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FACULDADE DE SANTO ANTÔNIO DA PLATINA CURSO DE DIREITO MATHEUS FELIPE REIS DE OLIVEIRA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA VIDA PRIVADA: PERSPECTIVAS E CONSEQUÊNCIAS SANTO ANTÔNIO DA PLATINA 2020 MATHEUS FELIPE REIS DE OLIVEIRA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA VIDA PRIVADA: PERSPECTIVAS E CONSEQUÊNCIAS Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil, como requisito parcial obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Pedro Gonzaga Alves. SANTO ANTÔNIO DA PLATINA 2020 OLIVEIRA, Matheus Felipe Reis de. Análise da intervenção do Estado na vida privada: perspectivas e consequências. / Matheus Felipe Reis de Oliveira – PR, 2020. 68 folhas, 29 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. Orientador: Prof. Me. Pedro Gonzaga Alves. Inclui referências. 1. Direito Constitucional. 2. Direito Público. 3. Intervenção do Estado. I. Análise da intervenção do Estado na vida privada: perspectivas e consequências. II. Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. CDU: 342 MATHEUS FELIPE REIS DE OLIVEIRA ANÁLISE DA INTERVENÇÃO DO ESTADO NA VIDA PRIVADA: PERSPECTIVAS E CONSEQUÊNCIAS Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Faculdade de Santo Antônio da Platina/Universidade Brasil, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, com nota final igual a __________ conferida pela Banca Avaliadora formada por: ________________________________________________ Prof. Me. Pedro Gonzaga Alves Presidente e Orientador ________________________________________________ 1ª Examinador ________________________________________________ 2º Examinador Santo Antônio da Platina – PR, ______ de ______________ de 2020. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da vida, pela saúde e pelo discernimento necessário para estar concluindo o curso de Direito, e me possibilitado realizar o sonho de ser advogado. Agradeço a minha família, por todo o apoio e incentivo que me deram, durante todos esses 5 anos de dedicação aos estudos. De maneira especial, agradeço a minha mãe Ilma, por não ter medido esforços para que eu conquistasse esta graduação, assim, como colaborou irrestritamente para que eu alcançasse a tão sonhada aprovação no exame da OAB; e, também, ao meu pai Claimilson, por ter colaborado substancialmente, desde o início, até o final, para que eu conseguisse me formar. Agradeço aos meus avós maternos: Adalgisa e Daniel, por todo o amor, apoio, carinho e orgulho recíproco que temos entre nós. E, carinhosamente, agradeço ao meu filho, Matheus Jr., meu maior amor, e a inspiração diária da minha vida. Agradeço, o meu orientador, professor Pedro Gonzaga, por todos os seus ensinamentos durante o curso, e principalmente, pelo auxílio na elaboração desta pesquisa, o qual com extrema atenção e destreza, através de sua inteligência, competência e exigência, nos fez crescer como acadêmicos e como ser humano. Agradeço ao corpo docente da FANORPI, professores que fizeram parte da minha formação, contribuindo imensamente para o meu aprendizado. Estendo os agradecimentos à Coordenação do Curso e à direção da Faculdade. Agradeço, por fim, a todos os amigos que fiz durante essa jornada, pessoas maravilhosas, que merecem todo o sucesso em suas vidas. A todos que, direta ou indiretamente, tiveram parte nesta conquista, o meu muito obrigado! “A nós foi dado o direito de sonhar, e a Deus foi dado o poder de realizar nossos sonhos.” (Yla Fernandes) OLIVEIRA, Matheus Felipe Reis de. Análise da intervenção do Estado na vida privada: perspectivas e consequências. 2020. 68 fls. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito). Faculdade de Santo Antônio da Platina – Universidade Brasil. Orientador: Prof. Me. Pedro Gonzaga Alves. Santo Antônio da Platina, 2020. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo apresentar o surgimento e evolução da sociedade, passando desde o período do estado natural aos dias atuais. Verifica-se que o ser humano trocou o estado de natureza onde a liberdade era total, mas também a guerra de todos contra todos era constante e o direito era do mais forte, para viver em coletividade de forma cooperada, outorgando parte de sua liberdade a um terceiro – o Estado – e em troca seria protegido por ele. Todavia, observa-se foi que, ao longo do tempo o Estado passou a intervir na vida privada dos indivíduos. Então, o presente estudo, tenciona apresentar níveis de intervenção estatal diversos ao longo da história, enfocando no estado brasileiro atual, com o fito de contribuir como alicerce coadjuvante no posicionamento do Brasil na resolução de problemas sociais que só tem se agravado, em decorrência de uma intervenção inadequada do estado soberano na sociedade. Intenta-se, ainda, discorrer sobre a Ordem Econômica Constitucional Brasileira, tendo por base o art. 170 da Constituição Federal de 1988, além de visões doutrinárias sobre o assunto. Palavras-chave: Constituição Federal. Direito Constitucional. Estado Natural. Intervenção Estatal. Sociedade. OLIVEIRA, Matheus Felipe Reis de. Analysis of State intervention in private life: perspectives and consequences. 2020. 68 pages Course Conclusion Paper (Graduation in Law). Santo Antônio da Platina Faculty - University Brazil. Advisor: Prof. Me. Pedro Gonzaga Alves. Santo Antônio da Platina, 2020. ABSTRACT The present work aims to present the emergence and evolution of society, going from the period of the natural state to the present day. It appears that the human being changed the state of nature where freedom was total, but also the war of all against all was constant and the right was the strongest, to live collectively in a cooperative way, granting part of their freedom to a third - the state - and in return would be protected by it. However, it was observed that, over time, the State began to intervene excessively in the private life of individuals. Therefore, the present study intends to present different levels of state intervention throughout history, focusing on the current Brazilian state, with the aim of contributing as a supporting foundation in Brazil's position in solving social problems that have only worsened, due to inadequate intervention by the sovereign state in society. It is also intended to discuss the Brazilian Constitutional Economic Order, based on art. 170 of the 1988 Federal Constitution, in addition to doctrinal views on the subject. KEYWORDS: Constitutional Right. Federal Constitution. Natural State. State Intervention. Society. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09 1 O ESTADO DE DIREITO: CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITOS ..................... 12 1.1 SURGIMENTO DO ESTADO .......................................................... .....................12 1.1.1 O Estado sob diferentes perspectivas...............................................................13 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO...............................................................16 1.2.1 Democracia e Estado de Direito........................................................................171.2.2 Estado Social de Direito....................................................................................18 1.2.3 Estado Democrático..........................................................................................20 1.2.3.1 Caracterização do Estado Democrático de Direito.........................................21 1.2.4 O Estado Autoritário..........................................................................................23 1.3 O ESTADO MODERNO.......................................................................................25 2 FORMAS DE ESTADO INTERVENTOR E LIMITES DO INTERVENCIONISMO ESTATAL...................................................................................................................27 2.1 O ESTADO INTERVENCIONISTA.......................................................................27 2.2 ESTADO MÍNIMO................................................................................................28 2.2.1 Indispensabilidade do Intervencionismo............................................................29 2.3 O ESTADO LIBERAL...........................................................................................30 2.3.1 Relação entre Direito e Economia no Estado Liberal........................................33 2.4 A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988..............35 3 AUTONOMIA DA VONTADE INDIVIDUAL E INTERVENÇÃO ESTATAL............43 3.1 RELATIVIZAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE............................................43 3.2 DIREITO À PRÓPRIA VIDA.................................................................................44 3.2.1 Crime de Suicídio..............................................................................................45 3.2.2 Direito ao Próprio Corpo....................................................................................46 3.2.2.1 Crime de Aborto.............................................................................................48 3.3 LIBERDADE DE UNIÃO CIVIL.............................................................................49 3.4 AUTONOMIA