 Cf. Leopoldo G. Garcia, “El Islam Moderno. Las Fuentes II”, in Revista Ejército, N.º Extraordinário, 771, (Ministerio de Defensa de España, Junho 2005), p. 56. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 223 Nos anos seguintes, M. Anwar al-Sadat e Hosni Mubarak usaram a Irmandade como um contra-pesoà extrema esquerda. Em 1982, o Presidente Sírio Hafez el-Assad eliminou o braço armado dos Irmãos Muçulmanos – l’al Talia al-Mukatila (Avant-garde Combattente) – tendo os seus membros se dispersado pela Arábia Saúdita, Jordânia, Kuweit e Afeganistão. Concomitantemente, a Irmandade Muçulmana dotou-se dum braço armado clandestino no Egipto no início dos anos 80. Este movimento clandestino foi tolerado pelo poder egípcio mas interdito na Síria. Em 1982, os órgãos de imprensa deste movimento foram destruídos e praticamente a totalidade das suas publicações foram apreendidas. Na década de 90, a Confraria apresentou-se no Egipto como um movimento democrático e defensor da democracia. Três Manifestos foram publicados, nomeadamente: Democracia Indispensável (defesa da democracia) Nossos Irmãos e Compatriotas Coptas (direitos das minorias) O Estatuto da Mulher Estes Manifestos foram redigidos, sobretudo, por jovens membros e foram adoptados pela Confraria, apesar de não haver grande entusiasmo no seio dos membros mais velhos. Para os membros mais jovens, a direcção da Irmandade era demasiado conservadora e daí que, em 1996, dezassete dos seus membros criaram oficialmente um partido político novo designado Hizb Al Wasat, um partido de centro, defensor de tendências moderadas, com membros coptas, sob a liderança de Abul-Ela Madi. Actualmente, este partido ainda não foi legalizado pelas autoridades egípcias. Hoje em dia, a Irmandade Muçulmana conseguiu ter em alguns países representantes nos parlamentos, quer através de partidos políticos reconhecidos, quer como independentes, conforme se pode ver na figura 1.2. Figura 1.2 IRMANDADE MUÇULMANA: REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR Independentes Irmandade Muçulmana 88 Lugares Egipto Eleições Legislativas 2005 Assembleia do Povo 454 Lugares Al Menbar Islamic Bloc 8 Lugares (Maior Grupo da Oposição) Barém Eleições Legislativas 2002 Câmara dos Deputados 40 Lugares MSP 8 Lugares (Coligação Governamental) Argélia Eleições Legislativas 2002 Assembleia Nacional do Povo 380 Lugares HAMAS 74 Lugares (Governo) Palestina Eleições Legislativas 2006 Conselho Legislativo da Palestina 132 Lugares Islamic Action Front 20 Lugares Jordânia Eleições Legislativas 2003 Câmara dos Deputados 110 Lugares Iraqi Accord Front Coligação 44 Lugares Curdistão Iraquiano KIU 5 Lugares Iraque Eleições Legislativas 2005 Conselho dos Representantes 275 Lugares Irmandade Muçulmana Representação Parlamentar Fonte: Elaborado pela própria autora. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 224 Noutros países a Irmandade está presente através de braços não legalizados (figura 1.3). Figura 1.3 BRAÇOS NÃO LEGALIZADOS DA IRMANDADE MUÇULMANA Egipto Irmandade Muçulmana Guia: Mohammed Mahdi Akef Center Party (Hizb Al-Wasat) Líder: Abu Ela Madi Egyptian Islamic Jihad Líder Ayman al-Zawahiri Al-Adl Wal lhsane Líder: Abdessalem Yassine Marrocos Síria Tunísia Irmandade Muçulmana Líder: Ali Bayanouni Parti de La Renaissance Líder: Rachi Gannouchi Jamaat al-Islamiyya (Islamic Group) Jihad Líder Sheikh Omar Abdel Rahman Associações Islâmicas Partidos Políticos Não Legalizados Islamistas Moderados Grupos Islâmicos Armados Salafitas/Influência Wahhabita/ Terroristas Legenda: Fonte: Elaborado pela própria autora. Presentemente, o movimento parece ter abandonado o projecto da construção dum Estado Teocrático, defendendo a aproximação ao modelo dos movimentos islamistas marroquinos (conhecidos pelo seu pragmatismo). A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 225 Não obstante, desde o início de 2006, a Irmandade Muçulmana tem vindo a demonstrar uma atitude mais activa, claramente visível quer na sua participação na questão dos cartoons, quer no controlo gradual do canal de televisão Al-Jazeera, quer em relação aos movimentos Jihadistas e, pela primeira vez, o seu Guia Supremo manifestou em público a ideia da construção do Califado Islâmico. Em Fevereiro de 2006, o L'European Strategic Intelligence & Security Centre (ESISC) acusou a Irmandade Muçulmana de ter mobilizado as redes do seu Movimento, espalhadas em todo o mundo, em torno da publicação das caricaturas de Maomé pelo jornal Jyllands-Posten. Segundo o ESISC, a Organização tem por objectivo “contribuir para o progresso do dossier da Lei contra a blasfémia (Lei esta legalizada em França pela Revolução Francesa em 1792) e radicalizar ainda mais os sectores “sensíveis” da imigração, em particular a juventude e os estudantes a fim de conseguir uma maior infiltração nas organizações muçulmanas tradicionais”8. Com efeito, segundo Claude Moniquet (Presidente do ESISC), a Irmandade Muçulmana conseguiu mobilizar alguns milhares de muçulmanos na participação dos manifestos contra a publicação das caricaturas de Maomé. Segundo o mesmo autor, a Irmandade Muçulmana tem uma agenda política que explica o interesse da Organização por um assunto como o das caricaturas. “Cet agenda en réalité est double: à la fois mondial et européen. Au plan mondial, les Frères soutiennent les mouvements djihadistes, quand ils ne les ont pas purement et simplement suscités. Dans ce bras de fer mondial, tout ce qui fortifie le camp islamiste et lui permet de rassembler plus largement autour de lui est bon à prendre pour les Frères. Dans ce contexte, l’affaire des caricatures tombaient à pic puisqu’elle permettait de «prouver » que, loin de se limiter à mener une guerre contre le terrorisme, le monde occidental et ses alliés locaux sont, en fait, en guerre contre l’Islam. Au plan européen, l’agenda des Frères est connu: pousser les feux du communautarisme de manière à isoler les communautés musulmanes des sociétés dans lesquelles elles vivent et permettre leur prise en main par les associations proches de la mouvance. Au passage, bien entendu, resurgit l’un des axes stratégiques dominants des Frères musulmans: l’imposition de 8 Cf. Claude Moniquet, European Strategic Intelligence & Strategy, 02/02/2006, [online] Disponível em http://www.esisc.org/Caricatures%20de%20Mahomet.pdf Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 226 certains pans de la Charia au monde non musulman, qui est, dans ce cas précis, particulièrement perceptible.”9 Concomitantemente, segundo um intelectual tunisino, Dr. Khaled Shawkat, director do Centro para a Promoção da Democracia no Mundo Árabe (sediada na Holanda), o canal de televisão Al-Jazeera encontra-se dominada pela Irmandade Muçulmana. "At [Al-Jazeera, employees are] no longer appointed based on qualifications, but [based on] agreed-upon selections, or [are selected by] one of the [Muslim Brotherhood] leaders. Based on what I was told by a friend inside the station, nearly 80% of the station's recent appointees – particularly in the production and the editing [departments] – are Muslim Brotherhood members or are close to movements [affiliated with] the Muslim Brotherhood. Appointments based on considerations of loyalty [to the Muslim Brotherhood] are even made in the management bodies of new professional departments which Al-Jazeera has decided to launch in the near future. The appointees have no professional expertise in the [relevant] fields [but are chosen