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[TGE] Ciências Política e TGE - STRECK, L e MORAIS, JLB - Cap 6 - O Estado de Direito.

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ÍT^C l< L L CL H O Í M ' ^ o L 3 . 
6. O Estado de Direito 
6.1. Considerações gerais 
Se o Estado se conf igura c o m o inst i tuição , o p o d e r de m a n d o 
e m d a d o território não prescinde d o D i r e i t o para fazer c o m que os 
demais elementos que c o m p õ e m a ossatura d o Estado sejam i m p l e -
mentados . Estado e D i r e i t o , po is , passam a ser co m ple m e nt a r e s e 
in terdependentes . 
C o m efei to , no p l a n o teórico, o Estado de D i r e i t o emerge como 
u m a const rução própria à segunda metade d o século X I X , nascendo 
na A l e m a n h a - c o m o RechtstaiU - e, p o s t e r i o r m e n t e , sendo i n c o r p o -
r a d o à d o u t r i n a francesa, em ambos c o m o u m debate a p r o p r i a d o 
pelos juristas e v i n c u l a d o a u m a p e r c e p ç ã o de h i e r a r q u i a das regras 
jur ídicas , c o m o ob je t ivo de e n q u a d r a r e l i m i t a r o p o d e r d o Estado 
pe lo D i r e i t o . 
O d e v i r histórico, entre tanto , recupera tal concei to , a s s u m i n d o 
o D i r e i t o c o m o u m p o n t o de referência estável e a p r o f u n d a n d o o 
m o d e l o através de seu conteúdo, fazendo s u p l a n t a r a ideia de Estado 
de D i r e i t o c o m o u m a pura lega l idade . 
Podem-se, então , apontar três v isões própr ias a este fenómeno : 
A - Visão Formal, onde se v i n c u l a a ação d o Estado ao D i r e i t o , 
o u seja, a atuação estatal é jur ídica , p r o d u z i n d o - s e através 
de regras de d i r e i t o . 
B - Visão Hierárquica, na q u a l a e s t r u t ur a çã o escalonada da O P 
d e m jurídica impõe ao Estado sua su je ição ao D i r e i t o . 
C - Visão Material, que i m p l i c a a imposição de a t r ibutos intrínse-
cos ao Dire i to , ou seja, a q u i , a o r d e m jurídica estatal produz-se 
tendo certa substancia l idade c o m o própr ia . Há u m a q u a l i f i -
cação d o Estado pelo D i r e i t o e deste p o r seu co nt e úd o . 
O Estado de D i r e i t o surge desde l o g o c o m o o Estado que, nas 
suas relações c o m os indivíduos, se submete a u m repinte de direito 
q u a n d o , então , a a t i v i d a d e estatal apenas p o d e desenvolver-se u t i l i -
Lenio Luiz Streck 
José l uis Dolzan de Morais 
zando u m i n s t r u m e n t a l r e g u l a d o e a u t o r i z a d o pela o r d e m jurídica , 
assim como, os indivíduos - c idadãos - têm a seu d i s p o r mecanismos 
jurídicos aptos a salvaguardar-lhes de u m a ação abusiva d o l i s t a d o . 1 1 6 
A ideia de Estado de D i r e i t o carrega c m si a prescr ição da 
supremacia da lei sobre a a d m i n i s t r a ç ã o . N a sua o r i g e m germânica , 
está embasada na auto l imi tação d o Estado p e l o D i r e i t o , pois é o 
Estado a única fonte deste, a t r i b u i n d o - l h e torça c o e r c i t i v a , e é o 
D i r e i t o cr iação daquele . A d o u t r i n a francesa, já n o s é c u l o XX, irá -
D u g u i t , H a u r i o u , 1 1 7 Carré de M a l b e r g , etc. - q u e s t i o n a r tal f o r m u l a -
ção, agregando- lhe novas perspect ivas . 
C o n t u d o , o Estado de D i r e i t o d i ferenc iar -se -á tan to d o Estado 
Polícia - no qual o D i r e i t o é apenas u m i n s t r u m e n t o sob plena d i s p o -
n i b i l i d a d e d o Estado - q u a n t o d o Estado Legal, o n d e , m e s m o sendo a 
le i l i m i t e e condição da a t i v i d a d e a d m i n i s t r a t i v a , não há o p r i v i l e -
g i a m e n t o hierárquico da o r d e m jurídica , c r i s ta l i zando-se u m a supre-
macia par lamentar , sequer u m a v inculação de c o n t e ú d o s que lhe são 
inerentes. 
Deve-se ter presente que esta perquir i ção re fe renda , no q u a d r o 
de nosso trabalho, a perspect iva de e laboração de u m a le i tura acerca 
da estatal idade do D i r e i t o , a q u a l é a p r o p r i a d a p o r u m a pretensão 
de conteúdo. Embora a in tenção de m o n t a g e m de u m a teoria jurídica 
d o Estado de D i r e i t o , isenta de v inculações , d e v e m o s ter presente 
a lguns aspectos encontrados na cons t rução d o m e s m o . 
6.2. A apresentação do Estado de Dire i to 
Este Estado que se j u r i d i c i z a / l e g a l i z a é, t o d a v i a , mais e n ã o 
apenas u m Estado jur íd ico/legal . N ã o basta, para ele, assumir-se e 
apresentar-se sob uma r o u p a g e m i n s t i t u c i o n a l n o r m a t i v a . 
Para além da l ega l idade estatal , o Estado de D i r e i t o representa 
e referenda u m algo mais q u e irá se e x p l i c i t a r e m seu conteúdo . O u 
seja: não é apenas a f o r m a jurídica que caracter iza o Estado mas, e 
sobre tu do , a ela agregam-se c o n t e ú d o s . 
1 1 6 V e r : C h e v a l l i e r , Jacques . UEtat de Droit. 2 4 e d . P a r i s : M o n l c h r e s t i e n . 1994. p. 12 
e s:, 
1 1 7 E s t e s autores , entre out ros , i r ã o recolocar o d e b a t e a c e r c a d a e x c l u s i v i d a d e 
estatal d e p r o d u ç ã o j u r í d i c a . P a r a e les , há u m D i r e i t o s u p e r i o r à q u e l e d o E s t a d o 
c o n s u b s t a n c i a d o , p. ex., na D e c l a r a ç ã o d e D i r e i t o s . D u g u i t c r ê e m u m a j u r i d i c i d a d e 
p r o d u z i d a a t r a v é s da s o l i d a r i e d a d e , e n q u a n t o H a u r i o u tala d e u m a c o n s t i t u i ç ã o 
soc ia l . A m b o s , j u n t a m e n t e c o m G u r v i t c h , a p o n t a m p a r a a i d e i a d e u m dire i to soc ia l . 