FAMILIAR......................................................................................51 3.4.1 Autonomia Familiar na Educação Filosófica dos Filhos....................................52 3.4.2 Liberdade no Sistema de Educação Intelectual................................................53 3.5 ESTADO LAICO: LIBERDADE RELIGIOSA........................................................55 3.6 LIBERDADE NO USO DE ENTORPECENTES...................................................57 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................60 REFERÊNCIAS..........................................................................................................63 9 INTRODUÇÃO Na história da humanidade, é possível observar que o ser humano vivia isoladamente, estabelecendo contatos apenas para fins de procriação. Seus interesses, seguramente, variados provocavam graves conflitos, os quais eram solucionados por meio de guerras, quase sempre mortais. Os principais motivos, para ocorrência de guerras, eram variados, tais como: conquista de alimentos, posse territorial por fêmeas da espécie. Tal período, denominado Estado Natural, era devastador da própria humanidade, visto que ocorriam constantes guerras de todos contra todos, tencionando-se satisfazer interesses, unicamente, individuais, sendo a tutela do direito pertencente, em sentido amplo, ao mais forte. À vista disso, com as constantes guerras de todos contra todos, a humanidade não progredida, não evoluía intelectualmente e, consequentemente, era totalmente passível à extinção da espécie. Desse modo, em determinado momento, o homem passa a viver na coletividade, cedendo seus interesses a um terceiro, o qual passou a tutelar o direito de todos. Tal situação, ficou conhecida por Contrato ou Pacto Social. Assim, cada indivíduo signatário deste pacto, abdicaria, em parte, de sua liberdade total, a qual possuía no Estado Natural ao Estado Soberano, com intuito de que todos pudessem viver coletivamente em paz, e em cooperação. Dessa forma, em qualquer momento onde surgisse um conflito entre os indivíduos, o Estado, único legitimado para defender os direitos de todos, interviria atribuindo o ganho da causa a quem julgasse estar com a razão, vindo a pacificar o conflito. Possivelmente, esta seria a condição ideal para a humanidade, se não fossem as distorções no processo de intervenção estatal, a qual pode reconduzir o Estado Social aos problemas do Estado natural, com acréscimo de outros ônus. Verifica-se, assim, que o Estado possui todo o poder, é legitimado para a proteção dos direitos e, portanto, é soberano sobre seus governos. A sociedade é governada por um representante que, na constância desta posição, toma decisões em nome do próprio Estado. Deste jeito, tal representante (monarca, presidente, primeiro ministro, etc.), munido de poder, pode intervir na população por interesse próprio ou de um 10 determinado grupo; também, por imperícia, pode intervir demasiadamente na vida do indivíduo, impondo-lhe cerceamento da liberdade, bem como oprimindo-o, permitindo conflitos desmedidos e aumentando a desigualdade e a perda da dignidade humana. Neste sentido, este trabalho tem por propósito discorrer sobre os limites da intervenção estatal na vida privada, visando apresentar diversos pontos de vista adotados no mundo e ao longo da história, sempre traçando um paralelo com a realidade brasileira. Objetivando a fundamentação da pesquisa, apresentar-se-á conceitos sobre o período pré-social, evolução da história do Estado e da sociedade, assim como o ponto de vista dos principais filósofos, sociólogos e juristas acerca do tema. Também será apresentada uma breve análise acerca da ordem econômica constitucional brasileira, bem como dados das diversas culturas mundiais e aplicações das respectivas intervenções estatais e, também, informações estáticas sobre os resultados de tais políticas. O trabalho será ordenado em três capítulos. No capítulo 1, serão apresentadas considerações sobre o conceito de Estado de Direito pela ótica de pensadores renomados, assim como será realizada uma contextualização e um posicionamento sobre a evolução histórica do Estado. No primeiro capítulo, discorrer-se-á, ainda, acerca do período do Estado Natural da Humanidade, assim como sobre o surgimento e reconhecimento dos direitos naturais, origem e definição do Contrato Social e o primeiro contraponto do trabalho: Estado Democrático, Estado Democrático de Direito, Estado Social e Estado Autoritário. Posteriormente, ainda, será discorrido sobre as principais características do Estado Moderno. No capítulo 2, tenciona-se realizar uma análise sobre as formas de Estado Interventor e o Limites do Intervencionismo Estatal, discorrendo sobre os conceitos de Estado Intervencionista, Estado Mínimo, Indispensabilidade do Intervencionismo Estatal e Estado Liberal. Também será apresentada a relação entre Direito e Economia no Estado Liberal. Ainda no capítulo 2, tenciona-se discorrer sobre a Ordem Econômica Constitucional Brasileira, a partir do art. 170 da Constituição Federal de 1988. Para tanto, serão comentados, isoladamente, os fundamentos, os objetivos e alguns 11 princípios gerais da atividade econômica brasileira, intentando estabelecer mecanismos que auxiliem na interpretação e compreensão da Ordem Econômica Constitucional, atualmente em vigor. No terceiro e último capítulo, será dissertado sobre o tema autonomia da vontade individual, discorrendo sobre a relativização da autonomia da vontade e apresentando exemplos reais que mostrarão maneiras como o Estado intervém na vida privada, no dia a diados cidadãos. 12 1 O ESTADO: CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITOS O presente capítulo exporá, historicamente, o surgimento e evolução do Estado, bem como seus conceitos à luz dos principais referenciais provindos dos filósofos, políticos e escritores atuais em relação ao surgimento do conceito em discussão. Da mesma maneira, serão expostas suas principais características, evolução do Estado primitivo e exposição das etapas relevantes no período compreendido entre o momento primário e o vigente. 1.1 SURGIMENTO DO ESTADO Precedentemente às famílias monogâmicas e à propriedade privada, a composição da sociedade se dava por grupos materiais, nos quais a paternidade era ignorada diante da possibilidade de se averiguar a mesma, sendo a mãe elevada à posição ao posto de suprema autoridade familiar. A categorização de tais grupos de famílias ocorria pelos anciãos com a participação dos conselhos das tribos; a harmonização social possuía seu alicerce nas práticas religiosas, dispondo de relações sociais unicamente pessoais. Com o fim do nomadismo e início do ciclo agropecuarista, surgiu-se a necessidade das propriedades privadas, as quais despertaram o interesse das garantias sucessórias, fazendo, assim, nascer as famílias patriarcais monogâmicas, sendo permitido, porém, garantir a hereditariedade dos bens privados. Deste modo, verificou-se que, a certeza da paternidade com objetivo de proteger a transmissão hereditária da propriedade privada não era essencial para garantir a segurança dos bens. Consequentemente, originou-se uma estrutura política concisa capaz de resguardar os direitos, na ocasião ameaçados por ladrões ou invasores; da mesma maneira possibilitou-se o surgimento de cooperativa para trabalhos conjuntos onde toda a sociedade, ou pelo menos uma parte considerável dela, se beneficiava, como barragens, estradas, pontes, canais, etc. Após tal união institucionalizada, a qual possuía suas lideranças dentro de uma estrutura política, conseguiu-se, contudo, identificar a origem do Estado. 13 1.1.1 O Estado sob diferentes perspectivas Analisando, primeiramente, a visão de Karl Marx (2007), infere-se que, em sua opinião, o Estado não se tratava de uma imposição divina e, muito menos, fruto de um contrato social, mas sim um meio de assegurar a continuidade da dominação das classes mais favorecidas sobre as menos favorecidas, ou seja, a minoria burguesa, a qual era detentora da maior parte das propriedades privadas, possuía a necessidade de se proteger. As principais ferramentas empregadas na dominação entre classes eram o aparato de ordem (jurídica) e da força pública (policial e militar). Assim, o liberalismo define o Estado como garantidor do direito de propriedade privada e, reduz a cidadania aos direitos dos proprietários privados (CHAUI, 2000, p. 89). Nesse sentido, Marx, em sua obra “Manifesto Comunista” (ed. 2007), enxerga a propriedade como uma entidade opressora, oposta diretamente à classe operária. Nessa ótica, o Estado serviria, apenas como forma de subsidio ao domínio burguês, ou seja, uma validação de sua dominação. Para Marx, o capitalista “impõe leis”, as quais, por sua vez, são intocáveis na conjuntura do Estado Moderno. Na visão do autor, o capitalismo possui direitos sobre a terra e, ao trabalhador, compete, apenas, vender sua força de trabalho e adequar sua vida aos moldes do sistema capitalista. Por sua vez, Max Weber, na obra “Ensaios de Sociologia” (ed. 1982), pregava a concepção do Estado como um ente que detinha o monopólio da legítima utilização da força coercitiva sobre aqueles que governa. Em vista disso, um lado operava sopesando direitos