Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ÍT^C l< L L CL H O Í M ' ^ o L 3 . 6. O Estado de Direito 6.1. Considerações gerais Se o Estado se conf igura c o m o inst i tuição , o p o d e r de m a n d o e m d a d o território não prescinde d o D i r e i t o para fazer c o m que os demais elementos que c o m p õ e m a ossatura d o Estado sejam i m p l e - mentados . Estado e D i r e i t o , po is , passam a ser co m ple m e nt a r e s e in terdependentes . C o m efei to , no p l a n o teórico, o Estado de D i r e i t o emerge como u m a const rução própria à segunda metade d o século X I X , nascendo na A l e m a n h a - c o m o RechtstaiU - e, p o s t e r i o r m e n t e , sendo i n c o r p o - r a d o à d o u t r i n a francesa, em ambos c o m o u m debate a p r o p r i a d o pelos juristas e v i n c u l a d o a u m a p e r c e p ç ã o de h i e r a r q u i a das regras jur ídicas , c o m o ob je t ivo de e n q u a d r a r e l i m i t a r o p o d e r d o Estado pe lo D i r e i t o . O d e v i r histórico, entre tanto , recupera tal concei to , a s s u m i n d o o D i r e i t o c o m o u m p o n t o de referência estável e a p r o f u n d a n d o o m o d e l o através de seu conteúdo, fazendo s u p l a n t a r a ideia de Estado de D i r e i t o c o m o u m a pura lega l idade . Podem-se, então , apontar três v isões própr ias a este fenómeno : A - Visão Formal, onde se v i n c u l a a ação d o Estado ao D i r e i t o , o u seja, a atuação estatal é jur ídica , p r o d u z i n d o - s e através de regras de d i r e i t o . B - Visão Hierárquica, na q u a l a e s t r u t ur a çã o escalonada da O P d e m jurídica impõe ao Estado sua su je ição ao D i r e i t o . C - Visão Material, que i m p l i c a a imposição de a t r ibutos intrínse- cos ao Dire i to , ou seja, a q u i , a o r d e m jurídica estatal produz-se tendo certa substancia l idade c o m o própr ia . Há u m a q u a l i f i - cação d o Estado pelo D i r e i t o e deste p o r seu co nt e úd o . O Estado de D i r e i t o surge desde l o g o c o m o o Estado que, nas suas relações c o m os indivíduos, se submete a u m repinte de direito q u a n d o , então , a a t i v i d a d e estatal apenas p o d e desenvolver-se u t i l i - Lenio Luiz Streck José l uis Dolzan de Morais zando u m i n s t r u m e n t a l r e g u l a d o e a u t o r i z a d o pela o r d e m jurídica , assim como, os indivíduos - c idadãos - têm a seu d i s p o r mecanismos jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de u m a ação abusiva d o l i s t a d o . 1 1 6 A ideia de Estado de D i r e i t o carrega c m si a prescr ição da supremacia da lei sobre a a d m i n i s t r a ç ã o . N a sua o r i g e m germânica , está embasada na auto l imi tação d o Estado p e l o D i r e i t o , pois é o Estado a única fonte deste, a t r i b u i n d o - l h e torça c o e r c i t i v a , e é o D i r e i t o cr iação daquele . A d o u t r i n a francesa, já n o s é c u l o XX, irá - D u g u i t , H a u r i o u , 1 1 7 Carré de M a l b e r g , etc. - q u e s t i o n a r tal f o r m u l a - ção, agregando- lhe novas perspect ivas . C o n t u d o , o Estado de D i r e i t o d i ferenc iar -se -á tan to d o Estado Polícia - no qual o D i r e i t o é apenas u m i n s t r u m e n t o sob plena d i s p o - n i b i l i d a d e d o Estado - q u a n t o d o Estado Legal, o n d e , m e s m o sendo a le i l i m i t e e condição da a t i v i d a d e a d m i n i s t r a t i v a , não há o p r i v i l e - g i a m e n t o hierárquico da o r d e m jurídica , c r i s ta l i zando-se u m a supre- macia par lamentar , sequer u m a v inculação de c o n t e ú d o s que lhe são inerentes. Deve-se ter presente que esta perquir i ção re fe renda , no q u a d r o de nosso trabalho, a perspect iva de e laboração de u m a le i tura acerca da estatal idade do D i r e i t o , a q u a l é a p r o p r i a d a p o r u m a pretensão de conteúdo. Embora a in tenção de m o n t a g e m de u m a teoria jurídica d o Estado de D i r e i t o , isenta de v inculações , d e v e m o s ter presente a lguns aspectos encontrados na cons t rução d o m e s m o . 6.2. A apresentação do Estado de Dire i to Este Estado que se j u r i d i c i z a / l e g a l i z a é, t o d a v i a , mais e n ã o apenas u m Estado jur íd ico/legal . N ã o basta, para ele, assumir-se e apresentar-se sob uma r o u p a g e m i n s t i t u c i o n a l n o r m a t i v a . Para além da l ega l idade estatal , o Estado de D i r e i t o representa e referenda u m algo mais q u e irá se e x p l i c i t a r e m seu conteúdo . O u seja: não é apenas a f o r m a jurídica que caracter iza o Estado mas, e sobre tu do , a ela agregam-se c o n t e ú d o s . 1 1 6 V e r : C h e v a l l i e r , Jacques . UEtat de Droit. 2 4 e d . P a r i s : M o n l c h r e s t i e n . 