V e r , a i n d a : M o r a i s , Jose L u i s B o l z a n d e . A Ideia de Direito Social. O pluralismo jurídico 
de Georges Gurvitch. Porto A l e g r e : L i v r a r i a d o A d v o g a d o , 1997. 
C i ê n c i a Pol í t i ca e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 87 
O século XX irá demonst rar c laramente esta assertiva. A d i m e n -
são de co nteúdo d o Estado de D i r e i t o a p r o x i m a os m o d e l o s a lemão 
e francês de seu v i z i n h o insular , o m o d e l o br i tânico d o rule oflaw. 
A s s i m , o Estado de D i r e i t o não se apresenta apenas sob u m a 
f o r m a jurídica calcada na h i e r a r q u i a das leis, o u seja, ele não está 
l i m i t a d o apenas a u m a concepção de o r d e m jurídica mas, t a m bé m , 
a u m c o n j u n t o de d i re i tos f u n d a m e n t a i s própr ios de u m a d e t e r m i -
nada t r a d i ç ã o . " 8 
Deve-se atentar, a inda, para a l g u m a s cr í t icas . E m especial para 
a construção de u m a concepção idea l izada d o D i r e i t o , l e g i t i m a d o r a 
da a u t o r i d a d e estatal, p r o d u z i n d o u m v a l o r mít ico para a o r d e m 
jurídica através d o fe t i ch ismo da regra , q u a n d o a n o r m a jurídica 
tende a estar formatada pela rea l idade mesma, capaz de fazer a d v i r 
a q u i l o que enuncia ; e a passagem para a f o r m a jur ídica v e m a cons-
t i t u i r a garant ia s u p r e m a . " 9 
Feita esta ressalva, i m p o r t a , a q u i , ressaltar que a m a t e r i a l i d a d e 
d o Estado de D i r e i t o se substancial iza sob os c o n t o r n o s da f o r m a 
jurídica , mas c o m ela não se i d e n t i f i c a . A o contrár io , à f o r m a l i d a d e 
jurídica são incorporados conteúdos que se j u r i d i c i z a m sob o D i r e i t o 
d o Estado. D i z |. Cheval l i e r : A cons t ruçã o da teoria d o Estado de 
D i r e i t o não pode ser feita ao acaso o u c o m o p r o d u t o de u m a lógica 
p u r a m e n t e interna ao campo jur ídico : a teoria é d i s s o l v i d a sobre u m 
certo terreno ideológico, enra izado n u m a certa r e a l i d a d e social e 
pol í t ica , afastada de suas referências , ela n ã o aparece mais d o que 
c o m o u m a concha vazia , u m q u a d r o f o r m a l , p o d e n d o - s e dizê-la i n -
s i g n i f i c a n t e . 1 2 " 
O u , a inda o Estado de D i r e i t o não é mais c o n s i d e r a d o somente 
c o m o u m d i s p o s i t i v o técnico de l imitaçãode p o d e r , resul tante d o 
e n q u a d r a m e n t o d o processo de p r o d u ç ã o de n o r m a s jur ídicas ; é 
t a m b é m u m a concepção que f u n d a l iberdades públ icas , de democra-
cia, e o Estado de D i r e i t o não é mais c o n s i d e r a d o apenas c o m o u m 
d i s p o s i t i v o técnico de l imitação d o p o d e r resul tante d o e n q u a d r a -
m e n t o d o processo de p r o d u ç ã o de n o r m a s jur ídicas . O Estado de 
D i r e i t o é, t ambém, uma c o n c e p ç ã o de f u n d o acerca das l iberdades 
públ icas , da democracia e d o pape l d o Estado, o que c o n s t i t u i o 
f u n d a m e n t o subjacente da o r d e m j u r í d i c a . 1 2 1 
1 1 8 C h e v a l l i e r , op. cit. , p. 73. A p e s a r d i s s o , n ã o se p o d e e s q u e c e r q u e , t a m b é m sob 
o aspecto f o r m a l , o E s t a d o de D i r e i t o teve d e s d o b r a m e n t o s a t r a v é s d o a p r o f u n d a -
m e n t o d o s m é t o d o s d e controle d a a t u a ç ã o a d m i n i s t r a t i v a estatal , b e m c o m o d a sua 
a t u a ç ã o legis la t iva , por m eio d o controle d e c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d a le is . 
1 1 9 I d e m , i b i d e m , p. 64. 
1 2 0 I d e m , i b i d e m , ( 54. 
1 2 1 I d e m , i b i d e m , p. 74. 
Lenio Luiz Slrcck 
88 José Luis Bolzan de Morais 
A s s i m , o Estado de D i r e i t o irá se apresentar ora c o m o l ibera l 
e m sent ido estr i to , ora c o m o social e, p o r f i m , c o m o democrá t i co . 
Cada u m deles m o l d a o D i r e i t o c o m seu c o n t e ú d o , c o m o veremos a 
seguir , sem que, n o entanto , haja u m a r u p t u r a r a d i c a l nestas trans-
formações . 
6.2.2. O Estado Liberal de Direito 
Portanto , impõe-se que façamos u m a c o n s t r u ç ã o p a r t i n d o da 
formulação da ideia de Estado de Direito q u e e m e r g e c o m o expressão 
jurídica da democracia liberal.122 
Nesta tradição, pode-se d e f i n i r o Estado L i b e r a l de D i r e i t o c o m o 
sendo " u m Estado cuja função p r i n c i p a l é estabelecer e m a n t e r o 
D i r e i t o cujos l i m i t e s de ação es tão r i g o r o s a m e n t e d e f i n i d o s p o r este, 
b e m e n t e n d i d o que D i r e i t o não se i d e n t i f i c a c o m q u a l q u e r lei o u 
c o n j u n t o de leis c o m indiferença sobre seu c o n t e ú d o (...) O Estado 
de D i r e i t o s igni f ica , ass im, u m a l imitação d o p o d e r d o Estado pelo 
D i r e i t o , porém não a p o s s i b i l i d a d e de l e g i t i n ar q u a l q u e r critério 
concedendo- lhe f o r m a de l e i . . . " . 1 " 
Por tanto , não basta que u m Estado possua u m a q u a l q u e r lega-
l i d a d e . Indispensável será que seu c o n t e ú d o r e f l i t a u m d e t e r m i n a d o 
ideár io . O u seja, para o Estado ser de D i r e i t o , n ã o é suf i c iente que 
seja u m Estado Legal . 
