Buscar

[TGE] Ciências Política e TGE - STRECK, L e MORAIS, JLB - Cap 2 - O Estado na Teoria Política Moderna.

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

T G E 
: 
1 
2. O Estado na Teoria Política Moderna 
2.1 . C o n s i d e r a ç õ e s gerais 
Vár ias teorias tentam expl icar e j u s t i f i c a r a o r i g e m d o Estado. 
C o m efeito, a lém da perspectiva contratual is ta - mais e m voga - pode-
r i a m ser mencionadas outras vertentes de expl icação da o r i g e m d o 
Estado e d o poder político que não esse "consenso contratual i s ta" , tais 
c o m o a de A u g u s t o C o m t e (a o r i g e m estaria na força d o número o u da 
r iqueza) , a de a lgumas correntes psicanalít icas (a o r i g e m d o Estado 
estaria na m o r t e , p o r homic ídio , d o i rmão o u n o c o m p l e x o de Édipo) , 
a de G u m p l o w i c z (o Estado teria s u r g i d o d o d o m í n i o de hordas 
n ó m a d e s v i o l e n t a s sobre populações o r i e n t a d a s para a a g r i c u l t u r a ) . 
E n t r e t a n t o , para os ob jet ivos destas re f lexões , o exame ficará 
res t r i to à t^g-çbqt i^i4JB|HHCWNg?wi^ / e n t e n d i d a , à ev idênc ia , c o m o 
teoria positiva do Estado, e à teoria m a r x i s t a , e n t e n d i d a c o m o a teoria 
negativa sobre o Estado. De qua lquer sorte , à revel ia e c o m u m a parte 
das teorias e x p l i c a t i v a s / j u s t i f i c a d o r a s , é possível a f i r m a r que'OSEV 
tadOyé u m f e n ó m e n o o r i g i n a l e h is tór ico de d o m i n a ç ã o . Cada momen-
to histórico e o correspondente modo de produção (prevalecente) engendram 
um determinado tipo de Estado. Observe-se , ass im, q u e o Estado m o -
d e r n o , e m sua p r i m e i r a versão ( a b s o l u t i s t a ) , 2 4 nasce das necessida-
des d o c a p i t a l i s m o ascendente, na ( u l t r a ) p a s s a g e m d o per íodo 
m e d i e v a l . O u seja, oJEstado não tem u m a c o n t i n u i d a d e ( e v o l u t i v a ) , 
q u e o l evar ia ao aper fe i çoamento ; são as c o n d i ç õ e s e c o n ô m i c o - s o -
ciais que f a z e m e m e r g i r a f o r m a de d o m i n a ç ã o apta a a tender os 
interesses das classes h e g e m ó n i c a s . 
2.2. A v i s ã o p o s i t i v a do Estado: o m o d e l o c o n t r a t u a l i s t a 
A v isão i n s t r u m e n t a l d o Estado na t radição c o n t r a t u a l i s t a a p o n -
ta para a inst i tuição estatal c o m o cr iação a r t i f i c i a l dos h o m e n s . C o m o 
Ver, acerca de Uma especificação desta forma estatal da modernidade o item 2.4 
a seguir. 
30 Lento Luiz Streck José Luis Bolzan de Morais 
d i z Cesar L u i s Pasold, "a c o n d i ç ã o i n s t r u m e n t a l d o Estado é conse-
quênc ia de d u p l a causa: ele nasce da Sociedade e e x i ; te para a tender 
d e m a n d a s que , p e r m a n e n t e o u c o n j u n t u r a l m e n t e , esla m e s m a Socie-
d a d e deseja sejam a t e n d i d a s " . 2 ' 
Neste sent ido , a perspec t iva aberta pela e s c o a d o j u s n a t u r a l i s -
m o contra tua l i s ta - nas suas var iantes par t i cu lares , c o m o se verá - é 
c r u c i a l para o e n t e n d i m e n t o da trajetória a d o t a d a pe lo Estado M o -
d e r n o e sua e s t r u t u r a i n s t i t u c i o n a l c o m o Estado C o n s t i t u c i o n a l e m 
seus d iversos aspectos a s s u m i d o s ao l o n g o dos ú l t imos c i n c o sécu-
los. 
A «>ttgepj^ãi>ÍDi^írica c o n t r a p õ e - s e àId^aCi^nt í^t í rarfeta- v e n d o 
a sociedade c o m o " n a t u r a l " ao h o m e m . N e s j a r ^ ó r o u t r o l a d o , a 
S o c i e d a d e / E s t a d o é vis ta c o m o u m a cr iação a r t i f i c i a l da r a z ã o h u -
m a n a a t ravés d o consenso, a c o r d o tácito o u expresso entre a m a i o r i a 
o u a u n a n i m i d a d e dos indivíduos . . . F i m d o Estado N a t u r a l e o início 
d o Estado Social e Pol í t ico . 
O c o n t r a t u a l i s m o m o d e r n o é u m a escola que floresce n o i n t e r -
curso dos séculos X V I a X V I I I . 2 6 A e s t r u t u r a b á s i c a ; s e dá pe la c o n -
t rapos ição entre o Estado de N a t u r e z a e o Estado C i v i l m e d i a d a p e l o 
C o n t r a t o Social , c o m o EN - C - EC, o n d e : E N c o r r e s p o n d e a Estado 
de N a t u r e z a ; C s igni f i ca c o n t r a t o ; EC s igni f ica Estado C i v i l c o m o u m 
concei to genér i co , e que será a seguir especi f icado. 
A s s i m , o p e n s a m e n t o c o n t r a t u a l i s t a p r e t e n d e estabelecer, ao 
m e s m o t e m p o , a origem do Estado e o fundamento do poder político a 
p a r t i r de u m acordo de v o n t a d e s , tácito o u expresso, que p o n h a f i m 
ao es tág io pré-pol í t ico (estado de natureza) e d ê início à soc iedade 
pol í t ica (estado c i v i l ) . 
Para os autores dessa escola, o estado c i v i l surge c o m o u m 
art i f íc io da razão h u m a n a para dar conta das d e f i c i ê n c i a s inerentes 
ao estado de natureza , c o n s t r u í d o c o m o h ipótese lógica n e g a t i v a o u , 
para a l g u n s , c o m o u m fato h is tór ico na o r i g e m d o h o m e m c i v i l i z a d o . 
O c o n t r a t o c lássico aparece c o m o u m i n s t r u m e n t o de l e g i t i m a ç ã o d o 
Estado - já existente - e a base s is temát ica de c o n s t r u ç ã o d o sistema 
jur íd ico . 
Pode-se d i z e r , e n t ã o , q u e : 
( ^ ) - o estado de n a t u r e z a , c o m o hipótese lógica n e g a t i v a , ref lete 
c o m o seria o h o m e m e seu c o n v í v i o fora d o c o n t e x t o social ; 
2 5 Ver a respeito, do autor, o seu A Função Social do Eslado Contemporâneo. Florianó-
^polis i_Ed_Da Autor^ 1S84. 
2 6 Hobbes, Leviatã -1651; Locke, Dois Tratados sobre o Governo Ci"il - 1690; Rousseau, 
Contrato Social -1762. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 31 
o: ^gy- o c o n t r a t o , i n s t r u m e n t o de e m a n c i p a ç ã o e m face do estado 
de na tureza e de leg i t imação d o p o d e r pol í t ico e; 
o estado c i v i l , p o r t a n t o , surge c o m o u m a cr iação racional , 
s u s tentado n o consenso dos i n d i v í d u o s . 
Para d a r conta disso , p r e t e n d e m o s , c o m o f a z e m B o b b i o e Bove-
r o , 2 7 e x p o r cada u m destes m o m e n t o s i s o l a d a m e n t e , v isando, com 
isso, a f a c i l i t a r a c o m p r e e n s ã o d o tema, r e t o m a n d o - o p o r autor e m 
s e g u i d a . 