1994. p. 12 e s:, 1 1 7 E s t e s autores , entre out ros , i r ã o recolocar o d e b a t e a c e r c a d a e x c l u s i v i d a d e estatal d e p r o d u ç ã o j u r í d i c a . P a r a e les , há u m D i r e i t o s u p e r i o r à q u e l e d o E s t a d o c o n s u b s t a n c i a d o , p. ex., na D e c l a r a ç ã o d e D i r e i t o s . D u g u i t c r ê e m u m a j u r i d i c i d a d e p r o d u z i d a a t r a v é s da s o l i d a r i e d a d e , e n q u a n t o H a u r i o u tala d e u m a c o n s t i t u i ç ã o soc ia l . A m b o s , j u n t a m e n t e c o m G u r v i t c h , a p o n t a m p a r a a i d e i a d e u m dire i to soc ia l . V e r , a i n d a : M o r a i s , Jose L u i s B o l z a n d e . A Ideia de Direito Social. O pluralismo jurídico de Georges Gurvitch. Porto A l e g r e : L i v r a r i a d o A d v o g a d o , 1997. C i ê n c i a Pol í t i ca e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 87 O século XX irá demonst rar c laramente esta assertiva. A d i m e n - são de co nteúdo d o Estado de D i r e i t o a p r o x i m a os m o d e l o s a lemão e francês de seu v i z i n h o insular , o m o d e l o br i tânico d o rule oflaw. A s s i m , o Estado de D i r e i t o não se apresenta apenas sob u m a f o r m a jurídica calcada na h i e r a r q u i a das leis, o u seja, ele não está l i m i t a d o apenas a u m a concepção de o r d e m jurídica mas, t a m bé m , a u m c o n j u n t o de d i re i tos f u n d a m e n t a i s própr ios de u m a d e t e r m i - nada t r a d i ç ã o . " 8 Deve-se atentar, a inda, para a l g u m a s cr í t icas . E m especial para a construção de u m a concepção idea l izada d o D i r e i t o , l e g i t i m a d o r a da a u t o r i d a d e estatal, p r o d u z i n d o u m v a l o r mít ico para a o r d e m jurídica através d o fe t i ch ismo da regra , q u a n d o a n o r m a jurídica tende a estar formatada pela rea l idade mesma, capaz de fazer a d v i r a q u i l o que enuncia ; e a passagem para a f o r m a jur ídica v e m a cons- t i t u i r a garant ia s u p r e m a . " 9 Feita esta ressalva, i m p o r t a , a q u i , ressaltar que a m a t e r i a l i d a d e d o Estado de D i r e i t o se substancial iza sob os c o n t o r n o s da f o r m a jurídica , mas c o m ela não se i d e n t i f i c a . A o contrár io , à f o r m a l i d a d e jurídica são incorporados conteúdos que se j u r i d i c i z a m sob o D i r e i t o d o Estado. D i z |. Cheval l i e r : A cons t ruçã o da teoria d o Estado de D i r e i t o não pode ser feita ao acaso o u c o m o p r o d u t o de u m a lógica p u r a m e n t e interna ao campo jur ídico : a teoria é d i s s o l v i d a sobre u m certo terreno ideológico, enra izado n u m a certa r e a l i d a d e social e pol í t ica , afastada de suas referências , ela n ã o aparece mais d o que c o m o u m a concha vazia , u m q u a d r o f o r m a l , p o d e n d o - s e dizê-la i n - s i g n i f i c a n t e . 1 2 " O u , a inda o Estado de D i r e i t o não é mais c o n s i d e r a d o somente c o m o u m d i s p o s i t i v o técnico de l imitaçãode p o d e r , resul tante d o e n q u a d r a m e n t o d o processo de p r o d u ç ã o de n o r m a s jur ídicas ; é t a m b é m u m a concepção que f u n d a l iberdades públ icas , de democra- cia, e o Estado de D i r e i t o não é mais c o n s i d e r a d o apenas c o m o u m d i s p o s i t i v o técnico de l imitação d o p o d e r resul tante d o e n q u a d r a - m e n t o d o processo de p r o d u ç ã o de n o r m a s jur ídicas . O Estado de D i r e i t o é, t ambém, uma c o n c e p ç ã o de f u n d o acerca das l iberdades públ icas , da democracia e d o pape l d o Estado, o que c o n s t i t u i o f u n d a m e n t o subjacente da o r d e m j u r í d i c a . 1 2 1 1 1 8 C h e v a l l i e r , op. cit. , p. 73. A p e s a r d i s s o , n ã o se p o d e e s q u e c e r q u e , t a m b é m sob o aspecto f o r m a l , o E s t a d o de D i r e i t o teve d e s d o b r a m e n t o s a t r a v é s d o a p r o f u n d a - m e n t o d o s m é t o d o s d e controle d a a t u a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a estatal , b e m c o m o d a sua a t u a ç ã o legis la t iva , por m eio d o controle d e c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d a le is . 1 1 9 I d e m , i b i d e m , p. 64. 1 2 0 I d e m , i b i d e m , ( 54. 1 2 1 I d e m , i b i d e m , p. 74. Lenio Luiz Slrcck 88 José Luis Bolzan de Morais A s s i m , o Estado de D i r e i t o irá se apresentar ora c o m o l ibera l e m sent ido estr i to , ora c o m o social e, p o r f i m , c o m o democrá t i co . Cada u m deles m o l d a o D i r e i t o c o m seu c o n t e ú d o , c o m o veremos a seguir , sem que, n o entanto , haja u m a r u p t u r a r a d i c a l nestas trans- formações . 6.2.2. O Estado Liberal de Direito Portanto , impõe-se que façamos u m a c o n s t r u ç ã o p a r t i n d o da formulação da ideia de Estado de Direito q u e e m e r g e c o m o expressão jurídica da democracia liberal.122 Nesta tradição, pode-se d e f i n i r o Estado L i b e r a l de D i r e i t o c o m o sendo " u m Estado cuja função p r i n c i p a l é estabelecer e m a n t e r o D i r e i t o cujos l i m i t e s de ação es tão r i g o r o s a m e n t e d e f i n i d o s p o r este, b e m e n t e n d i d o que D i r e i t o não se i d e n t i f i c a c o m q u a l q u e r lei o u c o n j u n t o de leis c o m indiferença sobre seu c o n t e ú d o (...) O Estado de D i r e i t o s igni f ica , ass im, u m a l imitação d o p o d e r d o Estado pelo D i r e i t o , porém não a p o s s i b i l i d a d e de l e g i t i n ar q u a l q u e r critério concedendo- lhe f o r m a de l e i . . . " . 