O que se observa, p o r t a n t o , é que no seu n a s c e d o u r o o conceito 
de Estado de D i r e i t o emerge a l i a d o ao c o n t e ú d o p r ó p r i o d o l ibera-
l i s m o , 1 2 4 i m p o n d o , assim, aos l iames jur íd icos d o Estado a concreção 
d o ideário l ibera l n o que d i z c o m o princípio da legalidade - o u seja, a 
submissão da soberania estatal à le i - a divisão de poderes ou funções 
e, a nota centra l , garantia dos direitos individuais. 
C f e . S i l v a , Jose A f o n s o d a . O Estado Democrático de Direito, R e v i s t a da P G E / S P , 
p . 61. 
1 2 3 C f e . G a r c i a - P e l a y o , M a n u e l . Lns Transfortuaciones dei Estado Contemporâneo M a -
d r i d : A l i a n z a . 1982. p. 52. 
1 2 4 Para u m a p e r c e p ç ã o c l a r a , e m b o r a l i m i t a d a , deste t e m a , v e r : M a c r i d i s , R o y , op. 
cit. E s t e a u t o r faz u m a interessante d i v i s ã o d o l i b e r a l i s m o e m 03 n ú c l e o s : u m moral, 
q u e representa os d i re i to s n a t u r a i s d o i n d i v í d u o e as l i b e r d a d e s n e g a t i v a s ; u m 
económico c a r a c t e r i z a d o pelo i n d i v i d u a l i s m o e c o n ó m i c o , o l i v r e m e r c a d o , o i n d i v i -
d u a l i s m o e c o n ó m i c o e os d i r e i t o s c o r r e s p o n d e n t e s e; u m n ú c l e o politico - ou pol í t i co -
j u r í d i c o - o n d e e s t a r i a m p r e s e n t e s as c o n q u i s t a s i n c o r p o r a d a s a o c o n s t i t u c i o n a l i s m o , 
e m espec ia l os direi tos p o l í t i c o s p r ó p r i o s à d e m o c r a c i a r e p r e s e n t a t i v a . 
C i ê n c i a Polí t ica e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 89 
Pode-sc apontar como caracter ís t icas deste t i p o de Estado de 
D i r e i t o : 
A - Separação entre Estado e Sociedade C i v i l mediada pelo D i r e i -
to , este v is to c o m o ideal de just iça . 
B - A garantia das l iberdades i n d i v i d u a i s ; os d i r e i t o s d o h o m e m 
aparecendo como m e d i a d o r e s das re lações entre os indiví-
duos e o Estado. 
C - A democracia surge v inculada ao ideário da soberania da na-
ção p r o d u z i d o pela Revolução Francesa, i m p l i c a n d o a acei-
tação da o r i g e m consensual d o Estado, o que aponta para a 
ideia de representação, poster iormente mat izada por mecanis-
mos de democracia semidireta - referendum e plebiscito - bem 
como, pela imposição de u m controle hierárquico da p r o d u -
ção legislat iva através d o cont r o le de c o n s t i t u c i o n a l i d a d e . 
D - O Estado tem u m papel r e d u z i d o , apresentando-se c o m o Es-
tado Mínimo, assegurando, ass im, a l i b e r d a d e de atuação 
dos indivíduos. 
N ã o se trata, como se quer m u i t a s vezes, de u m tota l a lheamen-
to d o co nteúdo jurídico d o Estado, c o m o b e m aponta Garcia-Pelayo. 
E m real idade , tem-se a consubs tanc iação d o c o n t e ú d o polí t ico d o 
l ibera l i smo na forma jurídica d o Estado o u Estado L ibera l de D i r e i t o . 
Do contrár io , ter íamos o esvaz iamento d o c o n t e ú d o para a s i m -
ples legalidade, o que só ocorre c o m o d e s e n v o l v i m e n t o d o po s i t iv i sm o 
jurídico i m p o n d o a identi f icação d o D i r e i t o à le i e, consequentemen-
te, d o Estado de D i r e i t o a u m Estado legal, m a r c a d o pela repulsa à 
ideia d o Estado real izador de a t i v i d a d e s mater ia i s , o a p r o f u n d a m e n -
to d o i n d i v i d u a l i s m o e a l ega l idade apl icada à a d m i n i s t r a ç ã o . 1 2 5 De-
vemos ter c laro, neste passo, que a l e g a l i d a d e não c o n t é m in totum 
a ideia de Estado de D i r e i t o , m u i t o embo r a sua o r i g e m alemã c o m o 
Rechtstaat esteja l igada à ideia de h i e r a r q u i a das n o r m a s e a u t o l i m i -
tação, c o m o já apontado a n t e r i o r m e n t e . 
É nesta trajetória que se b i p a r t e este concei to e m formal - r e l a t i v o 
ao mecanismo de atuação estatal, res t r i to à l e ga l id a d e ( lei) - e mate-
rial - que d i z com o conteúdo da ação estatal e da re lação Estado-ci-
dadão. 
Portanto , Estado de D i r e i t o , m e s m o e m sua a c e p ç ã o l ibera l o r i -
ginária, não é conceito a ser u t i l i z a d o d e s c o n t e x t u a l i z a d o de seus 
vínculos materiais , para não cair-se na d e f o r m a ç ã o d o Estado Legal . 
Deve-se tratá-lo nos seus vínculos externos e, a q u i , vemos que, desde 
1 2 5 Bastos , C e l s o Ribeiro e M a r t i n s , Y v e s G a n d r a . Comentários à Constituição do Brasil. 
v. 1. S ã o P a u l o : S a r a i v a , 1988, p. 421. 
Lenio Luiz Streck 
90 /<>s<:' " , s Bolzan de Morais 
os pr imórdios , ele se c o n f u n d e c o m o c o n t e ú d o g l o b a l d o l iberalis-
m o , como d i t o acima. O que se i m p õ e é que à própr ia ideia de Estado 
de D i r e i t o está adscr i to u m c o n t e ú d o espec í f i co , sob pena de perder-
se a própria ideiad o m e s m o . 
