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DÍVIDA PÚBLICA: ALGUMAS NOÇÕES FUNDA- MENTAIS 1 A Equivalência Ricardiana Seja Bt o stock de dívida pública no final do ano t ("B" de "Borrowing by the government"). Tomemos como ponto de partida a equação (6) do documento intitulado"Relaçao matematica entre defice publico e divida publica.pdf", ou seja, a equação: Bt = (1 + it)Bt−1 +Dt onde it representa a taxa de juro nominal da dívida pública e Dt designa o défice primário do Estado. Partindo desta equação, vamos fazer o exercício que costuma designar-se por exercício "substitute forward". Uma vez que Dt é o défice primário do estado, se definirmos por St o super- avit primário do Estado obviamente que é válida a seguinte relação Dt = −St. Usando esta relação na equação anterior, obtém-se: Bt = (1 + it)Bt−1 − St Vamos admitir como hipotese que it = i, ∀ t, ou seja, que a taxa de juro da dívida pública é constante ao longo do tempo (podia fazer-se o exercício sem esta simplificação mas iríamos chegar a fórmulas bastante complicadas). Pode pensar-se em i como sendo a taxa de juro média da dívida pública ao longo do tempo. Com esta hipotese, a equação anterior fica: Bt = (1 + i)Bt−1 − St Esta equação pode ser reescrita como: Bt−1 = 1 1 + i St + 1 1 + i Bt (1) 1 As substituições que vamos fazer de seguida correspondem ao que usualmente se designa por exercício de "substitute forward". Fazendo t = 1, na equação (1) ficamos com: B0 = 1 1 + i S1 + 1 1 + i B1 (2) A equação (1) com t = 2 fica B1 = 11+iS2 + 1 1+iB2. Usando esta expressão para substituir B1 na equação (2), obtemos: B0 = 1 1 + i S1 + 1 1 + i ∙ 1 1 + i S2 + 1 1 + i B2 ¸ ⇔ ⇔ B0 = 1 1 + i S1 + 1 (1 + i)2 S2 + 1 (1 + i)2 B2 (3) A equação (1) com t = 3 fica B2 = 11+iS3 + 1 1+iB3. Usando esta expressão para substituir B2 na equação (3), obtemos: B0 = 1 1 + i S1 + 1 (1 + i)2 S2 + 1 (1 + i)2 ∙ 1 1 + i S3 + 1 1 + i B3 ¸ ⇔ ⇔ B0 = 1 1 + i S1 + 1 (1 + i)2 S2 + 1 (1 + i)3 S3 + 1 (1 + i)3 B3 Após n substituições deste tipo, chegamos a: B0 = 1 1 + i S1 + 1 (1 + i)2 S2 + 1 (1 + i)3 S3 + ...+ 1 (1 + i)n Sn + 1 (1 + i)n Bn Fazendo n −→ +∞ e assumindo que neste caso 1(1+i)nBn −→ 0, obtém-se: B0 = 1 1 + i S1 + 1 (1 + i)2 S2 + 1 (1 + i)3 S3 + ... (4) O que esta equação nos diz é que a soma dos superavits primários futuros - descontados para o presente - tem que ser igual à dívida pública presente. O que faz sentido: se temos uma dívida hoje, vamos ter que ter superavits nas nossas contas no futuro se quisermos pagar essa dívida. A hipotese de que 2 1 (1+i)nBn −→ 0 corresponde precisamente a assumir que "o Estado pretende pagar a sua dívida algures no futuro". É costume designar-se esta condição por condição de "No Ponzi Game". Fazer "Ponzi Games" é procurar eternamente pagar dívidas anteriores contraindo novas dívidas. Uma vez que o superavit primário do Estado é igual a impostos menos de- spesas primárias, a obtenção dos superavits necessários para pagar a dívida vai exigir a cobrança de impostos no futuro. Esta ideia costuma ser referida por "Equivalência Ricardiana", em homenagem ao economista que pela primeira vez a formulou: David Ricardo. De forma sintética, a "Equivalência Ricardiana" diz-nos que "Dívida Pública é equivalente a Impostos Futuros". Sempre que o Estado contrai dívidas para financiar despesas no presente, ele vai ter que pagar essas dívidas cobrando impostos no futuro. O Anexo I deste documento contém uma outra maneira de ver estas mesmas ideias. 2 O imposto inflação Recordemos a restrição orçamental do Estado, equação (??) acima: Gt = Tt +∆B +∆H Existem países onde não é proibido o Banco Central (BC) fazer empréstimos ao Estado. Quando o Estado financia as suas despesas com empréstimos do BC, o BC imprime moeda para entregar ao Estado Na medida em que essa criação de moeda conduza ao aumento da inflação, ela penaliza os agentes económicos que auferem rendimentos que crescem menos que a inflação. Por exemplo: - detendores de obrigações com cupão de taxa fixa (os cupões a receber no futuro são valores fixos em termos nominais e, por isso, quanto maior a inflação menor o valor dos cupões em termos reais); - Trabalhadores cujo salário seja ajustado menos que a inflação. Por esta razão, costuma dizer-se que estes agentes pagam um "imposto in- flação". Com a moeda impressa pelo BC, o Estado ganha fundos para gastar mas existem agentes que sofrem perdas (pagam o "imposto inflação"). Podemos assim dizer que os gastos que o Estado quer realizar no presente (Gt) são financiados por: - Impostos cobrados no presente (Tt); 3 - Impostos futuros (∆B); - Imposto inflação (∆H). Ou seja, todas as despesas que o Estado pretende realizar hoje são finan- ciadas por algum tipo de tributação (impostos presentes, impostos futuros ou imposto inflação). É fácil perceber que a sociedade oferece diferentes tipos de resistência aos diferentes tipos de