Buscar

A (RE) PRODUÇÃO DO MODO DE SER AWÁ: dinâmicas de socialização na aldeia Juriti - Bruno Leonardo Barros Ferreira -Dissertação UFMA 2011

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 111 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 111 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 111 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
 
 
 
BRUNO LEONARDO BARROS FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
A (RE) PRODUÇÃO DO MODO DE SER AWÁ: dinâmicas de socialização na aldeia 
Juriti 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2011 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ferreira, Bruno Leonardo Barros Ferreira. 
 A (re)produção do modo de ser Awá: dinâmicas de socialização na aldeia 
Juriti. – São Luís, 2011. 
 111 f. 
 Impresso por computador (Fotocópia). 
 Orientadora: Elizabeth Maria Beserra Coelho. 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa 
de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2011. 
1. Índios – Socialização. 2. Índios – Territorialização. I. Título 
 CDU 316.347 : 572.9 
 
 
 
 
BRUNO LEONARDO BARROS FERREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
A (RE) PRODUÇÃO DO MODO DE SER AWÁ: dinâmicas de socialização na aldeia 
Juriti 
 
 
Dissertação, apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Ciências Sociais da 
Universidade Federal do Maranhão, para 
obtenção do título de Mestre em Ciências 
Sociais. 
 
 
Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Maria Beserra Coelho 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2011 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedicatória 
Ao meu querido e amado pai que recentemente deixou este 
plano, mas que nunca será esquecido por mim. Ele foi o meu 
maior incentivador, proporcionando-me uma educação de 
qualidade, sendo ele o melhor professor que pude ter, pois 
ensinou-me a ser o homem que sou. Esta dissertação existe 
por causa dele. 
À minha mãe, Vivi e à minha irmã, Danielle que em nenhum 
momento deixaram de acreditar em mim. 
Ao meu sobrinho Danilo que chegou recentemente a este 
mundo para trazer de volta à minha família a alegria que 
sempre foi o nosso cartão de visitas. 
Aos Awá, por tudo. 
 
 
Agradecimentos 
 
 Ao escrever estes agradecimentos realizo uma reflexão não só dos 
dois anos em que cursei o mestrado na UFMA, mas de todo o processo pelo qual 
passei para chegar até aqui. As pessoas que contribuíram para tal são muitas e nem 
todas serão citadas, pois ocuparia um espaço considerável neste texto. Mas desde 
já agradeço a todos que de alguma forma me ajudaram nesta caminhada. 
 Primeiramente agradeço a minha orientadora Elizabeth Coelho (Beta), 
que se mostrou, no decorrer dos sete anos que convivemos, muito mais do que isso. 
Por muitas vezes foi além de professora, minha amiga e incentivadora, até mesmo 
nos momentos em que minha orelha era puxada, simbolicamente, é claro. Ela é uma 
das pessoas que agradeço a Deus todos os dias por ter colocado em minha vida, 
pois representa um divisor de águas na minha trajetória tanto acadêmica quanto 
pessoal. 
 Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, por todo o apoio 
a mim dirigido, não somente através das aulas dos meus professores, que com 
certeza contribuíram para o meu aprimoramento intelectual, mas também da 
atenção oferecida pela secretaria do curso especialmente nas figuras de Mary e 
Soraya. 
A CAPES que me concedeu bolsa de estudos, sem a qual complicaria de 
maneira considerável a elaboração desta dissertação. 
A FAPEMA pelo auxílio a mim concedido em dois congressos que marcaram 
minha carreira acadêmica. 
 . 
 