A nota central deste Estado L ibera l de D i r e i t o apresenta-se 
como uma l imitação jurícíico-legal negat iva , o u seja, c o m o garantia 
dos indivíduos-c idadáos f rente à e v e n t u a l a t u a ç ã o d o Estado, i m p e -
d i t i v a o u constrangedora de sua a tuação c o t i d i a n a . O u seja, a este 
cabia o estabelecimento de i n s t r u m e n t o s jur íd icos q u e assegurassem 
o l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o das pretensões i n d i v i d u a i s , ao L i d o das 
restrições impostas à sua a t u a ç ã o p o s i t i v a . 
Em razão disso é que o D i r e i t o , própr io a este Estado, terá como 
característ ica central e c o m o m e t o d o l o g i a ef icacia l a c o e r ç ã o das 
at i tudes , tendo como mecanismo f u n d a m e n t a l a s a n ç ã o . 
6.2.2. O Estado Social de Direito 
Apesar de sustentado o c o n t e ú d o própr io d o Estado de D i r e i t o 
no i n d i v i d u a l i s m o l ibera l , faz-se mis ter a sua rev isão frente à própria 
dis função ou d e s e n v o l v i m e n t o d o m o d e l o c láss ico d o l i b e r a l i s m o . 
A s s i m , ao Dire i to antepõe-se u m conteúdo social. Sem renegar as 
conquistas e valores impostos pelo l ibera l i smo burguês , dá-se-lhe u m 
n o v o conteúdo axiológico-polít ico. Dessarte, o Estado "acolhe os valo-
res jurídico-políticos clássicos; porém, de acordo c o m o sent ido que 
v e m tomando através d o curso histórico e c o m as demandas e c o n d i -
ções da sociedade d o presente (...)• Por conseguinte, não somente i n c l u i 
direi tos para l i m i t a r o Estado, senão também di re i tos às prestações do 
Estado (...). O Estado, por conseguinte, não somente deve o m i t i r t u d o 
o que seja contrário ao D i r e i t o , isto é, a legal idade i n s p i r a d a e m u m a 
ideia de D i r e i t o , senão que deve exercer uma aç.~n constante através da 
legislação e da administração que realize a ideia sociiii de Direito.126 
A adjet ivação pelo social pre tende a c o r r e ç ã o d o i n d i v i d u a l i s m o 
l ibera l p o r in termédio de garant ias colet ivas . Corr ige -se o l ibera l i s -
m o clássico pela reunião d o c a p i t a l i s m o c o m a busca d o bem-estar 
social , fórmula geradora d o ivelfare state neocapi ta l i s ta no pós -Segun-
da Guerra M u n d i a l . 
C o m o Estado Social de Direito revela-se um tipo de Estado que 
tende a criar uma situação de bem-estar geral que garanta o descttvolvi-
mento da pessoa humana.*27 
1 2 6 C f e . G a r c i a - P e l a y o , <>/'. cit., p . 56. 
1 2 7 C f e . S i l v a , O Estado Democrático de Direito, op. cit., p. 65. 
C i ê n c i a Polít ica e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 91 
Para M a n u e l Garcia-Pelayo, o Estado Social de D i r e i t o s ignif ica 
u m Estado sujeito à lei l e g i t i m a m e n t e estabelecida c o m respeito ao 
texto e às prát icas const i tuc ionais , i n d i f e r e n t e m e n t e de seu caráter 
f o r m a l o u m a t e r i a l , abstrato o u concreto , c o n s t i t u t i v o o u a t i v o , à 
q u a l , de q u a l q u e r mane i ra , n ã o p o d e c o l i d i r c o m os preceitos 
sociais estabelecidos pela Const i tu ição e reconhecidos pela praxis 
cons t i tuc iona l como normat ização de va lores p o r e para os quais se 
c o n s t i t u i o Estado Social e que, p o r t a n t o , f u n d a m e n t a m a sua lega-
l i d a d e . 1 2 8 
Neste q u a d r o , esvai-se a noção de l e ga l id a d e própria d o ideário 
l ib era l , pois a lei passa a ser utilizada não mais, apenas, como ordem geral 
e abstrata129 - a general idade da le i era cons iderada f u l c r o d o Estado 
de D i r e i t o - mas, s im c o m o i n s t r u m e n t o de ação , m u i t a s vezes, com 
caráter especí f ico e concreto, a t e n d e n d o cr i tér ios c i rcunstancia is . 
A t ransformação d o Estado L i b e r a l de D i r e i t o não se dá , assim, 
apenas no seu conteúdo finalíst ico, mas, t a m b é m , na reconcei tual i -
zação de seu mecanismo básico de a tuação , a le i . T o d a v i a , o conteú-
d o social adrede ao Estado não abre perspect iva a que se concretize 
u m a cabal re formulação dos poderes v igentes à época d o m o d e l o 
clássico. 
Precisa ser re fer ido que, m e s m o sob o Estado Social de D i r e i t o , 
a questão da i g u a l d a d e não obtém so lução , e m b o r a sobrepuje a sua 
percepção p u r a m e n t e f o r m a l , sem base m a t e r i a l . 
6.2.3. O Estado Democrático de Direito 
É p o r essas, entre outras , razões que se d e se nv o lv e u m n o v o 
conceito, na tentat iva de conjugar o ideal d e m o c r á t i c o ao Estado de 
D i r e i t o , não c o m o u m a aposição de conceitos, mas sob u m conteúdo 
próprio o n d e estão presentes as conquis tas d e m o c r á t i c a s , as garan-
tias jur ídico- legais e a preocupação social . T u d o c o n s t i t u i n d o u m 
n o v o con junto onde a preocupação básica é a transformação do status 
quo. 
O co nteúdo da legal idade - pr inc ípio ao q u a l permanece v i n c u -
lado - assume a forma de busca efet iva da concre t ização da i g u a l d a -
de, não pela general idade d o c o m a n d o n o r m a t i v o , mas pela 
1 2 8 C f e . G a r c i a - P e l a y o , <>/>. cit., p. 64. 
1 2 9 C o m o d i z J o s é A f o n s o da S i l v a , op . cit. , o direito geral, dentro da esfera económica, 
era usado para conservar o sistema de propriedade existente t para protegê-lo contra inter-
venção sempre que esta fosse julgada incompatível com os interesses dos grupos. Op. cit., p. 
67. 
