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D. Riff 1 Icnofósseis Um icnofóssil é o resultado da atividade de um organismo preservado na rocha, ou seja, de um icnito e seu estudo denomina-se paleoicnologia. Um icnito reflete uma função comportamental mais ou menos relacionada com a morfologia do organismo que o produziu, como pegadas, pistas, escavações, perfurações e também coprólitos e pelotas fecais (excrementos fossilizados), ovos e nidificações. O estudo dos icnofósseis é importante por: • possibilitar o registro da presença de animais de corpo mole que normalmente não se preservam; • mostrar a diversidade de comportamento das diferentes assembléias fossilíferas; • demostrar o grau de retrabalhamento dos sedimentos pelos organismos, o que pode ser indicador do fluxo de deposição (o grau de bioturbação relaciona-se mais ao tempo disponível para a atividade biogênica do que com a densidade de organismos), a consistência do substrato e a concentração de oxigênio, por exemplo; • auxiliar nas interpretações paleoambientais e paleoecológicas, uma vez que ocorrem em sedimentos que não foram posteriormente retrabalhados, pois a icnocenose é uma representante direta de uma biocenose in situ; • indicar o topo e base de camadas; • ocorrem com mais freqüência em rochas nas quais os fósseis corporais são menos comuns e muitas vezes mal preservados (siltitos e arenitos de ambientes desérticos, p. ex.). As pegadas, pistas e tubos são denominados bioturbações. Estas causam o rompimento de uma estratificação (Fig. 1a). Os icnitos resultantes de escavação mecânica ou bioquímica num substrato rígido são estruturas de bioerosão (Fig 1b), como as perfurações produzidas por ouriços do mar em costões rochosos, indicadores de linhas de costa e, portanto, de variações do nível do mar. As estruturas estratificadas resultantes da atividades de deposição de organismos são estruturas de bioestratificação, como os estromatólitos. Os icnitos D. Riff 2 produzidos por vegetais são principalmente moldes de raízes (pedotúbulos) e rizoconcreções (concentração de sais ao redor de raízes). No contexto da estratigrafia de seqüências, procura-se quantificar a totalidade de estruturas de bioturbação em uma rocha sedimentar através dos índices de icnotrama ou icnofábrica, que varia de 1 (ausência de bioturbação) a 6 (retrabalhamento total). Figura 1- a) estrutura de bioturbação (pegada); b) estrutura de bioerosão resultante da atividade raspadora de ouriços do mar. Os icnofósseis são classificados sob três aspectos diferentes mas interrelacionados: • Classificação descritiva: baseada nas feições morfológicas, seguindo a nomenclatura binomial linneana, com a designação de icnogêneros e icnoespécies. Este é um exemplo de parataxonomia, sendo a nomenclatura dos icnofósseis independente da nomenclatura zoológica e botânica. Ex: Cruziana lobosa (icnito de locomoção gerado por trilobitas). • Classificação preservacional ou estratinômica- descreve e classifica os icnofósseis com relação ao seu modo de preservação e ocorrência na rocha, se como um relevo completo incluso na rocha ou um semi-relevo (apenas metade inferior ou superior), disposto no limite entre camadas (Fig. 2). A B D. Riff 3 Figura 2- Classificação estratinômica e as formas de preservação dos icnofósseis. • Classificação etológica- caracteriza o comportamento preservado pelo icnofóssil. É a mais utilizada por indicar, através do comportamento, dados referentes ao substrato e paleoecologia. Classificação etológica A classificação etológica baseia-se na interpretação do comportamento dos organismos que produziram os icnofósseis, baseadas principalmente em observações de icnitos deixados por organismos recentes. O comportamento dos organismos é organizado em cinco categorias: • Icnitos de Locomoção- marcas produzidas pelo deslocamento dos organismos. Ex: pegadas e rastros. D. Riff 4 • Icnitos de Habitação- escavações e perfurações habitadas por organismos, tendo normalmente as paredes reforçadas por secreções e cimentos. Ex: tocas. • Icnitos de Repouso- impressões causadas por uma interrupção no deslocamento do animal. • Icnitos de Alimentação- escavações, tubos, pistas