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PARADOXO CONCRETO ABSTRATO DAS DECISÕES JUDICIAIS

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Departamento de Direito 
 
A ANÁLISE DO PARADOXO CONCRETO/ABSTRATO NO 
SISTEMA COGNITIVO HUMANO E NAS DECISÕES JUDICIAIS 
 
Aluna: Liz Bessa Guidini 
Orientador: Noel Struchiner 
 
 
 
1. Introdução 
 O sistema judiciário recebe muitas críticas por não funcionar de forma coerente. 
Muitos são os julgamentos discrepantes sobre o mesmo assunto, feitos inclusive pelo 
mesmo juiz. O Direito é a representação de um mundo complexo e claramente tem 
muitas falhas que precisam ser discutidas, sempre na busca do aperfeiçoamento da 
ordem. O presente trabalho busca seguir a discussão sobre uma área pouco explorada 
nos estudos tradicionais: o direito à luz do sistema cognitivo humano estudado pela 
filosofia experimental e a psicologia moral. 
 Um grande problema enfrentado por aqueles que se preocupam com a coerência 
é a falta de harmonia entre o ordenamento e o que ocorre na realidade. Deve-se observar 
se a ordem é imposta visando regular um mundo irreal, um mundo sem as falhas 
humanas em que se espera que os juízes tenham algum tipo de habilidade sobre-
humana. A suposição do caráter imparcial do juiz deve ser vista com cuidado, mesmo 
que seja um grande avanço em relação ao antigo pressuposto da condição neutra do juiz, 
o que hoje é de conhecimento geral ser um objetivo inalcançável, já que os magistrados 
não podem se livrar de suas crenças, sua história, suas visões políticas e vários outros 
fatores que, mesmo que de forma inconsciente, estarão presentes na hora do julgamento 
de casos que devem ser levados a sério. É essencial que os estudiosos se preocupem em 
verificar se a construção teórica se acomodará à realidade. 
 Há muito tempo se fala que o modo de pensar de juízes e advogados, por 
exemplo, é diferente do raciocínio leigo, o que levou a importantes estudos de Frederick 
Schauer sobre racionalização jurídica: as discussões entre Realistas e Tradicionalistas 
(que serão vistas mais a frente) o levou a concluir que é essencial que se façam mais 
estudos na busca de conclusões sobre o assunto. Schauer ainda usa como exemplo os 
júris norte-americanos: a informação levada aos jurados é extremamente controlada, 
eles recebem diversos tipos de instruções, limitações e em muitos casos é pedido que 
desconsiderem determinado fato apresentado com a finalidade de levá-los a um 
veredicto pelo procedimento que se acredita ser o mais correto, preocupando-se sempre 
com o fato de que não foram treinados para aquela tarefa e de que teoricamente são 
mais influenciáveis. Schauer aponta que a informação levada ao juiz não sofre tamanho 
controle e se pergunta se a racionalidade dos magistrados é realmente superior a dos 
leigos para tais decisões e se o treinamento em uma faculdade de Direito realmente leva 
a uma racionalização diferente. São pesquisas e questionamentos como estes que o 
referido autor acredita serem necessários nos estudos atuais. 
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 A análise do paradoxo concreto/abstrato será feita através de experimentos que 
demonstram a sua existência e de teorias que tentam explicá-lo. O presente trabalho 
busca levar o leitor a uma reflexão sobre as tomadas de decisões jurídicas, alertando 
sobre a existência de aspectos que estarão presentes nos julgamentos e devem ser 
percebidos e estudados para que se alcance a almejada coerência. As críticas devem ser 
feitas sempre com o objetivo de construir, de levar o assunto adiante e estimular a 
edificação de conclusões mais sólidas. As construções doutrinárias sobre o sistema 
cognitivo humano são essenciais para levar o poder judiciário e o sistema jurídico a uma 
formação mais aprimorada e condizente com a prática comum. 
2. Definição do paradoxo concreto/abstrato 
 O ponto de partida para o presente trabalho é a demarcação do que é este 
problema que deve ser enfrentado pelos estudiosos e atuantes da área jurídica. 
Experimentos mostram que pessoas em geral têm uma tendência a fazer julgamentos 
morais mais severos quando o caso é apresentado concretamente do que quando 
apresentado abstratamente. A informação abstrata neste caso se dá, por exemplo, 
quando o agente não é definido, quando a ação do agente não é especificada nem 
detalhada ou até mesmo quando dada situação ocorre em um universo distante da 
realidade da pessoa que encara a situação descrita (ex: planeta Betelgeuse x cidade onde 
o avaliador mora). Quanto mais concreto, mais "palpável" é o caso, mais 
responsabilizado será o agente. O paradoxo surge porque uma mesma situação é julgada 