1 " Por tanto , não basta que u m Estado possua u m a q u a l q u e r lega- l i d a d e . Indispensável será que seu c o n t e ú d o r e f l i t a u m d e t e r m i n a d o ideár io . O u seja, para o Estado ser de D i r e i t o , n ã o é suf i c iente que seja u m Estado Legal . O que se observa, p o r t a n t o , é que no seu n a s c e d o u r o o conceito de Estado de D i r e i t o emerge a l i a d o ao c o n t e ú d o p r ó p r i o d o l ibera- l i s m o , 1 2 4 i m p o n d o , assim, aos l iames jur íd icos d o Estado a concreção d o ideário l ibera l n o que d i z c o m o princípio da legalidade - o u seja, a submissão da soberania estatal à le i - a divisão de poderes ou funções e, a nota centra l , garantia dos direitos individuais. C f e . S i l v a , Jose A f o n s o d a . O Estado Democrático de Direito, R e v i s t a da P G E / S P , p . 61. 1 2 3 C f e . G a r c i a - P e l a y o , M a n u e l . Lns Transfortuaciones dei Estado Contemporâneo M a - d r i d : A l i a n z a . 1982. p. 52. 1 2 4 Para u m a p e r c e p ç ã o c l a r a , e m b o r a l i m i t a d a , deste t e m a , v e r : M a c r i d i s , R o y , op. cit. E s t e a u t o r faz u m a interessante d i v i s ã o d o l i b e r a l i s m o e m 03 n ú c l e o s : u m moral, q u e representa os d i re i to s n a t u r a i s d o i n d i v í d u o e as l i b e r d a d e s n e g a t i v a s ; u m económico c a r a c t e r i z a d o pelo i n d i v i d u a l i s m o e c o n ó m i c o , o l i v r e m e r c a d o , o i n d i v i - d u a l i s m o e c o n ó m i c o e os d i r e i t o s c o r r e s p o n d e n t e s e; u m n ú c l e o politico - ou pol í t i co - j u r í d i c o - o n d e e s t a r i a m p r e s e n t e s as c o n q u i s t a s i n c o r p o r a d a s a o c o n s t i t u c i o n a l i s m o , e m espec ia l os direi tos p o l í t i c o s p r ó p r i o s à d e m o c r a c i a r e p r e s e n t a t i v a . C i ê n c i a Polí t ica e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 89 Pode-sc apontar como caracter ís t icas deste t i p o de Estado de D i r e i t o : A - Separação entre Estado e Sociedade C i v i l mediada pelo D i r e i - to , este v is to c o m o ideal de just iça . B - A garantia das l iberdades i n d i v i d u a i s ; os d i r e i t o s d o h o m e m aparecendo como m e d i a d o r e s das re lações entre os indiví- duos e o Estado. C - A democracia surge v inculada ao ideário da soberania da na- ção p r o d u z i d o pela Revolução Francesa, i m p l i c a n d o a acei- tação da o r i g e m consensual d o Estado, o que aponta para a ideia de representação, poster iormente mat izada por mecanis- mos de democracia semidireta - referendum e plebiscito - bem como, pela imposição de u m controle hierárquico da p r o d u - ção legislat iva através d o cont r o le de c o n s t i t u c i o n a l i d a d e . D - O Estado tem u m papel r e d u z i d o , apresentando-se c o m o Es- tado Mínimo, assegurando, ass im, a l i b e r d a d e de atuação dos indivíduos. N ã o se trata, como se quer m u i t a s vezes, de u m tota l a lheamen- to d o co nteúdo jurídico d o Estado, c o m o b e m aponta Garcia-Pelayo. E m real idade , tem-se a consubs tanc iação d o c o n t e ú d o polí t ico d o l ibera l i smo na forma jurídica d o Estado o u Estado L ibera l de D i r e i t o . Do contrár io , ter íamos o esvaz iamento d o c o n t e ú d o para a s i m - ples legalidade, o que só ocorre c o m o d e s e n v o l v i m e n t o d o po s i t iv i sm o jurídico i m p o n d o a identi f icação d o D i r e i t o à le i e, consequentemen- te, d o Estado de D i r e i t o a u m Estado legal, m a r c a d o pela repulsa à ideia d o Estado real izador de a t i v i d a d e s mater ia i s , o a p r o f u n d a m e n - to d o i n d i v i d u a l i s m o e a l ega l idade apl icada à a d m i n i s t r a ç ã o . 1 2 5 De- vemos ter c laro, neste passo, que a l e g a l i d a d e não c o n t é m in totum a ideia de Estado de D i r e i t o , m u i t o embo r a sua o r i g e m alemã c o m o Rechtstaat esteja l igada à ideia de h i e r a r q u i a das n o r m a s e a u t o l i m i - tação, c o m o já apontado a n t e r i o r m e n t e . É nesta trajetória que se b i p a r t e este concei to e m formal - r e l a t i v o ao mecanismo de atuação estatal, res t r i to à l e ga l id a d e ( lei) - e mate- rial - que d i z com o conteúdo da ação estatal e da re lação Estado-ci- dadão. Portanto , Estado de D i r e i t o , m e s m o e m sua a c e p ç ã o l ibera l o r i - ginária, não é conceito a ser u t i l i z a d o d e s c o n t e x t u a l i z a d o de seus vínculos materiais , para não cair-se na d e f o r m a ç ã o d o Estado Legal . Deve-se tratá-lo nos seus vínculos externos e, a q u i , vemos que, desde 1 2 5 Bastos , C e l s o Ribeiro e M a r t i n s , Y v e s G a n d r a . Comentários à Constituição do Brasil. v. 1. S ã o P a u l o : S a r a i v a , 1988, p. 421. Lenio Luiz Streck 90 /<>s<:' " , s Bolzan de Morais os pr imórdios , ele se c o n f u n d e c o m o c o n t e ú d o g l o b a l d o l iberalis- m o , como d i t o acima. O que se i m p õ e é que à própr ia ideia de Estado de D i r e i t o está adscr i to u m c o n t e ú d o espec í f i co , sob pena de perder- se a própria ideiad o m e s m o . A nota central deste Estado L ibera l de D i r e i t o apresenta-se como uma l imitação jurícíico-legal negat iva , o u seja, c o m o garantia dos indivíduos-c idadáos f rente à e v e n t u a l a t u a ç ã o d o Estado, i m p e - d i t i v a o u constrangedora de sua a tuação c o t i d i a n a . O u seja, a este cabia o estabelecimento de i n s t r u m e n t o s jur íd icos q u e assegurassem o l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o das pretensões i n d i v i d u a i s , ao L i d o das restrições impostas à sua a t u a ç ã o p o s i t i v a . Em razão disso é que o D i r e i t o , própr io a este Estado, terá como característ ica central e c o m o m e t o d o l o g i a ef icacia l a c o e r ç ã o das at i tudes , tendo como mecanismo f u n d a m e n t a l a s a n ç ã o . 