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Fundamentos Histórico Teórico Metodológicos do Serviço Social – dimensão positivista Aula 01 Prof. Hélio Dias da Costa CONVERSA INICIAL Olá, seja bem-vindo(a) à Aula 1 de Fundamentos Histórico Teórico Metodológicos do Serviço Social – dimensão positivista. Nosso objetivo, neste encontro, é analisar a relação entre os processos históricos da Europa e a gênese do pensamento positivista. Para tanto, vamos: Compreender o processo de desenvolvimento das linhas filosóficas de pensamento até o advento do positivismo Identificar no ideário renascentista as formas de constituição da sociedade e construção do pensamento que dão luz ao iluminismo, base onde se desenvolve o positivismo Identificar no ideário iluminista as formas de constituição da sociedade e construção do pensamento que dão luz ao positivismo Reconhecer na Revolução Francesa os movimentos do pensamento ao qual se opuseram e consolidaram os positivistas sobre o lema da ordem e progresso Analisar, nas biografias de Condorcet e Saint Simon, os primórdios do positivismo a que Augusto Comte irá dar forma e conteúdo Nesta primeira aula, trataremos de estudar os antecedentes históricos do Positivismo enquanto corrente de pensamento. Para alcançarmos nossos objetivos, vamos tratar de traçar uma linha histórica do desenvolvimento do pensamento humano, a fim de situar as diversas correntes epistemológicas ao longo do tempo. Nessa linha do tempo, duas épocas históricas são determinantes para a fundação da corrente positivista: o renascimento e o iluminismo. Buscaremos identificar no ideário destas duas correntes as formas de constituição da sociedade que darão gênese a formas determinadas de pensamento. Um dos eventos históricos que cristalizam esse momento de efervescência intelectual, e que inclusive marca a passagem da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, é a Revolução Francesa. Nela, se situam diversas correntes filosóficas, inclusive algumas bastante radicais, que levam ao período que é conhecido como “terror revolucionário”. É em contraposição a este período que se precipitam as visões de mundo que estão imediatamente ligadas a figuras como Condorcet, Saint Simon e Augusto Comte, os pais do positivismo. CONTEXTUALIZANDO Assim que você terminar esse curso, estará apto a trabalhar com pessoas e famílias que enfrentam as mais variadas e delicadas situações de vulnerabilidade. Que respostas oferecerá a estas pessoas que estarão esperando algo de você? Quais pressupostos teóricos embasarão as respostas que você irá oferecer ao seu público alvo? A dimensão positivista do conhecimento, enquanto base do pensamento hegemônico da sociedade capitalista em que vivemos, permeia as construções epistemológicas do senso comum. Não é incomum escutarmos explicações de causa e efeito quando ouvimos opiniões de porquê pessoas sofrem ou vivem em situações de grande risco. O estudo da dimensão positivista do conhecimento posicionará você com relação a esta forma de pensar e tentar explicar a realidade. É importante que você conheça essa forma de pensar para que, a partir do pensamento hegemônico que você aprenderá ao longo do curso de Serviço Social, saiba atuar no sentido de promover medidas que apontem para a superação das formas injustas de ordenação social deste modo de produção em que vivemos. Tema 1 - Uma linha do tempo da história do pensamento humano Antes de iniciarmos os estudos sobre o positivismo em suas características mais específicas, é importante que saibamos de onde ele veio, de quem é herdeiro e na onda de qual movimentos ele veio surgir. Por isso faremos de forma breve uma recapitulação histórica sobre a evolução do pensamento humano, desde suas formas mais primitivas, até chegarmos ao pensamento positivista. Ao assistente social é sempre importante manter essa atitude frente aos objetos que lhe são apresentados: perguntar de onde vieram e qual é a história que determinou seu surgimento torna o processo de apropriação de