de formas diferentes dependendo do modo como é descrita. O que ocorre, como afirma 
Sinnott-Armstrong é a falta de um consenso racional sobre qual seria a resposta correta. 
 Existem muitas teorias que explicam o surgimento deste paradoxo. Há muito 
tempo já se fala, por exemplo, em emoções que determinam julgamentos morais, que 
também serão importantes para o estudo em questão. O foco final será sobre o concreto 
contraposto ao abstrato, mas a exposição de teorias sobre o sistema cognitivo humano e 
de estudos sobre a racionalização também serão importantes para que se chegue mais 
perto de uma conclusão do por que esses paradoxos acontecem. 
3. A racionalização jurídica e a relação entre lei e cognição social de Frederick 
Schauer 
 A lei busca regulamentar a sociedade em que se insere e, para isso, o direito 
deve fazer presunções de como as pessoas pensam e agem. O que Schauer aponta como 
um defeito no sistema legal é que, apesar de as normas nos rodearem e estruturarem 
nossas vidas, as implicações psicológicas sócio-cognitivas da presença generalizada da 
lei foram muito pouco estudadas¹. O autor afirma que a maior parte da pesquisa sobre 
cognição social legal está preocupada com as evidências apresentadas aos júris e em 
como esses jurados avaliam estas provas. É fácil perceber como as investigações 
psicológicas estão muito mais voltadas para o âmbito penal do direito, mas as decisões 
judiciais são sobre os mais diversos assuntos interferindo em todos os domínios sociais. 
Há o que parece ser uma falta de interesse sobre outros aspectos da lei. Uma negligência 
do estudo do direito apontada pelo autor, importante para o estudo em questão, é a 
pesquisa psicológica sobre o papel dos juízes em determinar qual norma se ajusta ao 
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caso concreto. Muitos partem do pressuposto que o juiz, ao fazer um julgamento, 
mecanicamente analisa o caso e estabelece uma regra do ordenamento ao agente. Essa 
ideia é limitada e não compreende o processo complexo que é a determinação da regra a 
ser aplicada: esta função judicial é influenciada por diversos fatores, e as inconsistências 
do Poder Judiciário podem demonstrar como a escolha está longe de ser mecânica, 
sendo, na verdade, uma tarefa cognitiva que merece a atenção da filosofia moral e da 
psicologia experimental. 
 Sobre a racionalização jurídica na tomada de decisão, Schauer aponta dois 
métodos de processo de pensamento: no primeiro, o raciocínio é rápido e intuitivo, já o 
segundo é mais lógico, sistemático e deliberativo. A pergunta é qual dos métodos reflete 
a realidade dos magistrados. Os “Realistas” defendem que os resultados jurídicos são 
previamente determinados por outros fatores, que não o Ordenamento Jurídico, que 
podem incluir a personalidade do juiz, reações aos fatos do caso concreto, etc. Essas 
motivações levariam os juízes a selecionar as leis aplicáveis baseados em suas 
motivações (em seus palpites iniciais). Os Tradicionalistas, ao contrário, acreditam que 
juízes e advogados se utilizam de uma racionalização específica, ao mesmo tempo em 
que não negam que o raciocínio motivado defendido pelos Realistas influencie o 
julgamento moral de leigos. 
 Independentemente da corrente adotada, precisamos lidar com o fato de que às 
vezes as leis trarão respostas erradas. Leis são generalizações e, por isso, podem 
produzirum mau resultado quando literalmente seguidas². A pergunta feita por 
Frederick Schauer quando uma norma aponta em uma direção e a resposta que 
considera todas as implicações (all-things-considered) aponta para outra é: com que 
frequência as pessoas, sendo legalmente treinadas ou não, deixarão de lado seu melhor 
julgamento moral em favor do que a regra comanda?³. Sua resposta depende da posição 
adotada: se a visão tradicional é a correta, o esperado seria que aqueles com um 
treinamento jurídico dariam maior importância à existência da regra, mesmo que esta 
gerasse um resultado desconfortável. A conclusão que se chega em sua investigação é a 
respeito da necessidade de mais pesquisas e experimentos sobre a tomada de decisões 
judiciais, sobre a real diferença entre juízes e leigos e em que extensão essas diferenças 
de procedimento, se existem, realmente influenciam na decisão final. 
 Estes estudos ajudam a formar melhores conclusões sobre questões de atribuição 
de responsabilidade moral e de tomada de decisões, auxiliando na conformação da 
realidade social com a construção teórica. 
4. A influência das emoções nos julgamentos morais 
 Muito influenciado por David Hume, Jesse Prinz4 defende que julgamentos 