 
A minha turma do mestrado por compartilhar comigo as angustias e prazeres 
desses dois anos de estudos. 
Ao meu amigo, David Ribeiro, que por muitas vezes me acalmou em 
momentos em que não sabia qual rumo tomar e que com sua companhia tornou as 
barreiras que surgiam muito mais fáceis de ser derrubadas. Agradeço também aos 
meus amigos Alaina, Rosamalvina, Paula, JoJo, JaJa, Mauri, Ana Terra, Jânia (Fu), 
Lory, Samir e Luizinho por manterem a alegria em minha vida, o que me dá forças 
para seguir em frente. 
Ao meu amigo Antonio Santana. pelas conversas que tivemos, tanto em 
campo quanto em reuniões de pesquisa, que me auxiliaram na elaboração desta 
dissertação e também por ser para mim um exemplo de dignidade e inteligência. 
Aos meus amigos de grupo de pesquisa, que também contribuíram com suas 
opiniões sobre o meu trabalho. 
A Dona Dalva, Seu Riba Rocha e Patriolino, funcionários da FUNASA e 
FUNAI que trabalham no Posto indígena que atende aos Awá da aldeia Juriti, que 
me receberam em seu trabalho de braços abertos. Colaboraram de forma 
substancial para a elaboração desta dissertação. Obrigado pelas conversas no 
período de campo e um agradecimento especial à D. Dalva, pela comidinha tão 
gostosa que me fortalecia em dias de longas caminhadas pela mata. 
Aos Awá faço um agradecimento mais do que especial, pois são os maiores 
colaboradores desta dissertação, que permitiram que eu acompanhasse seu 
cotidiano, proporcionando-me grandes ensinamentos não só acadêmicos, mas 
pessoais. 
 Enfim, a todos o meu eterno carinho. 
 
 
RESUMO 
 
Análise das dinâmicas de socialização do povo Awá, tomando como referência o 
processo de territorialização que ora vivenciam. Busca compreender como os Awá, 
em face da dinâmica de colonialidade do poder e do saber exercida pelo Estado, 
constroem suas estratégias de formação e manutenção da identidade, levando em 
consideração que este processo caracteriza um modo próprio de socialização, 
responsável por sua reprodução enquanto povo. As fontes utilizadas foram a 
literatura produzida sobre os Awá e os registros de campo efetuados em diferentes 
etapas pesquisa, no período de 2008 a 2009. A análise focaliza especialmente o 
cotidiano Awá, privilegiando as atividades de caça, agricultura, coleta e pesca. 
Palavras-chave: Índios. Socialização. Territorialização. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
Analysis dynamics of the Awa people socialization, with reference to the 
territorialization process they live nowadays. Seeks to understand how the Awa 
people, given the dynamics of power and knowledge coloniality exerted by the state, 
build their strategies in formation and maintenance of identity, taking into 
consideration that this process characterizes a particular way of socialization, 
responsible for their reproduction as a people. It was used literature produced about 
the Awa and the field recordings made in different search stages, in the period 2008 
to 2009. The analysis focuses especially Awa daily, with emphasis on the activities of 
hunting, farming, gathering and fishing. 
Keywords: Indians. Socialization. territorialization. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 11 
 
LISTA DE SIGLAS 13 
 
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................14 
 
2. A DINÂMICA DE TERRITORIALIZAÇÃO AWÁ: exercícios da colonialidade do 
poder.......................................................................................................29 
 
3. REPRODUZINDO O SER AWÁ NA ALDEIA JURITI.......................................45 
 
3.1. Os espaços da aldeia Juriti.............................................................................53 
 
3.2. Processos de socialização.............................................................................563.2.1 Moldando o corpo Awá.................................................................................70 
 
3.3 O cotidiano Awá...............................................................................................76 
 
3.3.1 Caça................................................................................................................81 
 
 
 
3.3.2 Coleta.............................................................................................................90 
 
3.3.3 Agricultura.....................................................................................................95 
 
3.3.4 Pesca..............................................................................................................99 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 104 
 
REFERÊNCIAS 106 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÃO 
 
QUADRO 1 Terras Indígenas (T.I.) onde vivem os Awá ............................................31 
FIGURA 01 Mapa das terras indígenas com presença dos Awá e localização dos 
Postos Indígenas....................................................................................................32 
 
FIGURA 02 Jovem Awá munido de arco e flechas...........................................39 
 
FIGURA 03 Mata devastada. ...........................................................................40 
 
FIGURA 04 Os Awá no local devastado. Fonte: Acervo próprio......................40 
 
FIGURA 05 Barricadas sendo destruídas pela polícia.....................................42 
 
FIGURA 06 Posto Indígena Juriti......................................................................46 
 