conhecimento mais rico e seguro, à medida que nos precavemos de equívocos! O homem se difere dos animais por inúmeros motivos, dentre eles pela capacidade de trabalhar, ou seja, de atuar sobre a matéria de forma pensada, a fim de suprir necessidades materiais para si e para seus semelhantes. É justamente sobre o trabalho que se desenvolve o raciocínio, pois os problemas que vão se colocando à medida que a vida em comunidade vai apresentando novos desafios a esse homem, vão desenvolvendo novas formas de se pensar e garantir a reprodução da vida. As diversas sociedades que se formaram na antiguidade foram desenvolvendo a forma como a vida era produzida e organizada. Grandes impérios se desenvolveram na Mesopotâmia, na China e no Egito e cada um destes tinha uma forma peculiar de descrever a realidade. O ponto comum entre eles era a explicação através dos mitos dos deuses. Isso se dá até por volta de 500 a. C., quando na Grécia desenvolve-se a democracia e com ela a filosofia. Ali nascem seus principais expoentes: o idealista Platão (http://www.iscsp.ulisboa.pt/~cepp/indexfro1.php3?http://www.iscsp.ulisboa.pt/~ cepp/ideologias/idealismo_platonico.htm) e o materialista Aristóteles (http://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/aristoteles-o-mundo-da- experiencia-as-quatro-causas-etica-e-politica.htm). Em decorrência do mundo ainda viver sob a grande influência de culturas que acreditavam na ordem dos deuses na determinação da vida, o pensamento de Platão foi o que dominou por grande período (CHAUI, 2010). Com a ascensão do cristianismo na antiguidade, a forma de Platão interpretar a vida a partir de um demiurgo (o criador divino) pareceu ser bastante adequada para a organização da vida no mundo ocidental. Se o mundo foi criado e é mantido por um criador, todos os acontecimentos, bons ou ruins, passam pelo crivo da soberana vontade deste ente. Os governantes são, então, representantes do criador na Terra e é sob essa justificativa que vemos crescer um dos maiores impérios da história: o império romano. Por conta de sua extensão e das dificuldades em se manter sob o regime escravista, o império entra em colapso no ano de 476 a. C. e, então, vem a Idade Média, grandemente dominada pela Igreja Católica Romana. Esta era histórica é também conhecida como Idade das Trevas, onde o pensamento estava confinado em mosteiros e conventos, que abrigavam os poucos que sabiam ler e escrever. Um dos grandes pensadores desta época é Santo Agostinho (https://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_de_Hipona), que em sua obra A Cidade de Deus (https://felipepimenta.com/2013/03/11/resenha-de-a-cidade-de-deus- de-santo-agostinho/) retrata a divisão do mundo entre o dos homens e o espiritual. No entanto, Aristóteles e sua interpretação material do mundo não estavam esquecidas. Aliás, é também dentro da Igreja que se desenvolve uma forma de pensar que passa a considerar a matéria em seu desenvolvimento filosófico: a escolástica. Um dos grandes pensadores dessa nova linha de interpretação da vida é Tomás de Aquino (https://pt.wikipedia.org/wiki/Tom%C3%A1s_de_Aquino), que em sua obra chamada Suma Teológica (https://felipepimenta.com/2013/03/10/resenha-da- suma-teologica-de-sao-tomas-de-aquino/) empreende, dentre outras coisas, comprovar materialmente a existência de Deus (CHAUI, 2010). A forma de pensar dos escolásticos, e mais especificamente de Tomás de Aquino, está diretamente relacionada à redescoberta de Aristóteles por um grupo social que deseja a libertação do pensamento: os comerciantesburgueses que, por não possuírem títulos de nobreza ou terras, acumulam riquezas por conta de sua atividade e passam a investir, dentre diversas outras coisas, no desenvolvimento da arte. Aqui está a raiz do Renascimento (http://www.suapesquisa.com/renascimento/) que, em contraposição ao que pregava a Igreja, colocava o homem como centro do universo (https://pt.wikipedia.org/wiki/Homem_Vitruviano_(desenho_de_Leonardo_da_Vi nci)#/media/File:Da_Vinci_Vitruve_Luc_Viatour.jpg) (DELUMEAU, 