6.2.2. O Estado Social de Direito Apesar de sustentado o c o n t e ú d o própr io d o Estado de D i r e i t o no i n d i v i d u a l i s m o l ibera l , faz-se mis ter a sua rev isão frente à própria dis função ou d e s e n v o l v i m e n t o d o m o d e l o c láss ico d o l i b e r a l i s m o . A s s i m , ao Dire i to antepõe-se u m conteúdo social. Sem renegar as conquistas e valores impostos pelo l ibera l i smo burguês , dá-se-lhe u m n o v o conteúdo axiológico-polít ico. Dessarte, o Estado "acolhe os valo- res jurídico-políticos clássicos; porém, de acordo c o m o sent ido que v e m tomando através d o curso histórico e c o m as demandas e c o n d i - ções da sociedade d o presente (...)• Por conseguinte, não somente i n c l u i direi tos para l i m i t a r o Estado, senão também di re i tos às prestações do Estado (...). O Estado, por conseguinte, não somente deve o m i t i r t u d o o que seja contrário ao D i r e i t o , isto é, a legal idade i n s p i r a d a e m u m a ideia de D i r e i t o , senão que deve exercer uma aç.~n constante através da legislação e da administração que realize a ideia sociiii de Direito.126 A adjet ivação pelo social pre tende a c o r r e ç ã o d o i n d i v i d u a l i s m o l ibera l p o r in termédio de garant ias colet ivas . Corr ige -se o l ibera l i s - m o clássico pela reunião d o c a p i t a l i s m o c o m a busca d o bem-estar social , fórmula geradora d o ivelfare state neocapi ta l i s ta no pós -Segun- da Guerra M u n d i a l . C o m o Estado Social de Direito revela-se um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-estar geral que garanta o descttvolvi- mento da pessoa humana.*27 1 2 6 C f e . G a r c i a - P e l a y o , <>/'. cit., p . 56. 1 2 7 C f e . S i l v a , O Estado Democrático de Direito, op. cit., p. 65. C i ê n c i a Polít ica e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 91 Para M a n u e l Garcia-Pelayo, o Estado Social de D i r e i t o s ignif ica u m Estado sujeito à lei l e g i t i m a m e n t e estabelecida c o m respeito ao texto e às prát icas const i tuc ionais , i n d i f e r e n t e m e n t e de seu caráter f o r m a l o u m a t e r i a l , abstrato o u concreto , c o n s t i t u t i v o o u a t i v o , à q u a l , de q u a l q u e r mane i ra , n ã o p o d e c o l i d i r c o m os preceitos sociais estabelecidos pela Const i tu ição e reconhecidos pela praxis cons t i tuc iona l como normat ização de va lores p o r e para os quais se c o n s t i t u i o Estado Social e que, p o r t a n t o , f u n d a m e n t a m a sua lega- l i d a d e . 1 2 8 Neste q u a d r o , esvai-se a noção de l e ga l id a d e própria d o ideário l ib era l , pois a lei passa a ser utilizada não mais, apenas, como ordem geral e abstrata129 - a general idade da le i era cons iderada f u l c r o d o Estado de D i r e i t o - mas, s im c o m o i n s t r u m e n t o de ação , m u i t a s vezes, com caráter especí f ico e concreto, a t e n d e n d o cr i tér ios c i rcunstancia is . A t ransformação d o Estado L i b e r a l de D i r e i t o não se dá , assim, apenas no seu conteúdo finalíst ico, mas, t a m b é m , na reconcei tual i - zação de seu mecanismo básico de a tuação , a le i . T o d a v i a , o conteú- d o social adrede ao Estado não abre perspect iva a que se concretize u m a cabal re formulação dos poderes v igentes à época d o m o d e l o clássico. Precisa ser re fer ido que, m e s m o sob o Estado Social de D i r e i t o , a questão da i g u a l d a d e não obtém so lução , e m b o r a sobrepuje a sua percepção p u r a m e n t e f o r m a l , sem base m a t e r i a l . 6.2.3. O Estado Democrático de Direito É p o r essas, entre outras , razões que se d e se nv o lv e u m n o v o conceito, na tentat iva de conjugar o ideal d e m o c r á t i c o ao Estado de D i r e i t o , não c o m o u m a aposição de conceitos, mas sob u m conteúdo próprio o n d e estão presentes as conquis tas d e m o c r á t i c a s , as garan- tias jur ídico- legais e a preocupação social . T u d o c o n s t i t u i n d o u m n o v o con junto onde a preocupação básica é a transformação do status quo. O co nteúdo da legal idade - pr inc ípio ao q u a l permanece v i n c u - lado - assume a forma de busca efet iva da concre t ização da i g u a l d a - de, não pela general idade d o c o m a n d o n o r m a t i v o , mas pela 1 2 8 C f e . G a r c i a - P e l a y o , <>/>. cit., p. 64. 