for their affiliation with the Muslim Brotherhood]”10. Segundo Michel Elbaz11, desde o início de Agosto de 2006,o Guia Supremo da Irmandade Egípcia, Mohammed Akef, tem vindo a alterar a postura da Irmandade em relação à violência. Com efeito, M. Akef proferiu uma série de discursos no sentido da activação dos fundamentalistas Sunitas e dos movimentos Jihadistas em particular. A 01 de Agosto, numa Conferência no Cairo do Sindicato dos Professores enfatizou que a Irmandade Muçulmana “was and will remain fighters of Jihad until the reencounter with the Allah or will not reach their victory” e no “the weekly address”, publicado a 19 de Agosto declarou que “Islamic nation was under the threat not only in the zone of the Arab-Israeli conflict, but also in other regions of the world, in particular in Iraq and Afghanistan”. M. Akef salientou referiu ainda o apoio da Irmandade Muçulmana não apenas ao Hamas e à Jihad Islâmica, como também a todos os outros agrupamentos de Mojahedin no mundo muçulmano, que aspiram à criação do Califado Islâmico e ao estabelecimento da Sharia e a educação da geração jovem dentro das tradições da Jihad. 9 Claude Moniquet, Op. Cit., pp. 12-13. 10 Khaled Shawkat, “Al-Jazeera TV – A Mouthpiece of the Muslim Brotherhood”, in MEMRI Special Dispatch Series – No. 1262, 24/08/06, [On-line] Disponível em http://www.memri.org/bin/latestnews.cgi?ID=SD126206. 11 Cf. Michel Elbaz, “Lebanon War Continue in Central Asia”, in Axis Information and Analysis, 25/08/06, [on-line] Disponível em http://www.axisglobe.com/article.asp?article=1044. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 227 “These statements made by Akef contain two moments especially important: From the beginning of the 1970s the official leadership of the Muslim brotherhood had refused the idea of an immediate Jihad. This essentially distinguished the movement from more radical Jihadist groupings that had broken away from it. In turn, the central leadership of the Muslim brotherhood supported integration into the legal political life of Egypt and other Muslim countries. The paramount attention was paid to the propaganda called to prepare Moslems to the stage-by- stage Islamization of the state system. At the same time, theoretically it was admitted that «the Islamic nation» should be ready to conducting Jihad, especially in the case of foreign aggression. In this connection, the struggle of HAMAS against Israel or that of Iraqis against the western coalition in 2003 was considered absolutely legitimate. However, the central leadership of the movement has never expressed its support to the global Jihad aimed at creation of the Islamic Caliphate. In his appeal on August 19 Akef had clearly expressed his support of Jihad not only on primordially Muslim lands exposed to «American- Zionist aggression» (Palestine, Iraq, Afghanistan), but actually worldwide where there are the groupings of Mojahedin aspiring to the creation of Islamic Caliphate. As is known, they are actively acting in the Balkans, in Russia, republics of Central Asia and in Northwest China (Xinjiang province), in India, South Thailand and the Philippines, and also in the countries of East Africa. Akef’ s remarks are speaking for the new activist line in the activity of the Muslim brotherhood. His statements also are a declaration of intentions of the movement to raise its role in the fronts of the world Jihad. As the Muslim brotherhood remains the largest Islamic organization operating in a greater part of the globe, activization of their assistance to the Jihadist movement would inevitably be reflected in the situation at least in several regions of the world”12. Em suma, com a morte de H. al-Banna, em 1948 e com o confronto com o novo regime revolucionário egípcio, nos anos 50, a Irmandade alterou as suas preocupações destacando- se a importância da vertente política. Apesar de ser visível a preocupação da componente política da organização através da aparente aceitação da via de democrática como meio de 12 Michel Elbaz, Op.Cit. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 228 assegurar uma presença nos governos de alguns países; também é visível o reforço duma linha mais activista na actividade da Organização, através do apoio manifestado aos grupos Jihadistas. Caixa 1.1 – A IRMANDADE MUÇULMANA E O NAZISMO Segundo um artigo publicado na Internet “The Muslim Brotherwood, Nazis and Al-Qaeda” da autoria de John Loftus13, a Irmandade Muçulmana “was a facist organization that was hired by Western intelligence that evolved over time into what we today know as al-Qaeda”14. Segundo este autor, H. al-Banna era um admirador de A. Hitler tendo-se correspondido bastante com o líder alemão. Nos anos 30, H. al-Banna e a Irmandade Muçulmana tornaram-se numa arma secreta do Nazi Intelligence. Com efeito, a política oficial do Terceiro Reich era desenvolvimento secreto da Irmandade Muçulmana criando um grande grupo dentro do Egipto. Durante a II Guerra Mundial a Irmandade começou a expandir-se e a ganhar uma ampla influência. A Organização tinha, inclusive, uma secção Palestiniana chefiada pelo Grande Mufti de Jerusalém, Mohammad Amin al-Husayni15, um homem bastante intolerante do seu tempo. O Grande Mufti de Jerusalém era simultaneamente o representante da Irmandade Muçulmana para a Palestina. Durante a II Guerra Mundial, o Grande Mufti deslocou-se à Alemanha e ajudou a recrutar uma divisão SS Internacional de Árabes Nazis. Esta divisão estava baseada na Croácia e designava-se Divisão Muçulmana Handjar. O seu objectivo era tornar-se no core do novo exército de Árabes fascistas de Hitler, os quais iriam conquistar a Península Árabe até África. No final da II Guerra, a Irmandade foi acusada de crimes de guerra. Os Intelligence handlers alemães foram capturados no Cairo. Toda a rede foi cercada pelos Serviços Secretos Britânicos. Todavia, segundo John Loftus o paradoxal é que o Governo Inglês contratou os Árabes Nazis da Irmandade Muçulmana com a finalidade de acabar com o futuro Estado de Israel. Paralelamente, o Intelligence Service francês também cooperou, libertando o Grande Mufti e enviando-o para o Egipto, reunindo todos os Árabes Nazis. Assim, entre 1945-48 os Serviços Secretos Britânicos protegeram os Árabes Nazis, mas falharam em anular a criação do Estado de Israel. Seguidamente, os ingleses “venderam” os Árabes Nazis ao predecessor da futura CIA. O objectivo era usar estes Árabes Nazis no Médio Oriente como o contra-peso aos comunistas árabes. Todavia, Nasser acabou por banir a organização e aprisionar muitos dos seus membros. Durante a década de 50, a CIA evacuou muitos dos Árabes Nazis da Irmandade para a Arábia Saudita, tendo alguns deles tornado-se professores em Madrasas (escolas religiosas), assistindo-se à combinação de doutrinas nazis com o wahhabismo. Numa destas escolas foi aluno Osama Bin Laden. Em 1979, a CIA decidiu enviar os Árabes Nazis para o Afeganistão sob a designação de Maktab al Khidimat il Mujahideen (MAK). Durante a sua presença no Afeganistão, Osama Bin Laden foi aumentando a sua proeminência entre 1979-1989, declarando que tinham ganho a guerra contra os soviéticos. Este grupo de Árabes Nazis acabou por se tornar na al-Qaeda. 13 John Loftus é Deputy Attorney General dos EUA. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 229 1.2. Personagens-Chave Desde a criação da Irmandade Muçulmana destacam-se ideólogos,cujos pontos de vista tiveram importância e influência fundamentais no século passado e que continuam com bastantes seguidores no século que começa. Hassan al-Banna nasceu numa pequena cidade do Delta – Mahmudiyya (Egipto) – no seio duma família de clérigos e de artesãos, em 1906. Filho primogénito do Xeque Ahmad Abd al- Rahman al-Banna, escritor e líder duma Mesquita local. H. al-Banna foi criado dentro dos princípios do Islão e com 12 anos fundou uma organização designada Sociedade para o Comportamento Moral, tendo seguidamente criado outra chamada Sociedade para Impedir o Perdão. H. al-Banna terminou a sua formação para professor no Cairo, numa Escola literária e religiosa moderna (Da al’Ulum – Casa das Ciências), fundada por Mohamed Abduh16, em 14 John Loftus, “The Muslim Brotherwood, Nazis and Al-Qaeda”, Jewish Community News, 21 de Julho de 2005, [On-line] Disponível em http://www.red-ice.net/specialreports/2005/07jul/nazisalqaeda.html. 15 O Grande Mufti de Jerusalém desempenhou um grande papel na elaboração dos primeiros movimentos terroristas árabes que atacaram os sionistas na então Palestina e no recrutamento de muçulmanos para combater ao lado do exército alemão durante a Segunda Guerra Mundial. Mohammad Amin al- Husayni tornou-se próximo dos círculos da liderança nazista, fazendo discursos anti-semitas nas rádios árabes e desencadeando operações de recrutamento para eles perto do final da Segunda Guerra Mundial. 16 Mohamed Abduh foi um reformador religioso egípcio, o qual em 1899 se tornou no Grande Mufti do Egipto. Juntamente com Jamal al-Din al-Aghnai fundou o movimento Salafista. Mohamed Abduh teve dois alunos, os quais tiveram um papel importante na continuição do movimento Salafista, após a sua morte em 1905. Um foi o Sheik Ahmad Abd al-Rahman al-Banna (pai de H. al-Banna) e o outro foi Rashid Ridâ (um maçónico). O moderno Salafismo é uma corrente de pensamento que emergiu durante a segunda metade do século XIX, a partir do questionar, no quadro do Islão, do desequilíbrio de poder patente entre o mundo muçulmano e a Europa. O salafismo pretendia proceder a uma reforma profunda do mundo muçulmano para pôr fim à sua estagnação cultural e ao seu declínio, vistos como a raiz do atraso do mundo islâmico face à civilização europeia. Três pensadores desempenharam um papel crucial neste movimento intelectual – Jamâluddin Afghani (1838-1898), Mohammed Abduh (1849-1905) e Rashid Ridâ (1865-1935). Sendo o Islão uma ortopraxis (ou seja, o comportamento tem precedência face às convicções) mais do que uma ortodoxia, o modo de reconquistar a flexibilidade inicial do Islão passaria por revitalizar a lei e a educação mais do que a teologia. A designação de salafismo deriva de al salaf expressão que se refere aos companheiros do Profeta Maomé, considerados os seus seguidores mais fiéis. A reforma que os salafitas defendem não passava pela adopção da modernidade mas sim por um regresso à tradição do Profeta como caminho necessário para pensar essa mesma modernidade. Assim o Salafismo convida os crentes a regressar às formas do Islão mais puras e não adulteradas, ou seja aquelas que foram praticadas por Maomé e pelos seus companheiros, rejeitando práticas, como os rituais sufis, crenças, como a veneração de santos ou comportamentos, como as que se baseiam no direito consuetudinário que não encontram sustentação no Alcorão ou para as quais não existiram precedentes nos actos e palavras de Maomé. Mas os pensadores salafitas também recusaram a ideia que os muçulmanos aceitassem cegamente as interpretações dos textos religiosos desenvolvidos ao Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 230 1872. Durante a sua adolescência tornou-se membro de uma ordem Sufi – a Ordem dos Irmãos Hasafiyya. Assim, durante a sua juventude, H. al-Banna foi influenciado pelo movimento islâmico, pela ocupação britânica, pelo seu pai, pelo seu mentor Mohammend Rashid Ridâ e pela Maçonaria (da qual também se pensa que foi membro). Em 1928, na cidade de Ismailiya, na zona do Canal (a qual estava sob jugo britânico), fundou a Irmandade Muçulmana (Al Ijwan al Muslimun), organização mãe e principal fonte de inspiração para muitas outras organizações fundamentalistas noutros países (Síria, Jordânia, Sudão, ...). Orador, pregador e escritor eloquente, H. al-Banna percorreu o país apresentando a pessoas de todas as classes sociais as suas ideias. Em 1933, instalou-se no Cairo e três anos mais tarde deixou a sua profissão de professor para se dedicar totalmente à Irmandade. A partir de Março de 1936 a Irmandade Muçulmana lançou o primeiro número do seu periódico. H. al-Banna expressou a sua ideologia numa série de pequenos panfletos (al Aqaid, “Entre Ontem e Hoje”, “A caminho da Luz”). Para H. al-Banna e para o seu sucessor Hassan al-Hudaibi, a base legal e constitucional existente no Egipto podia, no caso de ser reformada, satisfazer os requisitos políticos do Islão de um “Estado muçulmano”. A mensagem do fundador da Irmandade era “Islâmico” e para ele esta palavra tinha um significado total. longo dos séculos pelos teólogos, indo até à rejeição das quatro escolas jurídicas – as mazhab. Defendendo, pelo contrário, o direito dos crentes individualmente interpretarem os textos fundadores (Alcorão o e Sunna) através da prática da razão independente, o que se designa em árabe por ijtihâd, e que representa uma ruptura considerável com dez séculos de história do Islão. A defesa desta abordagem visava destruir o monopólio que os religiosos – os Ulamas – exerciam sobre o património religioso. Se em termos religiosos o Salafismo representa uma ruptura, já em termos políticos o pensamento dos fundadores parece mais tradicionalista: o Estado, enquanto instância política é desvalorizado, tendo como missão principal fazer cumprir a lei islâmica – a Sharia. E a preocupação com a reconstituição da Umma muçulmana, acaba por se centrar na questão da reabilitação do Califado. Com efeito, no início do séc. XX o Califado Otomano, já moribundo conhece um aumento de popularidade, sobretudo entre os muçulmanos não árabes (com destaque para os da Índia). Para Olivier Roy o corte entre o mundo árabe e não árabe no seio do movimento salafita é evidente com a questão do Califado. Enquanto os árabes sonham com a reconstituição de um Império árabe e lutam contra o Império Otomano, este é visto pela maioria dos outros muçulmanos como a melhor contra o Imperialismo Europeu e como o ponto de partida para a reconstituição da Umma. (Cf. J. M. Félix Ribeiro, Op. cit., p. 223). A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 231 Segundo H. al-Banna, o ponto de partida encontrava-se na esfera moral e a metodologia islâmica (minhaj), se aplicada adequadamente, poderia apresentar soluções a todas as preocupações sociais, como as relativas à família, nacionalismo, socialismo, capitalismo, bolchevismo, repartição da riqueza e tudo o que se relaciona com os temas políticos e sociais. No plano internacional, H. al-Banna criticou o nacionalismo e sonhava com a reconstrução da Umma. Após a II Guerra Mundial, H. al-Banna tornou-se num dos mais poderosos líderes do Egipto e a Irmandade Muçulmana começou a ser considerada pela monarquia egípcia e pelo partido secular Wafd como a organização mais radical e mais perigosa do país. Em 1948, os membros da Irmandade foram implicados no assassinato dum chefe de polícia do Cairo e o Governo egípcio retaliou com a proposta de dissolver a organização. Vários locais da Irmandade foramencerrados e centenas dos seus membros foram