e, consequentemente, singularizando os poderes Legislativo e Judiciário, sendo o Legislativo considerado mais importante por exercer a representação da população e por objetivar garantir a segurança de cada indivíduo e, dessa forma, a ordem política. Para Weber, conforme descrito na supramencionada obra, o Estado tem o poder de coerção sobre os indivíduos, bem como de formular leis para exercer o controle das condutas da sociedade. Segundo o autor, para que o Estado exista, é necessário que os dominados obedeçam às autoridades alegadas pelos detentores do poder. Desse modo, o poder do Estado se expressa por meio da grande 14 quantidade de instituições de administrações públicas, como, por exemplo, o parlamento, os militares e assim por diante. Nesse elastério entende-se que em Weber o Estado é uma forma específica de política e essa forma não se define pelo consenso e participação popular, mas justamente pelo monopólio da violência. Assim, na visão de Weber, o Estado é a “estrutura ou o agrupamento político que reivindica com êxito o monopólio do constrangimento físico legítimo”. (FREUND, 1987, p. 159). Na concepção de Weber, na supramencionada obra, os Estados deveriam dispor de representantes soberanos, para exercerem o governo do mesmo, todavia para que tal fator ocorresse, deveria ser permitido a sociedade eleger os governantes por meio de votação; sendo que, posteriormente, este governante deveria formar uma equipe de trabalho composta por membros de sua confiança, vindo a constituir um “gabinete”. Já, de acordo com Thomas Hobbes, em sua obra “O Leviatã” (ed. 2010), essencialmente, o Estado deveria ser uma instituição reguladora das instituições entre os indivíduos, sobretudo pelo fato de o homem, em seu estado natural, buscar, incessantemente, prover seus anseios de forma egoísta, violenta e vil, instigado unicamente por suas paixões. Hobbes, na supramencionada obra, divide a humanidade em dois grupos: o estado natural e o político social. Para o autor, o estado natural diz respeito a completa liberdade do homem, onde o mesmo é favorecido de toda a sorte de direito, sem nenhum dever, sendo que, segundo Hobbes, este seria um estado pobre, tosco, sórdido, solitário e curto. Todavia, no estado social, existiria um governo que dita ordens com intuito de erigir, harmonicamente, uma coletividade dotada não apenas de direitos (restringidos), com também deveres. O homem, por natureza, é egoísta, pois quer fazer apenas o que é do seu interesse, sem levar em consideração os anseios dos outros. Devido a isso, quando há choques de interesses entre esses indivíduos, surgem os conflitos interpessoais, já que “os dois desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo, que é impossível ela ser gozada por ambos, eles se tornam inimigos. (HOBBES, 1979, p. 74) 15 Pelo pensamento de Hobbes, exposto na supracitada obra, é possível perceber que competiria ao soberano – estado – garantir harmonia, paz e segurança, anteriormente garantidas precariamente pela autoridade do senhor feudal. Em contrapartida, eram transferidas ao soberano todas as liberdades individuais, sendo, dessa maneira, o Estado, o senhor absoluto da vida de todos os seres humanos. Desse modo, Hobbes, intitulou o Estado como Leviatã, fazendo uma referência ao monstro citado no Livro de Jó, no antigo testamento, o qual diz: Ninguém é bastante ousado para provocá-lo; O seu coração é firme como uma pedra; Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada; Ele olha com desprezo tudo o que é alto; é rei sobre todos os animais orgulhosos. (JÓ in BÍBLIA apud NICEAS, 2014, on-line) Não obstante referida descrição bíblica fazer uma alusão a uma besta assustadora, tal animal é o que defende os peixes menores (mais fracos) de serem dizimados pelos maiores (mais fortes). Outra analogia, constantemente usada, é a de que o Leviatã seria “um gigante cuja carne é a mesma de todos os que a ele delegaram o cuidado de os defender" (MARTINS; ARANHA, 2003, p. 86). Assim sendo, infere-se que Hobbes define o Estado comoabsoluto e soberano, o que representaria uma condicionante que não existiria no Estado de Natureza. Por sua vez, John Locke, na obra “Dois tratados sobre o governo” (ed. 1998), mostrava-se crítico das ideias defendidas por Thomas Hobbes, sobretudo a respeito da crença do mesmo no direito divino dos reis. Para Locke, todavia, era na população, e não no Estado, que se encontrava a soberania. Segundo o autor, caberia ao Estado respeitar as leis naturais provindas dos seres humanos. O filósofo também foi grande defensor da separação entre Estado e Igreja, sendo que o mesmo apoiava o direito à liberdade religiosa, fato que motivou a Igreja Católica a desaprovar, abundantemente, suas ideias. Apesar de defensor da separação entre Estado e Igreja, Locke, na supracitada obra, também tutelava a tese de que o poder estatal deveria ser dividido em três poderes, sendo: Executivo, Legislativo e Judiciário, considerando o Legislativo o mais importante por representar a vontade do povo. 16 Embora defendesse a igualdade entre os homens, Locke também era favorável à escravidão, não por discriminação racial, entretanto com um pensamento claro e objetivo: homens rendidos e capturados em guerras poderiam escolher entre ser mortos ou terem a liberdade convertida em escravidão. 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA Diante da exposição nos tópicos anteriores, acerca do surgimento do Estado em sua forma primitiva e das variadas concepções filosóficas acerca do mesmo, ainda no período da idade antiga, este tópico tenciona discorrer sobre o Estado Corrente, não omitindo, contudo, que do Estado Antigo ao Moderno, ocorreram diversas etapas evolutivas. Com relação a primeira descrição do Estado Moderno, esta encontra-se na obra “O Príncipe”, do autor Nicolau Maquiavel, publicado, originalmente no ano de 1515, onde o mesmo, em desarmonia com o pensamento medieval da época em que vivia, defende a existência de um Estado firme o suficiente para conseguir enfrentar o poder do papado. Nas palavras de June Müller (1997, on-line): O pensamento medieval preponderava a concepção dualista cristã composta pela Cidade dos Homens (autoridade política) e a Cidade de Deus (autoridade divina), sendo esta soberana sobre aquela, pelo fato da total submissão do ser social aos designíos divino, demonstrada pelos objetivos de construir o reino de Deus na terra, conduzir à salvação por intermédio do castigo e remédio à natureza decaída humana, obedecer ao governo terreno até o limite do governo divino, por meio das ideias de justiça. Destarte, os pensamentos de Maquiavel (ed. 2004, p. 25) especificavam como características do Estado Moderno: Decadência do cristianismo e início dos conflitos entre igreja e Estado; capitalismo em ascensão; monarquia fortalecida e forças políticas concentradas, como exército e cortes de justiça e absolutismo do Estado, ocasião em que a burguesia fortemente dominou o proletariado, assegurando, apenas aos aristocratas, direitos e privilégios. 17 Em suma, a característica principal do Estado Moderno trata-se da soberania, ou seja, concepção em que o soberano (governante) é fidedigno para impor suas vontades, ainda que arbitrárias, perante seus súditos (governados), residentes em seu território de domínio (território estatal. Para tanto, segundo Araújo (2006, on- line), alguns meios foram desenvolvidos com intuito de obter um controle sobre a política, quais sejam: – Território definido: foram estabelecidas fronteiras geográficas definindo os limites territoriais de cada governo; – Idioma comum: um mesmo idioma era falado em cada território nacional valorizando a cultura e costumes, outrossim, a possibilidade de transmissão das ordens dos monarcas; – Centralização da justiça: aplicação de uma legislação una para todo o Estado; e – Poder militar: para garantir as decisões do governo soberano foi necessária a criação de um exército permanente controlado pelo rei. Ao analisar a evolução história do Estado, é possível encontrar estudos elaborados em distintos enfoques, todavia sempre expressando resultados similares, demonstrados por pesquisas doutrinárias a partir do Estado Antigo e do Estado Moderno. 1.2.1 Democracia e Estado de Direito A democracia como promoção de valores (liberdade, igualdade e dignidade da pessoa) de convivência entre os seres humanos, é um conceito mais extensivo que o Estado de Direito, o qual originou-se como uma manifestação jurídica da democracia liberal. Sua concepção é tão história quanto a da democracia, e se engrandece de conteúdo com o passar dos tempos. A evolução histórica e a superação do liberalismo, no qual o Estado de Direito se entrelaçou, originam o debate acerca da questão da sua sintonia com a sociedade democrática. A reconhecença de sua insuficiência originou o conceito de Estado Social de Direito, o qual nem sempre possui conteúdo democrático. Deste modo, inicia-se, agora, o Estado Democrático de Direito, acolhido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, como sendo um conceito-chave do https://www.sinonimos.com.br/reconhecenca/ 18 regime adotado, tal como ocorre na Constituição da República Portuguesa (artigo 2º) e na Constituição Espanhola (artigo 1º). Assim, o Estado Democrático de Direito concilia o Estado Democrático e o Estado de Direito, todavia não se trata apenas de uma reunião formal dos elementos de ambas as espécies de Estado. Evidencia, em verdade, um novo conceito, o qual incorpora os princípios de ambos os conceitos, entretanto os supera na proporção em que agrega um componente revolucionário de transformação do status quo. Para compreender o Estado Democrático de Direito, tem-se, entretanto, que discorrer, brevemente, sobre sua evolução e as características de seus componentes, para, no final, obter-se um conceito-síntese sobre seu real significado. 