1 2 9 C o m o d i z J o s é A f o n s o da S i l v a , op . cit. , o direito geral, dentro da esfera económica, era usado para conservar o sistema de propriedade existente t para protegê-lo contra inter- venção sempre que esta fosse julgada incompatível com os interesses dos grupos. Op. cit., p. 67. Lenio Luiz Streck José Luis liolzan de Morais real ização, através dele, de intervenções que impliquem diretainente uma alteração na situação da comunidade.130 O Estado Democrático de Direito t e m u m c o n t e ú d o t r a n s f o r m a d o r da real idade, não se r e s t r i n g i n d o , c o m o o Estado Social de D i r e i t o , a u m a adaptação melhorada das condições sociais de ex is tênc ia . As- s i m , o seu conteúdo ultrapassa o aspecto m a t e r i a l de concre t ização de u m a v ida d i g n a ao h o m e m e passa a agir s i m b o l i c a m e n t e como f o m e n t a d o r da part ic ipação pública q u a n d o o democrático qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica.m E m a i s , a ideia de democracia contém e i m p l i c a , necessariamente, a q u e s t ã o da solução d o p r o b l e m a das condições mater ia i s de ex is tênc ia . C o m efeito, são princípios d o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o : A - Constitucionalidade: v inculação d o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o a u m a Const i tu ição c o m o i n s t r u m e n t o bás ico de ga- rantia jurídica; B - Organização Democrática da Sociedade; C - Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos. seja como Estado de distância, p o r q u e os d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s assegu- r a m ao h o m e m u m a a u t o n o m i a perante os poderes públ icos , seja como u m Estado antropologicamente amigo, pois respeita a d i g n i d a d e da pessoa h u m a n a e empenha-se na defesa e garantia da l i b e r d a d e , da justiça e da s o l i d a r i e d a d e ; 1 1 2 D - Justiça Social c o m o mecanismos c o r r e t i v o s das d e s i g u a l d a - des; E - Igualdade não apenas c o m o p o s s i b i l i d a d e f o r m a l , mas, t a m - bém, c o m o ar t iculação de u m a sociedade jus ta ; F - Divisão de Poderes ou de Funções; G - Legalidade que aparece c o m o medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescrilivo, de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência;m H - Segurança e Certeza Jurídicas. A s s i m , o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o teriaa caracter ís t ica de ultrapassar não só a formulação d o Estado Libera l de D i r e i t o , como também a do Estado Social de D i r e i t o - v i n c u l a d o ao welfare state neo- capitalista - i m p o n d o à o r d e m jurídica e à a t i v i d a d e estatal u m conteú- 1 3 0 I d e m , i b i d e m , p. 70. 1 3 1 I d e m , i b i d e m . , p. 68. 1 3 2 C f e . C a n o t i l h o , J. J. G o m e s e M o r e i r a , V i t a l . Fundamentos da Constituição C o i m - b r a : C o i m b r a E d . , 1991, p. 83. 1 3 3 I d e m , i b i d e m , p. 82. C i ê n c i a Política e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 93 d o utópico de transformação da real idade. D i t o de o u t r o m o d o , o Estado Democrát i co é p lus n o r m a t i v o e m relação às f o r m u l a ç õ e s anteriores . Vê-se que a n o v i d a d e que apresenta o Estado Democrát i co de D i r e i t o é m u i t o mais em u m sent ido te leológico de sua n o r m a t i v i d a - de d o que nos ins t rumentos u t i l i z a d o s o u m e s m o na m a i o r i a de seus conteúdos , os quais vêm sendo cons t ru ídos de a l g u m a data . Para s intet izar este debate, p o d e r í a m o s sustentar que, como contrapos ição ao m o d e l o absolut is ta , o m o d e l o l ibera l se formal iza c o m o Estado de D i r e i t o . Este se afasta da s i m p l i s t a fo r m ula çã o como estado legal, pois pressupõe não apenas u m a regulação jur ídico-nor- m a t i v a q u a l q u e r , mas uma o r d e n a ç ã o calcada e m d e t e r m i n a d o s con- teúdos. E é neste p o n t o que as várias po ss ib i l id a d e s se p r o d u z e m . C o m o liberal, o Estado de D i r e i t o sustenta j u r i d i c a m e n t e o con- teúdo próprio do l ibera l i smo, r e f e r e n d a n d o a l imitação da ação es- tatal e tendo a lei como o r d e m geral e abstrata. Por o u t r o lado, a e f e t i v i d a d e da n o r m a t i v i d a d e é g a r a n t i d a , gener icamente , através da imposição de uma sanção d iante da d e s c o n f o r m i d a d e d o ato p r a t i - cado c o m a hipótese n o r m a t i v a . T r a n s m u t a d o em social, o Estado de D i r e i t o acrescenta à j u r i d i - c idade l ibera l u m conteúdo social , conectando aquela restrição à a t i v i d a d e estatal a prestações i m p l e m e n t a d a s pe lo Estado. A lei pas- sa a ser, p r i v i l e g i a d a m e n t e , u m i n s t r u m e n t o de ação concreta do Estado, tendo c o m o método assecuratór io de sua e f e t i v i d a d e a p r o - m o ç ã o de determinadas ações p r e t e n d i d a s pela o r d e m jurídica . Em ambas as s i tuações, t o d a v i a , o f i m u l t i m a d o é a adaptação à o r d e m estabelecida. Q u a n d o assume o fe i t io democrático, o Estado de D i r e i t o tem como ob je t ivo a i g u a l d a d e e, ass im, n ã o lhe basta l imitação o u a p ro mo ção da atuação estatal, mas referenda a pre tensão à transfor- mação d o status quo. A lei aparece c o m o i n s t r u m e n t o de t r a n s f o r m a - ção da sociedade não estando mais a t re lada i n e l u t a v e l m e n t e à sanção o u à promoção . O f i m a que pre tende é a constante reestru- turação das próprias relações sociais. É c o m a noção de Estado de D i r e i t o , c o n t u d o , que l i b e r a l i s m o e democracia se i n t e r p e n e t r a m , p e r m i t i n d o a aparente redução das antí teses económicas e sociais à u n i d a d e f o r m a l d o sistema legal , p r i n c i p a l m e n t e através de u m a Const i tu ição , onde deve prevalecer o interesse da maior ia . A s s i m , a Cons t i t u i çã o é colocada no ápice de u m