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1 FÉ PARA ROSE A RELIGIÃO NA LUTA DE CLASSES A FAVOR DA REFORMA AGRÁRIA André da Silva Barros Mestrando em Educação – UFSCarSorocaba GT 1. Feminismo, questão agrária e luta de classes. andre_sbarros@hotmail.com Resumo: O resumo estendido a seguir contém uma reflexão sobre a luta dos acampados na fazendo Anoni, Rio Grande do Sul, na tentativa de apropriar terras para plantação e sobrevivência de suas famílias. No entanto, essa reflexão se pauta na experiência de fé que os militantes romeiros demonstraram durante a caminhada de quinhentos quilômetros que fizeram até a capital gaúcha. Com muita fé, louvor, oração, em meio a procissão, a luta chegou com força total até alguns de seus objetivos, mas ela ainda continua. Rose é uma das mulheres que caminham, mesmo com uma criança de colo. Sua fé é inabalável, pois possui mais que um sonho, um projeto a ser realizado mediante ações que mesclam tanto a fé quanto a marcha. O documentário de Teté Moraes é acompanhado exclusivamente pelas canções e toques instrumentais dos próprios romeiros diante de sua longa caminhada. A Bíblia foi lembrada por todos: padres, acampados, políticos e latifundiários. Palavras-chave:Religião. Rose. Reforma agrária.Luta de classes. Introdução Esta é uma pesquisa documental e videográfica sobre o filme Terra para Rose (MORAES, 1987), em que se percebe o destaque da Igreja, que apoiou fortemente a luta de classes a favor da reforma agrária. Enquanto Gramsci diz que a Igreja forma apenas intelectuais eclesiásticos tradicionais (MARTINS, 2014), o filme mostra a possibilidade da existência doseclesiásticos orgânicos, religiosos que ajudam a classe trabalhadora a libertar-se de sua opressão social. Desta forma, será focada a religião “como o coração de um mundo sem coração, o ópio das massas sofredoras.” (BOTTOMORE, 2001, p. 316). Conteúdo No início do filme, há uma procissão com um grupo de mulheres na frente. Entre elas, está Rose, com sua criança no colo. Durante todo o documentário, são as mulheres que exporão as dificuldades do acampamento. Os homens não falam, mas conduzem a ação. Os que falam são ou do outro lado da luta ou de fora dela, como o latifundiário, o ex-ministro da reforma agrária e os padres Fritzen e Seroy. Isso pode ser entendido como quem mais tem autoridade para falar do sofrimento e 2 do sentimento que envolve a luta é Rose e as demais mulheres. Na marcha que abre o filme, os romeiros cantam a música de Zé Vicente, Bendito dos romeiros: “Sou, sou teu, Senhor, sou povo novo, retirante e lutador/ Deus dos peregrinos, dos pequeninos, Jesus Cristo redentor/ No Egito, antigamente, no meio da escravidão, Deus libertou o seu povo/ Hoje ele passa de novo gritando a libertação/ Para a terra prometida o povo de Deus marchou, Moisés andava na frente/ Hoje Moisés é a gente quando enfrenta o opressor.” Ao entoar este hino e o do Brasil, hasteiam ramos verdes, um símbolo bíblico para a libertação do povo de Israel do Egito. Os israelitas trabalhavam em uma terra que não era sua, mas tinha a promessa de possuir uma Terra Prometida. Nesta mesma esperança, estava Rose e os acampados gaúchos. Após Moraes registrar as estatísticas do país, foca as relações com a reforma. Surge o presidente que substituiu o primeiro eleito após a ditadura, na Nova República. Sarney cria o ministério da Reforma Agrária e seu discurso é: “Quando o presidente Tancredo Neves esteve com o papa João Paulo II, ouviu dele apenas um pedido: a realização da reforma agrária no Brasil.” Após reviver as ideias de Jânio Quadros edo ditador Castelo Branco, a atenção é dirigida para o Rio Grande do Sul, na fazenda Anoni. Os trabalhadores saem desapropriados de um latifúndio improdutivo e invadiram a fazenda. Comentam sobre o caso Rose e sua luta contra o policiamento ostensivo de expulsão da terra e o latifundiário. Rose diz que, embora grávida, tem muita coragem e fé em Deus. Éesta fé que ela vai usar para ser a guerreira que foi. Em novembro daquele ano, dá à luz à primeira criança nascida na fazenda Anoni. Moraes compara a estadia