e perfurações provocadas por organismos ao forragear. Ex: perfurações em conchas de bivalves provocadas por gastrópodes. • Icnitos de Escape- geralmente tubos sem parede reforçada, provocados pelo deslocamento rápido de organismos de epifauna e infauna (geralmente bivalves) após um aporte extra de sedimento. Estas categorias pode se sobrepor e alguns icnitos são transicionais entre uma categoria e outra. Coprólitos Os coprólitos podem apresentar diversas formas e tamanhos, dependendo principalmente do organismo gerador, mas também da deposição, diagênese e seu estado de preservação. Auxiliam na interpretação do hábito alimentar de animais extintos, na reconstituição de cadeias tróficas e incidência de parasitas. Como exemplo da importância de seu estudo, destaca-se a identificação de ovos de parasitas em coprólitos humanos, o que permitiu que fossem inferidas rotas de migração do homem primitivo nas Américas. Icnofácies É o registro de uma icnocenose preservado em rocha. O estudo integrado das icnofácies à estratigrafia tem grande importância na reconstituição paleoambiental. Icnofácies diferentes são associadas a diferentes ambientes, sendo assim indicadores paleoambientais (Fig. 3). Por exemplo, os icnitos produzidos por larvas de insetos são indicativos de ambiente lacustre e de planícies de inundação, icnitos produzidos por vespas e cupins são indicativos de depósitos tipicamente terrestre, icnitos provocados por organismos marinhos D. Riff 5 típicos de substrato duro, ou de zonas de alta ou baixa energia, indicando esses ambientes. Figura 3- Exemplos de icnofácies. Estromatólitos Os estromatólitos são estruturas biossedimentares formadas pela atividade microbiana (cianobactérias, algas e fungos) nos ambientes aquáticos (Fig. 4). São laminados, de crescimento colunar, em nódulos ou planares, podendo se ramificar, e contém fósseis de microorganismos (especialmente cianofíceas) nas lâminas. São formados pela deposição de sedimento provocada por esses organismos, seguida pela sua migração vertical e nova sedimentação. Aglomerações de estromatólitos podem formar recifes. Variam enormemente de D. Riff 6 tamanho, sendo os extremos registrados de 15 metros de altura (Cambriano da Rússia) até menos de 1 mm de altura (Proterozóico do Canadá). São a evidência macroscópica mais antiga da vida na Terra, sendo encontrados em todos os continentes, principalmente em rochas pré-cambrianas. Os registos mais antigos são de rochas arqueanas (3,5 bilhões de anos) da Austrália e África do Sul. Foram muito abundantes até o fim do Proterozóico, a partir de quando declinaram em sincronia com a diversificação dos eucariontes, sendo provavelmente esta a causa do declínio. Os estromatólitos só ocorrem em ambientes aquáticos com substrato duro, disponibilidade de luz e nutrientes que mantenham uma microbiota bentônica, e sedimentos de pequena granulometria que possa ser precipitado, especialmente em ambientes deposicionais de carbonatos, sendo que o maior número de ocorrências é em dolomitos e calcários. A grande maioria dos estromatólitos carbonáticos é considerada de ambiente marinho raso, mas ocorrem também em lagunas. Estruturas semelhantes a estromatólitos, mas de origem inorgânica, foram descritos em cavernas e em sedimentos fluviais. São os melhores fósseis guias para o Proterozóico e também de grande utilidade em reconstituições paleoambientais. Como alguns minérios podem ser concentrados pela ação microbiana, os estromatólitos são também úteis na prospecção de bens minerais como chumbo, zinco, cobre, ferro, manganês, galena, esfalerita, ouro e prata, especialmente em terrenos pré-cambrianos. Estromatólitos atuais ocorrem na Austrália, Golfodo México, Golfo Pérsico e no Rio de Janeiro (Lagoa Salgada, Campos), ocorrendo em vários ambientes marinhos, mas principalmente em águas hipersalinas, onde metazoários, algas macroscópicas e plantas não se estabelecem em abundância. Estromatólitos litificados ocorrem no Brasil principalmente no grupo Bambuí (Proterozóico superior de MG e BA) D. Riff 7 Figura 4- A) Estromatólito australiano recente; B) Estromatólitos litificados colunares. Note a laminação interna. B A