2.2.1. O Estado de natureza 
A ideia de estado de natureza aparece c o r r e n t e m e n t e , como d i t o 
a c i m a , c o m o m e r a ítipótese lógica negativa, o u seja, sem ocorrência 
rea l . É u m a a b s t r a ç ã o que serve para j u s t i f i c a r / l e g i t i m a r a existência 
d a sociedade pol í t ica o r g a n i z a d a . Para a l g u n s , p o d e ter ha v id o u m a 
ocorrênc ia h is tór ica d o m e s m o - c o m o é o caso de Rousseau. Mas, 
s u b s t a n c i a l m e n t e , o estado de na tureza se apresenta c o m o contraface 
d o estado civil, o u seja, se não estamos n o i n t e r i o r da sociedade 
pol í t i ca , c a í m o s n o estado de na tureza . Seria o es tág io pré-político e 
social d o h o m e m , embora este, m e s m o e m estado de natureza não 
seja pensado c o m o " s e l v a g e m " , sendo o m e s m o q u e v i v e em socie-
dade . 
Para os cont ra tua l i s tas , a f iguração d o m e s m o não é un i forme . 
U n s , c o m o T h o m a s H o b b e s e S p i n o z a , v ê e m - n o c o m o estado de 
g u e r r a , a m b i e n t e o n d e d o m i n a m as p a i x õ e s , s i tuação de total inse-
gurança e incer teza , d o m í n i o do(s) mais for te(s ) , expressando-o c o m 
adág i o s , tais c o m o : guerra de lodos contra todos; o homem lobo do homem; 
etc. O u t r o s , c o m o Rousseau, d e f i n e m - n o c o m o estado histórico de 
f e l i c i d a d e - o estat lo p r i m i t i v o da h u m a n i d a d e o n d e a satisfação 
seria p l e na e c o m u m ( m i t o d o b o m s e l v a g e m , sendo s ignif icat iva a 
frase de a b e r t u r a do C o n t r a t o Social : os homens nascem livres e iguais 
e, em todos os lugares encontram-se a ferros) e o estabelecimento da 
p r o p r i e d a d e p r i v a d a joga pape l f u n d a m e n t a l . O estado c i v i l seria 
u m c o r r e t i v o d o p r ó p r i o d e s e n v o l v i m e n t o h u m a n o , que teria, assim, 
u m a e s t r u t u r a tr iádica (estado de n a t u r e z a , sociedade c i v i l c o m o 
m o m e n t o n e g a t i v o e estado c i v i l c o m o repúbl i ca . 
Já u m terce i ro pensador desta Escola s i n a l i z a u m quadro refe-
"Tencial d i v e r s o d o a té a q u i apresentado . Para John Locke , t ido como 
2 7 Ver, dos autores, Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna. São Paulo, Brasi-
liense, 1986, pnssiin. 
3 2 
Lenio Luiz Streck 
]osê Luis Bolzan de Morais 
" p a i d o l i b e r a l i s m o " , o es tág io pré-socia l e pol í t i co dos h o m e n s , o u 
seja, sua v i d a e m n a t u r e z a , se apresentava c o m o u m a sociedade de 
" p a z r e l a t i v a " , pois nele haver ia u m cer to d o m í n i o r a c i o n a l das p a i -
x õ e s e dos interesses. N o s q u a d r o s d o estado de natureza a razão 
p e r m i t i r i a a p e r c e p ç ã o de l i m i t e s à ação h u m a n a , c o n f o r m a n d o u m 
q u a d r o de garant ias n a t u r a i s o u , m e l h o r d i z e n d o , u m q u a d r o de 
d i r e i t o s n a t u r a i s que d e v e r i a m ser seguidos pe los h o m e n s ; a q u i o 
h o m e m já se encontra d o t a d o de razão e d e s f r u t a n d o da p r o p r i e d a d e 
( v i d a , l i b e r d a d e e bens) ; n ã o h á , t o d a v i a , na e v e n t u a l i d a d e d o con-
f l i t o , q u e m lhe possa pôr t e r m o para que n ã o degenere e m guerra e, 
a i n d a , tenha força coerc i t iva suf i c iente para i m p o r o c u m p r i m e n t o 
da dec i são . 
2.2.2. Couiríjfo social 
De m a n e i r a d i v e r s a , cada u m destes autores , e m b o r a e m todos 
eles esteja presente a i n e v i t a b i l i d a d e de a l terar i e s t á g i o de c o n v i -
vência soc ia l , p r o p õ e u m m e c a n i s m o q u e d ê conta desta passagem, 
o contrato social. A s s i m , para superar os i n c o n v e n i e n t e s d o estado de 
n a t u r e z a , os h o m e n s se r e ú n e m e estabelecem entre si u m pacto que 
f u n c i o n a c o m o i n s t r u m e n t o de passagem d o m o m e n t o " n e g a t i v o " de 
na t ur e z a para o es tágio pol í t ico (social) ; serve, a i n d a , c o m o f u n d a -
m e n t o de leg i t imação d o "Estado de Soc iedade" . C o n t u d o , há d i f e -
renças marcantes entre os autores no que d i z c o m o c o n t e ú d o destes 
pactos. F iquemos , e m u m p r i m e i r o m o m e n t o , c o m d o i s deles: [Hob-
bes e L o cke ] 
Para o p r i m e i r o , o c o n t r a t o social , à m a n e i r a de u m pacto e m 
f a v o r de terce iro , é f i r m a d o entre os i n d i v í d u o s que , c o m o i n t u i t o 
de p r e s e r v a ç ã o de suas v i d a s , 2 8 t r a n s f e r e m a o u t r e m não-par t í c ipe 
( h o m e m o u assembleia) todos os seits poderes - n ã o há , a q u i , a i n d a , e m 
se fa lar e m d i r e i t o s , po is estes só aparecem c o m o Estado - e m troca 
de s e g u r a n ç a . O u seja: para pôr f i m à g u e r r a de todos contra todos, 
própria d o estado de n a t u r e z a , os h o m e n s despojam-se d o que pos-
s u e m de d i r e i t o s e p o s s i b i l i d a d e s e m troca de receberem a segurança 
d o Leviatã . 
O Estado é carac ter izado c o m o o Leviatã na obra de Hobbes , 
que o designa c o m o " d e u s m o r t a l " , p o r q u e a ele - p o r debaixo d o 
Deus i m o r t a l - d e v e m o s a paz e a defesa de nossa v i d a . Esta d u p l a 
d e n o m i n a ç ã o resulta forte^njmte s i g n i f i c a t i v a : o Estado absokttísttKiue 
2 8 Sobre a i d e i a de vida em Hobbes, ver: Ribeiro, Renato Janine. Ao Leitor sem Medo. 
São Paulo: Brasiliense. 1984. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 33 
hc 
Hobbes edificou é, cm realidade, metade monstro e metade deus mortal, 
c o m o se p o d e ver na seguinte passagem d o L e v i a t ã : 2 9 O único cami-
n h o para e r i g i r u m p o d e r c o m u m que alcance d e f e n d e r os homens 
das agressões estrangeiras e das in júr ias r e c í p r o c a s - assegurando-se 
assim que possam a l imentar -se e v i v e r sat is fe i tos c o m sua própria 
indústr ia e c o m os f r u t o s da terra - res ide e m c o n f e r i r todos os seus 
jpderes e toda a sua força a u m h o m e m o u a u m a assembleia de 
i p m e n s que possa r e d u z i r todas as suas v o n t a d e s m e d i a n t e a p l u r a -
Í-J l i d a d e das vozes a u m a só v o n t a d e ; i s to e q u i v a l e a des ignar a u m 
h o m e m o u a u m a assembleia de h o m e n s para q u e represente a sua 
pessoa, de m o d o q u e cada u m aceite e se r e c o n h e ç a a si m e s m o como 
a u t o r de t u d o a q u i l o que d e f e n d e o representante de sua pessoa, do 
que possua o u d o que cause, naquelas coisas q u e c o n c e r n e m à paz 
e à segurança c o m u n s , s u b m e t e n d o todas as suas v o n t a d e s à vontade 
dele , e todos os seus ju ízos ao ju ízo de le . Is to é m a is d o que u m 
c o n s e n t i m e n t o o u c o n c o r d â n c i a ; é u m a u n i d a d e real de todos em 
u m a só e mesma pessoa, real izada m e d i a n t e o pac to de cada h o m e m 
c o m todos os d e m a i s , de u m a f o r m a q u e i m p l i q u e que cada h o m e m 
d i g a a todos os o u t r o s : "Cedo e transfiro meu direito de governar-me a 
mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição 
i de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas 
2 9 Na Bíblia, mais especificamente no Livro de Jó (capítulos 40-41), encontra-se a 
descrição do monstro invencível Leviatã (que significa literalmente crocodilo). Sua 
descrição termina assim: L, " S i lo despierlan, furioso se levanta, 
iy quién podrá aguantar delante de él? 