nesta fazenda com “a espera da terra prometida”. Ao chegarem ao INCRA para exigir a terra, ouve-se o hino de Bach, “Jesus, Alegria dos Homens.” Esta chegada se deu em Porto Alegre,após terminado o prazo estipulado pelo governo para o assentamento: trinta e duas mil famílias esperam uma decisão do governo. A sensibilização do governo se daria em uma caminhada da fazenda sitiada à capital. A maioria dos ouvintes do discurso no acampamento decidiu participar, mesmo sabendo dos quinhentos quilômetros de percurso. Para o trajeto, há uma cruz amarrada com faixas brancas e pretas (a esperança de quem já morreu no acampamento),faixas com dizeres “Romaria conquistadora da Terra Prometida” e “Vinde Espírito Santo, renovai a face da terra”, a canção de Zé Vicente e o grito “com força e com fé, nós vamos a Porto Alegre a 3 pé”. Há um momento de fé muito forte entre os romeiros, quando alguém sobe na cruz para fixar um pano verde, símbolo da esperança. O latifundiário diz que estas ideias foram insufladas pela esquerda comunista, pela internacional comunista e orientados pelo clero e pela igreja. O padre ArnildoFritzen, vestido com uma camiseta escrita “Terra de Deus”, explica que, no Êxodo bíblico, o “antigo povo de Deus” que saiu de forma organizada e caminhou pelo deserto por quarenta anos, e assim os romeiros estão caminhando após oito meses de negociações sem resposta. Com o uso constante de instrumentos musicais e cânticos, a solidariedade é grande, ficando os romeiros acampados em escolas, igrejas e sindicatos. Vê- sefreiras na procissãoe Rose com seu filho no colo, crendo “chegar lá na frente do palácio e poder falar o que ela sente para eles: que eles atendam à dificuldade e vejam o sofrimento no acampamento e que eles façam a reforma agrária; que tirem da televisão e façam na terra”. Esta é, de fato, o grande avanço desta lutadora perante as outras. Uma consegue lutar por não ter filhos e marido. Outra fica em Anoni pela dificuldade de estar casada. Rose junta filhos e marido e marcha com fé. Os romeiros ficam felizes ao ouvir o toque do sino e por serem recebidos na igreja com a faixa “A paróquia Nossa Senhora das Graças saúda os colonos acampados da fazenda Anoni e os apoia em suas justas aspirações.” Na Igreja, participam de uma missa com muitas palmas e cantando “Glória, glória, aleluia; louvemos ao Senhor”. Os músicos da liturgia são os mesmos da caminhada. Fritzen apresenta o filho de Rose como o símbolo de vida no acampamento e expõe para os fiéis como uma oferta sobre o altar. Servem a última Ceia que os prepara para chegar à capital. Oram o Pai Nosso. O pão da ceia é consagrado como o fruto da terra e do trabalho. De retorno à caminhada, são apresentados os resultados: trezentos saem da fazenda, cem mil chegam a Porto Alegre. Fritzen comenta sobre os vinte e oito dias de peregrinação para cumprir estes quinhentos e doze quilômetros. Fritzen ajuda a segurar a cruz e passam em frente à outra igreja, sendo ovacionados pelos sinos desta. Ao chegar em frente ao palácio do governo, ouvem o decreto de Sarney sobre a desapropriação de algumas terras. No entanto, a quantidade não é suficiente para abrigar a todas as mil e quinhentas famílias. Os romeiros,usando chapéus com desenhos da cruz e à espera de uma decisão, deitam-se na praça central de Porto Alegre. Rose diz que se fosse preciso, faria de novo e iria até 4 Brasília a pénessa luta pela terra. Uma das romeiras diz que eles vivem uma vida de Cristo: a cruz que elas carregam é uma cruz pesada, mas com coragem e fé em Deus, “nósvencemos”. O latifundiário começa a dizer novamente a respeito da igreja e da esquerda comunista que deixou a situação difícil para a sua classe. Uma acampada aparece dizendo que “na Bíblia, Deus deu a terra para todos, não somente para os „tubarões‟, para criar inseto, feras e capim. A terra é a coisa mais abençoada, é de onde se tira o pão, com o suor do rosto.” Os romeiros, com a família de Rose na frente, cantam um hino sobre a Trindade.No meio das crianças, as mulheres ensinam hinos cristãos e de lutapela distribuição da terra. É valorizado