FIGURA 07 Foto identificada dos Awá da aldeia Juriti......................................51 
 
FIGURA 08 Gráfico do parentesco dos Awá da aldeia Juriti............................51 
 
FIGURA 09 Casa comunal...............................................................................54 
 
FIGURA 10 Croqui da aldeia............................................................................54 
 
FIGURA 11 Casa de Muturuhu.........................................................................55 
 
FIGURA 12 Casa de Takãrentxiá......................................................................55 
 
FIGURA 13 Rabiscos Awá em meu caderno de campo...................................59 
FIGURA 14 Piraima’a fabricando seu arco com a ajuda de Iwi’i......................63 
FIGURA 15 Awá na mata munido de várias flechas Awá na mata munido de várias 
flechas.....................................................................................................................64 
 
FIGURA 16 Awá tendo o corpo ornamentado pela esposa..............................68 
 
FIGURA 17 Takaia............................................................................................68 
 
QUADRO 2 Atividades realizadas por homens e mulheres...................................78 
 
FIGURA 18 Awá no acampamento provisório realizando uma última verificação nas 
armas...................................................................................................................85 
 
FIGURA 19 Criança Awá mostrando os frutos da Juçareira............................92 
 
 
 
FIGURA 20 Derrubada da palmeira pelas crianças..........................................93 
 
FIGURA 21 Awá derrubando árvore para coletar mel......................................94 
 
FIGURA 22 Awá coletando mel........................................................................94 
 
FIGURA 23 Awá trabalhando na colheita do milho..........................................98 
 
FIGURA 24 Awá pescando de arco e flechas................................................101 
 
FIGURA 25 Awá pescando na margem do rio................................................102 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
 
Centro de Trabalho Indigenista - CTI 
Colonização do nordeste - COLONE 
Conselho Missionário Indigenista - CIMI 
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq 
Fundação de Amparo a Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do 
Maranhão- FAPEMA 
Fundação Nacional de Saúde - FUNASA 
Fundação Nacional do Índio - FUNAI 
Instituto de Colonização e Terra Maranhão - ITERMA 
Posto Indígena - P.I. 
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC 
Serviço de Proteção ao Índio - SPI 
Terra Indígena - T.I. 
Universidade Federal do Maranhão- UFMA 
 
 
 
14 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
A elaboração de um trabalho dissertativo requer de seu autor a dedicação de 
horas de sua vida para tentar expressar, em algumas páginas, o conhecimento 
acumulado durante anos de estudos e debates sobre uma determinada temática. 
Esta dissertação é fruto de um processo de amadurecimento acadêmico que 
teve início no ano de 2004, com a minha entrada no curso de graduação em 
Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e o posterior 
ingresso no grupo de pesquisa “Estado Multicultural e Políticas Públicas”, ao qual 
estou vinculado até hoje. 
Em 2004 tive o meu primeiro contato com os estudos sobre povos indígenas, 
o que despertou meu interesse em seguir nesta área de pesquisa durante minha 
graduação. Os primeiros passos nessa direção foram dados ao ser convidado, 
assim como os demais membros do grupo de pesquisa, a participar de uma parceria 
com o Centro de Trabalho Indigenista (CTI)1, que desenvolvia o projeto “Escola 
Timbira”2, e necessitava de pessoas para realizar as tarefas de acompanhamento 
dos alunos em suas respectivas aldeias. Nosso trabalho consistia em assistir as 
aulas das etapas presenciais do ensino fundamental na Escola em Carolina – MA e, 
posteriormente, realizar o reforço dessas aulas nas aldeias. 
Minha primeira atividade de acompanhamento ocorreu junto aos índios Krahô, 
na aldeia Rio Vermelho, no Tocantins. Essa experiência subsidiou a elaboração do 
 