1994). Em meio à pressão entre essas duas novas formas de pensamento, se desenvolve no seio da própria Igreja um movimento de contestação aos seus dogmas, que é encabeçado pelo monge Martinho Lutero, o que promove uma cisão na Igreja Católica, fazendo surgir a Igreja Protestante. Aqui, estamos por volta do ano de 1500, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, e com a evolução das formas de pensamento chegamos a pelo menos dois polos (ABBAGNANO, 2000): o pensamento racionalista idealista, que ainda está vinculado à tradição de Platão o pensamento racionalista empirista, que está vinculado a Aristóteles Ao primeiro movimento se aliarão pensadores como Descartes (penso, logo existo!), Espinosa e Pascal. Aos materialistas teremos Francis Bacon, Galileu Galilei, Isaac Newton, Kepler e diversos outros. A verdade é que o materialismo supera o idealismo e vai se tornando a regra ao longo desta época histórica, que é conhecida como Idade das Luzes. O Materialismo supera o Idealismo Na França se desenvolve um debate entre pensadores que se propõe analisar a sociedade como um todo. Também vemos uma oposição entre idealistas (Hobbes, Rousseau) e materialistas (Locke, Montesquieu), mas o que importa desse debate é a que interesses ele serve. Estamos já entre 1600 e 1700, mais especificamente na época conhecida como Iluminismo, onde a razão é chamada a reformar o pensamento tradicional advindo da Idade Média (HOBSBAWM, 2004). Filósofos como Voltaire, Diderot, D'alembert (estes dois os criadores da enciclopédia) e Condorcet envolvem-se em discussões que, dentre outras coisas, servem a corroer as estruturas do sistema monárquico de governo. Por diversos motivos, esse movimento resultou na Revolução Francesa, onde finalmente aqueles burgueses comerciantes, que em dada altura do desenvolvimento da história passaram a investir nas artes, alcançam o poder (LÖWI, 2000). O positivismo está estreitamente ligado à Revolução Francesa por conta das minúcias do desenvolvimento desta que tornaram conveniente e necessária uma reação por parte de setores da sociedade, como veremos no tema 4 desta aula. Vamos verificar agora, passo a passo, como se deu o desenvolvimento do positivismo, primeiro verificando as influências do Renascimento para o surgimento do Iluminismo na França. Tema 2 - A importância do Renascimento para o surgimento do pensamento positivista Entre os séculos XIV e XV, a Europa viveu tempos muito difíceis. Segundo o historiador Jean Delumeau (1994, p. 21) epidemias, guerras, avanço de inimigos e inúmeros outros desafios impuseram a Europa a buscar soluções que redundaram na crítica do pensamento da Igreja, a recuperação demográfica, progressos técnicos e uma nova estética, um novo jeito de expressar a realidade. Michelangelo, Rafael, Botticelli, Da Vinci, dentre diversos outros artistas, são os responsáveis diretos pela imagem que fazemos desta época. Esculturas, pinturas, afrescos, livros, música, arquitetura marcam uma época de redescoberta do homem e do mundo, nas palavras de um dos principais intérpretes dessa época, Jacob Burckhardt (2009). O termo "renascimento" é atribuido a Giorgio Vasari, mas é Burckhardt quem fornece as melhores informações sobre a época por meio de seu livro A cultura do renascimento na Itália, que data de 1860. Nesta obra, o autor relata os efeitos desse movimento sobre as artes, a religião, o próprio homem e, principalmente, a política. Como já se viu em linhas gerais no tema anterior, o pensamento do homem estava em grande medida atrelado ao pensamento hegemônico da Igreja. A grande implicação disso se constata na quantidade de filósofos e cientistas que foram queimados nas fogueiras da inquisição ao longo desse período. Um dos casos mais famosos foi o do cientista Galileu Galilei, que só não foi torturado e morto pois negou suas afirmações de que a Terra girava ao redor do Sol. Na prática, o resultado dessa perseguição estava relacionado ao atraso no desenvolvimento da sociedade