presos. Semanas mais tarde, o Primeiro-Ministro Nuqrashi Pasha foi assassinado. Acusado de ter fomentado o assassinato do Primeiro-Ministro Egípcio, H. al-Banna foi assassinado pela polícia secreta egípcia, em 1949. Caixa 1.2 – A DOUTRINA DA IRMANDADE MUÇULMANA H. al-Banna, nos seus Aqâ’id distingue quatro grandes secções, nomeadamente: 1. a teodiceia propriamente dita (illahiyat) analisa os problemas relativos aos atributos, nomes e actos de Deus; 2. a Profetologia (nubuwat) deve dedicar-se ao estudo dos profetas, a sua inabilidade e a sua impecabilidade (isma), bem como a dos livros que se lhes revelou; 3. a secção reservada às “realidades espirituais” (ruhaniyat) deve definir as ciências relativas aos anjos, os génios e a alma (ruh); 4. a quarta secção, a dos “dados das Escrituras” (sami’iyat) deve abordar, no marco da revelação, o exame das crenças relativas à “vida intermédia” (barzakhî); ao castigo da sepultura; à ressurreição; ao último Juízo e à recompensa final. A partir destas quatro secções é possível ver-se a vontade de H. al-Banna em sobrepor-se às oposições tradicionais e ao convite a todos os muçulmanos, ultrapassando as suas divisões em relação ao dogma e das suas querelas de outros tempos, unindo-se face aos novos perigos. Apesar de H. al-Banna mostrar-se partidário da doutrina dos “antigos” (salaf), não condena a dos “modernos” (khalaf) e muitas vezes cita Ghazali, Fakr as Dîn arRazi. “Tampoco se le ve desarrollar las profesiones de fe tradicionales; los problemas relativos a los compañeros del Profeta; los cuatro primeros califas o las condiciones del imanato. Da la sensación de que estos olvidos fueron deliberados, como si quisiera llevar a todos los musulmanes, jariyitas, chiitas, mutazilitas o sunnitas, a que olvidaran lo que en el pasado les ha separado y ha sido la causa de sus discordias, para que unan todas sus energias en dedicarse a tareas más urgentes para el mundo musulmán. [...] Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 232 Al parecer, el objetivo final de los Hermanos Musulmanes no era la creación de un Estado islámico, sino de un orden islámico”17. No início da fundação da Irmandade as principais preocupações prendiam-se com a ocupação britânica e o movimento nacionalista que ela tinha dado origem. Era mais premente a reforma moral (islah al nufus) e uma aproximação a uma metodologia islâmica (minhaj islami). A Irmandade Muçulmana não se identifica como um partido político, apesar da sua organização e dos seus assuntos serem tratados como se fosse um partido. Os “Irmãos” não reclamavam para si um Governo, dispondo-se a apoiar qualquer governante que governasse segundo um “método do Alcorão”. Todavia, o primeiro passo era dispor de um tempo para difundir e conseguir implantar os princípios da Irmandade e dessa forma conseguir-se-ia colocar o interesse público à frente do privado. Com a morte do fundador da Irmandade Muçulmana vários líderes e ideólogos continuaram o seu trabalho. Um dos seus seguidores foi Sayyid Qutb (1906-1966) considerado como o principal ideólogo da Irmandade Muçulmana. S. Qutb tinha a mesma idade que H. al-Banna, é provável que também tenha sido maçónico; todavia, apenas se tornou membro da Irmandade após a morte do seu fundador. Com efeito, S. Qutb nasceu em 1906, numa povoação do Alto Egipto, perto de Asiyut, Muchta, uma localidade mista copto-muçulmana. Em 1918 foi para o Cairo e entre 1925-28 formou-se como professor, conseguindo ser admitido na Dar al- Ulum (a mesma que H. al- Banna frequentou). Licenciado em 1933, começou a leccionar. Durante vários anos esteve filiado no partido Wafd, com o qual rompeu, tendo passado pelo partido Saadista (favorável ao Rei) e depois pela fracção muçulmana dos comunistas egípcios (Hadeto), entre 1946-48. Em 1948 ganhou uma bolsa para frequentar Estudos especializados de Pedagogia Moderna e Psicologia, nos EUA. A sua estadia nos EUA até 1951 empurraram-no para o Islão activo, abraçando o fundamentalismo. A criação do Estado de Israel, a derrota do Egipto, a importância do lobby judeu nos Estados Unidos, os dramáticos acontecimentos no Egipto entre 1948 e 1949, o assassinato do Primeiro-Ministro Noqrachi e de H. al-Banna, a divisão da Índia e o êxodo dos muçulmanos para o Paquistão foram acontecimentos que marcaram S. Qutb. S. Qutb defendia uma dissociação radical entre o Islão e o conjunto das sociedades humanas da sua época, inclusive as que se reclamavam da sua religião. Segundo ele já não existia uma sociedade muçulmana; seria perda de tempo procurar marcas do Islão num mundo que o expulsara. O universo era unicamente jahiliyya (ignorância e barbárie/ a Idade da Ignorância). Assim, todo o muçulmano deveria romper com a jahiliyya, lutar para a destruir 17 Leopoldo G. Garcia, Op. Cit., pp. 57-58. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 233 e sobre os seus escombros elaborar o Estado Islâmico. Esta noção de ruptura (e as suas várias interpretações) está na base dos movimentos de Reislamização contemporâneos. Em finais de 1951 filiou-se na Irmandade Muçulmana, serviu de Embaixador da Organização na Síria e na Jordânia até se tornar no ano seguinte membro eleito do Gabinete de Orientação e colocado à frente da Secção de Propaganda e Doutrina. Não obstante, com a tentativa de assassinato de Nasser, foi preso juntamente com compatriotas, cruelmente torturado e sentenciado com 15 anos de campo de trabalho. Um ano mais tarde um representante de Nasser propôs-lhe a amnistia, mas em contrapartida S. Qutb teria de pedir perdão a Nasser. S. Qutb recusou, tendo continuado em prisão, estudando e escrevendo sobre o papel do Islão no mundo moderno. Paralelamente os seus discípulos decidiram mudar o nome da Irmandade pelo de Organização (Tanzim). S. Qutb desenvolveu uma teoria que segundo o Islão, os Estados Árabes modernos como o Egipto estão invadidos pela Jahiliyyah (Idade da Ignorância, isto é, o período da humanidade que antecede à revelação do Islão), referindo-se sobretudo à influência da cultura e dos sistemas políticos ocidentais. Com efeito, S. Qutb acreditava que os Estados árabes que não fossem governados pela Sharia estavam subordinados à Jahiliyyah, defendendo o recurso à violência para terminar com este tipo de sistema político, sobretudo o regime de Nasser, com a finalidade de erradicar a Jahiliyyah. Em 1964 S. Qutb foi libertado após a intervenção do Chefe de Estado iraquiano. Foi então que publicou a sua obra mais importante Milestones. Nasser reagiu e voltou a encarcerar S. Qutb. Paralelamente, a Irmandade organizou um novo golpe contra o regime de Nasser. S. Qutb foi condenado à morte executado em 1966. Ao longo da sua vida este ideólogo publicou 24 livros e 30 volumes do Alcorão comentado. Actualmente, o seu trabalho inspira vários muçulmanos fundamentalistas no Egipto e em todo o mundo, em que a sua vida é um exemplo islâmico de como prosseguir enfrentando a perseguição e a privações. Os seguidores de S. Qutb interpretaram o seu apelo de luta para a implementação dos princípios muçulmanos autênticos de maneiras bastante diferentes: alguns defendiam a construção de escolas e a participação em eleições nacionais; outros (uma minoria com grande capacidade de autopromoção) defendiam a prática de actos de violência e terrorismo. Na prática a segunda opção foi a que mais sucesso teve quando os Governos autoritários e não participativos tentaram esmagar a oposição. “De certa maneira, Qutb forneceu ummodelo sunita para uma forma de pensamento religioso-político que se tornou mais conhecido no Irão”18. 