1
 É uma Organização Não-Governamental fundada em março de 1979 por antropólogos e 
indigenistas que já trabalhavam com alguns grupos indígenas do Brasil. 
2
 Projeto educacional que funciona em módulos e forma índios dos povos Timbira do Maranhão e 
Tocantins no ensino fundamental maior (5ª à 8ª série). Propunha uma educação escolar específica 
e de qualidade, com o objetivo de transmitir conhecimentos que contribuam para a manutenção 
das tradições sócio-culturais dos Timbiras, além de corresponder as necessidades requisitadas 
pelos próprios índios e prepará-los para o enfrentamento com a sociedade majoritária. 
15 
 
 
 
subprojeto “A educação indigenista na perspectiva da Escola Timbira”, que 
desenvolvi como bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica 
(PIBIC)/ CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), 
entre os anos de 2005 e 2006. 
O objetivo deste projeto era analisar se o discurso do CTI, no que se refere 
aos objetivos do projeto “Escola Timbira”, condizia com sua dinâmica de execução. 
Procurei observar em que medida as novas regras da educação indigenista estavam 
sendo consideradas. Percebi que a Escola Timbira era vista, pelo CTI, como a 
possibilidade de concretização da união dos povos Timbira (Apinajé e Krahô no 
Tocantins; e Krikati, Canela-Ramkôkamekra, Canela-Apãinekra e Gavião-Pykobjê) 
noMaranhão. Isso ocorreria pela reunião de todos em uma única escola, onde seria 
implementada a unificação de suas grafias. 
A Escola Timbira tinha o objetivo de oferecer uma educação específica e 
diferenciada, mas não conseguia fugir da estrutura da escola sugerida pelo Estado, 
reforçando o espaço escolar como lócus de dominação e reforço de valores muitas 
vezes alheios às realidades de cada povo Timbira. 
Do segundo semestre de 2006 até o primeiro semestre de 2008, por ocasião 
da renovação da bolsa PIBIC/CNPq para esse período, participei do projeto sobre 
política indigenista de saúde e participação indígena3. Meu subprojeto, então, 
focalizava como os Tentehar-Guajajara da Terra Indígena Araribóia percebiam a 
nova política indigenista de saúde e em que medida participavam de sua elaboração 
e execução. Esta pesquisa deu origem a minha monografia de conclusão de curso 
de graduação, onde realizei uma reflexão sobre como o processo de participação 
 
3
 Projeto que estava sendo desenvolvido no grupo sob a coordenação da professora Elizabeth 
Coelho, com financiamento da FAPEMA. 
16 
 
 
 
indígena está sendo definido na formulação e implementação de ações de saúde 
aos povos indígenas, já que estas pretendem ser específicas e diferenciadas. 
Percebi que os Tentehar vivenciam uma relação tensa com o Estado, que, ao 
mesmo tempo em que afirma construir políticas específicas e diferenciadas, 
pretende submeter os povos indígenas à sua lógica burocrático-científica, 
desconsiderando as formas de organização e os saberes indígenas. Pude identificar 
as diferentes estratégias através das quais os Tentehar-Guajajara construíam uma 
identidade de resistência (CASTELLS, 2001). 
Ainda durante o curso de graduação tive a oportunidade de participar, na 
condição de auxiliar de pesquisa, do Projeto Awá: “Implicações da introdução da 
agricultura e na cultura material de um grupo de caçadores-coletores. Estudo da 
identidade, uso de recursos e percepção do espaço entre os Awá-Guajá – 
Maranhão, Brasil”, financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia da Espanha4. 
Esta experiência teve início no ano de 2008, na aldeia Juriti,e minha função 
era auxiliar o arqueólogo Gustavo Politis em seu trabalho de coleta de dados que 
envolvia basicamente o registro, através do GPS, das rotas utilizadas pelos Awá 
durante suas caçadas, do peso dessas caças, dos horários de saída e retorno e a 
anotação das atividades diárias na aldeia. Essa pesquisa tinha como objetivo 
oferecer uma imagem da riqueza e do estado do patrimônio dos Awá, e do 
significado da transformação de sua cultura, face ao processo globalizador ao qual 
estão sendo submetidos. 
 