Lo alcanza la espada S I M clavarse, 
Lo inismo la lanza, jabalina o dardo. 
| Para él el hierro es sólo paja, 
El bronce, madera carcomida. 
No lo ahuyentan los disparos dei arco, 
Cual polvillo le llegan la^úedras de la honda. 
Un junco la maza le parece, 
Se rle dei venablo que silbn. 
rir Debajo de il tejas puntiagitdas: 
Un trillo que va posando por el lodo. 
Hace dei abismo una olla borbotante, 
Cambia el mar en pebetero. 
Deja Iras de s( una estela luminosa, 
el abismo diríase una melena blanca 
.>• No hay en la Herra semejante a él, 
Que há sido hecho intrépido. 
Mira a la cara a los más altos, 
Es rey de todos los hijos dei orgujjo. 
Consultar: Reale, Giovani e Antiseri, Dario. Historia dei pensamiento filosófico y cien-
tífico II.'Barcelona, Editorial Herder, 1995, p. 425 e 426. 
3 4 
Lenio Luiz Streck 
José Luis Bolzan de Morais 
as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama 
Estado, em latim c i v i t a s . É esta a geração daquele grande Leviatã (...). E 
nele que consiste a e ssênc ia d o Estado, a q u a l p o d e ser ass im d e f i n i -
da :jmna_pessoa de cujos atos u m a g r a n d e m u l t i d ã o , m e d i a n t e pactos 
recíprocos uns c o m os o u t r o s , f o i instituída p o r cada u m c o m o autora , 
de m o d o a ela p o d e r usar a força e os recursos de todos , d e maneira 
que considerar conveniente , para assegurar a paz e a defesa c o m u m . 
Aque le que é p o r t a d o r dessa pessoa se c h a m a s o b e r a n o e de le se d i z 
que possui p o d e r soberano . T o d o s os restantes s ã o s ú d i t o s . " 3 J 
Por o u t r o l a d o , e m L o c k e altera-se s u b s t a n c i a l m e n t e o c o n t e ú d o 
d o contra to , a d m i t i n d o , i n c l u s i v e , seu cará ter h i s tór i co , m u i t o e m b o -
ra permaneça c om o u m pr ic íp io de l e g i t i m a ç ã o d o p o d e r . A q u i , a 
ex i s tênc ia -permanênc ia d o s d i r e i t o s n a t u r a i s c i r c u n s c r e v e os l i m i t e s 
da co nv e nção . O "pacto de consentimento" q u e se estabelece serve para 
preservar e c o n s o l i d a r os d i r e i t o s já existentes n o es tado d e na tureza . 
O convénio é f i r m a d o n o i n t u i t o de r e s g u a r d a r a e m e r s ã o e genera-
lização d o c o n f l i t o . Através dele , os indivíduos d ã o seu consent imento 
unânim? para a entrada n o estado c i v i l e, p o s t e r i o r m e n t e , para a for -
mação d o g o v e r n o q u a n d o , então , se assume o pr incípio d a m a i o r i a . 
2.2.3. Estado civil 
A c o n s e q u ê n c i a destas a t i t u d e s d í s p a r e s se m o s t r a r á na c o n f i -
guração d o es tado c i v i l p r o p o s t a p o r cada u m d o s a u t o r e s c i tados . 
Poderemos ter a c o n s t r u ç ã o de u m p o d e r i l i m i t a d o , p o s t o q u e sem 
n e n h u m re ferenc ia l n o es tado de n a t u r e z a , o u seja, j m p o d e r n o v o , 
sem v ínculos a o ^ ^ l ^ f a e l ^ f e , t i d õ ~ c o m o i l u s t r a d o r d o estado 
absoluto , u m a v e z q u e o "príncipe" t u d o p o d e , o u t u d o d e v e fazer, 
pecando u n i c a m e n t e p o r f r a q u e z a . A q u i , n ã o há p a r â m e t r o s na tura i s 
para a a ç ã o estata l , u m a v e z q u e p e l o c o n t r a t o o h o m e m se despoja 
de t u d o , exceto d a v i d a , t r a n s f e r i n d o o a s s e g u r a m e n t o d o s interesses 
à sociedade pol í t i ca , e s p e c i f i c a m e n t e ao soberano . O Es tado e o D i -
rei to se c o n s t r o e m pela d e m a r c a ç ã o de l i m i t e s p e l o soberano que, 
p o r não ser par t í c ipe na c o n v e n ç ã o i n s t i t u i d o r a e, recebendo p o r 
todo d e s v i n c u l a d o o p o d e r dos i n d i v í d u o s , t e m a b e r t o o c a m i n h o 
para o a r r a i g a m e n t o de sua soberan ia . 
Por o u t r o l a d o , p a r a John L o c k e , a passagem d o Estado de 
N a t u r e z a para o Es tado C i v i l , m e d i a d a p o r este C o n t r a t o Social , se 
3 0 Cfe. Hobbes. Leviatã. Os pensadores. Trad. de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz 
Nizza da Silva. São Paulo, Abril Cultural , 1983, p. 105 e 106; ver também Reale, 
Giovani e Antiseri, op. cit. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 35 
fará para p e r m i t i r que aqueles d i r e i t o s p r é - s o c i a i s , v i s t o s c o m o d i -
rei tos na tura i s , dos indivíduos , presentes n o E s t a d o d e N a t u r e z a , 
possam ser g a r a n t i d o s mais e f i c a z m e n t e p e l o s o b e r a n o . A s s i m , o 
co nt e ú do d o C o n t r a t o Social será c o n s t i t u í d o p e l o c o n j u n t o de d i r e i -
tos naturais presentes n o EN, os q u a i s i rão t raçar os l i m i t e s d o p o d e r 
soberano no Estado C i v i l . 
Pode-se d izer , p o r t a n t o , q u e na 1 ^ t r > i ? $ ( ^ é ^ a \ e s b o ç a - s e o qua-
d r o pr imário d o i n d i v i d u a l i s m o l i b e r a l assentado e m u m a sociedade 
não conf l i tuosa cuja f o r m a de o r g a n i z a ç ã o e s t a r á l i m i t a d a p e l o con-
j u n t o de d i r e i t o s pré-sociais e pol í t i cos já presentes n o E/V e cuja 
pos i t ivação n o EC permitirá n ã o apenas o seu r e f o r ç o c o m o t a m b é m 
estabelecer os l i m i t e s à ação estatal . C o n f o r m e L o c k e , "a única m a -
neira pela q u a l u m a pessoa q u a l q u e r p o d e a b d i c a r de sua l i b e r d a d e 
n a t u r a l e revestir-se dos elos da soc iedade c i v i l é concordando com 
outros homens em junlar-se e unir-se em uma comutiidade, para v i v e r e m 
confortável , segura e pac i f i camente u n s c o m os o u t r o s , n u m gozo 
seguro de suas propr iedades e c o m m a i o r s e g u r a n ç a c o n t r a aqueles 
que dela não fazem p a r t e " . 3 1 H á , desse m o d o , u m d u p l o c o n t r a t o e m 
Locke : o de assoc iação , q u a n d o se f u n d a a s o c i e d a d e c i v i l , e o de 
s u bmi s s ão , i n s t i t u i d o r d o p o d e r po l í t i co , que não pode, no entanto, 
violar direitos naturais. 