18 J. Jamal Elias, Islamismo, (Lisboa: Edições 70, 1999), p. 93. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 234 Outro dos representantes da primeira geração de militantes islamistas revolucionários foi Mustafa al-Sibai. Nasceu na Síria e foi educado na Universidade Islâmica Al-Azhar no Cairo. Foi durante a sua formação nesta Universidade que se tornou membro da Irmandade Muçulmana. Foi preso pela primeira vez pelos ingleses, tendo regressado aquando da sua libertação para a Síria, onde foi novamente preso devido às suas constantes actividades revolucionárias, desta vez pelos franceses. Em 1946, após ter cumprido a sua sentença, Mustafa al-Sibai criou a Irmandade Muçulmana da Síria, a qual passou a funcionar como um braço subordinado à base egípcia. Paralelamente, Mustafa al-Sibai terminou o seu doutoramento sobre a Lei Islâmica e começou a ensinar Árabe e Religião em Damasco. Em 1951 contraiu matrimónio, passando a fazer parte de uma poderosa família de Damasco. Viajou pelo Ocidente, publicou livros, deu conferências e esteve à frente da Irmandade na Síria até à sua morte em 1964. Mustafa al- Sibai foi um dos melhores e mais articulados porta-vozes do movimento Islâmico, compreendendo o que se estava a passar no Médio Oriente. Sayyid Abu’l-Ala Mawdudi (1903-1979) é considerado como o pai do Movimento Islâmico do Paquistão. Nasceu em 1903 e foi em 1937 quando se tornou director do Instituto Islâmico de Investigação em Lahore, que alcançou alguma influência. Mawdudi foi um jornalista e um erudito islâmico, juntou-se aos tradicionalistas para se opor ao nascimento do novo país. Quando o Paquistão se tornou independente, em 1948, S. Abu’l-Ala Mawdudi opôs-se à natureza secular do Governo (apoiado pelos ingleses), tendo sido preso em 1948 e em 1952. Na sua opinião, a existência dum Estado nacional era incompatível com a crença de que todos os muçulmanos formavam uma comunidade (Umma). Para além de que temia pela minoria muçulmana que teria de permanecer numa Índia de maioria hindu. S. Abu’l-Ala Mawdudi era tão crítico em relação a um Islamismo petrificado e tradicional como o era da sociedade moderna de modelo ocidental. Exortava os muçulmanos a procurarem atingir uma ordem sócio-política profética, regressando aos valores do Islamismo “autentico” e a rejeitar quaisquer práticas que não derivassem directamente do Alcorão e da Suna. Ao mesmo tempo, reinterpretou o conceito de “Califado” dizendo que cada indivíduo podia agora ser um “Califa”. Seguindo o princípio alcorânico de “Impor o bem e proibir o mal”, Mawdudi acreditava firmemente que as autoridades deveriam impor a virtude no seio da comunidade. Para S. Mawdudi somente através duma Constituição islâmica é que seria possível erguer um verdadeiro Estado Islâmico. Para ele o Islão era a terceira via entre o capitalismo e o socialismo. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 235 Foi responsável pela publicação de 80 livros e brochuras, bem como fundou a Jamaat-e Islami (Sociedade Islâmica), em 1941. Apesar de ser uma organização mais elitista, a estrutura da sua organização era igual à da Irmandade Muçulmana (o Guia Supremo designava-se Emir). Dois anos antes da sua morte, S. Abu’l-Ala Mawdudi assistiu à promulgação de um sistema de leis islâmicas no Paquistão que anularam muitos direitos civis e políticas socias “não islâmicos”. S. Abu’l-Ala Mawdudi ficou bastante conhecido pela defesa do Estado Islâmico ideal e a sua definição é aceite pela maioria dos muçulmanos militantes do movimento Islamista. “Le corps de doctrine islamiste a été élaboré essentiellement par Hassan al- Banna et Abu Ala Mawdudi19, qui ont été repris et radicalisés par Sayyid Qutb. […] Hassan al-Banna et Mawdudi sont aujourd’hui les auteurs canoniques des mouvements islamistes sunnites. […] Les organisations qu’ils ont fondées ont constitué la matrice des grands mouvements islamistes contemporains, même si, dès la fin des années 1970, on a vu apparaître des groupes plus radicaux, mais aussi beaucoup moins implantés dans le monde musulman, influencés cette fois par la pensée d’un émule radical des pères fondateurs, Sayyid Qutb” 20. Desde a sua criação a Irmandade Muçulmana teve sete Guias Supremos, nomeadamente: 1928-1949 – Fundador e 1º G.S. Hassan al-Banna 1951-1976 – 2º G.S. Hassan al-Hudaibi 1976-1987 – 3º G.S. Omar el-Telmisani 1987-1996 – 4º G.S. Hamid Abdul Nasr 1996-2002 – 5º G.S. Mustafa Masshour 2002-2004 – 6º G.S. Maamoun al-Hudaibi 2004- … – 7º G.S. Mohammed Mahdi Akef 19 Abu Ala Maududi fundou em 1941 o movimento Jamaàt – i Islami, cuja implantação se fez entre os muçulmanos da Índia sob dominação britânica, com destaque para o que é hoje o Paquistão. 20 Olivier Roy, Généalogie de L’Islamisme, (Paris: Hachette Littératures, 2001), p. 38, 40-41. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 236 Após a morte de Hassan al-Banna em 1949, a Irmandade Muçulmana enfrentou um breve período de caos até 1951, data em que foi escolhido o segundo Guia Supremo – Hassan al- Hudaibi. H. al-Hudaibi esteve à frente da Organização até à sua morte em 1976, tendo sido preso durante alguns períodos durante o Governo de Nasser. Sucedeu-lhe Omar el- Telmisani, o qual morreu em 1987, tendo-lhe sucedido Hamid Abdul Nasr. Ambos – Omar el- Telmisani e Hamid Abdul Nasr – foram presos em 1954, durante a purga anti-Irmandade desencadeada por Nasser. Al-Sadat libertou Omar el-Telmisani em 1971 e Abdul Nasr em 1972. Em 1996, foi escolhido o quinto Guia Supremo – Mustafa Masshour – o qual esteve à frente da Irmandade até 2002. Sucedeu-lhe Maamoun al-Hudaibi, filho do segundo Guia Supremo. Desde 2004, que o Guia Supremo é Mohammed Mahdi Akef. M. Mahdi Akef nasceu no Norte do Egipto no mesmo ano da fundação da Irmandade Muçulmana. Licenciou-se no Instituto de Educação Física em 1950, tendo trabalhado como professor de educação física. M. Mahdi Akef tornou-se membro da Irmandade em 1940, ainda a organização era liderada por H. al-Banna. O Xeque que mais o influenciou foi Mohebe din al Khatib. Em 1954, M. Mahdi Akef foi preso, apenas tendo conseguido a sua liberdade em 1974, data em que foi renomeado como Director Geral da Juventude – um departamento ligado ao Ministério da Reconstrução. Seguidamente mudou-se para a Arábia Saudita e esteve envolvido na organização de grandes campos para a juventude muçulmana na Arábia Saudita, Jordânia, Malásia, Bangldesh, Turquia, Austrália, Mali, Quénia, Chipre, Alemanha, Inglaterra e América. Foi também director do Centro Islâmico em Munique. Desde 1987 que é membro do gabinete de liderança da Irmandade Muçulmana, foi eleito membro do Parlamento Egípcio em 1987. Em 1996 foi ao tribunal Marcial acusado de ser a cabeça da Irmandade Muçulmana Internacional e foi sentenciado com três anos de cadeia. Foi libertado em 1999. Em 2004 foi escolhido como o sétimo Guia Supremo da Organização. Em Dezembro de 2005, afirmou que o Holocausto contra os judeus é um mito e declarou que a democracia ocidental foi desenhada pelos filhos de Zion. Em síntese é possível verificar a existência de alguma variedade de pontos de vista entre estas personagens, verificando-se uma postura mais radical nalguns, os quais lutam activamente por uma ordem islâmica imposta através do Estado. A Importância do Islamismo Político no Médio OrienteDepartamento de Prospectiva e Planeamento 237 2. OS PRINCIPAIS BRAÇOS POLÍTICOS DA IRMANDADE MUÇULMANA NO MÉDIO ORIENTE 2.1. Egipto: O Berço da Irmandade Fundada em 1928, por Hassan al-Banna, no Egipto, a Irmandade Muçulmana transformou-se num grupo político a partir de 1939. O objectivo principal da Irmandade é o de colocar em prática uma reforma social e moral baseada no Islão. Desde a sua criação, a Irmandade Muçulmana passou por cinco momentos cruciais no seu desenvolvimento, nomeadamente: 1928-1939 – A Irmandade era uma organização jovem, a qual tinha por objectivo uma reforma social e moral no Egipto, através da educação, da informação e da propaganda. 