4
 :"Etnoarqueología de los Awá (Guajá) - Maranhão, Brasil, um grupo de cazadores-recolectores en 
transición a la agricultura", financiado por I+D do Ministerio de Educación y Ciencia de España. A 
equipefoi constituída por Elizabeth Coelho (UFMA-Brasil), Gustavo Politis (La Plata, Argentina) 
Almudena Hernando e Alfredo Ruibal (Complutense de Madrid). Durante o primeiro ano de 
pesquisa participou da equipe Eliane Cantarino O’Dwyer da Universidade Fluminense,Brasil). 
17 
 
 
 
O material recolhido nos quinze dias em que passamos em campo ofereceu-
me pistas sobre o que veio a se constituir o problema de investigação que subsidiou 
a elaboração dessa dissertação. 
A experiência junto aos Awá situou-me com mais intensidade diante da 
situação que caracteriza a relação entre o Estado e os povos indígenas no Brasil. As 
pesquisas anteriores, relacionadas à saúde e a educação escolar para povos 
indígenas já haviam delineado as estratégias de colonialidade do poder (QUIJANO, 
2005) desenvolvidas pelo Estado brasileiro, objetivando inserir os povos indígenas 
numa lógica evolucionista linear e eurocêntrica. A situação vivenciada pelos Awá, 
expressa pelo processo de territorialização5 (OLIVEIRA, 1999) em curso, que lhes 
impõe uma dinâmica de sedentarização, despertou-me para buscar entender como 
esse povo tem articulado estratégias de reprodução social em meio às 
transformações que uma dinâmica desse tipo ocasiona. 
No fim do ano de 2008, retornei a esta aldeia, sozinho, para dar continuidade 
às atividades de coleta de dados. Nessa ocasião já delineava minhas pretensões em 
aprofundar os conhecimentos sobre os Awá. Por esse motivo, este retorno foi 
importante, pois as observações feitas neste período já estavam direcionadas para a 
minha futura investigação, que a priori tinha como foco as crianças da aldeia. 
Em meio a estas condições, conclui minha graduação no início do ano de 
2009 e, logo em seguida, ingressei no Programa de Pós-graduação em Ciências 
Sociais da UFMA. Para o ingresso no mestrado, optei por elaborar um projeto no 
 
5
 Territorialização: é uma intervenção da esfera pública que associa, de forma prescritiva e 
insofismável, um conjunto de indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados. É um 
processo de organização social que implica a criação de uma nova unidade socio-cultural 
mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; a constituição de 
mecanismos políticos especializados; a redefinição do controle social sobre os recursos 
ambientais; a reelaboração da cultura e da relação com o passado. (OLIVEIRA, 1999, p.56) 
 
18 
 
 
 
qual investigaria como os Awá da aldeia Juriti estão percebendo o “novo”, através, 
principalmente da compreensão que constroem do atendimento à saúde e dos 
valores e concepções a ele agregados. Tal idéia teve inspiração no trabalho que 
vinha fazendo durante a graduação junto aos Tentehar. 
Mas já como mestrando, ao revisitar os meus cadernos de campo, comecei a 
refletir sobre a minha relação com esse povo e algumas questões que haviam 
despertado meu interesse em estudá-lo mais profundamente. Percebi que havia 
acumulado alguns registros interessantes sobre minha relação com as crianças da 
aldeia, seus comportamentos, as relações que mantinham com os mais velhos, 
dentre outros aspectos. Algumas questões já haviam surgido daí, principalmente 
relacionadas a como se daria a formação das gerações mais novas de Awá, em 
meio às mudanças que vinham vivenciando, de forma célere, nos últimos vinte anos. 
Dessa forma, decidi concentrar meus esforços, durante o mestrado, em 
compreender como os Awá, em face da dinâmica de colonialidade do poder e do 
saber (LANDER, 2005) exercida pelo Estado, constroem suas estratégias de 
formação e manutenção da identidade, levando em consideração que este processo 
caracteriza um modo próprio de socialização, responsável por sua reprodução 
enquanto povo. 
O Estado brasileiro busca inserir os índios em sua lógica. O status, de 
colonizado, outorgado aos índios (inferior) perante o colonizador europeu6 (superior) 
foi determinante na maneira como os índios foram tratados na história do Brasil. 
Castro Gómez (2000, 178) afirma que “o colonizado aparece assim como o ‘outro da 
razão’, o que justifica o exercício de um poder disciplinar por parte do colonizador”. 
 