Desse m o d o , para Locke , o h o m e m traz c o n s i g o , q u a n d o d o 
estabelecimento da sociedade c i v i l , os d i r e i t o s presentes n o estado 
de natureza ; não há u m d e s p o j a m e n t o nesta pa ssa ge m , tal q u a l e m 
Hobbes . A s s i m o estado c i v i l nasce d u p l a m e n t e l i m i t a d o . Por u m 
l a d o , não p o d e atuar e m c o n t r a d i ç ã o c o m aqueles d i r e i t o s ; p o r o u t r o , 
deve o p o r t u n i z a r , o mais c o m p l e t a m e n t e p o s s í v e l , a u s u f r u i ç ã o dos 
mesmos. Nasce, ass im, c o m o p o d e r c i r c u n s c r i t o à q u e l a esfera de 
interesses pré-sociais d o indiv íduo n a t u r a l . O e s t a be le c im e nt o da le i 
c i v i l , d o juízo i m p a r c i a l e da força c o m u m t e m u m p a p e l de reforço 
dos d i r e i t o s natura is não a l i enados a t r a v é s d o c o n t r a t o socia l . Os 
indivíduos , ao conTrário do que o c o r r e u e m H o b b e s , a b a n d o n a m u m 
único d i r e i t o : o de fazer justiça c o m as p r ó p r i a s m ã o s . 
A o contrár io de Hobbes , para L o c k e , o p o d e r estatal é essencial-
m e n t e u m p o d e r c i rcunscr i to . O e r r o d o s o b e r a n o n ã o se r á a f r a q u e -
za, mas o excesso. E, para isso, a d m i t e o direito de resistência. A 
soberania absoluta , incontrastável d o p r i m e i r o , cede passo à teoria 
d o pa i d o i n d i v i d u a l i s m o l i b e r a l , r e o r i e n t a n d o - s e n o s e n t i d o de u m 
Estado v i n c u l a d o a conteúdos p r é - s o c i a i s - os d i r e i t o s n a t u r a i s . E m 
Locke , a inda encontramos o c o n t r o l e d o E x e c u t i v o p e l o L e g i s l a t i v o 
e o controle d o governo pela sociedade, cernes d o pensamento l ibera l . 
3 1 Cfe. Locke, Jolin. Dois tratados sobre o governo. Trad. de Julio Fischer. São Paulo, 
Martins Fontes, 1998, p. 468. 
T o m a n d o , p a r a d i g m a t i c a m e n t e , a i d e a l i z a ç ã o lockeana, p o d e -
m o s buscar a caracter ização dos m o l d e s d o l i b e r a l . s m o . N o a u t o r de 
Dois Tratados sobre o Governo, b u r g u ê s p u r i t a n o d e n a s c i m e n t o , en-
contra-se, a lém da defesa da l i b e r d a d e e to le rânc ia re l ig iosas , a f o r -
mulação pr imária e mais c o m p l e t a d o Es tado L i b e r a l . Este nasce 
l i m i t a d o pelos d i r e i t o s naturais f u n d a m e n t a i s - v i d a e p r o p r i e d a d e 
- que são conservados pelos i n d i v í d u o s q u a n d o da c r i a ç ã o d o Esta-
d o , o qual t a m b é m é r e s t r i n g i d o "porque o consenso é dado aos gover-
nantes somente sob a condição de que exerçam o poder dentro dos limites 
estabelecidos."32 
Bobbio s inte t iza "(.. .) a través d o s p r i n c í p i o s d e u m d i r e i t o n a t u -
r a l preexistente ao Estado, de u m Es tado baseado no consenso, de 
subordinação d o poder e x e c u t i v o ao p o d e r l e g i s l a t i v o , d e p o d e r 
l i m i t a d o , de d i r e i t o de res is tência , L o c k e e x p ô s as d i r e t r i z e s f u n d a -
mentais do estado l i b e r a l . . . " 3 3 
Genericamente , pode-se d izer q u e , para o j u s n a t u r a l i s m o contra-
tualista, a sua regra básica consiste na necessidade de basear as relações 
sociais e políticas n u m i n s t r u m e n t o de rac ional ização , o d i r e i t o , o u de 
ver no pacto a condição formal da exis tência jurídica d o Estado. 
Resumidamente , pode-se r e t o m a r este debate para d i z e r q u e , 
para H o b b e s , 3 4 o contrato social , à m a n e i r a d e u m pacto e m f a v o r de 
3 2 Bobbio, Norberto. Direitoe Estado em l. Kant. Brasília: UnB. 1984, p. 40. 
3 3 Idem, ibidem, p. 41. 
3 * Importante registrar que, ao lado dos ingredientes económicos e políticos - emer-
gência do modo de produção capitalista e as lutas pelo poder - há toda uma funda-
mentação filosófica na formulação das teses acerca do Estado. C o m efeito, não se 
pode olvidar que o nominalismo (ou conceptualismo, como sustentam alguns auto-
res) de Hobbes é de suma relevância para a emergência do contratualismo. Obser-
ve-se que. "em Hobbes, a linguagem é o instrumento fundamental para a 
comunicação humana. O pacto, para a formação do estado, exige nina compreensão e 
adesão, e isto somente é possível pela linguagem. A uão-compreensão exata do pacto acarreta 
na formação do Estado. Porém, a linguagem subjetiva da denominação das paixões 
exige uma atenção peculiar. É na interpretação errónea e subjetiva que podem 
ocorrer os maiores riscos de um Estado. Portanto, Hobbes assegura à linguagem 
uma função constitutiva a respeito das relações sociais e políticas. Sem linguagem não 
haveria entre os homens nem Estado, nem Sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não 
existem entre leões, os ursos e os lobos. Nesse sentido, Wolmann, Sergio. O conceito de 
liberdade no Leviatã de Hobbes. Porto Alegre, Edipucrs, 1992, p.30. E , pois, a filosofia 
fornecendo o arcabouço teórico para a possibilidade de sustentar a origem conven-
cional do Estado e do poder, possibilitando, assim, romper com as teses metafísico-
essencialistas vigorantes até o medievo, que davam suporte ao poder de então. 
Repete-se nas teorias contratualistas o que já ocorrera com a sofística, mediante o 
rompimento da possibilidade da existência de essências e verdades imanentes. À_ 
evidência, a lese da origem convencional do Estado i um duro golpe às :eses acerca do Estado 
edo Poder até então vigorantes. Para tanto, ver Streck, Lenio L i ; z . Hermenêutica Jurídica 
e(m) Crise, op. c/f., p. 117 e 118. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 37 
terce i ro , é f i r m a d o entre os indivíduos q u e , c o m o o b j e t i v o de p r e -
s e r v a r e m suas v idas , transferem a o u t r e m n ã o - p a r t í c i p e ( h o m e m o u 
assembleia) todos os seus poderes - n ã o h á , a i n d a , q u e se fa lar e m 
d i r e i t o s , pois estes só aparecem c o m o Estado. O u seja: para pôr fim 
à guerra, despojam se do que possuem em troca da segurança do Leviatã.35^ 
C o n t r a p o n d o Hobbes, para Locke o p o d e r estatal é essencial-
mente u m p o d e r d e l i m i t a d o . O erro d o soberano n ã o será a f raqueza , 
mas o excesso. E, em consequência , para isso, a d m i t e o d i r e i t o de 
resistência . A soberania absoluta, i n c o n t r a s t á v e l , d o p r i m e i r o cede 
passo à teoria d o pai d o i n d i v i d u a l i s m o l i b e r a l , na q u a l a i n d a consta 
o contro le d o Exe. :ut ivo pelo Legis la t ivo e o c o n t r o l e d o g o v e r n o pela 
sociedade (cernes d o pensamento l i b e r a l ) . 