1939-1948 – Graças ao vazio político do seu tempo, a Irmandade foi-se politizando gradualmente nos anos 30. Em 1939 transformou-se num grupo político e durante os anos 40, sobretudo no final da II Guerra Mundial, em 1945, muitos dos seus membros envolveram-se em acções, algumas de natureza terrorista, no Egipto. Muitos dos seus membros juntaram-se ao lado árabe na Primeira Guerra Palestiniana (em 1948-49). 1948-1954 – A Irmandade cooperou com os “revolucionários”. O sentimento anti- britânico foi aumentando após a retirada dos ingleses do Canal do Suez em 1947. Em 1952, um grupo de Oficiais do Exército – os “Oficiais Livres” – liderados por M. Naguib e Gamal Abdel Nasser foram responsáveis pelo fim da monarquia no Egipto, destituindo o Rei Farouk. Em 1953 os “Oficiais Livres” revogaram a Constituição e declararam o Egipto como uma República, abolindo os partidos políticos e as organizações com excepção da Irmandade Muçulmana. Em 1954 G. Nasser tornou-se Presidente do Egipto. 1954-1984 – A Organização foi dissolvida por G. Nasser, mantendo-se em oposição ao Governo Egípcio. 1984- ... – A Irmandade foi aceite como grupo religioso; todavia, ficou sob um pesado controlo do Governo. Nos seus primeiros anos, a Irmandade Muçulmana focalizou-se em pregar a religião, em promover a educação e a desenvolver programas sociais. Ao mesmo tempo começou a pôr em prática uma ideologia islâmica pouco usual. Em primeiro lugar, era uma ideologia defensora do fim do gap entre as classes sociais (daí a Irmandade reclamar a adopção de medidas como a nacionalização da indústria, uma maior intervenção do Estado, etc.). Em segundo lugar, a ideologia tinha como objectivo a renovação social através duma Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 238 interpretação moderna do Islão. Em relação à formulação do conceito de nacionalismo de H. al-Banna, era enfaticamente islâmico e tinha como objectivo a longo prazo a união da humanidade pela fé muçulmana. Em 1935, a Organização entrou em contacto com Haj Amin al Husseini, o Grande Mufti de Jerusalém, e em 1936 a Irmandade tomou a posição pró-Árabe na sequência do Tratado Anglo-Egípcio e do começo do levantamento palestiniano contra os Acordos Sionistas na Palestina. Em 1939 a Irmandade definiu-se como uma organização política, baseada no Alcorão e na Hadith como sistema aplicável até à sociedade moderna. Um ano mais tarde, a Irmandade aprovou 500 “braços”, cada um com o seu próprio centro, Mesquita, escola e clube. Durante a II Guerra Mundial, a Organização teve um enorme crescimento, contando com a participação de membros oriundos das classes média e baixa. Em 1946 a Irmandade afirmava ter mais de 5,000 “braços”, agregando 500,000 membros e um número ainda mais elevado de simpatizantes. O crescimento exponencial do Movimento, leva a acreditar, segundo alguns investigadores, que o Reino Unido ajudou no desenvolvimento da Irmandade Muçulmana. Paralelamente, a Irmandade tentou criar uma Internacional Islamista, através da fundação de grupos no Líbano (em 1936), na Síria (1937) e na Transjordânia (1946). Em 1945, Saïd Ramadan criou um braço palestiniano do Movimento, cujo objectivo era combater as organizações sionistas. O Movimento obteve um sucesso fulgurante e em 1948 muitos dos seus membros participaram ao lado dos palestinianos na Guerra contra os Sionistas. Foi durante esta guerra que muitos oficiais egípcios tiveram o seu primeiro contacto com a ideologia da Irmandade. Os “Irmãos” acusaram o Governo egípcio pela sua passividade na guerra contra os sionistas. Consequentemente iniciaram uma onda de ataques terroristas no seio do Egipto. Em Dezembro, as autoridades egípcias baniram a Organização. No final desse mês o Primeiro- Ministro Mahmud Fahmi Nokrashi foi assassinado por um membro da Irmandade, o que provocou uma maior repressão por parte do Governo. H. al-Banna condenou o acto. Em Fevereiro do ano seguinte, H. al-Banna foi assassinado por agentes secretos no Cairo. Em 1950 a Irmandade Muçulmana foi novamente legalizada, mas apenas como organização religiosa. Um ano mais tarde foi nomeado o segundo Guia Supremo da Organização, H. Islam al-Hudaibi, um moderado. H. al-Hudaibi tentou abolir a ala militar da Irmandade, a qual continuou com a sua actividade sem o conhecimento da liderança da Irmandade. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 239 Em 1952 a Irmandade estava activa durante os confrontos anti-britânicos no Cairo. Ao contrário dos partidos políticos, a Irmandade não foi banida na sequência do Golpe sob a égide do Conselho de Comando Revolucionário, devido a ter cooperado com os “Oficiais Livres”. Após a revolução, as relações entre a Irmandade e a Junta foram inicialmente cordiais, todavia rapidamente azedaram. Entre as várias razões destacam-se o facto do Exército não ter vontade em partilhar o poder, a insistência da Irmandade na promulgação duma Constituição Islâmica e a desconfiança de Nasser em relação Hudaibi. Em 1954, devido às diferenças em torno à escolha do sistema que deveria ser aplicado na governação do Egipto (a Sharia ou a Lei Secular) e à tentativa de assassinato do Presidente Nasser pelo activista Abdul Munim Abdul Rauf (membro da ala militar da Irmandade), a Irmandade foi banida novamente. Na sequência da tentativa do atentado, Abdul Munim Abdul Rauf e mais cinco “Irmãos” foram executados e 4,000 foram presos. Centenas de membros da Irmandade fugiram para a Síria, Arábia Saudita, Jordânia e Líbano. À medida que a Organização se foi expandido para outros países do Médio Oriente, foi ficando cada vez mais associada a actos de violência, assassinato e de terrorismo. Somente dez anos mais tarde é que foi concedida uma amnistia aos membros da Irmandade em prisão, pois Nasser desejava que eles se juntassem ao então recém formado partido governamental União Socialista Árabe para afastar a ameaça do comunismo. Todavia, esta política de cooperação condicional não vingou e Nasser foi alvo de mais três atentados. Em 1966 alguns líderes de topo da Irmandade foram executados, bem como muitos outros membros em prisão, entre eles S. Qutb. Nos anos que se seguiram, a liderança da Irmandade afastou-se da ideologia revolucionária, optando por uma estratégia reformista não violenta. Em Abril de 1968, cerca de 1,000 “Irmãos” foram soltos por Nasser. Com a morte de Nasser, em 1970, o novo Presidente, Muhammad Anwar al-Sadat, prometeu a adopção da Sharia como a Lei do Egipto a vigorar e libertou todos os membros da Organização que se encontravam presos. Apenas em 1980 é que a Constituição egípcia sofreu uma Emenda em que a Sharia passou a ser a “principal fonte de legislação”. Em 1976, a Irmandade não teve autorização para participar nas eleições gerais, tendo vários membros da Irmandade concorrido como independentes ou como membros do partido Socialista Árabe. Desta forma, todosjuntos conseguiram ganhar 15 lugares no Parlamento. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 240 Aquando do estabelecimento dos “Acordos de Paz de Camp David” (1978) e do “Tratado de Paz Israelo-Egípcio” (1979), a Irmandade opôs-se fortemente. Em Setembro de 1981, cerca de 2,000 dissidentes foram presos, sendo na sua maioria membros da Irmandade e a 06 de Outubro o Presidente al-Sadat foi assassinado por quatro “Irmãos”. Entre eles estavam Zawahiri e Rahman que foram presos. Rahman foi levado a tribunal acusado de ter recorrido a uma Fatwa para justificar o assassinato; todavia, conseguiu ser absolvido. Mudou-se para Nova Iorque e foi acusado e preso pela sua participação nos ataques bombistas ao World Trade Center, em 1993, e pelo assassinato do Rabi Meir Kahane. Zawahi foi preso juntamente com outros extremistas. Quando foi libertado tomou o controlo da Egiptian Islamic Jihad. Em 1981, H. Moubarak sucedeu a al-Sadat, mantendo-se até hoje no poder. As relações entre a Irmandade e o Governo continuam, no essencial, iguais à da época de Sadat: a Irmandade é tolerada até um certo nível, oficialmente é ilegal, não tem autorização para distribuir literatura ou para se reunir publicamente, e os seus membros são objecto de prisões periódicas. Todavia, a Irmandade é responsável pela publicação de dois jornais – Liwa' al-islam ("The Banner of Islam") e al-I'tisam, ("Adherence") –, mantém escritórios regionais e nacionais, faz declarações públicas e livros da autoria de “Irmãos” proeminentes são vendidos em livrarias. Em 1982, o Presidente Sírio Hafez el-Assad eliminou o braço armado dos Irmãos Muçulmanos – l’al Talia al-Mukatila (Avant-garde Combattente) – tendo os seus membros se dispersado pela Arábia Saúdita, Jordânia, Kuweit e Afeganistão. Concomitantemente, a Irmandade Muçulmana dotou-se dum braço armado clandestino no Egipto no início dos anos 80. Alguns dos seus membros tentaram infiltrar-se nas instituições governamentais, mas o regime secular de Hosni Moubarak evitou a maior parte destas manigâncias políticas Esta associação estabeleceu estreitos contactos com outra organização islamista, a Gama'a al-Islamiya (Grupo Islâmico), responsável pelos atentados contra os turistas ocidentais em 1982-83. Na Palestina o “braço” palestiniano dos “Irmãos Muçulmanos” criou o Al-Moujamma al-Islami, o futuro movimento Hamas. Este movimento dedicou-se às obras sociais e à construção de Mesquitas, cujo número aumentou sem parar na Cisjordânia e na Faixa de Gaza entre 1967 e 1987. Paralelamente recorreu a acções armadas e a atentados, incluindo atentados-suicída. As suas fontes de financiamento provinham em grande parte da Arábia Saudita. Este movimento clandestino foi tolerado pelo poder egípcio, mas interdito na Síria, onde ainda hoje o simples facto de se ser membro da Irmandade é passível da aplicação da pena de morte. No Egipto, os órgãos de imprensa deste movimento foram destruídos e praticamente a totalidade das suas publicações foram apreendidas. Os seus militantes manifestaram-se várias vezes contra o poder no sentido deste aplicar reformas constitucionais e pelo fim do estado de urgência. A organização ajuda as classes A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 241 desfavorecidas no plano social e financeiro, fornecendo-lhes medicamentos e empréstimos financeiros. Nas eleições gerais de 1984, a Irmandade Muçulmana cooperou com o partido Neo-Wafd, obtendo 08 lugares. Já em 1987 a Irmandade participou na Aliança Trabalhista Islâmica, colaborando com o partido Trabalhista Socialista e com o partido Socialista Liberal. A Aliança obteve 60 lugares, dos quais 37 foram para os membros da Irmandade. Nas eleições legislativas seguintes, em 1990, a Irmandade boicotou-as, em protesto contra o controlo governamental das votações. Em meados dos anos 90, a Irmandade confrontou-se com a dissidência de proeminentes membros mais jovens, os quais não concordavam com a postura da geração mais velha da Organização. Juntamente com vários coptas fundaram um partido político Wasat, o qual procura “representar uma plataforma cívica baseada na fé islâmica, acreditando no pluralismo e na alternância de poder”. Até hoje o partido ainda não foi legalizado pelas autoridades egípcias. Durante a década de 90 e nos primeiros anos do século XXI, a Irmandade tem evoluído no sentido de uma espécie de liberalismo islâmico conservador: a maioria dos seus novos quadros aceitam o pluripartidarismo, a liberalização económica e a sua base de apoio é cada vez mais constituída pela classe média. Daí que quando Hosni Mubarak, face a pressões externas, aceitou a candidatura de diversos candidatos às eleições presidenciais de Setembro de 2005. Os Irmãos Muçulmanos foram surpreendidos com um processo de incerteza e de renovação interna. A sua postura dubitativa nos comícios fez com que perdessem o protagonismo mediático para uma nova coligação democrática – Kifaya. Nas últimas eleições legislativas, entre Novembro e Dezembro de 2005, a Irmandade foi impedida de concorrer nas eleições parlamentares como partido político. Não obstante, os seus membros candidataram-se como independentes, tendo ganho 88 lugares dos 454 disputados. Este facto tornou a Irmandade Muçulmana no maior grupo de oposição (outros partidos da oposição só conseguiram 14 lugares), desencadeando no seio da elite política egípcia a discussão em torno do facto de se manter ou não a Irmandade na ilegalidade. Todavia, a Irmandade enfrenta um problema de estratégia política. A Organização que sempre foi porta-voz duma mensagem religiosa – a islamização dos costumes, do vestuário e da cultura – largamente adoptada pela sociedade, não é capaz de transformar esta realidade num sucesso político. O seu principal obstáculo é o seu estatuto no seio do Estado Egípcio que tolera, mas não legaliza a Irmandade Muçulmana. Esta situação permite-lhe apenas apresentar os seus candidatos como independentes às eleições legislativas. Este handicap resulta de dois factores: por um lado, a recusa do poder egípcio de permitir a criação dum partido político dos “Irmãos Muçulmanos”; e, por outro, a rejeição das regras do Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 242 jogo democrático por parte de alguns membros da Organização. Apesar dos esforços, a Irmandade encontra-se estagnada e incapaz de tomar uma iniciativa de enfrentar um poder que manipula as suas necessidades contra a sua vontade. Na verdade o poder egípcio muitas vezes parece “acenar” à organização, abrandado a sua pressão. Tais situações apenas se devem a uma necessidade de “abrandar” a cólera popular contra as políticas israelitas e norte-americanas no Médio Oriente. Outras vezes vários membros da organização são presos e torturados. Actualmente, a face pública da Irmandade Muçulmana ainda está sediada no Egipto, onde a Organização continua a desenvolver-se e a trabalhar, apesar não ter sido legalizada pelo Governo. As suas perspectivas dividem-se entre a fidelidade ao projecto original ou à criação dum partido normalizado como reclama Abdel Mon'im Abul Fatuh, líder da ala renovadora. O Movimento escolheu não combater directamente o regime de H. Moubarak e votou a favor da recondução de Fathi Sorour (um dos mais elevados responsáveis do regime) na Assembleia do Povo. Aplaudiram o discurso de H. Moubarak no Parlamento, e estão em contacto regular com o Governo norte-americano. A Irmandade tem defendido a perspectiva reformista, prosseguindo com uma abordagem gradual de longo prazo para oestabelecimento dum Estado Islâmico com o apoio popular, reformando a sociedade de baixo para cima, recorrendo à persuasão e a outros meios não violentos. 