1.2.2 Estado Social de Direito O individualismo e o abstencionismo ou neutralismo do Estado Liberal provocaram imensuráveis injustiças, e os movimentos sociais dos séculos passados e deste, em especial, desvendando a insuficiência das liberdades burguesas, consentiram que se tivesse consciência da imprescindibilidade da justiça social, conforme nota Lucas Verdu apud José Afonso da Silva (1988, on-line): Mas o Estado de Direito, que já não poderia justificar-se como liberal, necessitou, para enfrentar a maré social, despojar-se de sua neutralidade, integrar, em seu seio, a sociedade, sem renunciar ao primado do Direito. O Estado de Direito, na atualidade, deixou de ser formal, neutro e individualista para transformar-se em Estado material de Direito, enquanto adota uma dogmática e pretende realizar a justiça social. Assim, o Estado transforma-se em Estado Social de Direito, ou seja, a alcunha social passa a referir-se à correção do individualismo clássico liberal por meio da consolidação dos chamados direitos sociais e realização de objetivos de justiça social. Qualifica-se no propósito de conciliar, em um único sistema, dois elementos: o capitalismo, como condição de produtividade, e a conquista do bem- estar social geral, exercendo a função de sustentáculo ao neocapitalismo, característico do Welfare State. Vale ressaltar que os regimes ocidentais garantem, de maneira explícita ou implícita, efetivar o Estado Social de Direito, ao definirem, em suas constituições, um 19 capítulo de direitos econômicos e sociais. De forma expressa, encontramos esta previsão em constituições como a da República Federal da Alemanha e do Reino da Espanha, onde os respectivos Estados são definidos como sociais e democráticos de Direito. Entretanto, ainda é insuficiente a noção de Estado Social de Direito, mesmo que, como Estado Material de Direito, demonstre uma espécie de Estado que seja propenso a criar uma situação de bem-estarcoletivo e que garanta o desenvolvimento humano. Todavia, apresenta uma manifesta ambiguidade. Em primeiro lugar, pelo fato de que a palavra social está submetida a diversas interpretações. Todas as convicções, com sua própria visão do social e do Direito, podem resguardar uma concepção do Estado Social de Direito, com exceção da ideologia marxista, a qual não confunde o social com o socialista. A Itália fascista, a Alemanha nazista, a Espanha franquista, a Inglaterra de Churchil e Attlee, a França, com a Quarta República, Portugal salazarista e, especialmente, o Brasil desde a revolução de 1930, como bem observa Paulo Bonavides (2001, p. 205-206) foram: “Estados sociais, o que evidencia que o Estado social se compadece com regimes políticos antagônicos, como sejam a democracia, o fascismo e o nacional-socialismo”. Em segundo lugar, cumpre destacar que o importante não é o social, qualificando o Estado, ao invés de qualificar o Direito. Talvez, por isso exista alguns filósofos exprimam a ideia de que Estado de Direito e Estado Social não podem ser fundidos no plano constitucional. Nesse sentido, Elías Díaz (1973) apud José Afonso da Silva (1988, on-line) lembra que: É importante saber se e até que ponto o neocapitalismo do Estado social de Direito não estaria em realidade encobrindo uma forma muito mais matizada e sutil de ditadura do grande capital, isto é, algo que no fundo poderia denominar-se, e se tem denominado, neofascismo, uma vez que o grande capital encontrou fácil entrada nas novas estruturas demoliberais, chegando assim a constituir-se como peça-chave e central do Welfare State. Desse modo, ainda que declarado inconstitucional no chamado Estado Social de Direito, permanece sob o mesmo, através de grupos políticos e econômicos mais reacionários e violentos, uma tendência e uma vocação do capitalismo ao controle 20 econômico monopolista e à utilização de métodos políticos de caráter ditatorial e totalitário, tencionando evitar, maiormente, qualquer eventualidade realmente socialista. Desse modo, a expressão Estado Social de Direito surge carregada de suspeição, mesmo que cada vez mais tenha se tornado precisa quando se lhe acrescenta a palavra democrático, como ocorre nas Constituições da República Federal da Alemanha e do Reino da Espanha, onde a terminologia adotada foi Estado Social e Democrático de Direito. Todavia, mantendo a alcunha social ligada a Estado, mistura-se a tendência neocapitalista e o endurecimento do Welfare State, que, como mencionado acima, delimita qualquer passo à frente no que tange ao socialismo. Desse modo, a doutrina aponta que, possivelmente, para caracterizar um Estado não-socialista preocupado, todavia, com os direitos fundamentais de caráter social, o ideal seria manter a expressão Estado de Direito, a qual já possui um sentido democratizante, contudo, para retirar o sentido liberal burguês individualista, a doutrina aponta a possibilidade de qualificar a palavra Direito com o social, de modo a definir uma concepção jurídica progressistas e aberta, surgindo, então, em lugar de Estado Social de Direito, a expressão Estado de Direito Social. 1.2.3 O Estado Democrático As ponderações expostas anteriormente, demonstram que o Estado de Direito, nem sempre caracteriza Estado Democrático. Sendo que este possui seus fundamentos ancorados no princípio da soberania popular, o qual, segundo Emilio Crosa apud José Afonso da Silva (1988, on-line): Impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado democrático, mas não o seu completo desenvolvimento. Infere-se, desse modo, que referido princípio democrático tem por objetivo atuar como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse sentido, opõe-se ao Estado liberal, pois, como menciona Paulo Bonavides (2001, p. 216): 21 A ideia essencial do liberalismo não é a presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito. Assim, é possível perceber que o Estado de Direito é originado no liberalismo. À vista disso, na doutrina clássica, se baseia na concepção do Direito Natural, permanente e ilimitado e, desse ponto, decorre que a lei, a qual realiza o princípio da legalidade, além de ser essência do conceito de Estado de Direito, é projetada como norma jurídica geral e abstrata. A generalidade da lei estabelece o fulcro do Estado de Direito. Nela, está assentado o justo conforme a razão e dela é que flui a igualdade. Pode-se dizer que, sendo regra geral, a lei é regra para todos. Infere-se, deste modo, que a igualdade do Estado de Direito, na visão clássica, está fundamentada em um elemento formal e abstrato, ou seja, a generalidade das leis. Não existe base material que seja realizada na vida concreta. Por este motivo, como tentativa de corrigir isso, originou-se o Estado Social de Direito, o qual, por sua vez, não foi capaz de propiciar a justiça social e, tampouco, a autêntica e democrática participação do povo no processo político, de onde originou-se a concepção mais recente do Estado Democrático de Direito, qual seja o Estado legitimamente justo (ou Estado de Justiça material), iniciador de uma sociedade democrática, ou seja, aquela que dá início a um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção. 1.2.3.1 Caracterização do Estado Democrático de Direito A composição do Estado Democrático de Direito, não se constitui apenas da união formal entre os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Trata- se, entretanto, da criação de um novo conceito, o qual leva em conta os conceitos de seus componentes, mas o ultrapassa na medida em que incorpora um componente revolucionário de variação do status quo. Nesse ponto, tem-se a importância do artigo 1º da Constituição Federal, no qual está expresso que a República Federativa do Brasil se Constitui em Estado 22 Democrático de Direito, não apenas como uma promessa de organização do Estado, visto que a Constituição, neste ponto, já o está proclamando e fundando. A Constituição da República Portuguesa, introduz o Estado de Direito Democrático, com o substantivo “democrático”, qualificando o Direito e não o Estado. Tal fato, trata-se apenas de uma diferença formal, visto que a Constituição Brasileira utiliza a expressão mais adequada, ressaltada pela doutrina, na qual o substantivo “democrático” qualifica o Estado, fato que difunde os valores da democracia sobre todos os seus elementos típicos e, também, sobre o ordenamento jurídico. O direito, magnetizado por tais valores, se enriquece dos sentimentos populares e tende-se a ajustar-se de acordo com o interesse da coletividade. Todavia, segundo José Afonso da Silva (1988, on-line): O texto da Constituição de Portugal concede ao Estado de Direito Democrático, basicamente, o mesmo conteúdo do Estado Democrático de Direito, ao afirmar, em seu artigo 29, que ele é baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objetivo assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. A democracia que o Estado Democrático de Direito efetiva, trata-se de um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária, onde todo o poder emana do povo e deve ser exercido em proveito do mesmo, diretamenteou por representantes eleitos; participativa, visto que abrange a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, pelo fato de respeitar a pluralidade de ideias, culturas e etnias. Desse modo, presume-se o diálogo entre opiniões e pensamentos diferentes, além de a possibilidade de convivência harmônica entre as variadas formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo em que se libertara a pessoa humana das variadas formas de opressão que não depende somente do reconhecimento formal de alguns direitos individuais, sociais e políticos, mas, sobretudo, da validade das condições econômicas passiveis de favorecimento do seu pleno exercício. 