impostos. De facto, as pessoas resistem muito a aumentos de impostos no presente mas resistem menos a impostos futuros - porque não são pagos já - e ao imposto inflação (porque este é menos perceptível e não é pago por todos). Assim, a tentação do Estado é financiar gastos presentes usando o mínimo possível a cobrança de impostos no presente. O Estato é sempre tentado a usar o imposto inflação ou impostos futuros. No entanto, como já vimos: - o imposto inflação provoca perdas reais a todos os agentes cujos rendimen- tos sobem menos que a inflação; e pode levar o BC a subir as taxas de juro (prejudicando a economia). - os impostos futuros vão ter que ser pagos pelas gerações futuras. Além de que só funciona pagar despesas correntes com impostos futuros se existirem investidores dispostos a emprestar dinheiro ao Estado. Em certas situações - que já vimos - os investidores podem só estar dispostos a emprestar ao Estado com taxas de juro muito altas ou podem nem sequer querer emprestar ao Estado. Podemos resumir dizendo que o "imposto inflação" é o prejuízo causado aos agentes de uma economia quando o Estado financia gastos utilizando moeda do banco central e causando inflação por essa via. 3 A teoria do ciclo político-eleitoral Nos meses que antececedem a realização de eleições, a tentação dos governos para aumentarem os gastos públicos e financiarem esses gastos com com empréstimos - seja empréstimos do BC, seja empréstimos obtidos junto de bancos de segunda ordem, seja empréstimos por emissão de BTs e OTs - é especialmente forte. Isto porque, dessa forma, o Governo consegue: 1. Fazer despesa pública no presente - construir jardins públicos, arranjar as estradas, etc. - para agradar aos eleitores; 2. Sem cobrar impostos no presente (para não irritar os eleitores). 4 Após a realização das eleições, o governo procede então ao aumento dos impostos necessário para pagar as dívidas contraídas antes das eleições. Este tipo de estratégia já foi várias vezes seguido por governos em todo o mundo. 4 O princípio do utilizador-pagador aplicado ao financiamento das despesas do Estado A estratégia de financiamento referida na secção anterior pode fazer algum sen- tido do ponto de vista da racionalidade política mas não é visível que tenha fundamento económico racional. Podemos então perguntar: para financiar uma despesa que o Estado pretende fazer num dado momento, que percentagem do dinheiro necessário deve ser obtida com impostos presentes e que percentagem deve ser obtida através de empréstimos? Para responder a esta questão, é importante ter em conta a seguinte difer- ença: - Algumas das despesas que o Estado faz hoje proporcionam benefícios ape- nas aos cidadãos que estão vivos hoje. Por exemplo, o dinheiro que o Estado gasta este anoa pagar a conta de electricidade da iluminação pública apenas beneficia os cidadãos actualmente vivos; - Outras despesas do Estado geram benefícios até para cidadãos que ainda não nasceram. Por exemplo, a construção de um autoestrada vai beneficiar um cidadão que nasça daqui a vinte anos e passados mais vinte venha a usar essa autoestrada. Existem economistas que, baseados no princípio do utilizador-pagador, de- fendem que a opção entre financiamento por "impostos presentes" ou por "im- postos futuros" deveria ser feita da seguinte forma: - as despesas do Estado que geram benefícios apenas aos cidadãos que vivem actualmente deveriam ser financiadas por impostos presentes; - as despesas do Estado que vão gerar benefícios também para as gerações futuras deveriam ser pagas uma parte por impostos presentes e outra parte por impostos futuros (emissão de dívida pública no presente). Repare-se que esta lógica de decisão entre "impostos presentes" e "impostos futuros" é completamente diferente de outras lógicas como a referida na secção "A teoria do ciclo político-eleitoral". 5 ANEXO I No documento "Matemática da Dívida Pública", definimos Dt = Gt − Tt. Consequentemente, St = Tt −Gt. Usando esta relação, a equação (4) pode ser reescrita como: B0 = 1 1 + i ¡ T1 −G1 ¢ + 1 (1 + i)2 ¡ T2 −G2 ¢ + 1 (1 + i)3 ¡ T3 −G3 ¢ + ... o que é equivalente e escrever: B0+ 1 1 + i G1+ 1 (1 + i)2 G2+ 1 (1 + i)3 G3+... = 1 1 + i T1+ 1 (1 + i)2 T2+ 1 (1 + i)3 T3+... Esta equação - que se costuma designar por "restrição intertemporal do Estado" - permite ver que para financiar gastos num dado período o Estado pode usar impostos de outro período. Por exemplo, para financiar gastos primários do período 1 (aumentar G1), o Estado pode usar impostos do período 3 (subir T3 no montante necessário para a equação continuar a verificar-se). Claro que o que está implícito numa estratégia destas é o Estado pedir empréstimos no período 1 para financiar as despesas G1 e depois, no período 3, cobrar impostos (T3) para pagar as dívidas contraídas no período 1. 6
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