Lenio Luiz Streck 
José Luis liolzan de Morais 
real ização, através dele, de intervenções que impliquem diretainente uma 
alteração na situação da comunidade.130 
O Estado Democrático de Direito t e m u m c o n t e ú d o t r a n s f o r m a d o r 
da real idade, não se r e s t r i n g i n d o , c o m o o Estado Social de D i r e i t o , 
a u m a adaptação melhorada das condições sociais de ex is tênc ia . As-
s i m , o seu conteúdo ultrapassa o aspecto m a t e r i a l de concre t ização 
de u m a v ida d i g n a ao h o m e m e passa a agir s i m b o l i c a m e n t e como 
f o m e n t a d o r da part ic ipação pública q u a n d o o democrático qualifica o 
Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos 
constitutivos e, pois, também sobre a ordem jurídica.m E m a i s , a ideia de 
democracia contém e i m p l i c a , necessariamente, a q u e s t ã o da solução 
d o p r o b l e m a das condições mater ia i s de ex is tênc ia . 
C o m efeito, são princípios d o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o : 
A - Constitucionalidade: v inculação d o Estado D e m o c r á t i c o de 
D i r e i t o a u m a Const i tu ição c o m o i n s t r u m e n t o bás ico de ga-
rantia jurídica; 
B - Organização Democrática da Sociedade; 
C - Sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos. seja como 
Estado de distância, p o r q u e os d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s assegu-
r a m ao h o m e m u m a a u t o n o m i a perante os poderes públ icos , 
seja como u m Estado antropologicamente amigo, pois respeita 
a d i g n i d a d e da pessoa h u m a n a e empenha-se na defesa e 
garantia da l i b e r d a d e , da justiça e da s o l i d a r i e d a d e ; 1 1 2 
D - Justiça Social c o m o mecanismos c o r r e t i v o s das d e s i g u a l d a -
des; 
E - Igualdade não apenas c o m o p o s s i b i l i d a d e f o r m a l , mas, t a m -
bém, c o m o ar t iculação de u m a sociedade jus ta ; 
F - Divisão de Poderes ou de Funções; 
G - Legalidade que aparece c o m o medida do direito, isto é, através 
de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescrilivo, 
de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a 
prepotência;m 
H - Segurança e Certeza Jurídicas. 
A s s i m , o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o teriaa caracter ís t ica de 
ultrapassar não só a formulação d o Estado Libera l de D i r e i t o , como 
também a do Estado Social de D i r e i t o - v i n c u l a d o ao welfare state neo-
capitalista - i m p o n d o à o r d e m jurídica e à a t i v i d a d e estatal u m conteú-
1 3 0 I d e m , i b i d e m , p. 70. 
1 3 1 I d e m , i b i d e m . , p. 68. 
1 3 2 C f e . C a n o t i l h o , J. J. G o m e s e M o r e i r a , V i t a l . Fundamentos da Constituição C o i m -
b r a : C o i m b r a E d . , 1991, p. 83. 
1 3 3 I d e m , i b i d e m , p. 82. 
C i ê n c i a Política e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 93 
d o utópico de transformação da real idade. D i t o de o u t r o m o d o , o Estado 
Democrát i co é p lus n o r m a t i v o e m relação às f o r m u l a ç õ e s anteriores . 
Vê-se que a n o v i d a d e que apresenta o Estado Democrát i co de 
D i r e i t o é m u i t o mais em u m sent ido te leológico de sua n o r m a t i v i d a -
de d o que nos ins t rumentos u t i l i z a d o s o u m e s m o na m a i o r i a de seus 
conteúdos , os quais vêm sendo cons t ru ídos de a l g u m a data . 
Para s intet izar este debate, p o d e r í a m o s sustentar que, como 
contrapos ição ao m o d e l o absolut is ta , o m o d e l o l ibera l se formal iza 
c o m o Estado de D i r e i t o . Este se afasta da s i m p l i s t a fo r m ula çã o como 
estado legal, pois pressupõe não apenas u m a regulação jur ídico-nor-
m a t i v a q u a l q u e r , mas uma o r d e n a ç ã o calcada e m d e t e r m i n a d o s con-
teúdos. E é neste p o n t o que as várias po ss ib i l id a d e s se p r o d u z e m . 
C o m o liberal, o Estado de D i r e i t o sustenta j u r i d i c a m e n t e o con-
teúdo próprio do l ibera l i smo, r e f e r e n d a n d o a l imitação da ação es-
tatal e tendo a lei como o r d e m geral e abstrata. Por o u t r o lado, a 
e f e t i v i d a d e da n o r m a t i v i d a d e é g a r a n t i d a , gener icamente , através da 
imposição de uma sanção d iante da d e s c o n f o r m i d a d e d o ato p r a t i -
cado c o m a hipótese n o r m a t i v a . 
T r a n s m u t a d o em social, o Estado de D i r e i t o acrescenta à j u r i d i -
c idade l ibera l u m conteúdo social , conectando aquela restrição à 
a t i v i d a d e estatal a prestações i m p l e m e n t a d a s pe lo Estado. A lei pas-
sa a ser, p r i v i l e g i a d a m e n t e , u m i n s t r u m e n t o de ação concreta do 
Estado, tendo c o m o método assecuratór io de sua e f e t i v i d a d e a p r o -
m o ç ã o de determinadas ações p r e t e n d i d a s pela o r d e m jurídica . 
Em ambas as s i tuações, t o d a v i a , o f i m u l t i m a d o é a adaptação 
à o r d e m estabelecida. 
Q u a n d o assume o fe i t io democrático, o Estado de D i r e i t o tem 
como ob je t ivo a i g u a l d a d e e, ass im, n ã o lhe basta l imitação o u a 
p ro mo ção da atuação estatal, mas referenda a pre tensão à transfor-
mação d o status quo. A lei aparece c o m o i n s t r u m e n t o de t r a n s f o r m a -
ção da sociedade não estando mais a t re lada i n e l u t a v e l m e n t e à 
sanção o u à promoção . O f i m a que pre tende é a constante reestru-
turação das próprias relações sociais. 
É c o m a noção de Estado de D i r e i t o , c o n t u d o , que l i b e r a l i s m o e 
democracia se i n t e r p e n e t r a m , p e r m i t i n d o a aparente redução das 
antí teses económicas e sociais à u n i d a d e f o r m a l d o sistema legal , 
p r i n c i p a l m e n t e através de u m a Const i tu ição , onde deve prevalecer 
o interesse da maior ia . A s s i m , a Cons t i t u i çã o é colocada no ápice de 
u m a pirâmide escalonada, f u n d a m e n t a n d o a legis lação que , enquan-
to ta l , é aceita c o m o poder legí t imo. 