23 O Estado de Democracia popular não é subordinado ao monismo ou personalismo político, todavia propende-se a realizar uma condensação do processo contraditório do mundo atual, manifestando, entre os Estados capitalista ou neocapitalista do Ocidente e os coletivistas do Leste. Nesse sentido, se pronuncia Elías Díaz (1973) apud José Afonso da Silva (1988, on-line): Dessa forma, e sem querer chegar com isso apressadamente 'à grande síntese final' ou a qualquer outra forma de 'culminação da História' (isto deve ficar bem claro), cabe dizer que o Estado democrático de Direito aparece como a fórmula institucional em que atualmente, e sobretudo para um futuro próximo, pode vir a concretizar-se o processo de convergência em que podem ir concorrendo as concepções atuais da democracia e do socialismo. A passagem do neocapitalismo ao socialismo nos países de democracia liberal e, paralelamente, o crescente processo de despersonalização e institucionalização jurídica do poder nos países de democracia popular constituem em síntese a dupla ação para esse processo de convergência em que aparece o Estado democrático de Direito. Todavia, a Constituição Federal Brasileira de 1988, não chegou a organizar um Estado Democrático de Direito de cunho socialista, contudo abriu as perspectivas de realização social profunda, por meio da prática dos direitos sociais, os quais ela inscreveu, e pelo inteiro exercício dos instrumentos que oferta à cidadania, os quais possibilitam a concretização do um Estado de justiça social, alicerçado na dignidade da pessoa humana. 1.2.4 O Estado Autoritário O Estado Autoritário ou, simplesmente, autoritarismo, trata-se de uma forma de uma forma de governo, cuja característica central é a total obediência da sociedade aos membros do governo. Desse modo, o formato de governo é antagônico ao respeito da liberdade individual. A supramencionada forma de governo, obtém poder em despotismos, totalitarismos, em governos autocráticos, em ditaduras militares ou, ainda, em democracias liberais. Nessa forma de governo, deve-se haver um único partido político, dissolvendo o pluripartidarismo, duramente burocratizado e organizado. No Estado Autoritário, o líder é o supremo poder, de forma a não existir autoridade igual ou superior a ele. Em outras palavras, os governantes, neste regime, creem que podem limitar ou 24 suprimir a liberdade individual, com intuito de manter a ordem social. Os poderes legislativo e judiciário, bem com os meios de comunicação e as propagandas são centralizados na figura do líder. As notícias de circulação, bem como as produções artísticas e culturais, são controladas pelo Estado. Atividades intelectuais sofrem rebaixamento, ou seja, não é permitido as pessoas habituarem-se ao pensamento e à crítica, ao contrário, as mesmas devem ser subordinadas as hierarquias. O autoritarismo apesar da relação com o militarismo, nem sempre caminha junto ao estado militarista, mas para se manter no poder precisa daqueles que são os representantes das forças armadas nacionais, por isso irá criar relações entre os militares, os políticos e os detentores do poder econômico. (ARANHA, 2003, p. 220) No Estado Autoritário, o Governo não se preocupa em realizar um controle da vida privada de seus cidadãos a fim de reeduca-los à ideologia do regime, todavia preocupa-se em tornar a população cada vez mais alienada a realidade, oportunizando diversões públicas que as desviem das preocupações políticas. Foi este o caso do Brasil que, no período de 1964 a 1985, teve no futebol o centro de suas atenções, sobretudo a partir da eleição indireta do General Emílio Garrastazu Médici, o qual estipulou como questão de honra para o país a obtenção do tricampeonato na Copa do Mundo de 1970, alcançado de maneira vitoriosa. Segundo Cotrim (2002, p. 435): “esta alienação imposta pelo Governo, através do esporte, levou a oposição da época a parodiar Karl Marx, dizendo que o futebol é o ópio do povo”. Pode-se dizer, ainda, que os regimes políticos denominados ditaduras militares, ocorridos no decorrer da história da humanidade, foram modelos de Estado Autoritário, uma vez que implantaram estados de exceção, os quais se impuseram por meio da força das armas e por elas foram preservados. Vale ressalta que, o termo autoritarismo, já era vinha sendo discutido desde a Grécia Antiga. Os gregos, ao debaterem as teorias e organizações do Estado já expressavam sua preocupação com relação a definição do Estado Autoritário. Segundo Platão e Aristóteles, a marca do autoritarismo é a ilegalidade, ou seja, a violação das leis e regras pré-estipuladas pela quebra da legitimidade do poder; uma vez no comando, o tirano revoga a legislação em vigor, sobrepondo-a com regras estabelecidas de acordo com as conveniências para a perpetuação deste poder. Aristóteles também definiu que de um lado existe o 25 caráter puro e sadio da organização política, de outro, sua forma viciada e corrompida, ocorrendo o primeiro quando a autoridade suprema (individual ou coletiva) é exercida em benefício do interesse social; e o segundo, chamado degeneração, quando prevalece o interesse particular. (ARANHA, 2003, p. 226) Importante destacar, ainda, que, na Grécia Antiga, sob o Governo de Péricles (século V a. C) e sob o nome de democracia, ocorreu, na verdade, um governo autoritário, o qual impôs medo a população, com o intuito de assumir o controle total do Estado. Cumpre trazer à baila a situação de Portugal que, em 1926, sofreu um golpe de Estado, transformando-se em uma ditadura que perdurou, aproximadamente, 50 anos. Outros países como Irã, Iraque, Líbia, Filipina, Angola, Egito, Argentina, Paraguai, Cuba, Argélia e até mesmo o Brasil também foram submetidos a tal forma de governo. No Brasil, este regime durou por, aproximadamente, 21 anos, tendo chegado ao fim no ano de 1985, com a eleição de um civil, Tancredo Neves. Segundo Cotrim (2002, p. 440), algumas das características que ajudam um Estado Autoritário a se sustentar, enquanto forma vigente de poder, são: Exclusividade do exercício do poder; enfraquecimento dos vínculos jurídicos do poder político; arbitrariedades; restrição, substancial, das liberdades públicas e individuais, alteração da legislação institucional, de modo a criar regras para a manutenção do poder; controle do pensamento, censura às opiniões; agressividade à oposição; cerceamento das liberdades individuais e de movimentação; emprego de métodos ditatoriais e compulsórios de controle político e social, dentre outras. Em síntese, pode-se dizer que o autoritarismo faz parte dos mais antigos sistemas de lideranças e é praticado, há milhares de anos, por diversas e grandes nações. 1.3 O ESTADO MODERNO Ao longo dos anos, foram sendo percebidos diversos problemas sociais, resultante das políticas liberais ou, no mínimo, da má aplicabilidade das mesmas. Com a interferência do Estado cada vez menor, elevaram-se surpreendentemente as desigualdades sociais, provocando exploração de trabalho do mais forte sobre o 26 mais fraco, emtermos de economia, resultando em muita pobreza e desigual alcance dos recursos existentes. Os Estados europeus, na década de setenta, com mais intensidade, começaram a aplicar os conceitos do que viria a ser o Estado de bem-estar social (do inglês: Welfare State) como alternativa ao modelo liberal que apresentava drástico declínio. No Estado de bem-estar, o Soberano troca o papel de mínima intervenção na vida dos indivíduos para atuar efetivamente no provimento dos serviços de saúde, educação, habitação, seguridade social, renda e controle social para erradicação entre as classes. (NICEAS, 2014, on-line) Entretanto, o padrão do bem-estar também veio a entrar em declínio na década de oitenta, com chegada ao poder da Primeira-Ministra inglesa Margareth Thatcher, a qual percebeu que a Inglaterra não possuía condições de sustentar tal política, decidiu por reduzir o estado, preservando apenas uma pequena estrutura, considerada mínima, e privatizando empresas que não possuíssem ligação direta com as atividades do governo. Esse modelo de governo adotado na Inglaterra difundiu-se por todo o mundo, inclusive no Brasil que adotou o sistema de privatização das estatais, durante o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Todavia, o Brasil não pode visto como um Estado de Bem-Estar, tal e qual os europeus, visto que ainda não foi capaz de implementar referidas políticas e tampouco conseguiu reduzir a desigualdade social e promover o bem-estar, por intermédio de serviços de qualidade, em áreas como educação, saúde, segurança, entre outras. Em resumo, pode-se dizer que o país vive, atualmente, uma era de intervenção jurídica como um esforço para compensar, de maneira não preventiva, os conflitos sociais. 