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1 Sustentabilidade dinâmica da dívida pública Existem várias entidades a quem interessa saber se a dívida pública de um país se encontra numa trajetória sustentável: • Ao governo do país; • Aos gestores de carteiras de títulos (bancos, companhias de seguros, fundos de investimento e fundos de pensões) que estejam a gerir carteiras de títulos onde existam bilhetes ou obrigações do tesouro de um ou mais países, já que só assim conseguem avaliar o risco de incumprimento desses títulos; • A quem trabalha em agências de rating e tem a função de atribuir notação de rating à dívida de vários países. 1. O caso da Grécia Em Março de 2010, a Grécia tinha uma dívida pública que ascendia a 300 mil milhões de euros (113% do seu PIB) e um défice público de 36 mil milhões de euros (13,6% do seu PIB). Assim, os mercados financeiros concluíram que se a Grécia não reduzisse o seu défice para próximo de zero, a sua dívida pública iria crescer para níveis demasiado elevados, tornando provável o incumprimento no pagamento dos cupões e do valor nominal da dívida. Neste contexto era eminente a necessidade de abater a dívida pública e de reduzir o défice público para próximo de zero. Abate da dívida pública Na tentativa de abater a dívida pública a Grécia iniciou um programa de privatizações, com alguns economistas a defender que devia vender algumas das centenas de ilhas que possuía (apesar dos gregos não gostarem da ideia). Redução do défice público para próximo de zero Para reduzir o défice público para próximo de zero, a Grécia adotou medidas de austeridade muito severas, aumentando impostos e reduzindo a despesa pública. No entanto, os mercados reagiram mal já que suspeitaram que a redução da despesa pública iria criar uma enorme recessão no país e essa contração da atividade económica iria reduzir as 2 receitas fiscais aumentando o défice (em vez de o diminuir, como pretendido). O súbito aumento do desemprego anunciado em Abril de 2010 reforçou esta convicção. Receando cada vez mais a possibilidade de incumprimento, os mercados começaram a vender obrigações do tesouro gregas, fazendo cair o seu preço e subir a respetiva taxa de juro. Do mesmo modo, as taxas de juro pretendidas pelos compradores de dívida pública grega (bancos da zona euro, especialmente franceses e alemães – 40%) foram-se tornando cada vez mais elevadas, devido à subida do prémio de risco. Tal como todos os países, a Grécia emite bilhetes e obrigações do tesouro com diferentes maturidades. Quando chega a altura de pagar o valor nominal das obrigações que emitiram no passado, os governos emitem nova dívida para pagar a anterior (refinanciamento da dívida / “fazer rolar a dívida”). Assim, em cada ano, o montante que dado país necessita de pedir emprestado inclui: • O valor nominal das obrigações que chegam à maturidade nesse ano; • O necessário para financiar o défice público que o país tem nesse ano. Em 2010, a Grécia teve de emitir 40 mil milhões de euros em bilhetes e obrigações do tesouro apenas para refinanciar a dívida passada (sem contar com o refinanciamento do défice). Desde Janeiro de 2010, que a Grécia viveu com o terror de chegar ao momento de ir aos mercados refinanciar a dívida e não ter compradores (para as taxas de juro pretendidas). Se isso acontecesse, a Grécia teria de se declarar incapaz de pagar as dívidas (situação de incumprimento) e, por isso, também os detentores das obrigações gregas viviam aterrorizados. Alguns desesperaram e venderam essas obrigações na bolsa por uma pechincha. Estas vendas a baixo preço e a fraca procura dessas obrigações fez cair o preço e, consequentemente, subir a taxa de juro no mercado secundário. Para acalmar os mercados, os países da zona euro e o FMI comprometeram-se a emprestar 45 mil milhões de euros à Grécia a taxas de juro aceitáveis (zona euro: 30 mil milhões a 3 anos a 5%; FMI: 15 mil milhões a taxas de juro mais baixas), caso a Grécia não conseguisse refinanciar a dívida nos mercados a taxas de juro