Altera-se o conteúdo d o contra to , se c o m p a r a d o c o m H o b b e s . 
Eml^ab&é, a exis tência-permanência dos d i r e i t o s n a t u r a i s c i rcunscre -
ve os l i m i t e s da convenção e do p o d e r dela d e r i v a d o . O p a c t o de 
c o n s e n t i m e n t o que se estabelece serve para p r e s e r v a r e c o n s o l i d a r 
os d i r e i t o s preexistentes no estado n a t u r a l . A c o n v e n ç ã o é f i r m a d a 
n o i n t u i t o de resguardar a emersão e a g e n e r a l i z a ç ã o d o c o n f l i t o . 
Através dela , os indivíduos dão o seu c o n s e n t i m e n t o para a ent rada 
n o estado c i v i l e, poster iormente , para a f o r m a ç ã o d o g o v e r n o q u a n -
d o , então, se assume o princípio da m a i o r i a . 
Já n o terceiro contratual ista - ^ « i r « c ^ c í v ^ 9 v ^ ) s $ e « K j - há u m 
sensível des locamento da noção de soberania . Para chegar n a q u i l o 
que Rosseau d e n o m i n o u de cont ra to soc ia l , é f u n d a m e n t a l que se 
c o m p r e e n d a o estado de natureza e a i n s e r ç ã o d o h o m e m e m c o m u -
n i d a d e . C o m efei tc , o estado de natureza e m Rosseau é somente uma 
categoria histórica para facilitar esse entendimento. A s s i m , n o " D i s c u r s o 
sobre a de s i gua ldade , Rosseau d i z q u e " o v e r d a d e i r o f u n d a d o r da 
sociedade c i v i l f o i o p r i m e i r o que, d e p o i s de h a v e r d e l i m i t a d o u m 
terreno , pensou e m dizer ' isto é m e u ' , e f a l o u a o u t r o s , tão i n g é n u o s 
para nele a c r e d i t a r a m " . A des igua ldade nasceu, p o i s , j u n t o c o m a 
p r o p r i e d a d e , e, c o m a p r o p r i e d a d e , nasce a h o s t i l i d a d e entre os 
homens . C o m isso se percebe a v i são pess imis ta de Rosseau sobre a 
histór ia , ao p o n t o de Vol ta i re ter c lass i f icado o Discurso sobre a origem 
e os fundamentos da desigualdade entre os homens c o m o s e n d o u m " l i -
be lo contra o género h u m a n o " . 
A o contrár io de Hobbes, Rosseau n ã o c o n s i d e r a o h o m e m c o m o 
" o lobo d o h o m e m " ; na verdade, o h o m e m se t r a n s f o r m a n o l o b o d o 
h o m e m no decorrer da história. É fácil perceber , a ss im , q u e o estado 
de natureza rosseauniano é antitótico ao de H o b b e s : " T u d o é b o m 
3 5 A respeito do temo, ver: Bolznn de Morais, José Luis . Ainda Hobbes. Revista da 
Faculdade de Direito da URI/FVV. Frederico Westphalen: E D U R I . 1999. 
3 8 
Lenio Luiz Slreck 
José Luis Bolzan de Morais 
q u a n d o sai das mãos d o A u t o r das coisas", p o r é m " t u d o se degenera 
nas m ã o s d o h o m e m " , sentencia. C o n s e q u e n t e m e n t e , n o seu Contrato 
Social, Rosseau d i z que o h o m e m nasceu l i v r e , e, p a r a d o x a l m e n t e , 
encontra-se apr i s ionado . Rosseau p r e t e n d e , a s s i m , d e v o l v e r a l iber -
d a d e ao h o m e m , e o m o d e l o que propõe se sustenta na c o n s c i ê n c i a 
h u m a n a e deve estar aberto à c o m u n i d a d e : " A p a ssa gem d o e s t a d o ' 
de natureza até o estado social p r o d u z n o h o m e m u m a m u d a n ç a b e m 
acentuada, s u b s t i t u i n d o , e m sua c o n d u t a , o i n s t i n t o p e l o s e n t i m e n t o 
de just iça , e o u t o r g a n d o a suas ações r e l a ç õ e s m o r a i s q u e antes 
es tavam ausentes. Somente ass im, q u a n d o a v o z d o d e v e r s u b s t i t u i 
o i m p u l s o físico, e o d i r e i t o s u b s t i t u i o a p e t i t e , o h o m e m , q u e até 
e n t ã o se havia l i m i t a d o a contemplar -se a si m e s m o , se v ê o b r i g a d o 
a a tuar segundo outros pr inc ípios , c o n s u l t a n d o r o m sua r a z ã o antes 
de escutar as suas incl inações . N o e n t a n t o , a i n d a q u e esse n o v o 
estado acarrete privações de m u i t a s das v a n t a g e n s q u e lhe concede 
a natureza , obtém c o m p e n s a ç õ e s m u i t o g r a n d e s , suas f a c u l d a d e s se 
exerc i tam e se a m p l i a m , suas ideias se d e s e n v o l v e m , seus s e n t i m e n -
tos se enobrecem e sua a lma se eleva até u m g r a u ta l q u e - se o m a u 
uso da nova condição c o m frequência n ã o lhe av i l tasse , f a z e n d o que 
se s i tue mais abaixo de seu estado or ig inár io - ter ia q u e agradecer 
sem parar o fel iz instante e m que f o i a r r a n c a d o p a r a s e m p r e d a q u e l e 
l u g a r , co nver tendo o a n i m a l es túpido e l i m i t a d o q u e era , e m u m ser 
in te l igente , e m u m h o m e m " . 3 6 
O princípio que dá l e g i t i m i d a d e ao p o d e r é a v o n t a d e gera l , 
ass im e xpl i cado por Rosseau: " C r e i o p o d e r estabelecer c o m o pr inc í -
p i o indiscutível que somente a v o n t a d e g e r a l p o d e d i r i g i r as forças 
d o Estado segundo a f i n a l i d a d e de sua i n s t it u i ç ã o , q u e é o b e m 
c o m u m ; c o m efeito, se para que aparecessem as soc iedades c i v i l i z a -
das f o i preciso u m choque entre os interesses p a r t i c u l a r e s , o a c o r d o 
entre esses é o que as faz poss íveis . O v í n c u l o soc ia l é c o n s e q u ê n c i a 
d o que existe em c o m u m entre esses interesses d i v e r g e n t e s , e se não 
houvesse n e n h u m e lemento n o q u a l c o i n c i d i s s e m os interesses, a 
sociedade não poder ia exis t i r . Isto posto , p o r q u a n t o q u e a v o n t a d e 
s e m p r e se d i r i g e para o b e m d o ser que q u e r e a v o n t a d e p a r t i c u l a r 
s e m p r e tem p o r ob je t ivo o b e m p r i v a d o , e n q u a n t o q u e a v o n t a d e 
g e r a l se d i r i g e ao interesse c o m u m , disso se d e d u z q u e s o m e n t e esta 
ú l t ima é, o u deve ser, o v e r d a d e i r o m o t o r d o c o r p o s o c i a l " . 