6
 O europeu tinha a Europa como modelo a ser alcançado por qualquer sociedade diferente da sua. 
19 
 
 
 
Até os dias atuais permanece essa construção de superioridade da Europa. 
Esta lógica eurocêntrica foi incorporada pelas sociedades majoritárias das ex-
colônias, que reproduzem a postura de superioridade na relação com os povos 
indígenas. Busca-se enquadrar os índios no que o Estado considera a “única ordem 
possível”(CASTRO-GÓMES, 2005, 173), onde “a aquisição da cidadania é, então, 
um funil pelo qual só passarão aquelas pessoas cujo perfil se ajuste ao tipo sujeito 
requerido pelo projeto da modernidade”. 
Os Awá vivenciam um modelo civilizador que sobre eles se abate, 
desconsiderando seus saberes, subalternizando-os aos ditames do 
“desenvolvimento”. Os processos de territorialização (OLIVEIRA, 1999) que 
enfrentam são expressões dessas estratégias de colonialidade do poder (LANDER, 
2005). Ao terem que adotar um modo de vida nômade, há mais de 300 anos, e ao 
serem forçados à sedentarização, atualmente, necessitam construir novas formas de 
reprodução como povo, construir novos processos de socialização. 
Já com essas perspectivas em mente, retornei à aldeia Juriti no ano de 2009 
para retomar meu trabalho de campo, já com meu olhar direcionado para a 
identificação dos processos de socialização vivenciados por esse povo, buscando 
perceber como a transmissão de saberes e de regras sociais ocorre entre as 
diferentes gerações e como eles os (re)atualizam. Neste retorno, fui acompanhado 
de Antônio Santana, lingüista que também estava em trabalho de campo e que tinha 
um domínio considerado da língua Awá, que me ajudou a entendê-los melhor e por 
vezes intermediou minhas conversas com alguns Awá que não falam português. 
Para entender os processos de socialização Awá, procurei fazer uma leitura 
nos moldes sugeridos por Geertz (1989, p. 20), onde: 
20 
 
 
 
“fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um 
manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas 
suspeitas e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do 
som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado”. 
 
Uma etnografia é uma descrição densa (GEERTZ, 1989) visando à 
interpretação dos símbolos sociais, através da interpretação do fato descrito, 
procurando suas motivações e seus objetivos, deixando de lado a idéia de uma 
simples descrição dos fatos. Desse modo, a etnografia é então o recurso mais 
apropriado para entender a sociedade Awá, pois não se restringe apenas a escrita 
dos textos, mas é uma experiência de construção de sentido que se efetiva desde o 
campo, por meio das relações particulares que o etnógrafo vai entretecendo com 
seus interlocutores, levando em consideração o que esta sendo produzido. É uma 
interpretação da interpretação que os Awá imprimem sobre sua realidade. 
Dessa forma, a leitura que faço dos Awá é conduzida, também, pelo que 
Andrea Semprini (1999) denomina epistemologia multicultural, que é caracterizada 
pela percepção da realidade como dependente dos personagens que a criam, das 
teorias que a descrevem e da linguagem que viabiliza sua descrição e comunicação 
(SEMPRINI, 1999, p. 93). 
Nesta perspectiva, as interpretações são subjetivas e a realidade é percebida 
como uma construção, sendo consideradas as condições de identidade e posição do 
indivíduo emissor das interpretações. Portanto, os valores são relativos, assim como 
a verdade, pois é baseada em uma história pessoal. O conhecimento, por esse viés, 
é imposto por uma ordem dominante que elege uma realidade, uma interpretação e 
21 
 