em geral (proibições de pesquisas na área da medicina, na área das navegações, condenação do sistema bancário criado pelos burgueses, etc.). Um dos principais efeitos do renascimento foi justamente o reposicionamento do homem em relação ao seu meio. Este passa a ser o centro de toda a produção e pensamento, o que levou a eventos marcantes e sem volta, como a Reforma Protestante. A possibilidade de se questionar a fé, aberta por este movimento, propiciou o solo fértil onde o monge Martinho Lutero pôde desenvolver as suas 95 teses em que desafiava os ensinamentos da Igreja Católica. Esse movimento de abertura e questionamento tem reflexos também sobre a vida política. Se o conhecimento e a autoridade da Igreja até então não poderiam ser questionados, assim também acontecia com o poder dos governantes. Os reis ancoravam-se nas tradições religiosas para manter seu poder absoluto sobre a sociedade. Apesar dessa abertura, no entanto, é paralelo ao desenvolvimento do renascimento que se observa uma reação dos governantes, e, aqui, entre os anos que vão de 1500 a 1700, se encontra o ápice do absolutismo na Europa. Tal regime de governo previa que o poder do rei deveria ser independente de qualquer outro órgão. É célebre a frase atribuída a um dos reis absolutistas da França, chamado Luis XIV que disse: "O Estado sou eu". É justamente em contraposição a essa centralização do poder que se desenvolve o pensamento Iluminista, liderado por Voltaire, Diderot, D'alembert e Condorcet, na França, o que é matéria de nosso próximo tema! Faz-se importante frisar a importância do renascimento com relação à abertura do pensamento, que antes se confinava aos mosteiros e conventos, e, agora, podia ser acessado por qualquer cidadão letrado na Europa. Tal fato permite o rápido desenvolvimento do pensamento de forma a produzir movimentos de contestação, que vão se chocar na Revolução Francesa, movimento imediatamente anterior ao desenvolvimento do pensamento positivista. Tema 3 - A importância do Iluminismo para o surgimento do pensamento positivista Tratávamos do renascimento no tema anterior, e vimos que o reposicionamento do homem na produção do pensamento e na ciência deram origem, dentre outras coisas, ao movimento político, social e filosófico chamado Iluminismo. Este aconteceu ao longo do século XVIII, com grande intensidade na França e, dentre diversos efeitos, resultou no evento conhecido como Revolução Francesa, onde a classe burguesa liderou a tomada do poder e a derrubada do regime monárquico de governo. O Iluminismo se caracterizou em contraposição à Idade das Trevas. Seu objetivo era trazer luz ao pensamento tradicional, reformando-o sob o parâmetro da razão, que já desde o Renascimento vinha se tornando central para o desenvolvimento da sociedade (GRESPAN, 2008, p. 13). Quando do auge do Absolutismo na Europa, surge este movimento de contestação da ordem, cujo resultado é a corrosão das bases da sociedade tradicional. Seu principal antagonista é sempre o rei, pois seu poder está ancorado natradição, e não na razão. No geral, neste momento histórico, as decisões da coroa beneficiam os nobres donos de terra, em detrimento dos comerciantes que não possuem títulos de nobreza ou acesso a terras. Apesar de estes últimos financiarem em grande medida as coroas, não havia correspondência entre os desejos dessa classe e as realizações do monarca. Este descontentamento dos comerciantes foi encontrando sintonia com a produção dos intelectuais iluministas. Ao fim do processo histórico, os objetivos de ambos convergiram e redundaram em movimentos de contestação da ordem estabelecida (GRESPAN, 2008, p. 19). É um movimento herdeiro do racionalismo materialista de Francis Bacon, em que o importante era se partir da observação da matéria, a fim de se produzir o conhecimento o que será conhecido como método indutivo de investigação científica. Vários autores se adequam a essa forma de conceber a realidade. Numa primeira fase do iluminismo podem ser situados nomes como: Locke (na área política) Voltaire (na filosofia) Newton (na física e na matemática) D'Alembert e Diderot (como os escritores da primeira enciclopédia) Importante No geral, nesta primeira fase do movimento, o que se observa é uma tentativa de interpretar o homem e o meio em que vive a partir das mesmas regras e abstrações gerais alcançadas pelas ciências como a física de Newton (GRESPAN, 2008, p. 15-16). Ora, tal fato é precursor direto do método positivista de pensamento, como veremos na próxima aula. Está aqui lançada, portanto, a base do método de pensamento positivista, embora ainda de forma inicial, o que atesta a grande relevância deste movimento para a futura conformação do positivismo. Tema 4 - A Revolução Francesa enquanto catalisador do pensamento positivista Dentro do quadro histórico que vimos aqui construindo, a Revolução Francesa é o resultado determinado e necessário de evolução, tanto das forças econômicas da classe comerciante quanto do ideário renascentista e iluminista que se desenvolveu desde o século XV até o século XVIII na Europa. Foram inúmeros os motivos que fizerem deste um dos mais marcantes eventos da história. Com relação à economia, a França vivia uma séria crise fiscal, recaindo sobre a população uma pesada carga de tributos. Essa crise fiscal advinha do grande endividamento do Estado junto aos credores burgueses. Além disso, com o crescimento demográfico ao longo do século XVIII, também havia o problema da precária distribuição de alimentos, o que afetava diretamente a população e indiretamente todas as outras classes por conta das pressões advindas da questão social (HOBSBAWM, 2004, p. 89). Politicamente, o regime absolutista de Luis XVI mostrava-se bastante ineficaz em promover políticas de contenção e ajuste entre os três entes que compunham a arena política: o clero, chamado de primeiro estado a nobreza, chamada de segundo estado o povo, chamado de terceiro estado Por conta das pressões sociais, e devido aos problemas fiscais que pressionavam todas as classes em disputa, o rei convoca a Assembleia dos Estados Gerais. A Revolução Francesa aconteceu entre 1789 e 1799 e contou com algumas fases importantes para o posterior desenvolvimento do sistema positivista de pensamento. A historiografia clássica divide a Revolução Francesa em quatro fases distintas: a assembleia constituinte, a assembleia legislativa, a convenção e o diretório. O período da Assembleia Constituinte (1789-1791) iniciou-se quando o Rei Luis XVI quis dissolver a reunião dos Estados Gerais por se sentir ameaçado pela posição radical do terceiro estado, que queria reformas e a aprovação do sistema de votação individual (cada deputado um voto, em contraposição ao sistema de votos por Estado). Os membros do terceiro estado reuniram-se, então, em uma quadra e instituíram uma Assembleia Nacional Constituinte, pretendendo a construção de uma nova constituição para a França (MICHELET, 1989, p. 101). O Rei tentou reagir, mas o povo, sabendo das intenções do Rei, rebelou-se, tomou as ruas e iniciou um movimento para garantir que a Assembleia finalizasse seus trabalhos. O resultado, num primeiro momento, foi a vitória do povo e a aprovação de uma nova constituição, em que o Rei passava a ter poderes limitados e sujeitos a uma nova estrutura de governo, baseada na divisão do estado em três poderes: executivo, legislativo e judiciários. Era este o período da Assembleia Legislativa (HOBSBAWM, 2004, p. 98). Externamente, houve grande reação por parte dos demais países absolutistas da Europa. Houveram coligações de países que marcharam em direção à França, pretendendo retomar o poder e devolvê-lo a Luis XVI (HOBSBAWM, 2004, p. 99). No entanto, em 1793, já à época do período da Convenção, foram descobertas cartas do Rei que ligavam-no a movimentos de restauração organizados no exterior. Este evento foi tratado como traição e o Rei foi morto. Já a essa época a França era governada por uma Convenção Nacional, liderada pelos pequenos burgueses, conhecidos como