_ Consultar Reale e Antiseri, op. cit., p. 635-652; Rousseau, Jean Jacques. Du Con-
tratei Social. Paris: Gallimard, 1979; Idem, Discurso sobre la economia política. Madrid, 
Tecnos, 1985; Idem, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os 
homens. Brasília, Universidade Nacional de Brasília, 1989. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 39 
A v o n t a d e de que fala Rosseau não a d v é m da s u b m i s s ã o a u m 
terce iro , a t ravés de u m pacto: ela se o r i g i n a de u m a união entre 
igua is . Cada u m i enunc ia a seus própr ios interesses e m f a v o r da 
c o l e t i v i d a d e . N a d a é p r i v a d o ; t u d o é públ ico n o Rosseau d o Contrato 
Social. A soberania sai das mãos d o m o n a r c a , e sua t i t u l a r i d a d e é 
consubstanciada n o p o v o , tendo c o m o l imitação , apesar de seu cará-
ter abso luto , o c o n t e ú d o d o contra to or ig inár io d o Estado. É esta 
c o n v e n ç ã o que estabelece o aspecto rac iona l d o p o d e r soberano. A 
v o n t a d e g e r a l i n c o r p o r a u m c o n t e ú d o de m o r a l i d a d e ao m e s m o , 
p e r m i t i n d o que se entenda a obediência c o m o exerc íc io de l i b e r d a d e 
e a soberania c o m o a ação d o p o v o que d i t a a v o n t a d e gera l , cuja 
e x p r e s s ã o é a l e i . 3 7 
O h o m e m rosseauniano só deve obedecer à consciência públ ica 
representada pe lo estado, fora d o q u a l n ã o há mais d o que consc iên-
cias p r i v a d a s o u i n d i v i d u a i s , que d e v e m ser r e cha ça d a s p o r q u e p r e -
j u d i c i a i s : "Para que o pacto social não se r e d u z a a u m a fórmula 
v a z i a , i m p l i c a tac i tamente o seguinte e m p e n h o , o único que p o d e 
d a r força aos d e m a i s : aquele que se nega a obedecer a v o n t a d e gera l , 
será o b r i g a d o a isso p o r t o d o o c o r p o ; is to n ã o s igni f i ca o u t r a coisa 
q u e o b r i g a r - l h e a ser l i v r e " . E m síntese , a v o n t a d e gera l , encarnada 
n o Estado e pe lo Estado, é o todo . C o m o se p o d e observar , a defesa 
d o b e m c o m u m sufoca as poss ib i l idades i n d i v i d u a i s d o c i d a d ã o . O 
indiv íduo é a b s o r v i d o por esse " t o d o " representado pe lo Estado 
p o r t a d o r da v o n t a d e gera l . Nesse s e n t i d o , Sergio Cotta chama a 
a tenção para o fato de que o cont ra to social dá o r i g e m a u m Estado 
d e m o c r á t i c o , na m e d i d a e m que o p o d e r já não pertence a u m prín-
c i p e o u a u m a o l i g a r q u i a , e s i m à c o m u n i d a d e . Esta é a g r a n d e 
cont r ibu ição de Rosseau à f i losof ia pol í t ica . E n t r e t a n t o , Rosseau t a m -
b é m consagra o d e s p o t i s m o da m a i o r i a , que assume r o u p a g e n s de 
t o t a l i d a d e , pela q u f l sua vontade não somente é l e i , s e nã o t a m b é m 
a n o r m a que indica o jus to e a v i r t u d e . Desde o p o n t o de vis ta ét ico 
e pol í t ico, há u m a negação da l iberdade ao ser h u m a n o . Q u a n d o esta 
entra e m c o n f l i t o c o m a vontade geral p r e d o m i n a n t e , impõe-se - lhe 
o dever de aceitar que tenha se e q u i v o c a d o , sacr i f i cando ass im i n t e i -
r a m e n t e a sua razão e m face da v o n t a d e c o l e t i v a , m e d i a n t e u m a u -
têntico ato de fé. Por isso, conc lu i Cot ta , i m p u l s i o n a d a p r a t i c a m e n t e 
p o r u m a fata l necessidade, a f i losof ia c o m o revo lução p r o p o s t a p o r 
Rosseau desemboca n o Estado ético e to ta l i tár io . 3 8 
Idem, ibidem. 
Idem, ibidem. 
2.3. A v i s ã o n e g a t i v a sobre o Estado 
N o l i v r o A origem da família, da propriedade privada e do Estado,39 
Engels d i z que a s íntese da sociedade c i v i l i z a d a é o Estado, q u e , e m 
todas as é p o c a s conhecidas , t e m s i d o o Estado da classe p r e p o n d e -
r a n t e m e n t e e essencialmente, e m todos os casos, a m á q u i n a de opres-
são da classe e x p l o r a d a e sub jugada . M a r x e Engels reconhecem ao 
Estado, p o i s , somente u m f i m : a o p r e s s ã o de u m a classe p o r o u t r a . 
O pensamento m a r x i s t a é u m a das mais v i g o r o s a s reações às 
d o u t r i n a s c láss icas da te leologia estatal . Leva , p o i s , à n e g a ç ã o d o 
Estado, i s to é , a sua ex t inção . N a mecânica social m a r x i s t a , a rotação 
das classes, que se dará até o i n t e i r o d e s a p a r e c i m e n t o das mesmas, 
c o n d i c i o n a a natureza e os f ins d o Estado. O Es tado é , ass im, supe-
r e s t r u t u r a d o m o d o de p r o d u ç ã o capi ta l is ta , q u e representa a i n f r a -
e s t r u t u r a , o n d e esta d e t e r m i n a àquela . C o n t e s t a n d o H e g e l , Engels 
v a i d i z e r que o Estado n ã o é , de m o d o a l g u m , u m Poder i m p o s t o de 
fora à sociedade, n e m é t a m p o u c o "a rea l idade da ide ia m o r a l " , "a 
i m a g e m e a rea l idade da r a z ã o " , c o m o esse f i lósofo p r e g a v a . O Es-
tado é p r o d u t o da sociedade ao chegar a u m a d e t e r m i n a d a fase de 
d e s e n v o l v i m e n t o ; é a conf i s são de que esta soc iedade se há e n r e d a d o 
co ns igo mesma n u m a c o n t r a d i ç ã o insolúvel , se há d i v i d i d o e m a n -
t a g o n i s m o s i rreconci l iáveis , perante os quais se m o s t r a i m p o t e n t e 
para c o n j u r a r . E a f i m de que estes antagonismos , estas classes c o m 
interesses e c o n ó m i c o s e m combate não se d e v o r e m m u t u a m e n t e , 
b e m c o m o a sociedade n u m a lu ta estéri l , se faz mister um Poder, 
co locado aparentemente acima da sociedade, cot, a missão de amorte-
cer o conflito c mantê-lo dentro dos limites da ordem. Este Poder , que 
b r o t o u da sociedade, mas que se co locou p o r sobre ela e da q u a l cada 
vez m a i s se d i v o r c i a , é o Es tado . 4 0 
E m s íntese , a teoria m a r x i s t a prevê o d e s a p a r e c i m e n t o d o Esta-
d o - por isso a sua visão negativa. A f i n a l , se o Es tado é i n s t r u m e n t o 
para p r o t e g e r os interesses da classe d o m i n a n t e 4 1 e e m n ã o h a v e n d o 
3 9 Cfe. Engels, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio 
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982. 
4 0 Cfe. Engels, op. cit. tb. Bonavides, op. cit., p. 52 e segs. 
4 1 Neomarxistas como Poulantzas e Gramsci não aceitam a ideia do Estado como 
mero instrumento a serviço das classes detentoras do poder. Recuperam, assim, a 
perspectiva política da teoria marxista. Desse modo, para eles, mesmo sendo o 
núcleo do "bloco de poder" e representando os interesses politicamente hegemóni-
cos das classes dominantes, o Estado, como agente organizador e unificador, goza 
~de~"autonomia relativa" diante das frações dominantes de uma sociedade dividida 
em classes. Desta forma, ainda que as frações hegemónicas controlem e atuematravés do aparato estatal, jamais o podem possuir integralmente. A questão central 
está no fato de que o Estado nem é um instrumento total de uma classe, nem é uma 
4 0 
Lento Luiz Streck 
José Luis Bolzan de Morais 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 41 
u 
mais classes sociais a p ó s a r e v o l u ç ã o p r o l e t á r i a , não há mais razão 
para a ex is tência cie u m apara to c o m o o Es tado , que , e m uma socie-
dade h a r m o n i z a d a , ext inguir -se -á n a t u r a l m e n t e . C o m o diz Ernest 
Mandel/ 2 "Este facto t e m que ser s u b l i n h a d o : e n q u a n t o exist ir o 
Estado, será ele a p r o v a de que há c o n f l i t o s sociais, ( p o r t a n t o , u m a 
r e l a t i v a escassez de bens e se rv iços ) . Desaparecendo os conf l i tos 
sociais, d e s a p a r e c e r ã o os c ã e s - d e - g u a r d a , p o r inúteis e parasitas, -
mas nunca antes d i sso" . 