 
 
um valor para legitimar um “conhecimento” que foi construído, ou seja, um fato 
político. 
A literatura antropológica sobre os povos pertencentes a família lingüística 
Tupi-guarani é vasta e possui informações desses povos desde a época da 
colonização portuguesa até os dias atuais, inspirada por diferentes perspectivas 
teóricas. Uma obra de referência é “Araweté: os deuses canibais”, de autoria de 
Eduardo Viveiros de Castro. O segundo capítulo desta obra contém um “breve 
balanço da produção propriamente antropológica sobre Tupi, destacando as 
monografias e os estudos clássicos” sobre esses povos (1989, p. 82). 
Viveiros de Castro salienta a grande importância que os estudos baseados 
nos “cronistas” quinhentistas e seiscentistas como os realizados por Alfred Métraux 
(1928 e 1979) e Florestan Fernandes têm para as pesquisas sobre povos indígenas, 
pois sintetizam antropologicamente o que poderíamos denominar como os Tupi do 
“tempo do descobrimento”. 
Métraux (1979), apesar de ter tentado comparar traços de cultura material, em 
termos de sua difusão, para estabelecer parâmetros para identificar se os povos 
Tupi-guarani seriam “autênticos” ou aculturados, possui méritos por “ter apontado a 
notável continuidade entre as culturas Tupi-guarani estudadas in situ por etnógrafos 
contemporâneos e a imagem da sociedade Tupinambá deixada pelos cronistas” 
(VIVEIROS DE CASTRO, 1989, p. 84). Uma das características emblemáticas que 
expressam essa continuidade e que encontramos entre os povos Tupi é o tema da 
“Terra Sem Males”. 
Sobre esse tema Hélène Clastres (1978, p. 113) afirma o seguinte: 
22 
 
 
 
A Terra sem Mal: um espaço sem lugares marcados, onde se apagam as relações 
sociais, um tempo sem pontos de referência, em que se abolem as gerações. .... a 
completude; no conjunto dos homens cada um se vê restituído a si próprio, 
suprimida a dupla distância que os fazia dependentes uns dos outros e separados 
dos deuses – lei de sociedade, lei de natureza: o mal radical. 
 
Nessa perspectiva, para os Awá, o iwa, seria a sua “terra sem males”. Eles 
entendem que cada pessoa existe através de três manifestações distintas: o corpo 
terrestre dos vivos, o corpo terrestre dos mortos e os múltiplos corpos sagrados que 
cada pessoa tem no céu ou iwa. (CORMIER, 2003, p.101) 
Fernandes (1963, 1970) explora exaustivamente o material dos cronistas 
tentando reconstituir uma “Sociedade Tupinambá” ideal, na perspectiva de um 
sistema com várias dimensões funcionalmente articuladas, onde a guerra (vingança 
e execução ritual) surge como uma forma de resolução de tensões internas à 
cosmologia. Viveiros de Castro (1989, p. 88) considera que, “o autor recorta o 
discurso dos cronistas em unidades arbitrárias, em tudo semelhantes a “traços” de 
cultura material”. 
Dessa forma, Florestan Fernandes aproxima-se de Métraux, Sua obra, tem 
sido considerada pioneira e também essencial para as reflexões sobre os povos 
Tupi-guarani, pois aponta aspectos da socialização entre os Tupinambá que mais a 
frente serão discutidos quando trato mais especificamente sobre os processos de 
socialização dos Awá. 
 Os estudos sobre os povos Tupi da Amazônia ocidental tiveram grande 
destaque nas décadas de 30 e 40 com Charles Wagley (Tapirapé - 1977) e Charles 
Wagley e Eduardo Galvão (Tentehar - 1955), que se concentraram na perspectiva 
23 
 
 
 
teórica da “aculturação”, enfoque que marcou os estudos sobre povos indígenas 
nessa época. 
Esses trabalhos têm em comum um pessimismo em relação ao futuro dos 
Tupi, como na obra de Wagley e Galvão (1955), que salientam que os Tentehar do 
Maranhão iriam desaparecer do mapa sócio-cultural devido as grandes influências 
da expansão capitalista na Amazônia. Sobre isso afirmam que: 
“Se o processo não vier a sofrer interrupção ou reorientação por circunstancias 
que fogem à possibilidade de previsão, a distância cultural diminuirá ao ponto de 
permitir a transformação desses índios em caboclos. Não será uma transformação 
brusca porém gradual, de índios que “passam” para a sociedade brasileira” 
(WAGLEY & GALVÃO, 1955, p. 12). 
 