Jacobinos. É nesse período, quando Robespierre assume a direção da Convenção, que se instala o período do Grande Terror, onde milhares de pessoas foram mortas a guilhotina por serem consideradas opositoras ao movimento revolucionário. Em 1795, a revolução volta a ter a grande burguesia no poder e segue-se um período conservador, onde o exército ganha cada vez mais destaque por conta de sua atuação na neutralização das forças estrangeiras de restauração do Antigo Regime. Aqui surge a figura do general Napoleão Bonaparte, que a partir de 1799 passa a exercer o poder e só o deixa após sua derrota, em 1814 (HOBSBAWM, 2004, p. 102). Essa breve recapitulação do período revolucionário foi contada para se identificar o momento histórico de nascimento do pensamento positivista. Em meio ao período revolucionário, observamos o confronto entre tendências radicais e revolucionárias em torno do projeto republicano. Sob a bandeira da ordem e do progresso surge o positivismo como uma reação conservadora frente os avanços do movimento radical jacobino. Tema 5 - Condorcet, Saint Simon e a gênese do Positivismo A tradição iluminista de interpretar a sociedade com as mesmas regras das ciências naturais teve eco em pelo menos duas figuras-chave ao desenvolvimento do positivismo: Nicolas de Condorcet e Saint-Simon. Condorcet foi um dos enciclopedistas que contribuiu de forma mais incisiva à gênese do positivismo. Este autor, um matemático, pensa a economia política da época como uma ciência que pode estar submetida à precisão do cálculo (LOWI, 2013, p. 27). Posteriormente, generaliza essa noção e declara que também a sociedade pode estar submetida a leis gerais de uma matemática social livre de paixões e interesses (LOWI, 2013, p. 28). As "paixões e interesses" a que se referia Condorcet fazem menção ao conhecimento tradicional produzido pela Igreja e às leis tradicionais que correspondiam aos interesses do rei e da nobreza. Para este autor, o combate a este estado de coisas é inseparável de uma luta revolucionária contra o Antigo Regime (LOWI, 2013, p. 29). Saint-Simon é discípulo de Condorcet e é quem primeiro utiliza o termo "positivo", ao se referir ao método das ciências naturais baseado na observação e experimentação, que em sua concepção poderia ser transplantado à observação dos objetos das ciências sociais e, assim, de forma "positiva", estas ciências poderiam analisar a sociedade de forma neutra e objetiva (LOWI, 2013, p. 29). No entanto, tanto um quantooutro autor, apesar de atuarem no sentido de naturalizar a interpretação da sociedade, não apresentam qualquer interesse em conservar a ordem até então estabelecida. Antes o contrário: as leis naturais que enxergam são aquelas vinculadas ao caráter livre, igualitário e fraterno dos homens, ideário este ligado à burguesia comerciante que apostava no estatuto da liberdade dos homens para remover os últimos obstáculos que impediam o pleno desenvolvimento de seus negócios. Atribui-se um caráter utópico ao positivismo de Condorcet e Saint-Simon, pois estes autores ainda não possuem pensamento estruturado acerca do caráter natural das ciências sociais, apenas fazem generalizações a partir de suas áreas de especialização. O que se difere de forma qualitativa em Augusto Comte, considerado o pai do positivismo, justamente por ter sido o pensador que estruturou um sistema conceitual acerca do caráter natural das ciências sociais. É em Comte que uma simples ideologia se transforma em um sistema de pensamento, uma visão social de mundo que até hoje exerce grande influência na estruturação da ciência moderna. TROCANDO IDEIAS Esta foi uma aula para nivelamento de nossos conhecimentos históricos acerca do tema positivismo. Fizemos uma rápida revisão que abarcou cerca de 1.500 anos de história do desenvolvimento do pensamento filosófico do homem. Pudemos perceber que a influência do pensamento clássico grego foi determinante a todos os períodos históricos posteriores, variando entre o idealismo platônico e o materialismo