A s s i m , e com i n t u i t o de dispersar o u absorver as contradições 
decorrentes da d i v e r s i d a d e s o c i o e c o n ó m i c a , p o n d o à mostra o fala-
Lenio Luiz Strcck 
94 José Luis Bolzan de Morais 
cioso princípio da i s o n o m i a ( f o r m a l ) d i a n t e da l e i , o l i b e r a l i s m o 
jurídico-pol í t ico alberga as n o ç õ e s de u m o r d e n a m e n t o c o m p l e t o , 
ausente de lacunas e h i e r a r q u i z a d o que, para c o n s e g u i r a r e p r o d u -
ção da d o m i n a ç ã o v i g e n t e , requer a ace i tação acrít ica de normas 
básicas , . . . ca l ibrando expectat ivas e i n d u z i n d o à o b e d i ê n c i a no sen-
t i d o de u m a vigorosa pront idão genera l izada de todos os c idadãos 
para a acei tação passiva de n o r m a s gerais e impessoais - o u seja, das 
prescr ições legais a inda i n d e t e r m i n a d a s q u a n t o ao seu conteúdo 
concreto. 1 3 " 1 
T o d a v i a , este processo não se dá sem r u p t u r a s e t rans formações . 
O D i r e i t o d o Estado vai a s s u m i n d o o c o n t e ú d o das t rans formações 
pelas quais este passa. 
E m síntese, a t rans formação d o conceito de Estado de D i r e i t o 
irá i m p l i c a r a assunção de u m n o v o fe i t io para Estado e D i r e i t o . Para 
expl ic i tar esta t ransformação , p o d e m o s p r o p o r o seguinte q u a d r o 
e x p l i c a t i v o : 1 3 5 
ABSOLUTISTA^ 
Estado legal 
LIBERAL 
1 
1 
Estado de Direito 
Esiado D e m o c r á t i c o 
de Direito 
lei • ordem geral 
e abstrata; não 
impedimento 
J 
ind iv íduo 
lei • Instrumento de 
ação concreta do Estado; 
l a c i l i t a ç â o ; aceiao 
l 
grupo 
igualdade 
t r a n s l o r m a ç á o do 
status quo 
s a n ç ã o p r o m o ç ã o 
a d a p t a ç ã o 
[ 
c ir: 
LZ: 
lei = instrumento de 
t r a n s l o r m a ç á o , 
solidariedade 
: L : 
comunidade 
" e d u c a ç ã o " 
r e e s t r u t u r a ç ã o 
V34 C f e . F a r i a , Jose E d u a r d o . Direito e justiça - A Função Social do Judiciário. S ã o P a u l o : 
Á t i c a , 1989, p. 25. 
1 3 5 A l g u m a s d a s c a r a c t e r í s t i c a s a q u i a p o n t a d a s e s t ã o p r e s e n t e s e m : F a r i a , Jose 
E d u a r d o . Justiça c Conflito. Os juízes em face dos novos movimentos sociais. S ã o Paulo : 
R T . 1991. E m e s p e c i a l , v e r i tens 1 e 2. V e r , a i n d a , B o l z a n d e M o r a i s , J o s é L u i s . Do 
Direito Social aos Interesses Transindividuais. Porto A l e g r e : l . iv . d o A d v o g a d o , 1996, 
p. 65 e segs. 
C i ê n c i a Polí t ica e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 95 
Tal es t rutura nos mostra , grosso m o d o , duas d i c o t o m i a s - abso-
lu t i s ta/ l ibera l e Estado Legal/Estado de D i r e i t o - que vão se instalan-
d o con juntamente c o m o estabelecimento d o que convenc ionamos 
ap o nt ar como Estado M o d e r n o , o u seja, aquele Estado n o qual apa-
rece u n i f i c a d o u m centro de tomada e i m p l e m e n t a ç ã o de decisões, 
caracter izado pelo poder soberano incontrastável sobre u m d e t e r m i -
n a d o espaço geográf ico - território. 
De início, estabelecemos u m a g r a n d e d i c o t o m i a que irá se apre-
sentar na base d o Estado M o d e r n o , c o l o c a n d o de u m l a d o o estado 
absolut is ta , caracterizado pela f i g u r a d o monarca que se ident i f i cava 
c o m o próprio Estado e, de o u t r o , temos o d e s e n v o l v i m e n t o d o 
m o d e l o l ibera l que, desde suas or igens , s i g n i f i c o u a l imitação do 
p o d e r e o estabelecimento de garant ias própr ias aos indivíduos , ao 
lado de u m a mecânica económica assentada na l i b e r d a d e contra tua l 
e no l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o d o mercado . 
C o n t u d o , o que nos i m p o r t a , a q u i , é, t o m a n d o c o m o substrato 
bás ico o m o d e l o l ibera l , pensar c o m o se d e s e n v o l v e n o seu in te r ior 
a es t rutura t io Estado de D i r e i t o , p a r t i n d o de seu m o d e l o l iberal 
c lássico para chegara u m p o n t o de quase r u p t u r a , representado pelo 
Estado Democrát ico de D i r e i t o . 
Para tanto, é f u n d a m e n t a l que se perceba que a teoria d o Estado 
de D i r e i t o fo i c o n f r o n t a d a , no século XX, c o m u m d u p l o desafio. U m 
p r i m e i r o proveniente d o s u r g i m e n t o dos reg imes total i tários, nos 
quais a o r d e m jurídica não se apoiava e m n e n h u m v a l o r subjacente 
ao Estado de D i r e i t o . O u t r o , p r o v e n i e n t e da c o n s t r u ç ã o d o Estado 
de Bem-Estar, que m o d i f i c o u p r o f u n d a m e n t e o substra to l ibera l so-
bre o qual se fundava o ideário d o Estado de D i r e i t o . A m b o s acabam 
p o r c o n t r i b u i r para a emersão de u m a c o n c e p ç ã o substancial de 
Estado de D i r e i t o . 1 3 6 
Tendo-se assente a dist inção entre Estado Legal e Estado de 
D i r e i t o , aquele restr i to à f o r m a da l ega l id a d e , e n q u a n t o este incor-
pora à mesma d e t e r m i n a d o s c o n t e ú d o s , pode-se pensar, no in te r ior 
deste últ imo, uma tripartição que se expressa pelos Estado Liberal 
de D i r e i t o , Estado Social de D i r e i t o e Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o . 