27 2 FORMAS DE ESTADO INTERVENTOR E LIMITES DO INTERVENCIONISMO ESTATAL O presente trabalho discorreu, até este ponto, sobre a contextualização e conceitos do Estado de Direito, assim como sobre o surgimento e a evolução histórica do Estado, fazendo, ainda, uma breve análise acerca do Estado Moderno. A partir do presente capítulo serão apresentadas questões acerca das formas de Estado Interventor e dos limites de tal intervenção, abordando ainda a ordem econômica do Estado Brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988. 2.1 ESTADO INTERVENCIONISTA Como mencionado anteriormente, o Estado nada mais é do que uma união entre os interesses de todos os indivíduos, cujo objetivo central é representá-los e protegê-los; atuando como um representante da vontade geral e estando legitimado para dirimir conflitos, por meio da intervenção direta ou proporcionando instrumentos para que os próprios cidadãos os façam da maneira que melhor lhes for conveniente, interferindo somente em situações extrema, ultima ratio. Nesse sentido, cumpre destacar que, segundo Streck e Morais (2004, p. 73): O Estado Intervencionista, ou simplesmente intervencionismo, trata- se de um sistema político e econômico, o qual se caracteriza pela produção desenvolvida na iniciativa privada, mas regulada pelo Estado por meio de mecanismos interventivos. A diferença entre o referido sistema e o Estado Social, ou simplesmente Socialismo, consiste no fato que, no intervencionismo, a produção se desenvolve por iniciativa do governo. Assim, no Estado intervencionista, a política do Soberano é a de interferência na regulamentação da vida social, através de sanções ao não cumprimento de suas regras. Para Streck e Morais (2004, p. 35): O papel do Estado no intervencionismo exerce-se até onde houver interesse da sociedade. O Estado deverá então assumir aquilo que a iniciativa privada não assumir. O Estado intervencionista procura o equilíbrio entre os direitos sociais e os direitos individuais, https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/O 28 coordenando as atividades essenciais de manutenção da sociedade e promovendo a justiça social, sem ser necessariamente socialista. Na referida concepção de Estado, o governo (Estado) adota concepções consideradas radicais sob o respaldo de estar agindo em defesa da essencial função da sociedade, a qual consiste na preservação da espécie através da cooperação e de uma vida pacifica, todavia, em contrapartida, gera maior insegurança, maior desordem e maiores possibilidades de ser promover injustiça. Cumpre trazer à baila que, no Estado Intervencionista, os mercados não possuem a capacidade de auto equilíbrio, motivo pelo qual não se deve adotar política de livre mercado, sem interferência, taxas nem subsídios, apenas com regulamentos suficientes para proteger os direitos de propriedade, motivo pelo qual os governos possuirão um papel permanente na economia, por meio, a título de exemplo, da adoção de políticas estimulantes e seguras para o investimento e para o aumento de consumo, de maneira a promover o emprego. 2.2 ESTADO MÍNIMO Pelo ponto de vista do Direito, o Estado Mínimo, ou minimalista, é se contrapõe radicalmente ao intervencionista. Enquanto no intervencionismo, o Estado interfere ao máximo nas relações sociais, no minimalismo o objetivo central é a liberdade dos cidadãos, interferindo somente nas questões que julgar de extrema importância. No minimalismo, o Estado desloca parte de suas atividades ao cidadão preconizando a não intervenção em prol da liberdade e, por conseguinte bem estar de todos. Todavia, a concessão de completa liberdade e delegação de suas próprias funções resultaria em um retorno do homem ao seu estado natural, dissolvendo a sociedade (STRECK; MORAIS, 2004, p. 39). Assim, basicamente, o Estado opera como um guardião, o qual vigia proximamente as relações sociais, sem interferir, atuando apenas nos casos extremamente necessários para se manter a igualdade, a liberdade e o bem estar dos cidadãos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Interven%C3%A7%C3%A3o_do_Estado_na_economia https://pt.wikipedia.org/wiki/Subs%C3%ADdio https://pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_de_propriedade 29 Cumpre trazer à baila que a não interferência do Estado Mínimo de Direito abrange os diversos campos de atuação do próprio Direito, como: nos relacionamentos sociais de qualquer espécie, nos relacionamentos civis de origem contratual e obrigacional; resultando, assim, em uma liberdade e responsabilidade econômica, sobretudo no âmbito do Direito Penal. Importante mencionar que, a ideia de Estado Mínimo, presume uma transferência das atribuições do Estado perante a sociedade e a economia. Sugere- se a não-intervenção, e tal afastamento em benefício da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos. Devendo, portanto, a regulação econômica, ser feita pelas forças do mercado. Ao Estado Mínimo cabe garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários para tanto: policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário etc. Abrindo mão, portanto, de toda e qualquer forma de atuação econômica direta, como é o caso das empresas estatais. A concepção de Estado mínimo surge como reação ao padrão de acumulação vigente durante grande parte do século XX, em que o Estado financiava não só a acumulação do capital, mas também a reprodução da força de trabalho, via políticas sociais (STRECK; MORAIS, 2004, p. 39). Desse modo, na medida em que o Estado deixa de financias políticas sociais, torna-se, ele próprio, máximo para o capital. O suporte estatal ao capital, não apenas deixa de ser incentivo ao processo de acumulação, assim como ele se maximiza diante das precisões cada vez mais inflexíveis do capital financeiro internacional. 2.2.1 Indispensabilidade do Intervencionismo Faz-se indispensável o agir do Estado quando de suas incumbências essenciais, sob pena de se dissolver o estado social e se retornarao estado natural do ser humano. Mesmo em um Estado radicalmente minimalista, é inaplicável a inexistência de intervenção. Os indivíduos componentes da sociedade com interesses diversos necessitam de um soberano que intervenha não permitindo que se transforme em conflitos, e uma vez que este já exista, aplique meios 30 para pacificá-los. Deve haver também, interferências na área econômica, conduzindo a sociedade em uma direção que garanta maior condições de sobrevivência que teria cada indivíduo em direções antagônicas; um instrumento para alcançar isso seria a liberdade contratual desde que se aplique o princípio da função social (STRECK; MORAIS, 2004, p. 45). Dessa maneira, como garantidor da paz, o Estado de Direito tem o dever de aplicar, ainda que de maneira minimalista, regras para eliminar qualquer tipo de violência a outras pessoas, por meio de punições que se adaptem à realidade e necessidade da cultura em questão, todavia respeitando a dignidade humana. 2.3 O ESTADO LIBERAL Primeiramente, cumpre mencionar que, frequentemente, a Revolução Francesa é associada ao início das ideias liberais e seu respectivo modelo de Estado, visto que o supramencionado período formatou a direção que norteia o sistema de ideais políticos e as convicções do século XIX. Nesse sentido, Comparato (2001, p. 51), aduz que: É relevante o fato de que a Revolução Francesa foi levada a cabo principalmente pelas partes mais baixas do Terceiro Estado, ou seja, pelos camponeses pobres e então aliados à nascente burguesia. Não obstante, em um primeiro momento, os resultados da Revolução serviram unicamente aos burgueses, ou seja, aos comerciantes e aos proprietários de terras que viam no Estado de Polícia pré- revolucionário uma restrição completamente que engessou a máxima realização de seus interesses. Realizada a Revolução, os burgueses cuidaram para que seus efeitos se restringissem a satisfazer seus anseios, mas não fossem a ponto de realizar o tipo de justiça social almejado pelo campesinato e pelos sans-culottes. As promessas que a sociedade liberal lhes havia feito de segurança, legalidade e solidariedade não se concretizaram e, já na primeira metade do século XIX, a pauperização das massas era notável. Relevante se faz ainda mencionar que, no Estado Liberal, ou ainda, no Estado Liberal-Democrático, a humanidade testemunhou consideráveis avanços no que tange aos avanços dos direitos e garantias individuais. Os direitos intransmissíveis do homem deveriam ser conservados e poderiam estar expressos na garantia à propriedade, entendida, pelos liberais, como a liberdade, a vida e os bens matérias. 