a pirâmide escalonada, f u n d a m e n t a n d o a legis lação que , enquan- to ta l , é aceita c o m o poder legí t imo. A s s i m , e com i n t u i t o de dispersar o u absorver as contradições decorrentes da d i v e r s i d a d e s o c i o e c o n ó m i c a , p o n d o à mostra o fala- Lenio Luiz Strcck 94 José Luis Bolzan de Morais cioso princípio da i s o n o m i a ( f o r m a l ) d i a n t e da l e i , o l i b e r a l i s m o jurídico-pol í t ico alberga as n o ç õ e s de u m o r d e n a m e n t o c o m p l e t o , ausente de lacunas e h i e r a r q u i z a d o que, para c o n s e g u i r a r e p r o d u - ção da d o m i n a ç ã o v i g e n t e , requer a ace i tação acrít ica de normas básicas , . . . ca l ibrando expectat ivas e i n d u z i n d o à o b e d i ê n c i a no sen- t i d o de u m a vigorosa pront idão genera l izada de todos os c idadãos para a acei tação passiva de n o r m a s gerais e impessoais - o u seja, das prescr ições legais a inda i n d e t e r m i n a d a s q u a n t o ao seu conteúdo concreto. 1 3 " 1 T o d a v i a , este processo não se dá sem r u p t u r a s e t rans formações . O D i r e i t o d o Estado vai a s s u m i n d o o c o n t e ú d o das t rans formações pelas quais este passa. E m síntese, a t rans formação d o conceito de Estado de D i r e i t o irá i m p l i c a r a assunção de u m n o v o fe i t io para Estado e D i r e i t o . Para expl ic i tar esta t ransformação , p o d e m o s p r o p o r o seguinte q u a d r o e x p l i c a t i v o : 1 3 5 ABSOLUTISTA^ Estado legal LIBERAL 1 1 Estado de Direito Esiado D e m o c r á t i c o de Direito lei • ordem geral e abstrata; não impedimento J ind iv íduo lei • Instrumento de ação concreta do Estado; l a c i l i t a ç â o ; aceiao l grupo igualdade t r a n s l o r m a ç á o do status quo s a n ç ã o p r o m o ç ã o a d a p t a ç ã o [ c ir: LZ: lei = instrumento de t r a n s l o r m a ç á o , solidariedade : L : comunidade " e d u c a ç ã o " r e e s t r u t u r a ç ã o V34 C f e . F a r i a , Jose E d u a r d o . Direito e justiça - A Função Social do Judiciário. S ã o P a u l o : Á t i c a , 1989, p. 25. 1 3 5 A l g u m a s d a s c a r a c t e r í s t i c a s a q u i a p o n t a d a s e s t ã o p r e s e n t e s e m : F a r i a , Jose E d u a r d o . Justiça c Conflito. Os juízes em face dos novos movimentos sociais. S ã o Paulo : R T . 1991. E m e s p e c i a l , v e r i tens 1 e 2. V e r , a i n d a , B o l z a n d e M o r a i s , J o s é L u i s . Do Direito Social aos Interesses Transindividuais. Porto A l e g r e : l . iv . d o A d v o g a d o , 1996, p. 65 e segs. C i ê n c i a Polí t ica e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 95 Tal es t rutura nos mostra , grosso m o d o , duas d i c o t o m i a s - abso- lu t i s ta/ l ibera l e Estado Legal/Estado de D i r e i t o - que vão se instalan- d o con juntamente c o m o estabelecimento d o que convenc ionamos ap o nt ar como Estado M o d e r n o , o u seja, aquele Estado n o qual apa- rece u n i f i c a d o u m centro de tomada e i m p l e m e n t a ç ã o de decisões, caracter izado pelo poder soberano incontrastável sobre u m d e t e r m i - n a d o espaço geográf ico - território. De início, estabelecemos u m a g r a n d e d i c o t o m i a que irá se apre- sentar na base d o Estado M o d e r n o , c o l o c a n d o de u m l a d o o estado absolut is ta , caracterizado pela f i g u r a d o monarca que se ident i f i cava c o m o próprio Estado e, de o u t r o , temos o d e s e n v o l v i m e n t o d o m o d e l o l ibera l que, desde suas or igens , s i g n i f i c o u a l imitação do p o d e r e o estabelecimento de garant ias própr ias aos indivíduos , ao lado de u m a mecânica económica assentada na l i b e r d a d e contra tua l e no l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o d o mercado . C o n t u d o , o que nos i m p o r t a , a q u i , é, t o m a n d o c o m o substrato bás ico o m o d e l o l ibera l , pensar c o m o se d e s e n v o l v e n o seu in te r ior a es t rutura t io Estado de D i r e i t o , p a r t i n d o de seu m o d e l o l iberal c lássico para chegara u m p o n t o de quase r u p t u r a , representado pelo Estado Democrát ico de D i r e i t o . Para tanto, é f u n d a m e n t a l que se perceba que a teoria d o Estado de D i r e i t o fo i c o n f r o n t a d a , no século XX, c o m u m d u p l o desafio. U m p r i m e i r o proveniente d o s u r g i m e n t o dos reg imes total i tários, nos quais a o r d e m jurídica não se apoiava e m n e n h u m v a l o r subjacente ao Estado de D i r e i t o . O u t r o , p r o v e n i e n t e da c o n s t r u ç ã o d o Estado de Bem-Estar, que m o d i f i c o u p r o f u n d a m e n t e o substra to l ibera l so- bre o qual se fundava o ideário d o Estado de D i r e i t o . A m b o s acabam p o r c o n t r i b u i r para a emersão de u m a c o n c e p ç ã o substancial de Estado de D i r e i t o . 