O s l s f t j < f r O ^ > i f r & ^ apresenta-se caracter izado pelo con-
teúdo l iberal de sua legal idade, onde há o p r i v i l e g i a m e n t o das l iber-
dades negativas, através de u m a regulação r e s t r i t i v a da a t i v i d a d e 
estatal . A le i , como i n s t r u m e n t o da l ega l id a d e , caracteriza-se como 
u m a ordem geral e abstraia, r e g u l a n d o a ação social a través d o não 
impedimento de seu l i v r e d e s e n v o l v i m e n t o ; seu i n s t r u m e n t o básico é 
1 3 6 C f e . C h e v a l l i e r , op. cit., p. 99. 
Lenio Luiz Streck 
96 l 0 S l ' Lf/is Bolzan de Morais 
a coerção a través da sanção das c o n d u t a s contrár ias . O a tor caracte-
rístico é o indivíduo. 
O desenrolar das relações sociais p r o d u z i u u m a t ransformação 
neste m o d e l o , d a n d o o r i g e m a o "EfrftKfo^S&j^^ que , da mes-
ma f o r m a que o anter ior , tem p o r c o n t e ú d o jur ídico o p r ó p r i o ideário 
l ibera l agregado pela c o n v e n c i o n a l m e n t e n o m i n a d a questão social, a 
q u a l traz à baila os p r o b l e m a s própr ios ao d e s e n v o l v i m e n t o das 
relações de produção e aos novos c o n f l i t o s emergentes de u m a so-
ciedade renovada r a d i c a l m e n t e , c o m atores sociais d i v e r s o s e c o n f l i -
tos própr ios a u m m o d e l o i n d u s t r i a l - d e s e n v o l v i m e n t i s t a . Temos 
a q u i a construção de u m a o r d e m jurídica na q u a l está presente a 
l imitação d o Estado ladeada p o r u m c o n j u n t o de garant ias e presta-
ções pos i t ivas que re ferem a busca de u m equi l íbr io não a t i n g i d o 
pela sociedade l ibera l . A lei assume u m a segunda f u n ç ã o , q u a l seja 
a de instrumento de ação concreta do Estado, aparecendo c o m o meca-
n i s m o de facil i tação de benef íc ios . Sua e fe t ivação estará l igada p r i -
v i l e g i a d a m e n t e à p r o m o ç ã o das condutas dese jadas . 1 3 7 O perso-
nagem p r i n c i p a l é o g r u p o que se c o r p o r i f i c a d i f e r e n t e m e n t e c m 
cada m o v i m e n t o social . 
A o f i n a l , o que se observa é u m a certa i d e n t i d a d e nestes mode-
los apresentados, podendo-se d izer que ambos têm c o m o f i m c o m u m 
a adaptação social. Seu núcleo básico permanece i n t o c a d o . 
A n o v i d a d e d o i S & i r f ^ ^ ^ ^ n ã o está em uma 
revolução das es t ruturas sociais, mas deve-se perceber que esta nova 
conjugação i n c o r p o r a caracter ís t icas novas ao m o d e l o t r a d i c i o n a l . 
A o lado d o núcleo l i b e r a l agregado à ques tão socia l , tem-se c o m este 
n o v o m o d e l o a incorporação efet iva da questão da igualdade c o m o u m 
conteúdo próprio a ser buscado g a r a n t i r a t r a v r s d o asseguramento 
jur ídico de condições mín imas de v i d a ao c i d a d ã o e à c o m u n i d a d e . 
1 3 7 O p r o b l e m a da f u n ç ã o p r o m o c i o n a l d o D i r e i t o a p a r e c e c o m o u m a d a s n o v a s 
t é c n i c a s d e controle s o c i a l , p r ó p r i a d o es tado s o c i a l , ou seja , o e n c o r a j a m e n t o de 
a ç õ e s p r e t e n d i d a s . T a l c a r a c t e r í s t i c a p o d e ser p e r c e b i d a i n c l u s i v e no e s t u d o d o 
c o n s t i t u c i o n a l i s m o , o n d e as c o n s t i t u i ç õ e s de c a r á t e r l iberal c l á s s i c o a p o n t a m para a 
tutela d e di re i tos c o m o c a r a c t e r í s t i c a q u e lhe é f u n d a m e n t a l , e n q u a n t o as const i tui -
ç õ e s c o n t e m p o r â n e a s a p o n t a m para a promoção c o m o t é c n i c a d e c o n s e c u ç ã o d e 
objet ivos . C o m o d i z Bobbio : In un ordinamento repressivo la técnica típica attraverso cui 
si attuano le misure indirelte è lo scoraggiamento; in un ordinamento promozionale, la 
técnica tipica dclle misure indirette è 1'incoraggiameitto. A qttesto pauto siamo in grado di 
definire "scoraggiamento" quella operazione con cui A cerca di injluenzare il comportamento 
non volulo (non importa se commissivo o omissivo) di B, o ostatolando o attribuendogli 
conseguenze spiacevoli; simmetricamente, "incoraggiamento" quell'operazione con cui A 
cerca di influenzare il comportamento volulo (non importa se commissivo o omissivo) di B. 
o facilitandolo o attribuendogli conseguenze piacevoli. V e r : Dalla Slruttura alia Funzione, 
M i l l a n o , C o m u n i t á , 1977, p. 27 e 28. 
C iênc ia Polí t ica e 
T e o r i a G e r a l d o L s t a d o 97 
Embora tal problemática já fosse visível n o m o d e l o anter ior , há, 
neste úl t imo, u m a redef inição que lhe dá c o n t o r n o s novos onde tal 
ob je t ivo se coloca v i n c u l a d o a u m pro je to so l idár io - a solidariedade 
agrega-se a ela c o m p o n d o u m caráter c o m u n i t á r i o . A q u i es tão i n c l u -
sos prob lemas relat ivos à qualidade de vida i n d i v i d u a l e colet iva dos 
homens . 
A a tuação do Estado passa a ter u m c o n t e ú d o de transformação 
do status quo, a lei aparecendo c o m o u m instrumento de transformação 
p o r i n c o r p o r a r u m papel s imból ico p r o s p e c t i v o de manutenção d o 
espaço v i t a l da h u m a n i d a d e . Dessa f o r m a , os mecanismos u t i l i z a d o s 
a p r o f u n d a m paroxis t icamente seu p a p e l p r o m o c i o n a l , m u t a n d o - o 
em t r a n s f o r m a d o r das relações comuni tár ias . O ator p r i n c i p a l passa 
a ser coletividades difusas a p a r t i r da c o m p r e e n s ã o da p a r t i l h a c o m u m 
de destinos. 