morais são repletos de emoções. Afirma ainda que moralidade é um domínio normativo 
que trata de como o mundo deve ser, e não de como é. Os que acreditam nesta teoria 
argumentam que é impossível manter-se imparcial quando lemos no jornal histórias 
sobre abuso de crianças, atrocidades de guerra ou racismo institucionalizado5. Inclusive, 
dependendo da vítima, por exemplo, as reações emocionais podem ser mais 
significativas mesmo que se trate de um mesmo crime (se a vítima é uma criança as 
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emoções podem ser mais fortes). Nossas emoções podem ser um grande indicativo da 
força de nossos julgamentos morais. 
 Uma das formas de demonstrar esta influência das emoções nos julgamentos 
morais é através do seguinte caso que compara dois cenários: em ambos um trem está 
indo na direção de cinco pessoas que estão amarradas nos trilhos. No primeiro, o 
condutor pode salvá-las se empurrar alguém nos trilhos, matando-a e fazendo o trem 
parar. No segundo, pode salvar as cinco pessoas puxando uma alavanca que muda a rota 
do trem para um caminho em que o condutor sabe que terá uma pessoa amarrada aos 
trilhos, ao invés de cinco. Nos dois casos, a intervenção do condutor resultaria em uma 
morte e evitaria cinco. Muitas pessoas têm a intuição de que é moralmente errado 
intervir no primeiro caso e moralmente permitido intervir no segundo. A explicação 
popular para isto é de que é moralmente pior matar uma pessoa do que deixá-la morrer. 
Os sentimentos negativos em relação a empurrar alguém nos trilhos nos leva a pensar 
que é uma ação errada. Para resolver um dilema, neste caso, o sentimento mais forte 
ganha. 
5. O fenômeno concreto versus abstrato 
 Concluída a constatação de que existe grande variabilidade do uso e da 
interpretação de regras nos julgamentos morais, a análise que se seguirá, central para a 
presente pesquisa, será sobre as inconsistências que se fazem presentes quando casos 
são vistos sob uma perspectiva abstrata e outra concreta. 
 Existem diferentes teorias que tentam explicar o acontecimento do paradoxo. 
Sinnott-Armstrong afirma que a busca não é de uma solução, mas de um entendimento 
de tais paradoxos e das intuições cognitivas frente às situações que os provocam6. 
Seguindo o modelo de Eric Mandelbaum e David Ripley7, primeiro serão apresentados 
alguns experimentos que demonstram as diferentes intuições encontradas de acordo com 
a abstração ou a concretude da descrição. Depois, veremos em que se distinguem as 
diferentes teorias cognitivas, criando um quadro geral para a formação de resultados 
conclusivos mais aprimorados. 
5.1 O paradoxo revelado em experimentos 
5.1.1 O universo determinista e a responsabilização moral 
 Nichols e Knobe exibiram aos participantes deste experimento uma situação que 
descrevia um universo determinista - ou seja, todo acontecimento, inclusive vontades e 
escolhas humanas, são causados por acontecimentos anteriores - e depois fizeram 
perguntas referentes à responsabilidade moral do agente. Na condição abstrata, quando 
questionados sobre se seria possível que alguém fosse totalmente responsabilizado neste 
universo, 86% responderam “não”. Quando, ao contrário, os participantes recebem um 
ato específico cometido pelo agente hipotético deste universo, que mata sua mulher e 
seus filhos para ficar com sua secretária, 72% responderam que este deveria ser 
inteiramente responsabilizado (condição concreta, a ação do agente é especificada). 
5.1.2 O universo desconhecido versus o Planeta Terra 
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 Nichols e Roskies dividiram os participantes em dois grupos e, mais uma vez, 
exibiram uma situação que descrevia um universo determinista. Para o primeiro grupo, 
no entanto, o universo em questão era desconhecido. Para o segundo grupo, a situação 
se dava em nosso universo (Planeta Terra, por exemplo). Os resultados mostram que a 
responsabilidade atribuída ao agente foi significativamente menor no caso do universo 
desconhecido (situação abstrata). 
5.1.3 A doença neurológica e a responsabilização moral 
 No experimento de Brigard, Mandelbaum e Ripley foram apresentadas duas 
situações. A abstrata dizia: “Dennis descobriu recentemente que possui uma doença 
neurológica que o levou a se comportar de certa forma. Se qualquer pessoa apresentasse 
a mesma doença neurológica, se comportaria da mesma maneira. Em uma escala de 1 a 
7, sendo 1 não responsável e 7 sendo muito responsável, qual é a responsabilização 
moral de Dennis pelos seus comportamentos causados por sua doença neurológica?” 
Essa é a condição abstrata, já que as ações não foram especificadas. A situação concreta 