31 Referidas conquistas poderiam ser exemplificadas por meio do surgimento dos partidos políticos – a partir do século XIX, e o mecanismo para retratação da sociedade civil, o voto universal. Embora as conquistas da sociedade civil, o liberalismo não alcançou as expectativas em termos de emancipação humana, visto que, considerando o caráter supressivo do sistema capitalista intensificado pelas consequências da livre- concorrência, ou seja, a descontrolada competição e a acumulação desigual do capital, ocasionaram um aprofundamento do desiquilíbrio social. O termo “liberalismo” padece de um alto grau de polissemia, pois sua formação e maturação como doutrina econômica e ideologia social se desenvolveu ao longo dos séculos XVII a XX. Esse período de alta ebulição social, política e econômica assistiu ao surgimento do Estado Nação, à ascensão da burguesia, ao surgimento e predominância do mercado como principal instituição política e econômica e à progressiva internacionalização da economia e do comércio (POLANYI, 1957, p. 163). Assim, o foco político demoveu-se para a implementação de medidas populistas, ou de bem-estar social, o que intitulou o chamado período do Estado de Bem-Estar Social. Em meio aos avanços ocasionados pelo Estado de cunho liberal, originaram- se as novas concepções, com intuito de proteger a questão social, diretamente a “justiça social”. E, com base nessa concepção, surgiu o denominado Estado do Bem-Estar Social, como a interferência do poder político em área, até então, exclusivas da iniciativa privada. Inaugura-se um processo de transformação do papel do Estado perante a sociedade. Sob a orientação teórica keynesiana o Estado deixa de ser o fiscal ou Estado “polícia”, como sugeriu a “mão invisível” de Adam Smith, para expressar-se como um ente protetor e assistencialista: “um novo espírito de ajuda, cooperação e serviços mútuos começou a se desenvolver e se tornou mais forte como advento do séc. XX” (STRECK; MORAIS, 2004, p. 56). Essa nova estrutura do Estado, foi desenvolvendo na medida em que as crises acirraram, visto que, de acordo com a concepção marxista, as crises econômicas são formadas em seu próprio seio, ou seja, o sistema produz suas crises. 32 De acordo com Bonavides (2005, p. 50): A livre-concorrência, instituída pela política liberal, provocou a eliminação daqueles que não sobreviveram a uma espécie de “seleção natural” das indústrias, onde houve o fechamento de pequenas empresas que não se adequaram ao jogo de forças do livre mercado, inaugurando a fase monopolista do capitalismo. Tendo em vista o crescente desemprego, os trabalhadores das indústrias, ou o que a teoria marxista denomina como proletários, passam a se organizar em sindicatos, que acabam se fortalecendo por meio de algumas conquistas trabalhistas, como a redução da jornada de trabalho, descanso semanal e férias anuais remunerados, além de outras conquistas obtidas por sucessivos embates entre a classe burguesa e a classe trabalhadora. Importante mencionar que, dentre outras aspirações de cunha social, a denominada política protecionista do Estado de Bem-Estar Social, tinha por objetivo resgatar empregos para uma relevante quantidade de trabalhadores, os quais seguiam à margem do mercado de trabalho. Para tanto, o poder público aproveitou parte desta mão de obra nas empresas estatais, além de oferecer subsídios às empresas que garantissem a empregabilidade. Cumpre destacar que, segundo Matteuci (1983, p. 687): Em diferentes locais do globo, a doutrina liberal deparou-se com problemas estruturais diferentes, cuja solução influenciou cada forma específica de liberalismo e levou à formação de diversas formas de pensar – todas liberais, todas compartilhando a mesma essência liberal –, mas ao mesmo tempo diferentes em muitos aspectos relevantes. Assim, até hoje o termo “liberal” tem significados diferentes conforme o país em que é pronunciado. Importante salientar, também, que o pensamento liberal provocou, juntamente com a Revolução Política que dele se originou, uma separação entre negócio público e privado, ou seja, uma ruptura entre os assuntos de competência do Estado (que tem por função ocupar-se com a política, ou seja, com questões da esfera pública) e os de competência da sociedade civil (cujo objetivo seria ocupar-se de atividades particulares, sobretudo no campo da economia). Relativamente à política liberal econômica, Dallari (2003, p. 66-67) ensina que: 33 Contrariando os postulados da política econômica liberal, a postura do poder público se fortaleceu, nas primeiras décadas do século XX, pela teoria do inglês John Maynard Keynes, onde o mesmo previu uma interferência direta do Estado na política econômica, tanto no mercado econômico quanto na esfera social. A política financeira do Estado “social” acarretou severas críticas ao custo desta orientação política, pois a manutenção da máquina administrativa, ampliada para atender às novas determinações do Estado provedor, advinha basicamente da cobrança de impostos da classe burguesa e de alguns segmentos de posição financeira privilegiada. Por fim, faz-se importante mencionar que,o pensamento liberalista, defende a criação de instituições que propiciem aos cidadãos voz ativa nas decisões políticas. A partir disso, passou a ocorrer o fortalecimento do Parlamento, órgão, por excelência, de representação das forças que atuam na sociedade e com capacidade para controlar os excessos do poder central. 2.3.1 Da relação entre Direito e Economia no Estado Liberal O novo ordenamento implantado pelo Estado Liberal, tem concepção central um mercado natural, em que a atuação de todos os participantes é a conquista de seus interesses individuais sem amarras, substituindo um mercado artificial, repleto de limitações e calcado pela insegurança gerada pelo poder irrefutável do soberano. Segundo Gomes (2000, p.06): O Direito foi posto à disposição da liberalização econômica por intermédio da criação de institutos como o negócio jurídico e o contrato e da consequente elevação da liberdade contratual a axioma central do ordenamento. Dessa maneira, a igualdade exclusivamente formal entre as partes, garantiria a equiparação entre os contratantes; o contrato de trabalho era conduzido, unicamente pela vontade das partes, sem os problemas das corporações de ofícios ou os vínculos feudais de subserviência e recíproco auxílio. Importante mencionar que, o mercado natural, tem como característica a extensa abstenção do Direito (ao menos no plano ideal) na regulamentação da economia; de modo que, o Direito controlava os contratos e a propriedade, todavia não na qualidade de institutos econômicos. 34 De acordo com Moreira (1973, p. 75): Assim, a economia é “jogada para fora do direito”, eis que as instituições jurídicas de cunho econômico não eram reconhecidas como tais. Elas integravam o âmbito do Direito Privado, eram diluídas nas relações entre os particulares. Vale trazer à baila que as limites impostos, no Estado Liberal, ao poder do soberano constituem o objetivo do movimento que culminou nas origens da mencionada filosofia política, visto que, como dito anteriormente, a corrente filosófica que se sobressaiu com o findar da Revolução Frances, tencionava a o surgimento de um mercado autorregulado, livre de interferências estatais de qualquer gênero. Por meio da concepção de lei “geral e abstrata” portadora de uma igualdade estritamente formal e do abstencionismo econômico, o Estado Liberal atribuiu segurança jurídica às trocas mercantis, criou um mercado de trabalho repleto de mão de obra barata e assegurou à iniciativa privada a realização de qualquer atividade potencialmente lucrativa (POLANYI, 1957, p. 73). Conhecida essa característica abstencionista, faz-se relevante mencionar que qualquer atuação do Estado Liberal, tinha por base a premissa de somente considerar legítima a ação estatal estritamente necessária; sendo que, esse critério de necessariedade, apenas se efetiva quando a atuação estatal intente preservar a segurança individual dos cidadãos. Levando em consideração que a Revolução Francesa, passo mais importante para a consolidação desse modelo estatal, foi idealizada e realizada em prol da burguesia, parece seguro concluir que o Estado Liberal é um Estado Burguês. Temos, portanto, na feliz expressão de Carl Schmitt (1934, p. 145), um Estado Burguês de Direito cuja Constituição corresponde aos ideais do individualismo da burguesia e contém em seu bojo uma escolha pela liberdade. Mas note-se: pela liberdade burguesa. Ou seja: pela liberdade contratual, pela liberdade de propriedade, de comércio e de indústria. Dessa liberdade burguesa Carl Schmitt (1934, p. 147) aponta duas consequências básicas presentes em todas as constituições liberais. São elas: (i) o princípio da distribuição, segundo o qual a liberdade do indivíduo é um dado anterior ao Estado, e, em princípio, ilimitada (ao revés, o poder do Estado de invadir a esfera de liberdades individuais está, em princípio, limitado – direitos fundamentais de liberdade); e (ii) o princípio da organização, cuja finalidade é pôr em prática o princípio da distribuição, de modo que o poder do Estado se divida em feixes de competência atribuídos a órgãos diferentes – separação de poderes (MIRANDA, 1997, p. 87). 