razoáveis. No entanto, o mercado não teve reação positiva a esta notícia, já que 45 mil milhões de euros 3 só garantiam refinanciamento da dívida grega até ao início de 2011. Em Março de 2010, estimou-se que para a Grécia não precisar de ir aos mercados pedir empréstimos durante três anos seriam necessários 110 mil milhões de euros, emprestados pela zona euro e pelo FMI. Estando os mercados a cobrar taxas de juro cada vez mais altas, as despesas da Grécia com juros da dívida pública foram aumentando, anulando a redução de despesas decorrente dos pacotes de austeridade. Adicionalmente, as receitas fiscais estavam a diminuir devido à profunda recessão económica, pelo que o défice mostrou tendência para aumentar e não para diminui para próximo de zero (como era necessário para acalmar os mercados). Assim, em Maio de 2010, a União Europeia e o FMI acordaram um pacote de resgate mais robusto, estando dispostos a emprestar 110 mil milhões durante os três anos seguintes. Em Junho de 2011, com a pressão dos mercados a aumentar face ao agravar dos dados sobre a economia grega, os líderes europeus verificaram que 110 mil milhões de euros não iam chegar. A solução foi aumentar o apoio para 130 mil milhões de euros impondo, simultaneamente, uma reestruturação da dívida pública grega: • A Grécia paga apenas 1/3 do que devia aos investidores privados, pagando a totalidade da dívida ao BCE e às instituições públicas; • A Grécia difere os pagamentos previstos para mais tarde. Em resultado desta reestruturação, a dívida grega será cerca de 120% do PIB em 2020 (nível máximo para considerar uma dívida pública sustentável, tendo de ser combinado com um défice público próximo de zero). 2. Considerações gerais sobre a sustentabilidade da dívida pública de um país A dívida pública de um país encontra-se numa trajetória sustentável se for fácil ao Estado desse país garantir todos os anos: • o refinanciamento da dívida, ou seja, a obtenção de empréstimos para realizar o 4 pagamento do valor nominal dos BTs e OTs que vão chegando à maturidade em cada ano; • o financiamento do défice, ou seja, a obtenção dos empréstimos necessários para financiar o défice de cada ano (isto inclui o pagamento dos cupões das OTs). Para avaliar a sustentabilidade da dívida pública de um país os mercados financeiros têm em conta: • O Valor atual do rácio (1) (dívida pública/Pib Nominal), ou seja se é alto, baixo ou moderado; • A evolução previsível do rácio (2) (dívida pública / PIB nominal) nos próximos anos; • Qual a margem de manobra tem o governo do país para adoptar medidas que façam descer o rácio (3) (dívida pública / PIB nominal)? Exemplos: • Se o rácio (divida pública / PIB nominal) à partida for alto e, ainda por cima, estiver a crescer rapidamente e, além disso, o governo tiver pouca margem de manobra para adoptar medidas que façam descer esse rácio, então o risco de o país vir a entrar em incumprimento será altíssimo; • Se o rácio (divida pública / PIB nominal) à partida for baixo e, além disso, estiver com tendência para descer, e, além disso, o governo tiver muita margem de manobra para adoptar medidas que façam descer esse rácio, então o risco de o país vir a entrar em incumprimento será baixo; • Se rácio (divida pública / PIB nominal) à partida for moderado e mostrar tendência para ano após anos ficar sempre sem grandes alterações e o governo tiver margem de manobra para tomar algumas medidas que façam descer o rácio, então o risco de o país vir a entrar em incumprimento será moderado.