o papel da educação dentro do movimento. Escolas e sistema de saúde são organizados por agentes do Estado para os romeiros dentro da Assembleia Legislativa. São quatromeses, rezando e cantando todos os dias. A crítica da acampada que falou sobre os „tubarões‟ é contra o discurso pregado por estes, até utilizando o nome de Jesus, mas que não saem de seu conforto e ajudam os pobres. Após o confronto com policiais, tendo muitos militantes agredidos, outra acampada se altera ao considerar absurda uma situação como esta: “devemos entregar nas mãos de Deus; devemos entregar nas mãos de nosso Pai… Nós estamos sofrendo; o quanto já temos sofrido nesta vida… É impossível que Ele não enxerga o que estamos lamentando agora. É impossível que Deus não tenha poder nesta hora…É impossível que Deus não enxerga o que eu estou falando… Porque o Espírito Santo disse que só ele pode fazer o que ele fez. Só ele pode governar o mundo.”Cerli, outra acampada, chora ao dizer da desigualdade até na forma de luta, pois eles não possuem nem canivete no bolso, apenas o corpo, enquanto que soldados armados com metralhadoras e baionetas vêm contra eles. Sua voz é embargada pelo choro que, ao retomar, diz que “Deus é grande e vamos conseguir chegar em cima da nossa terra”.Esses soldados impedem os militantes chegarem ao acampamento e os que estão dentro não podem sair. Policiais, proprietários de terra e Estado dizem que é culpa dos militantes não haver negociação ao dizer que estes escondem armas. Negando isso, os sem terra marcham pelas ruas com suas enxadas e pásdiante das câmeras. A igreja é mais uma vez solidária ao movimento, bem como deputados e artistas. Há um ato público de queimar bonecos com as figuras dos ministros adversários à reforma, seguido de um ato religioso, carregando a mesma 5 cruz levada a Porto Alegre. O padreGuido Seroy, que segue a marcha, comenta sobre a entrega de sorvetes às crianças. Ele diz que “mataram os primeiros cristãos e continuarão a matar; mas os faraós foram derrubados pela mão poderosa de Deus e os cavalos boiaram por cima das águas. Não foi o povo: Deus tem a sua própria hora.… E para fortificar a nossa fé, para acalmar os corações, para deixar tanto a paz aqui na brigada, quanto a paz entre os colonos…” Ainda no impasse entre a marcha e a decisão do governo, fazem sua celebração e cravam a cruz na frente dos policiais. No final, vários depoimentos de quem ainda não perderam as esperanças de chegar à Terra Prometida. O sonho não terminou. Perto da Anoni, há um assentamento com dez famílias morando e trabalhando. Nas vésperas das eleições para constituintes de 1986, os proprietários são indenizados e os trabalhadores finalmente podem plantar. É apenas uma trégua para aqueles que antes só podiam cultivar horta. A situação não é boa, mas a luta continua, mesmo após o assassinato de Rose, mulher cheia de fé, mártir da reforma agrária no Brasil. Conclusões Conclui-se que o poder de influência da religião de não desanimar, de ter fé e coragem, presente na cultura dos assentados é transmitida durante toda a luta pela reforma agrária. Hinos, procissões, orações, eucaristia, citações da Bíblia, presença de padres e freiras, acolhida na Igreja, tornaram-se expressões daquilo que o ser humano tem de mais particular, a crença, mas quando consensuado, possui um desejo e uma concretização altíssima sobre os problemas que emergem na sociedade. A religião não foi aqui alienante; ela entendeu o problema do povo, esteve a seuladoe o ajudou a lutar pelos direitos e a conquistar suas solicitações. Referências Bibliográficas: BOTTOMORE, Tom (editor). Vocabulário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. MARTINS, Marcos Francisco. Gramsci, os intelectuais e suas funções científico-filosófica, educativo-cultural e política. Pro-Posições vol.22 no. 3 Campinas set./dez. 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103- 73072011000300010. Acesso em: 20 jun. 2014. MORAES, Tetê (direção). Terra para Rose.Produtora: Sagres Filmes; Distribuidora: MST.1987. 84 minutos.
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