aristotélico. Que tal discutirmos a influência desses dois modos de pensar na determinação da produção científica hoje? Vocês acham que a academia, hoje, vive um momento mais idealista ou mais materialista? NA PRÁTICA Agora vamos exercitar nosso aprendizado, usando nosso conhecimento e nossa imaginação. Você, enquanto futuro(a) Assistente Social, vai se deparar com inúmeras situações, as quais exigirão um posicionamento de sua parte. Algumas dessas situações envolverão a sua opinião acerca de problemas que se relacionam, em grande medida, a questões centrais ao conhecimento humano. Se um dia alguém perguntar a você: qual é a origem da pobreza e das necessidades sociais? Que caminho seguirá para dar sua resposta? O caminho idealista proposto por Platão ou o caminho materialista proposto por Aristóteles? Desenvolva um pequeno texto em que você se posiciona acerca dessa discussão! Comentários Por se tratar de um texto que demanda posicionamento pessoal, foge-se, aqui, de uma conceituação de certo e errado. Você deve transitar entre dois conceitos básicos, apresentados nesta aula, para responder a essa questão: o idealismo e o materialismo. Se sua resposta seguir um modelo idealista clássico, se justificará que as mazelas têm origem num descompasso entre o homem e seu criador, o que ocasiona o sofrimento e a separação. Agora, em seguindo a linha materialista, pode-se verificar uma alusão à materialidade da vida e aos problemas advindos da produção e distribuição da riqueza, o que ocasiona a pobreza e a questão social. SÍNTESE Nesta aula, fizemos uma recapitulação histórica, a fim de demonstrar a linha a partir da qual se desenvolveu o positivismo. Começamos falando sobre a Antiguidade, onde Platão e Aristóteles desenvolveram linhas filosóficas distintas, conhecidas como idealistas e materialistas, respectivamente. Devido à hegemonia da Igreja ao longo da Idade Média, o pensamento de Platão prevaleceu, mas por volta do século XIV e XV se desenvolve na Europa uma nova forma de conceber a matéria, grandemente influenciada pelo materialismo aristotélico: este movimento chama-se Renascimento. O uso da razão e o reposicionamento do homem com relação ao seu meio marcaram esse período. No entanto, em paralelo se desenvolveu um outro movimento, este sustentado pela monarquia, que pregava o poder absoluto nas mãos do rei: trata-se do absolutismo. Em contraposição a este ideário, que se baseava em grande medida no pensamento tradicional que perdurou durante toda a Idade Média, se fortalece o uso da razão na interpretação da vida em sociedade, trazendo luz às trevas do medievo. Este movimento se chama Iluminismo e está diretamente associado ao advento da Revolução Francesa, movimento político social de contestação ao Antigo Regime monárquico que, em 1789, consegue depor o Rei e instaurar a república na França, sob o lema de: liberdade, igualdade e fraternidade. O descontrole a que esse movimento chegou, em seu desenvolvimento, ocasionou posicionamentos conservadores com relação à profundidade das reformas a serem empreendidas por meio da Revolução. Um desses posicionamentos, que pouco a pouco vai se consolidando enquanto visão social de mundo cientificamente estabelecida é o positivismo, tema das próximas aulas. Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BURCKHARDT, Jacob. A cultura do renascimento na Itália: um ensaio. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática. 2010. DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Volume I. Lisboa: Editorial Estampa, 1994. GRESPAN, Jorge. O iluminismo e a Revolução Francesa. São Paulo: Contexto, 2008. HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004. LOWI, Michel. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Munchausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. São Paulo: Cortez, 2000. MICHELET, Jules. História da Revolução Francesa: da queda da Bastilha à festa da federação. São Paulo: Companhia das letras, 1989.
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