(1) Relativamente ao primeiro ponto, o que se considera um rácio (dívida pública /PIB nominal) alto?, existem rês referências: • Referência fornecida pela lógica económica (a) • Referência fornecida pelos estudos empíricos (b) • Factor psicológico (c) 5 (a) Referência fornecida pela lógica económica Considera-se geralmente que não é bom a Dívida Pública exceder os 60% do PIB. Qual a lógica deste número? Se a dívida pública for 100% do PIB (dívida = PIB), então uma subida de um ponto percentual na taxa de juro da dívida pública exige ao país usar 1% do seu PIB - ou seja, 1% da sua produção anual - só para pagar os novos encargos com juros. Ora, é frequente a taxa de juro da dívida pública flutuar um, dois, três ou mais pontos percentuais (a taxa de juro da dívida pública depende das taxas diretoras do BC e dos prémios de risco) Se a dívida pública for 100% do PIB e a taxa de juro da dívida subir, por exemplo, quatro pontos percentuais, então o país teria que usar 4% do seu PIB só para pagar os novos encargos com juros (o que é muito) Neste contexto, pensa-se que é melhor a dívida pública não exceder os 50% ou, no máximo, 60% do PIB. Neste caso, um aumento de quatro pontos percentuais na taxa de juro da dívida, obrigaria o país a usar cerca de 2% do seu PIB para pagar os novos encargos com juros (o que, não sendo pouco, está no limite do tolerável) (b) Referência fornecida pelos estudos empíricos Segundo o estudo de Reinhart and Rogoff publicado em 2010 com o título “Growth in a Time of Debt”, em que foi usado dados de 44 países relativos aos últimos 200 anos as conclusões que se retiram são: Principal conclusão: “The point is: whichever way you slice it, when public debt goes above 90% of GDP you have lower growth rates by about 1 percentage point”, Ms Reinhart said on Wednesday (excerto de artigo do Financial Times) “The conclusion that high levels of debt are correlated with lower growth is supported by several other researchers, including studies by the Bank for International Settlements and the International Monetary Fund, and it would be a surprise if higher levels of debt made no difference at all to growth” (excerto do mesmo artigo do Financial Times) “Where the criticisms of Reinhart & Rogoff have made a difference is by eroding the idea that growth suddenly slows when debt hits 90 per cent of GDP. The corrected figures show a much gentler drop”. (excerto do mesmo artigo do Financial Times) 6 (c) Factor psicológico Por outro lado, há algo de psicológico no número 100 que faz com que a avaliação da dívida pelos mercados mude quando a dívida pública se aproxima de 100% do PIB Quando a dívida pública começa a aproximar-se dos 100% do PIB, os mercados começam a recear o incumprimento e, consequentemente, a exigir maiores prémios de risco (que, por sua vez, fazem subir a taxa de juro da dívida pública) Quando o rácio (Dívida Pública / PIB nominal) se começa a aproximar de 100%, os mercados começam a apertar o escrutínio: • Começam a ver se se vislumbram, algures no futuro, superavits nas contas públicas do país que permitam pagar a dívida (ver se o numerador do rácio tende a diminuir) • Começam a analisar a evolução do PIB nominal (2) Relativamente ao segundo ponto, como estimar a evolução previsível do rácio (dívida pública / PIB nominal)? Esta previsão é feita: • olhando para o rácio (défice público / PIB nominal) actual e para a sua evolução ao longo dos últimos anos; - O défice público corresponde a novos empréstimos que o Estado obtém em cada ano, assim o rácio (défice público / PIB nominal) dá-nos os novos empréstimos do Estado em % do PIB e, portanto, mostra-nos de que forma está a subir a dívida do Estado em % do PIB nominal • olhando para a evolução do PIB nominal (NOTA: taxa de crescimento do PIB nominal = taxa de crescimento do PIB real + taxa de inflação); - Efeito directo: o crescimento do PIB nominal faz descer o rácio (Dívida Pública / PIB nominal) - Efeito indirecto: a maior actividade económica faz aumentar as receitas fiscais e, assim, reduz o défice público - diminuindo o ritmo de crescimento da Dívida Pública - ou pode mesmo levar ao surgimento de superavits que permitiriam abater Dívida Pública • Usando a equação dinâmica do rácio (dívida pública / PIB nominal) - Esta equação pode ser usada para fazer projeções sobre o valor do rácio nos próximos anos (3) Relativamente ao terceiro ponto, como avaliar a margem de manobra que existe no país 7 para adoptar medidas que façam descer o rácio (Dívida Pública / PIB nominal)? De forma a solucionar a questão