dizia: “Dennis descobriu recentemente que possui uma doença neurológica que o levou 
a se comportar de certa forma. Se qualquer pessoa apresentasse a mesma doença 
neurológica, se comportaria da mesma maneira. Em uma escala de 1 a 7, sendo 1 não 
responsável e 7 sendo muito responsável, qual é a responsabilização moral de Dennis 
por estuprar mulheres?” 
 Os resultados foram os esperados, mais uma vez demonstrando o paradoxo em 
questão: a responsabilização moral foi muito mais significativa na condição concreta. 
5.1.4 O julgamento moral na determinação da intencionalidade 
 Outro experimento clássico que demonstra o paradoxo concreto/abstrato é o 
feito por Joshua Knobe que demonstra que a determinação de se alguma ação foi 
intencional ou não também depende de um julgamento moral. Os casos apresentados 
foram os seguintes: no primeiro, o Vice-Presidente de uma empresa vai ao Presidente e 
propõe uma nova política que economizará um milhão de dólares por ano, mas 
prejudicará o meio-ambiente. O Presidente responde: “Eu não me importo com o meio-
ambiente, eu só me importo em ganhar dinheiro!”. A política é então implantada e o 
meio-ambiente é destruído. Neste caso, o Presidente prejudicou o meio-ambiente 
intencionalmente? A maioria das pessoas diz que sim. 
 No segundo caso, ao contrário, o Vice-Presidente propõe uma nova política que 
economizará um milhão de dólares por ano e proteger o meio-ambiente. Novamente, o 
Presidente responde: “Eu não me importo com o meio-ambiente, eu só me importo em 
ganhar dinheiro!”. A política então é implantada e o meio-ambiente é protegido. 
Pergunta-se: o Presidente protegeu o meio-ambiente intencionalmente? A maioria das 
pessoas diz que não. 
5.2 Teorias afetivas, teorias cognitivas e a teoria NBAR 
 À luz dos experimentos, Eric Mandelbaum e David Ripley dividem as formas de 
explicar o paradoxo concreto/abstrato em duas categorias: teorias afetivas e teorias 
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cognitivas. Os autores, no entanto,não se aliam a nenhuma delas, criando uma terceira 
classificação que chamam de NBAR (Norm Broken, Agent Responsible). As três 
correntes serão explicadas a seguir. 
5.2.1 Teorias afetivas 
 São aquelas que tentam explicar o paradoxo pela emoção intensificada pelos 
casos concretos. Como afirmam em seu artigo “Explaining the abstract/concrete 
paradoxes in moral psycology: the NBAR hypotesis”8, de acordo com esta teoria as 
palavras “estuprar uma mulher” produzem maior sentimento do que “se comportar de 
certa forma”, aumentando o julgamento de responsabilidade. A partir disso, espera-se 
que o crescimento da responsabilização no julgamento de casos concretos se deve, pelo 
menos em parte, a fatores emocionais. Mandelbaum e Ripley destacam como 
importantes autores ligados a esta teoria: Nichols, Knobe e Prinz. 
5.2.2 Teorias cognitivas 
 Teorias cognitivas, para Eric Mandelbaum e David Ripley são aquelas em que a 
variável causal não é afetiva, mas sim um estado cognitivo (como uma crença) ou um 
processo cognitivo (como a memória)9. 
 A teoria cognitiva analisada pelos autores é aquela que defende que as 
diferenças entre os julgamentos acontecem porque situações concretas são processadas 
de forma diferente apenas pelo motivo de serem concretas, e não porque coincidem com 
situações carregadas de emoções, ou seja, temos um mecanismo mental cujo 
processamento é dedicado a estímulos concretos. Desta forma, os dados codificados 
abstratamente seriam decifrados por um processo mental distinto do mecanismo 
utilizado para dados concretos. 
 Mandelbaum e Ripley apontam Sinnott-Armstrong como defensor desta teoria, e 
caracterizam sua tese como a “hipótese das Capacidades Separadas” (Separate 
Capacities hypothesis). Esta teoria, afirmam, explica as diferentes intuições em casos 
concretos e abstratos distinguindo os diferentes sistemas decodificadores. A ideia 
principal é a de que temos dois sistemas de memória: a memória semântica e a memória 
episódica. A memória semântica decifra os casos abstratos, pois é uma espécie de 
memória onde a decodificação é feita de forma parecida com o processo utilizado para 
uma frase proposicional. Por outro lado, a memória episódica decodifica a informação 
como episódios fenomenológicos. A hipótese das Capacidades Separadas sustenta que 
esses dois sistemas interagem de forma a produzir o fenômeno abstrato/concreto10. Vale 
lembrar que independente de ser decodificada concreta ou abstratamente, não depende 
da natureza afetiva do estímulo, por isso, a teoria das Capacidades Separadas não é uma 
hipótese afetiva. 
 