Di ferentemente dos anteriores , o Estado D e m o cr á t i co de D i r e i t o 
carrega e m si u m caráter transgressor que i m p l i c a agregar o fe i t io 
incerto da Democracia ao D i r e i t o , i m p o n d o u m caráter rees t rutura-
d o r à sociedade e, revelando uma contradição f u n d a m e n t a l com a 
j u r i d i c i d a d e l ibera l a p a r t i r da reconstrução de seus p r i m a d o s bási-
cos de certeza e segurança jurídicas , para adaptá - los a u m a ordena-
ção jurídica vo l tada para a g a r a n t i a / i m p l e m e n t a ç ã o d o f u t u r o , e não 
para a conservação cio passado. Nesse sent ido , pode-se dizer que, no 
Estado Democrát ico de D i r e i t o , há u m sensível des locamento da 
esfera de tensão d o Poder Execut ivo e d o Poder L e g i s l a t i v o para o 
Poder l u d i c i á r i o . 1 3 8 
Percebe-se nesta trajetória c o m o que u m a redef in ição contínua 
d o Estado de D i r e i t o , c o m a incorporação de c o n t e ú d o s novos , em 
especial face à imposição dos novos p a r a d i g m a s própr ios ao Estado 
de Bem-Estar Social.O que ocorre não p o d e ser c i r c u n s c r i t o , apenas, 
a u m a u m e n t o no número de d i r e i t o s mas, isto s i m , a u m a transfor-
mação f u n d a m e n t a l no conteúdo d o D i r e i t o ele m e s m o . 
Para além da passagem dos droits-libertés para os droits-créances, 
da t ransmutação da sanção em p r o m o ç ã o , há a const i tu ição de rea-
l idades novas que se i m p õ e m . O caráter d e m o c r á t i c o i m p l i c a u m a 
constante mutação e ampl iação dos c o n t e ú d o s d o Estado de D i r e i t o . 
M a i s d o que apontar a mutação das caracter ís t icas t radic ionais 
d o D i r e i t o , a mudança de caráter da regra jur ídica - n ã o mais u m 
1 3 8 N e s s e sent ido , consul tar : Streck, Hermenêutica, op. cit.; i d e m , A n e c e s s á r i a cons-
t i t u c i o n a l i z a ç ã o do direi to : o ó b v i o a ser d e s v e l a d o . In: Revista de Direito n- 9/10. 
Santa C r u z d o S u l : U n i s e , 1998, p. 51-67; V i e i r a , J o s é R i b a s . Teoria do Estado. R i o de 
Janeiro , L i b e r Júr is , 1995; G u e r r a Pi lho, W i l l i s S a n t i a g o . D i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l e de-
m o c r a c i a . In Direito e democracia. Kátie A r g u e l l o ( o r g ) . F l o r i a n ó p o l i s , L e t r a s C o n -
t e m p o r â n e a s , 1996. 
Lenio Luiz Streck 
)osé Luis Bolzan de Morais 
precei to genér ico e abstrato, mas u m a regulação tendente à p a r t i c u -
lar ização -, de sua t r a n s i t o r i e d a d e e, e m c o n s e q u ê n c i a , de seu even-
t u a l despres t íg io v i n c u l a d o à sua c o m p l e x i d a d e , especi f ic idade, 
tecnical idade e prol i feração, o que c o n d u z ao seu difícil conhec imen-
to p o r parte dos operadores jur íd icos , é prec iso perceber que o Esta-
d o de D i r e i t o passa a ser p e r c e b i d o a p a r t i r da a d e s ã o a u m con junto 
de pr incípios e valores que se benef i c iarão de u m a c o n s a g r a ç ã o j u -
rídica explícita e serão p r o v i d o s de mecanismos g a r a n t i d o r e s apro-
p r i a d o s , fazendo c o m que a c o n c e p ç ã o f o r m a l f i q u e s u b m e t i d a a uma 
co nce pção mater ia l ou substancial que a engloba e ul trapassa , tor-
n a n d o a h ierarquia das n o r m a s u m dos c o m p o n e n t e s d o Estado de 
D i r e i t o s u b s t a n c i a l . 1 3 9 
O Estado de D i r e i t o , dada a sua subs tanc ia l idade , para além de 
seu f o r m a l i s m o , i n c o r p o r a n d o o fe i t io i n d o m e s t i c a d o da democrac ia , 
apresenta-se c o m o uma cont ínua (re)cr iação, a s s u m i n d o u m caráter 
d inâmico mais for te d o que sua porção estát ica - f o r m a l . A o aspecto 
paral isante de seu caráter h ierárquico agrega-se o p e r f i l m u t a n t e do 
conteúdo das normas , que es tão , a t o d o instante , s u b m e t i d a s às va-
r iações sociopol í t icas . 
Ev identemente que u m a pre f iguração p o s i t i v a de tal f enómeno 
não subest ima, sequer faz desaparecer, a lguns p r o b l e m a s que são 
f u n d a m e n t a i s e estão in t r insecamente re lac ionados à prática d o Es-
tado de D i r e i t o , c o m o p . ex. a p o s s i b i l i d a d e de q u e mais d o que 
g a r a n t i r e p r o m o v e r interesses sociais apresente-se c o m o u m meca-
n i s m o de opressão , u t i l i z a n d o - s e da jur id ic ização i n t e g r a l d o c o t i d i a -
n o das re lações sociais, c o n s t r u i n d o a r e a l i d a d e t o m a n d o como 
p a r a d i g m a o pr i sma jur ídico. Seu caráter r e t ó r i c o - a r g u m e n t a t i v o ser-
ve, inc lus ive , de vínculo r e d u t o r da política no debate públ i co . 
O risco de mit i f icação d o Estado de D i r e i t o , t r a n s f o r m a n d o - o 
em u m a referência r i t u a l , p o d e ser, t o d a v i a , m a t i z a d o p o r sua ade-
quação aos princípios d e m o c r á t i c o s - o que caracter iza o seu protó-
t i p o c o m o Estado D e m o c r á t i c o de D i r e i t o , o n d e a democrac ia 
v i n c u l a Estado e D i r e i t o - c o m o que estará sob a constante i n t e r r o -
gação democrát ica . 
139 C f e . C h e v a l l i e r , op. cit., p. 108. 
C i ê n c i a Polí t ica e 
T e o r i a G e r a l do E s t a d o 99

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