deve-se: • adoptar medidas que façam a dívida pública crescer menos ou que consigam mesmo fazê-la descer (d) • adoptar medidas que façam crescer o PIB nominal (e) - ver ponto 6 da matéria (d) Medidas que façam a dívida pública crescer menos ou que consigam mesmo fazê-la descer Os mercados avaliam a possibilidade de virem a ser tomadas medidas que reduzam o défice público – diminuindo assim o ritmo de crescimento da dívida pública - ou que levem mesmo à criação de superavits nas contas públicas que permitam reduzir a dívida pública (tal como um défice faz subir a dívida, um superavit faz descer a dívida) Note-se que um superavit pode ser obtido por “Receitas de Capital”, ou seja, pela venda de património do Estado (se este património for enorme, é fácil ao Estado vender uma parte e obter assim receitas que contribuam para gerar um superavit). Logo, os mercados também olham para o valor de mercado do património do Estado Para avaliarem a capacidade que o Estado tem para reduzir o défice - e eventualmente vir a registar superavits - os mercados olham para: • A capacidade que o Estado tem para aumentar receitas. Em particular: - num país com uma economia forte o Estado tem mais margem de manobra para subir as taxas de imposto (num país pobre, subir os impostos cria dificuldades a pessoas que já vivem com muito pouco) - se se tratar de um país com forte crescimento económico as receitas fiscais aumentam automaticamente sem necessidade de aumentar as taxas de imposto - se o Estado possuir um vasto património, pode vender parte dele para gerar receitas (receitas de capital) • A capacidade que o Estado tem para reduzir despesas Redução do défice: um risco • Se o governo corta demais na despesa pública para reduzir o défice, corre o risco de essa redução da despesa conduzir a economia para uma recessão e isto fazer cair as receitas ficais aumentando o défice (chega-se ao contrário do desejado) 8 • O risco de isto acontecer é maior quando o consumo e investimento privados estão anémicos • Exercício difícil de “fine-tuning”: cortar a despesa mas não demais para não criar uma recessão “Self-fulfiling expectations” na dívida pública de um país Se o défice e dívida púbica começam a subir demais (em percentagem do PIB) - surge desconfiança dos emprestadores – prémio de risco por eles cobrado para adquirir dívida pública sobe - taxa de juro da dívida pública sobe - rubrica do défice intitulada "Juros da Dívida Publica" sobe - défice público sobe - dívida publica sobe - desconfiança dos emprestadores volta a subir – prémio de risco volta a subir - taxa de juro da dívida publica volta a subir - rubrica do défice intitulada "Juros da Dívida Publica" volta a subir - défice público volta a subir - dívida publica volta a subir – desconfiança dos emprestadores volta a subir - … Quando esta espiral não é travada a tempo - com medidas de correçãodo rácio défice/PIB (ou seja, medidas para reduzir o défice e /ou medidas para fazer crescer o PIB) que permitam vislumbrar uma inversão na tendência de crescimento da dívida - a situação torna-se insustentável) e o país é forçado a reestruturar a dívida, entrar em incumprimento total, ou pedir auxílio a organizações internacionais que façam empréstimos com taxa de juro mais baixa 9 NOTAS: Em vez de simplesmente declarar que não consegue pagar a dívida – incumprimento total - um país pode renegociar/reestruturar a dívida (incumprimento parcial) O incumprimento parcial consiste em: • Com ou sem acordo dos detentores de obrigações, alterar as datas dos pagamentos para mais tarde (grave) • Anunciar que só paga uma parte do que estava previsto (muito grave) Este tipo de procedimentos prejudica muito a credibilidade do país e faz com que no futuro ele passe a ter muitas dificuldades em emitir dívida pública (não conseguir emitir ou só conseguir emitir pagando juros muito altos) Dizer que a dívida pública é “sustentável” não é o mesmo que dizer que é “pagável”: Pagável: capacidade de pagar tudo num ano
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