5.2.3 As críticas de Eric Mandelbaum e David Ripley e a teoria NBAR 
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 Eric Mandelbaum e David Ripley, antes de apresentar a teoria NBAR, explicam 
por que acreditam que as clássicas correntes que chamam de teorias afetivas e teorias 
cognitivas não são suficientes para explicar o acontecimento do paradoxo. 
 Em relação às teorias afetivas, os autores afirmam que esta não é capaz, por 
exemplo, de explicar o surgimento do fenômeno no experimento em que em nenhuma 
das situações o agente executa uma ação: a única diferença entre a condição concreta e a 
condição abstrata é o universo em que se dá a situação (universo desconhecido versus 
Planeta Terra). Ressaltam que não defendem que a emoção não tenha nenhum tipo de 
influência nestes casos, seus argumentos se direcionam somente no sentido de que 
teorias puramente afetivas não podem explicar todos os efeitos relevantes. 
 Sobre as teorias cognitivas, Mandelbaum e Ripley reconhecem que é uma 
corrente importante por admitir uma forma de surgimento do fenômeno mesmo em 
situações que não são carregadas emocionalmente, mas a criticam porque a mera 
abstração ou concretude de uma situação não parece causar diferentes reações nas 
pessoas em qualquer situação. Também apontam, entre outras, a falha de que a hipótese 
das Capacidades Separadas confunde o estímulo que causa o efeito com o veículo que o 
causa: o que os autores querem saber é por que o estímulo abstrato causa respostas 
diferentes dos estímulos concretos, não sendo suficiente dizer que as condições abstratas 
são processadas por um diferente sistema em virtude de sua abstração. 
 Mandelbaum e Ripley, então, propõem uma terceira visão acerca do paradoxo. 
Esta teoria não recorre a estímulos afetivos e considera os processos de decodificação 
da condição concreta e da condição abstrata semelhantes. Afirmam que um conjunto de 
crenças contraditórias pode explicar o surgimento das incoerências. A suposição feita é 
de que todas as pessoas têm uma crença inconsciente de que quando uma norma é 
quebrada, um agente é responsável por desrespeitá-la (por isso o nome NBAR - “Norm 
Broken Agent Responsible”). Nos casos em que coisas ruins acontecem, então, as 
pessoas concluem que um agente deve ser responsável pelo ocorrido. 
 Todos os autores que se dedicam ao paradoxo partilham da busca do 
entendimento para a sua ocorrência. Este fenômeno não pode ser ignorado pelo sistema 
jurídico, já que se trata de uma característica humana que terá sua influência no resultado final 
de julgamentos, sendo importante, para isso, observar cuidadosamente todas as diferentes 
formas de desvendá-lo. 
6. Conclusão 
 O presente estudo buscou orientar a crítica ao Poder Judiciário em uma direção 
pouco usual na experiência da tradicional doutrina jurídica. É preciso que haja maior 
interesse dos estudiosos pelos diversos aspectos do direito e pela importância da 
interdisciplinaridade no aprimoramento do sistema. As incoerências podem ser 
mitigadas através de uma investigação mais aprofundada do sistema cognitivo humano 
e de um maior foco nas relações entre as construções teóricas e a realidade revelada na 
prática. 
 Os institutos jurídicos não podem se abster de entender as particularidades da 
racionalidade humana e da sociedade que pretendem regulamentar. Os magistrados 
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devem dedicar especial interesse a este tipo de pesquisa para que estejam sempre 
atentos às inconsistências no exercício de suas funções. A segurança jurídica e a 
credibilidade do sistema precisam sofrer constante manutenção com vistas à harmonia 
social e a um sistema condizente com a realidade, e este deve ser o papel dos 
doutrinadores e pesquisadores. 
 Os efeitos do paradoxo concreto/abstrato são constatações importantes para que 
se compreenda não só a mente humana, mas também o funcionamento do nosso sistema 
jurídico. 
Referências 
[1] SINNOTT-ARMSTRONG, W. Abstract + Concrete = Paradox. In: KNOBE, J. 
(Ed.); NICHOLS, S. (Ed.). Experimental Philosophy. Nova Iorque: Oxford University 
Press, 2008. 
 