35 Pertinente mencionar, ainda, que a caracterização do Estado Burguês de Direito, mencionado acima pelo autor, ocorre mediante uma ideologia de manutenção do status quo de repulsa à mudança. Seu intuito é sua própria autocontenção, concretizando apenas as possibilidades que representem ameaça à segurança individual; de maneira que, toda ação política de cunho transformador se encontra, de modo automático, fora de tal espectro e, consequentemente, distante do campo da legalidade. Relevante se faz, também, expor que, referida forma de Estado de Direito permite que, como demonstrado, um sem número de injustiças se mantenham sob o amparo da lei. Em termos abrangentes, é essa perspectiva que norteará a existência do Estado Liberal durante todo o século XIX, principalmente durante seu apogeu pós-1848, momento em que a quantidade de riquezas produzidas possibilitou algumas concessões sociais que acalmaram as massas (LASKI, 1973, p. 172). Derradeiramente, importa trazer à baila que o apogeu do Estado Liberal, perdurou por cerca de meio século, somente entrando em decadência a partir de 1880, simultaneamente ao fim dessa fase do capitalismo; sendo que o espírito liberal sofreu forte abalo devido à Primeira Guerra Mundial, época em que passou a existir um forte tendência do Estado do Bem-Estar, não sendo mais possível falar sobre um Estado Liberal nos moldes acima retratados. 2.4 A ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988 Inicialmente, cumpre mencionar que as bases constitucionais do atual sistema econômico do Estado Brasileiro, estão dispostas entre os arts. 170 a 192, da Constituição Federal de 1988. Desse modo, a ordem econômica, identificada em nossa Carta Constitucional vigente, trata-se de uma forma econômica capitalista, visto que está, inteiramente, apoiada na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa. Acerca do tema Horta (apud Moraes, 2008, p. 796), afirma que: O texto constitucional na ordem econômica está impregnado de princípios e soluções contraditórias. Ora reflete um rumo do 36 capitalismo liberal, consagrando os valores fundamentais desse sistema ora avança no sentido de intervencionismo sistemático e do dirigismo planificador, com elementos socializadores. Dispõe a Carta Constitucional, in verbis: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988). Da leitura do texto constitucional, é possível inferir que a ordem Econômica Constitucional do Estado Brasileiro, tem como princípios a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa privada. Com relação a valorização do trabalho, vale mencionar que também é fundamento da República Federativa do Brasil, nos termos do art. 1º, IV, da Constituição Federal, inferindo-seque a valorização do trabalho é um princípio e, mais precisamente, segundo a lição de Canotilho (2006, p. 201), “um princípio político constitucionalmente conformador”. Vê-se, desse modo, que a valorização do trabalho se trata de um princípio destacado pelo legislador constituinte dentro do estilo consolidado pela doutrina social da igreja, tornando-se um valor cristão. Por sua vez, o eminente Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau (2004, p. 162) assevera que: 37 Esta caracterização principiológica, denota uma preocupação com um tratamento peculiar ao trabalho que, em uma sociedade capitalista moderna, se peculiariza na medida em o trabalho passa a receber proteção não meramente filantrópica, porém politicamente racional Acompanhando o raciocínio do eminente Ministro, infere-se que trabalho está relacionado ao fator social da produção, todavia ele encontra-se muito mais à frente da necessidade econômica de suprir as necessidades materiais, trata-se de uma necessidade característica da natureza humana. Silva (2001, p. 766), por sua vez, alerta que: “nossa ordem econômica embora de natureza capitalista que “dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado”. A seu turno, a livre iniciativa, como segundo fundamento da ordem econômica, é, também princípio da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, CF). Trata-se, portanto, segundo Araújo e Serrano Júnior (2006, p. 466), também de: Princípio político constitucionalmente conformador, que segundo possui uma densidade normativa, da qual se pode extrair a faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado e a não sujeição a qualquer restrição estatal, senão em virtude de lei. Nesse sentido, percebe-se que, a premissa da livre iniciativa, possui um sentido normativo positivado (liberdade a qualquer pessoa) e, de igual forma, um atributo negativo (imposição da não-intervenção estatal). Silva (2001, p. 767), comenta que: A livre iniciativa consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, já que a iniciativa privada é um princípio básico da ordem capitalista, e afirma também que a liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Contudo, em contrapartida, Eros Grau (2004, p. 186-187) reconhece e insiste que: A liberdade de iniciativa não se identifica apenas com a liberdade de empresa, pois ela abrange todas as formas de produção individuais ou coletivas, dando ensejo às iniciativas privada, cooperativa, autogestionária e pública. 38 Todavia, é cediço que a livre iniciativa possui seu ponto sensível na denominada liberdade empresarial, a qual, segundo Vaz (apud Araújo; Serrano Júnior, 2006, p. 465), pode ser entendida sobre três vertentes: “liberdade de investimento ou acesso; liberdade de organização; liberdade de contratação”. Relevante registrar também, que os supramencionados fundamentos da valorização do trabalho humano e da livre iniciativa, possuem como objetivo garantir a todos uma digna existência, segundo os ditames da justiça social. Assim, importa mencionar que existência digna é o intuito ou objetivo da ordem econômica. Cumpre registrar que a Carta Magna, em seu art. 1º, III, engrandece, também, a pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. A dignidade da pessoa humana ou, simplesmente, existência digna, respalda e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais, entretanto também à ordem econômica. Sob tal aspecto, é a conceituação de Silva (2001, p. 769): Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido de dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invoca-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação o desenvolvimento da pessoa e o seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. No que tange à ordem econômica possuir como consequência a justiça social, cumpre observar que tal expressão (justiça social) não possui sentido único, sendo seu uso divulgado, em especial, pela doutrina social da Igreja, podendo ser considerada como, a “virtude que ordena para o bem comum todos os atos humanos exteriores” (FERREIRA FILHO, 2007, p. 359). Também, nesta direção de raciocínio, Eros Grau (2004, p. 208) menciona que: “a justiça social, inicialmente quer significar superação das injustiças na 39 repartição, a nível pessoal do produto econômico (…) passando a consubstanciar exigência de qualquer política econômica capitalista”. Vale também destacar a lição de Silva (2001, p. 770), o qual anuncia que: “a “justiça social só se realiza mediante equitativa distribuição da riqueza”. Vê-se, assim, pela posição de ambos os autores, que a distribuição de riqueza possibilita que o capitalismo se humanize. Ocorre que, de acordo com Bulos (2007, p. 1238): Um dos instrumentos de tutela dos hipossuficientes (CF, art. 6º) que até hoje, não saiu do papel. O espírito do neoliberalismo não conseguiu estancar as desigualdades sociais, criadas e produzidas pela iníqua distribuição de rendas Por derradeiro, para o bom desempenho da ordem econômica, cujas bases são a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, os quais tem por objetivo garantir uma digna existência a todos, conforme os ditames da justiça social, deverão ser observados os princípios previstos nos incisos do art. 170 da Carta Constitucional de 1988. Referidos princípios, assim como outros já mencionados, tratam-se de princípios gerais da atividade econômica, apontados como essência condensadora de diretrizes relacionadas à apropriação privada dos meios de produção e a livre iniciativa, os quais unificam a ordem capitalista da economia do Estado Brasileiro. O primeiro destes princípios é a soberania nacional, que constitui também um fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. I da CF/88) e entre nós figura-se como um dos elementos constitutivos do Estado, sendo seu elemento formal que implica em supremacia na ordem interna e independência na ordem externa. Porém, sua inserção na ordem econômica diz respeito à formação de um capitalismo nacional autônomo e sem ingerências, e não se supõe o isolamento econômico perante as demais nações. A soberania nacional econômica, nos traz a noção de que o constituinte de 1988 não rompeu com o sistema capitalista, mas quis que se formasse um capitalismo nacional autônomo, isto é, não dependente (SILVA, 2001, p. 770). A Carta Magna prevê, também, a propriedade privada e sua função social como sendo princípios da ordem econômica (art. 170, II e III). A despeito de, no art. 5º, XXII e XXIII, da Carta Constitucional, encontram-se normas exatamente iguais, 40 além de outros dispositivos constitucionais a respeito, onde a propriedade é descrita como direito individual. Segundo Eros Grau (2004, p. 216): Tal entendimento constitui uma imprecisão, pois existe distinção entre “função individual”
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