É poss ível a f i r m a r , dessarte, c o m G r u p p i , que não existe u m a 
teoria m a r x i s t a orgânica d o Estado. T e m o s u m a p r i m e i r a tese que 
p e r m i t e c o n s t r u i r essa teor ia : a descoberta da natureza de classe d o 
Estado, is to é , de que o Estado nasce da l u t a de classes. Nesse senti -
do, L u c i o C o l l e t t i a f i r m a que p r o c u r a r e m M a r x u m a teoria d o Esta-
d o é u m e r r o , p o i s o m a r x i s m o é a teor ia da ex t inção d o Estado, é a 
teoria d o c o m u n i s m o , isto é, da soc iedade sem Estado; M a r x não 
p o d e r i a e laborar u m a teoria d o Estado, p o i s sua teoria é a da e x t i n -
ção d o Estado. E n t r e t a n t o , a f i r m a G r u p p i , n ã o concorda i n t e i r a m e n -
te c o m essa assert iva, is to p o r q u e o p r ó p r i o M a r x respondeu a essa 
q u e s t ã o , a f i r m a n d o jus tamente q u e , para o trânsito d o Estado b u r -
guês à sociedade sem Estado, é n e c e s s á r i o u m p o d e r estatal, o qual 
e n t r e t a n t o não é mais u m p o d e r estatal n o v e r d a d e i r o sent ido da 
p a l a v r a (já c o m e ç a a ex t inção d o Estado) , mas a inda é u m Estado. 
E m M a r x temos a anál ise d o Estado b u r g u ê s p o r q u e , para d e r r u b a r 
o Estado b u r g u ê s e c o n s t r u i r u m a sociedade sem Estado é preciso 
p r i m e i r o c o n h e c ê - l o . M a r x e l a b o r o u os f u n d a m e n t o s de u m verda-
d e i r o c o n h e c i m e n t o d o Estado b u r g u ê s e m sua obra O Capital. A l i 
está a chave , c o n c l u i . 4 3 
I m p o r t a n t e notar que a teoria n e g a t i v a (não orgânica , segundo 
G r u p p i ) d o Estado assentava-se sobre t rês e lementos d o m a r x i s m o 
.. c láss ico que se a p o i a v a m m u t u a m e n t e : m a r x i s m o c o m o emancipa-
£ i _ — * 
"potência" capaz de controlar diferentes frações, equidistantemente de todas elas. 
Claro está que para Poulantzas não há que atribuir demasiada importância à parti-
cipação direta da classe dominante no aparelho do Estado - nos níveis do governo, 
da administração, da magistratura e da política. Trabalhando e superando as cate-
gorias althusserianas, Poulantzas concebe o Estado não apenas como atuaçào nega-
tiva configurada no exercício da violência física legítima através dos aparelhos 
repressivos, mas também na articulação positiva do "consenso", através dos apare-
lhos ideológicos, mantendo, assim, a coesão da formulação social e a reprodução 
das relações sociais. Ver, para tanto: Poulantzas, Nicos. Poder político e Classes sociais. 
São Paulo, Martins Fontes, 1977; idem, O Estado em crise. Rio de Janeiro, Graal, 1977; 
- G r u p p i , op. ciL+ em especial, Wolkmer, Antonio Carlos. Elementos para uma crítica do 
Estado. Porto Alegre, Fabris, p. 33 e 34. 
4 2 Cfe. Mandel, Ernest. Teoria Marxista do Estado. Lisboa, Editora Antídoto, 1977, p. 29. 
4 3 Cfe. Gruppi , op. cit., p. 45 e 46. 
42 
Lenio Luiz Streck 
José Luis Bolzan de Morais 
ç ã o d e classe i d e n t i f i c a v a as d o e n ç a s n o m u n d o exis tente ; m a r x i s m o 
c o m o a n á l i s e de classe p r o v i d e n c i a v a a d i a g n o s e de suas causas; e 
m a r x i s m o c o m o s o l u ç ã o c ient í f ica i d e n t i f i c a v a sua c u r a . P r i n c i p a l -
m e n t e a p ó s a q u e d a d o m u r o de B e r l i m , agudiza -se a crise d o m a r -
x i s m o . C o m o b e m asseveram W r i g h t , L e v i n e e Sober, a expressão 
esigna hoje d u a s rea l idades d i f e r e n t e s : a crise 
pol í t i ca , e c o n ó m i c a e ideológica d o s pa í ses e p a r t i d o s pol í t i cos q u e 
a d o t a r a m o m a r x i s m o c o m o u m a i d e o l o g i a o f i c i a l ; e a crise d e n t r o 
da t r a d içã o i n t e l e c t u a l d o m a r x i s m o . 
A p r i m e i r a dessas crises t e m suas ra ízes na e s t a g n a ç ã o e n o 
d e c l ín io das sociedades autor i tár ias de s o c i a l i s m o de estado. A se-
g u n d a , p o r é m , n ã o p r o v e i o da e s t a g n a ç ã o d o m a r x i s m o c o m o t r a d i -
ção t e ó r i c a , mas a c o m p a n h o u u m p e r í o d o de cons ideráve l 
v i t a l i d a d e , a b e r t u r a para novas ideias e progresso técnico d e n t r o das 
três d i m e n s õ e s da t radição m a r x i s t a - aná l i se de classe, soc ia l i smo 
c ient í f i co e e m a n c i p a ç ã o das classes. A aná l i se de classe r e g i s t r o u 
sucessos, mas a ide ia de q u e a c iênc ia soc ia l , e m g e r a l , d e v a r e s u m i r -
se à a n á l i s e de classe não mais parece ser p laus íve l . 
O m a r x i s m o c láss ico era u m e m p r e e n d i m e n t o a m b i c i o s o , pois 
a s p i r a v a , p r i m e i r a m e n t e , à u n i d a d e entre teor ia e prá t i ca , o n d e a 
teor ia d e v e r i a g u i a r a prát ica , e a prát ica t r a n s f o r m a r a teoria d i a l e -
t i ca m e nt e . P r e t e n d i a a i n d a c o n s t r u i r u m esquema c o n c e i t u a i a b r a n -
gente , a p t o para a aná l i se dos f e n ó m e n o s sociais . Nesse s e n t i d o , 
a d u z e m os autores q u e u m retrocesso às a s p i r a ç õ e s m a r x i s t a s ante-
r iores já n ã o é m a i s poss íve l . O m u n d o m u d o u , e essas f o r m a s pas-
sadas n ã o p o d e m m a i s ser recuperadas . A f r a g m e n t a ç ã o da ant iga 
tr íade uni tár ia da teor ia m a r x i s t a cer tamente esvazia seu apelo i d e o -
lóg ico . Esses três c o m p o n e n t e s da ant iga t r íade m a r x i s t a f loresce-
r a m , c o n t u d o , n o re ferente a m u i t o s aspectos, na m e d i d a e m que sua 
i n t e r c o n e x ã o ia e n f r a q u e c e n d o . Por isso, c o n c l u e m , " v e m o s c o m o t i -
m i s m o q u e u m m a r x i s m o r e c o n s t r u í d o , e m b o r a m e n o s i n t e g r a d o , é 
poss íve l , e o que é hoje s e n t i d o c o m o u m a crise será v i s t o c o m o u m a 
c o n d i ç ã o d o l o r o s a , mas inev i táve l , de c r e s c i m e n t o " . 4 4 
E n f i m , c o m o assevera P e r r y A n d e r s o n , 4 5 m e n c i o n a r os l i m i t e s e 
os p r o b l e m a s d o m a r x i s m o não significa deixar de render as devidas 
homenagens aos seus maiores pensadores. Seria a b s u r d o i m a g i n a r que 
M a r x o u L e n i n o u T r o t s k y p o d e r i a m ter r e s o l v i d o c o m sucesso todos 
os p r i n c i p a i s p r o b l e m a s de suas é p o c a s - q u a n t r mais aqueles s u r g i -
4 4 Cfe. Writht, Erik Olin ; Levine, Andre e Sober, Elliott. Reconstruindo o marxismo. 