[2] SPELLMAN, Barbara e SCHAUER, Frederick. Legal reasoning. Fevereiro de 
2012. Virginia Public Law and Legal Theory Research Paper No. 2012-09. Disponível 
em: SSRN: http://ssrn.com/abstract=20007888 
 
[3] SPELLMAN, Barbara e SCHAUER, Frederick. Law and social cognition. 
Fevereiro de 2012. Virginia Public Law and Legal Theory Research Paper No. 2012-10. 
Disponível em: SSRN: http://ssrn.com/abstract=2000806 
 
[4] STRUCHINER, Noel. Para falar de regras. Rio de Janeiro, 2005. Tese de 
Doutorado – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 
 
[5] PRINZ, Jesse. The emotional construction of morals. Nova Iorque: Oxford 
University Press, 2007. 
 
[6] MANDELBAUM, Eric e RIPLEY, David. Explaining the abstract/concrete 
paradoxes in moral psychology: the NBAR hypothesis. Disponível em: 
<http://philosophy.unc.edu/people/graduatestudents/ericmandelbaum/NBAR%20Working%20Draft%20
Sept%2020.doc/at_download/file>. Acesso em 19 jul. 2012. 
i 
 
1 SPELLMAN, Barbara e SCHAUER, Frederick. Law and social cognition. Fevereiro de 2012. Virginia 
Public Law and Legal Theory Research Paper No. 2012-10. 
 
2 SPELLMAN, Barbarae SCHAUER, Frederick. Legal reasoning. Fevereiro de 2012. Virginia Public 
Law and Legal Theory Research Paper No. 2012-09. 
 
3 SPELLMAN, Barbara e SCHAUER, Frederick. Legal reasoning. Fevereiro de 2012. Virginia Public 
Law and Legal Theory Research Paper No. 2012-09. 
 
4 PRINZ, Jesse. The emotional construction of morals. Nova Iorque: Oxford University Press, 2007. 
Departamento de Direito 
 
 
 
5 PRINZ, Jesse. The emotional construction of morals. Nova Iorque: Oxford University Press, 2007. 
 
6 SINNOTT-ARMSTRONG, W. Abstract + Concrete = Paradox. In: KNOBE, J. (Ed.); NICHOLS, S. 
(Ed.). Experimental Philosophy. Nova Iorque: Oxford University Press, 2008. 
 
7 MANDELBAUM, Eric e RIPLEY, David. Explaining the abstract/concrete paradoxes in moral 
psychology: the NBAR hypothesis. 
 
8 MANDELBAUM, Eric e RIPLEY, David. Explaining the abstract/concrete paradoxes in moral 
psychology: the NBAR hypothesis. 
 
9 MANDELBAUM, Eric e RIPLEY, David. Explaining the abstract/concrete paradoxes in moral 
psychology: the NBAR hypothesis. 
 
10 MANDELBAUM, Eric e RIPLEY, David. Explaining the abstract/concrete paradoxes in moral 
psychology: the NBAR hypothesis.

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