2.2. Síria: O Primeiro “Braço” Externo da Irmandade Muçulmana A Irmandade Muçulmana na Síria começou a ser desenvolvida nos anos 30, quando estudantes sírios graduados pela Universidade do Cairo, regressaram do Egipto, inspirados pela ideologia de H. al-Banna e criaram associações designadas “Muhammad’s Youth” (Shabab Muhammad), sobretudo no Norte do país, em Homs, Hama, Aleppo, Latakiyya, mas também em Damasco. Em 1945, Mustafa al Siba’y fundou oficialmente a Irmandade Muçulmana na Síria, sendo designado como o “Supervisor Geral” (muraqib’amm), reconhecendo assim a autoridade do Guia egípcio. No final da década de 40, a Irmandade foi politizada devido à criação do Estado de Israel. Em 1954, a Irmandade síria ofereceu auxílio à Irmandade egípcia, na sequência das medidas de repressão adoptadas por Nasser. Com a passagem à ilegalidade da Irmandade Muçulmana no Egipto, em 1954, muitos filiados refugiaram-se na Síria. Este facto, ao mesmo tempo que reforçou a Irmandade, também tornou os seus membros mais radicais, que exigiam uma reforma moral na política do país. Em 1958, a Síria juntou-se ao Egipto na República Árabe Unida (RAU) a Irmandade Muçulmana Síria, foi ilegalizada, tal como ocorrera com a Egípcia. Não obstante, o trabalho da Organização continuou activo na clandestinidade. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 243 Em 1961, a Síria retirou-se da RAU, e nas eleições parlamentares que se realizaram, os membros da Irmandade obtiveram 10 lugares. Em Março de 1963, na sequência do Golpe sob a égide do Partido Ba’th (partido secular e pan-árabe), a Irmandade foi proibida juntamente com os partidos políticos da oposição. Com efeito, o novo regime tornou-se extremamente impopular devido às medidas adoptadas, entre as quais ao concentrar o poder nas mãos da minoria aluíta, em detrimento da maioria sunita. A partir desse momento, a Irmandade Muçulmana da Síria desempenhou um importante papel no movimento sunita de resistência ao partido Ba’th. Na sequência da derrota Árabe na Guerra dos Seis Dias (em 1967), a Irmandade dividiu-se entre os moderados e os radicais. Estes últimos declararam a jihad à liderança do partido Ba’th. Em 1971, a oposição da Irmandade cresceu e tornou-se ainda mais forte quando Hafez Al- Assad, aluíta21, se tornou Presidente da Síria. Os “Irmãos” consideram os aluítas infiéis, e com es ta sua postura a Organização conseguiu aumentar a sua base de apoio. Em 1974, o teólogo xiita, Íman Musa s-Sadr declarou que os aluítas eram Xiitas, e Al-Assad empreendeu uma umra, aclamando a oposição da Irmandade. Todavia, esta paz aparente foi de curta duração. Em Julho de 1976, Al-Assad demonstrou ser mais um poderoso político do que um político muçulmano, intervindo na guerra civil do Líbano, ao lado dos cristãos maronitas. Esta postura irritou a Irmandade Muçulmana e, mais uma vez, foi declarada a jihad contra o 21 Os Alauítas são um grupo étnico-religioso do Médio Oriente, proeminente na Síria, onde constituem cerca de 10% da população e onde dominam as estruturas políticas. O elemento central da doutrina dos Alauítas é a deificação de Ali, o genro e primo do profeta Maomé. Os alauítas não seguem a Sharia, não estando por isso subordinados a determinadas práticas do Islão ortodoxo, como as interdições alimentares. Os cinco pilares do Islão fazem parte da sua doutrina, mas são interpretados simbolicamente e como tal não são praticados pelos Alauítas. A peregrinação a Meca (Hajj), um dos pilares do Islão, é mesmo considerada como uma forma de idolatria. Para além dos cinco pilares, os alauítas possuem mais dois, a jihad e a walaya (o desprezo pelos adversários dos Álidas, ou seja, pelos que rejeitaram a liderança de Ali). Os alauítas celebram não só as festas muçulmanas, mas também festas cristãs como o Natal, Dias dos Reis Magos, o dia de Santa Bárbara e até mesmo a festa zoroastriana do Noruz. Devido a estas crenças heterodoxas, os alauítas não são vistos por muitos muçulmanos como membros do islão, embora eles se considerem muçulmanos xiitas. Informação Internacional, 2006, Suplemento Departamento de Prospectiva e Planeamento 244 regime. Este conflito durou seis anos, tendo terminado com a dissolução efectiva da Irmandade. Em 1979 os activistas da Irmandade assassinaram 83 cadetes aluítas, na Escola de Artilharia de Aleppo. Em resposta Al-Assad permitiu que um elevado número de sunitas fizesse parte do Comando Nacional do Partido, bem como do seu Gabinete. A Irmandade promoveu greves em Aleppo e em Hamas, tendo paralisado as duas cidades. Al-Assad viu-se obrigado a ceder nalgumas exigências: libertou prisioneiros, demitiu governadores da províncias impopulares e aumentou a importação de bens de consumo. Todavia as greves continuaram. Para fazer face a estes eventos as tropas foram mandadas para as duas cidades, 5,000 pessoas foram presas, e as greves terminaram. A 25 de Junho de 1980 Al-Assad foi alvo duma tentativa de assassinato. Consequentemente, Al-Assad conseguiu influenciar o parlamento, o qual decretou que a filiação ou associação à Irmandade Muçulmana passaria a ser passível da pena de morte ou de prisão perpétua (realidade que ainda hoje se mantém em vigor). Após o esmagamento do levantamento islamista de 1982, os Irmãos Muçulmanos Sírios dividiram-se: por um lado, o grupo de Adnan Saad ed Din, o mais radical, que se refugiou no Iraque; por outro, o do seu rival, Ibrahim Abu Ghodda, que foi para a Arábia Saudita. Em meados de da década de 90, Hafez al-Assad libertou alguns membros da Irmandade. Após a sua morte, em 2000, sucedeu-lhe o seu filho, Bashar al-Assad, o qual iniciou o seu Governo sob uma aparente abertura política. Em Maio de 2001, encorajada pelo novo ambiente político, a Irmandade Muçulmana publicou uma Declaração a partir de Londres em que condenava a violência política e propunha o estabelecimento dum Estado democrático. Muitos prisioneiros políticos, incluindo “Irmãos”, foram perdoados e libertados. Todavia, a “Primavera de Damasco” teve uma duração curta. No mesmo ano, as poucas liberdades que tinham sido conquistadas foram revogadas. Interdita desde 1982, a Irmandade Muçulmana Síria já não é uma força política na Síria. Não obstante, mantém uma rede apoio dirigida a partir de Londres e do Chipre. Apesar de estar exilada a liderança da Irmandade continua a granjear uma grande simpatia entre os sírios. Riyyad al-Turk, um líder da oposição considera a Irmandade como o grupo de oposição mais credível. Com efeito, tal como aconteceu no Egipto, o movimento abandonou oficialmente a violência e exige a adopção duma democracia no país, em que o multipartidarismo esteja assegurado. Actualmente, o líder da Irmandade Muçulmana na Síria é Ali Sadr as-Din al- Bayonouni (que vive como refugiado político em Londres). Numa entrevista em Janeiro de 2006, o líder afirmou que “a Irmandade Muçulmana deseja uma mudança pacífica de Governo em Damasco e o estabelecimento dum Estado democrático e civil, não uma República Islâmica”. A Importância do Islamismo Político no Médio Oriente Departamento de Prospectiva e Planeamento 245 2.3. A Irmandade Muçulmana na Palestina A Irmandade Muçulmana da Palestina foi criada em 1942, pelo próprio pai egípcio da Irmandade, H. al-Banna, na Faixa de Gaza. Seguidamente, a Organização desenvolveu uma rede de ajuda social e construiu a Universidade Islâmica de Gaza.
Compartilhar