Ensaios sobre a explicação e teoria da história. Petrópolis, Vozes, 1993, p. 330 e segs. 
4 5 Cfe. Anderson, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. São Paulo, Brasi-
liense, 1999, p. 165 e 166. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 43 
os p o s t e r i o r m e n t e . O fato de M a r x n ã o ter d e c i f r a d o o e n i g m a do 
n a c i o n a l i s m o, de L e n i n n ã o ter p e r c e b i d o o p o d e r da democrac ia 
burguesa , de T r o t s k y n ã o ter p r e v i s t o r e v o l u ç õ e s sem sovietes , não 
deve causar surpresa n e m ser c e n s u r a d o . A g r a n d e z a de suas rea l i -
zações n ã o p o d e ser ofuscada p o r q u a l q u e r l is ta de suas o m i s s õ e s o u 
erros. N a v e r d a d e , p o r a t radição q u e r e p r e s e n t a m ter sempre se 
concentrado na e c o n o m i a e na pol í t ica - ao c o n t r á r i o d o m a r x i s m o 
oc identa l , c o m sua o r i e n t a ç ã o p r i m o r d i a l m e n t e f i losófica - os mes-
m o s temas r e s s u r g e m e m nossos dias p r a t i c a m e n t e c o m o problemas 
universa is perante q u a l q u e r m i l i t a n t e soc ia l i s ta . A esta a l t u r a , já 
v i m o s q u ã o n u m e r o s o s e persistentes s ã o esses p r o b l e m a s . Q u a l é a 
natureza c o n s t i t u t i v a da democrac ia b u r g u e s a ? Q u a l é a função e o 
f u t u r o da n a ç ã o - E s t a d o ? Q u a l é o v e r d a d e i r o cará ter d o i m p e r i a l i s -
m o como s i s t e m a 7 Q u a l é o s i g n i f i c a d o h i s t ó r i c o de u m Estado ope-
rário sem d e m o c r a c i a operár ia? C o m o a l c a n ç a r u m a revolução 
socialista nos países capi ta l is tas a v a n ç a d o s ? C o m o t o r n a r o in terna-
c i o n a l i s m o u m a prát ica genuína e n ã o m e r a m e n t e u m p i e d o s o ideal? 
C o m o ev i tar q u e ;;e r e p i t a e m países q u e se l i b e r t a r a m d o co lonia l i s -
m o o des t ino de i e v o l u ç õ e s anter iores l evadas a cabo e m países e m 
condições equivalentes? C o m o atacar e a b o l i r s istemas estabelecidos 
de pr ivi légio e o p r e s s ã o burocrá t i cos? Q u a l seria a e s t r u t u r a de u m a 
autênt ica d e m o c r a c i a socialista? S ã o estas, f i n a l i z a A n d e r s o n , as 
grandes q u e s t õ e s não r e s p o n d i d a s q u e e n c a b e ç a m a agenda de p r i o -
r idades da teor ia m a r x i s t a hoje. 
senhores dos Estados, ta l q u a l o f a z i a m os senhores f e u d a i s d o me-
d i e v o , t i t u l a r i z a n d o i n d i v i d u a l m e n t e a p r o p r i e d a d e d o Estado. 
T a l es tratégia a b s o l u t i s t a s e r v i u f u n d a m e n t a l m e n t e para , na 
passagem d o m o d e l o f e u d a l para o m o d e r n o , assegurar a u n i d a d e 
t e r r i t o r i a l dos r e i n o s , s u s t e n t a n d o u m dos e l e m e n t o s f u n d a m e n t a i s 
da f o r m a estatal m o d e r n a : o terr i tór io . 
A base de s u s t e n t a ç ã o d o p o d e r m o n á r q u i c o a b s o l u t i s t a estava 
al icerçada na ide ia de q u e o p o d e r dos reis t i n h a o r i g e m d i v i n a . O 
re i seria o " r e p r e s e n t a n t e " de D e u s na T e r r a , o q u e lhe p e r m i t i a 
desvincular -se de q u a l q u e r v í n c u l o l i m i t a t i v o de sua a u t o r i d a d e . 
D i z i a B o d i n , u m de seus d o u t r i n a d o r e s , q u e a soberan ia d o monarca 
era perpétua, originária e irresponsável em face de qualquer outro poder 
terreno. 
Por tanto , pode-se d i z e r q u e o Estado a b s o l u t i s t a , de um ponto de 
vista descritivo, seria aquela forma de governo em que o detentor do poder 
exerce este último sem dependência ou controle de outros poderes, supe-
riores ou inferiores, c o m o refere P i e r a n g e l o Schiera 4 6 
Deve-se, t o d a v i a , ter c l a r o q u e o a b s o l u t i s m o n ã o se c o n f u n d e 
c o m a tirania, p o s t o que sua i l imi tação d i z c o m u m a a u t o n o m i a e m 
face de q u a l q u e r l i m i t e e x t e r n o , mas g e r a n d o l i m i t e s i n t e r n o s c o m 
relação a va lores e c r e n ç a s da é p o c a . Da m e s m a f o r m a , o a b s o l u t i s m o 
- que f i n d a c o n v e n c i o n a l m e n t e c o m a R e v o l u ç ã o Francesa de 1789 -
d i fe re d o despotismo, o q u a l , ao seu i n v e r s o , e n c o n t r a nos e lementos 
m á g i c o s , sagrados e r e l i g i o s o s sua l e g i t i m a ç ã o . 4 7 
2.4. A p r i m e i r a versão d o Estado M o d e r n o : o Estado 
a b s o l u t i s t a 
C o m o p r i m e i r a e x p r e s s ã o d o Estado M o d e r n o v a m o s observar 
que a es tratégia de c o n s t r u ç ã o da n o v a f o r m a estatal , a l icerçada na 
ideia de soberania v a i levar à c o n c e n t r a ç ã o de todos os poderes nas 
m ã o s dos m o n a r c a s , o que v a i o r i g i n a r as c h a m a d a s monarquias ab-
solutistas, f a z e n d o c o m que , c o m o sustenta D u g u i t , a realeza que está 
nas or igens d o Estado M o d e r n o associe as c o n c e p ç õ e s la t ina e f e u d a l 
de a u t o r i d a d e - imperium e senhoriagem - p e r m i t i n d o - s e personi f i car 
o Estado na f i g u r a d o r e i , f i c a n d o na his tór ia a frase de L u i z X I V , o 
Rei Sol: VÉlat c'est moi - O Estado s o u e u . 
C o m isso, as m o n a r q u i a s absolut is tas se a p r o p r i a r a m dos Esta-
dos c o m o o propr ie tár io õ fazTcTõ õb~jeTõ~de~sua propriedade, fazendo 
s u r g i r u m p o d e r de imperium c o m o d i r e i t o a b s o l u t o d o re i sobre o 
Estado. Por o u t r o } 
44 
Lenio Luiz Streck 
José Luis Bolzan de Morais 
a d o , c o m ta l p o s t u r a os reis c o n s t i t u í r a m - s e c o m o J 
C U \ 
JL c ^ r v e - \cC^ f O i ^ ^ f ™ ^ " - l í r f & ^ k " 
4 6 Ver o verbete Absolutismo. Irí BobbtorNorberto et ali. Dicionário de Política. Brasília: 
UnB. 1986, p. 1 a 7. 
4 7 Id. ibid, p. 2. 
Ciência Política e 
Teoria Geral do Estado 45

Outros materiais