1 3 6 Tendo-se assente a dist inção entre Estado Legal e Estado de D i r e i t o , aquele restr i to à f o r m a da l ega l id a d e , e n q u a n t o este incor- pora à mesma d e t e r m i n a d o s c o n t e ú d o s , pode-se pensar, no in te r ior deste últ imo, uma tripartição que se expressa pelos Estado Liberal de D i r e i t o , Estado Social de D i r e i t o e Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o . O s l s f t j < f r O ^ > i f r & ^ apresenta-se caracter izado pelo con- teúdo l iberal de sua legal idade, onde há o p r i v i l e g i a m e n t o das l iber- dades negativas, através de u m a regulação r e s t r i t i v a da a t i v i d a d e estatal . A le i , como i n s t r u m e n t o da l ega l id a d e , caracteriza-se como u m a ordem geral e abstraia, r e g u l a n d o a ação social a través d o não impedimento de seu l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o ; seu i n s t r u m e n t o básico é 1 3 6 C f e . C h e v a l l i e r , op. cit., p. 99. Lenio Luiz Streck 96 l 0 S l ' Lf/is Bolzan de Morais a coerção a través da sanção das c o n d u t a s contrár ias . O a tor caracte- rístico é o indivíduo. O desenrolar das relações sociais p r o d u z i u u m a t ransformação neste m o d e l o , d a n d o o r i g e m a o "EfrftKfo^S&j^^ que , da mes- ma f o r m a que o anter ior , tem p o r c o n t e ú d o jur ídico o p r ó p r i o ideário l ibera l agregado pela c o n v e n c i o n a l m e n t e n o m i n a d a questão social, a q u a l traz à baila os p r o b l e m a s própr ios ao d e s e n v o l v i m e n t o das relações de produção e aos novos c o n f l i t o s emergentes de u m a so- ciedade renovada r a d i c a l m e n t e , c o m atores sociais d i v e r s o s e c o n f l i - tos própr ios a u m m o d e l o i n d u s t r i a l - d e s e n v o l v i m e n t i s t a . Temos a q u i a construção de u m a o r d e m jurídica na q u a l está presente a l imitação d o Estado ladeada p o r u m c o n j u n t o de garant ias e presta- ções pos i t ivas que re ferem a busca de u m equi l íbr io não a t i n g i d o pela sociedade l ibera l . A lei assume u m a segunda f u n ç ã o , q u a l seja a de instrumento de ação concreta do Estado, aparecendo c o m o meca- n i s m o de facil i tação de benef íc ios . Sua e fe t ivação estará l igada p r i - v i l e g i a d a m e n t e à p r o m o ç ã o das condutas dese jadas . 1 3 7 O perso- nagem p r i n c i p a l é o g r u p o que se c o r p o r i f i c a d i f e r e n t e m e n t e c m cada m o v i m e n t o social . A o f i n a l , o que se observa é u m a certa i d e n t i d a d e nestes mode- los apresentados, podendo-se d izer que ambos têm c o m o f i m c o m u m a adaptação social. Seu núcleo básico permanece i n t o c a d o . A n o v i d a d e d o i S & i r f ^ ^ ^ ^ n ã o está em uma revolução das es t ruturas sociais, mas deve-se perceber que esta nova conjugação i n c o r p o r a caracter ís t icas novas ao m o d e l o t r a d i c i o n a l . A o lado d o núcleo l i b e r a l agregado à ques tão socia l , tem-se c o m este n o v o m o d e l o a incorporação efet iva da questão da igualdade c o m o u m conteúdo próprio a ser buscado g a r a n t i r a t r a v r s d o asseguramento jur ídico de condições mín imas de v i d a ao c i d a d ã o e à c o m u n i d a d e . 1 3 7 O p r o b l e m a da f u n ç ã o p r o m o c i o n a l d o D i r e i t o a p a r e c e c o m o u m a d a s n o v a s t é c n i c a s d e controle s o c i a l , p r ó p r i a d o es tado s o c i a l , ou seja , o e n c o r a j a m e n t o de a ç õ e s p r e t e n d i d a s . T a l c a r a c t e r í s t i c a p o d e ser p e r c e b i d a i n c l u s i v e no e s t u d o d o c o n s t i t u c i o n a l i s m o , o n d e as c o n s t i t u i ç õ e s de c a r á t e r l iberal c l á s s i c o a p o n t a m para a tutela d e di re i tos c o m o c a r a c t e r í s t i c a q u e lhe é f u n d a m e n t a l , e n q u a n t o as const i tui - ç õ e s c o n t e m p o r â n e a s a p o n t a m para a promoção c o m o t é c n i c a d e c o n s e c u ç ã o d e objet ivos . C o m o d i z Bobbio : In un ordinamento repressivo la técnica típica attraverso cui si attuano le misure indirelte è lo scoraggiamento; in un ordinamento promozionale, la técnica tipica dclle misure indirette è 1'incoraggiameitto. A qttesto pauto siamo in grado di definire "scoraggiamento" quella operazione con cui A cerca di injluenzare il comportamento non volulo (non importa se commissivo o omissivo) di B, o ostatolando o attribuendogli conseguenze spiacevoli; simmetricamente, "incoraggiamento" quell'operazione con cui A cerca di influenzare il comportamento volulo (non importa se commissivo o omissivo) di B. o facilitandolo o attribuendogli conseguenze piacevoli. V e r : Dalla Slruttura alia Funzione, M i l l a n o , C o m u n i t á , 1977, p. 27 e 28. C iênc ia Polí t ica e T e o r i a G e r a l d o L s t a d o 97 Embora tal problemática já fosse visível n o m o d e l o anter ior , há, neste úl t imo, u m a redef inição que lhe dá c o n t o r n o s novos onde tal ob je t ivo se coloca v i n c u l a d o a u m pro je to so l idár io - a solidariedade agrega-se a ela c o m p o n d o u m caráter c o m u n i t á r i o . A q u i es tão i n c l u - sos prob lemas relat ivos à qualidade de vida i n d i v i d u a l e colet iva dos homens . A a tuação do Estado passa a ter u m c o n t e ú d o de transformação do status quo, a lei aparecendo c o m o u m instrumento de transformação p o r i n c o r p o r a r u m papel s imból ico p r o s p e c t i v o de manutenção d o espaço v i t a l da h u m a n i d a d e . Dessa f o r m a , os mecanismos u t i l i z a d o s a p r o f u n d a m paroxis t icamente seu p a p e l p r o m o c i o n a l , m u t a n d o - o em t r a n s f o r m a d o r das relações comuni tár ias . O ator p r i n c i p a l passa a ser coletividades difusas a p a r t i r da c o m p r e e n s ã o da p a r t i l h a c o m u m de destinos. Di ferentemente dos anteriores , o Estado D e m o cr á t i co de D i r e i t o carrega e m si u m caráter transgressor que i m p l i c a agregar o fe i t io incerto da Democracia ao D i r e i t o , i m p o n d o u m caráter rees t rutura- d o r à sociedade e, revelando uma contradição f u n d a m e n t a l com a j u r i d i c i d a d e l ibera l a p a r t i r da reconstrução de seus p r i m a d o s bási- cos de certeza e segurança jurídicas , para adaptá - los a u m a ordena- ção jurídica vo l tada para a g a r a n t i a / i m p l e m e n t a ç ã o d o f u t u r o , e não para a conservação cio passado. Nesse sent ido , pode-se dizer que, no Estado Democrát ico de D i r e i t o , há u m sensível des locamento da esfera de tensão d o Poder Execut ivo e d o Poder L e g i s l a t i v o para o Poder l u d i c i á r i o . 1 3 8 Percebe-se nesta trajetória c o m o que u m a redef in ição contínua d o Estado de D i r e i t o , c o m a incorporação de c o n t e ú d o s novos , em especial face à imposição dos novos p a r a d i g m a s própr ios ao Estado de Bem-Estar Social.O que ocorre não p o d e ser c i r c u n s c r i t o , apenas, a u m a u m e n t o no número de d i r e i t o s mas, isto s i m , a u m a transfor- mação f u n d a m e n t a l no conteúdo d o D i r e i t o ele m e s m o . Para além da passagem dos droits-libertés para os droits-créances, da t ransmutação da sanção em p r o m o ç ã o , há a const i tu ição de rea- l idades novas que se i m p õ e m . O caráter d e m o c r á t i c o i m p l i c a u m a constante mutação e ampl iação dos c o n t e ú d o s d o Estado de D i r e i t o . M a i s d o que apontar a mutação das caracter ís t icas t radic ionais d o D i r e i t o , a mudança de caráter da regra jur ídica - n ã o mais u m 1 3 8 N e s s e sent ido , consul tar : Streck, Hermenêutica, op. cit.; i d e m , A n e c e s s á r i a cons- t i t u c i o n a l i z a ç ã o do direi to : o ó b v i o a ser d e s v e l a d o . In: Revista de Direito n- 9/10. Santa C r u z d o S u l : U n i s e , 1998, p. 51-67; V i e i r a , J o s é R i b a s . Teoria do Estado. R i o de Janeiro , L i b e r Júr is , 1995; G u e r r a Pi lho, W i l l i s S a n t i a g o . D i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l e de- m o c r a c i a . In Direito e democracia. Kátie A r g u e l l o ( o r g ) . F l o r i a n ó p o l i s , L e t r a s C o n - t e m p o r â n e a s , 1996. Lenio Luiz Streck )osé Luis Bolzan de Morais precei to genér ico e abstrato, mas u m a regulação tendente à p a r t i c u - lar ização -, de sua t r a n s i t o r i e d a d e e, e m c o n s e q u ê n c i a , de seu even- t u a l despres t íg io v i n c u l a d o à sua c o m p l e x i d a d e , especi f ic idade, tecnical idade e prol i feração, o que c o n d u z ao seu difícil conhec imen- to p o r parte dos operadores jur íd icos , é prec iso perceber que o Esta- d o de D i r e i t o passa a ser p e r c e b i d o a p a r t i r da a d e s ã o a u m con junto de pr incípios e valores que se benef i c iarão de u m a c o n s a g r a ç ã o j u - rídica explícita e serão p r o v i d o s de mecanismos g a r a n t i d o r e s apro- p r i a d o s , fazendo c o m que a c o n c e p ç ã o f o r m a l f i q u e s u b m e t i d a a uma co nce pção mater ia l ou substancial que a engloba e ul trapassa , tor- n a n d o a h ierarquia das n o r m a s u m dos c o m p o n e n t e s d o Estado de D i r e i t o s u b s t a n c i a l . 1 3 9 O Estado de D i r e i t o , dada a sua subs tanc ia l idade , para além de seu f o r m a l i s m o , i n c o r p o r a n d o o fe i t io i n d o m e s t i c a d o da democrac ia , apresenta-se c o m o uma cont ínua (re)cr iação, a s s u m i n d o u m caráter d inâmico mais for te d o que sua porção estát ica - f o r m a l . A o aspecto paral isante de seu caráter h ierárquico agrega-se o p e r f i l m u t a n t e do conteúdo das normas , que es tão , a t o d o instante , s u b m e t i d a s às va- r iações sociopol í t icas . Ev identemente que u m a pre f iguração p o s i t i v a de tal f enómeno não subest ima, sequer faz desaparecer, a lguns p r o b l e m a s que são f u n d a m e n t a i s e estão in t r insecamente re lac ionados à prática d o Es- tado de D i r e i t o , c o m o p . ex. a p o s s i b i l i d a d e de q u e mais d o que g a r a n t i r e p r o m o v e r interesses sociais apresente-se c o m o u m meca- n i s m o de opressão , u t i l i z a n d o - s e da jur id ic ização i n t e g r a l d o c o t i d i a - n o das re lações sociais, c o n s t r u i n d o a r e a l i d a d e t o m a n d o como p a r a d i g m a o pr i sma jur ídico. Seu caráter r e t ó r i c o - a r g u m e n t a t i v o ser- ve, inc lus ive , de vínculo r e d u t o r da política no debate públ i co . O risco de mit i f icação d o Estado de D i r e i t o , t r a n s f o r m a n d o - o em u m a referência r i t u a l , p o d e ser, t o d a v i a , m a t i z a d o p o r sua ade- quação aos princípios d e m o c r á t i c o s - o que caracter iza o seu protó- t i p o c o m o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o , o n d e a democrac ia v i n c u l a Estado e D i r e i t o - c o m o que estará sob a constante i n t e r r o - gação democrát ica . 139 C f e . C h e v a l l i e r , op. cit., p. 108. C i ê n c i a Polí t ica e T e o r i a G e r a l do E s t a d o 99
Compartilhar