Apesar de a história mostrar que esta tese não se efetivou, este pensamento 
catastrófico ampara-se nas versões de estudiosos dos povos Tupi que defendem 
que estes encaram o mundo através de uma concepção de sociedade e reprodução 
social muito mais “frágil” do que sua concepção do plano cosmológico. 
As mudanças ocorridasno modo como vivem, advindas do contato, com a 
adoção de bens considerados de fora (roupas e o modo de construção de suas 
casas) e a própria perda de alguns aspectos culturais, não faz com que os povos 
Tupi deixem de acreditar e perpetuar para as gerações mais novas o que 
consideram ser importante na sua constituição étnica e um desses elementos 
essenciais é a cosmologia. 
Os pensadores das décadas de 30 e 40, envolvidos pela perspectiva da 
“aculturação”, analisaram esses povos considerando fundamentalmente traços da 
24 
 
 
 
cultura material, o que os impediu de perceber a força de seu discurso cosmológico, 
conforme salienta. Viveiros de Castro (1989, p. 90) 
A plasticidade ou fluidez da organização social dos Tupi-guarani, que se manifesta 
não só nesta “fragilidade” ao contato, como também na notável variedade 
apresentada pelas morfologias Tupi-Guarani concretas, encontra sua 
contrapartida na homogeneidade igualmente surpreendente quanto ao discurso 
cosmológico, os temas míticos e a vida religiosa, que atravessa séculos de história 
e milhares de quilômetros de distância. 
 
Apesar da fluidez da estrutura social dos Tupi, apontada pelos autores, cabe 
salientar a importância que a língua tem, e tudo que ela abriga, como a transmissão 
dos conhecimentos cosmológicos. Estas propriedades específicas de cada um 
desses povos (língua e cosmologia) são importantes por terem resistido a vários 
séculos de contato. Os Tentehar são prova disso, pois apesar de terem mais de 400 
anos de contato e muitos falarem português, continuam a dominar e usar sua própria 
língua, expressando a força que as culturas indígenas têm em resistir à intervenção 
do Estado. 
Mércio Gomes (2002), em seu livro “O índio na história: o povo Tenetehara 
em busca da liberdade” argumenta que o futuro desse povo não é o extermínio. 
Chama-nos a atenção para o fato do povo Tentehar ter sofrido, ao longo de sua 
história, diversas agressões que datam desde a época da colonização. Segundo o 
autor: 
A história Tenetehara ganha uma dimensão especial porque é, de certa forma, 
uma história que resultou exitosa, não obstante o sofrimento humano, as perdas 
territoriais e os desfalques culturais sofridos no seu relacionamento com a 
sociedade luso-brasileira em formação (GOMES, 2002, p. 69). 
 
Segundo Gomes (2002), os índios Tentehar, após a chegada dos 
colonizadores, sempre estiveram em um posicionamento social inferior, devido às 
pressões das forças sociais opressoras, buscando sempre sua liberdade. 
25 
 
 
 
Já na relação com os Awá, os Tentehar, segundo Darcy Ribeiro (1996) 
reproduzem a relação de dominação dos colonizadores: 
Os Guajajaras acham que seu papel seja o de amansar esses irmãos bárbaros e 
procedem para com eles do mesmo modo que os civilizados. Prova disso é que já 
conheci aqui no posto uns quatro Guajá, meninos, rapazes e adultos, tomados 
pelos Guajajaras (RIBEIRO, 1996, p.332). 
 
Esse trecho é do fim da década de 40 e início de 50, quando Darcy Ribeiro 
realizou pesquisas antropológicas entre os Urubu-Kaapor, no Maranhão, como 
etnólogo do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Foram duas viagens, cada uma com 
seis meses de duração, registradas em diários de campo que, somente em 1996, 
vieram a ser publicados, expondo a história e a vida dos Urubu-Kaapor na Amazônia 
maranhense, com toda sua riqueza e complexidade cultural e também os problemas 
resultantes do contato com as sociedades envolventes, tanto dos brancos como de 
outros povos indígenas. 
Ao longo de seu diário, Darcy Ribeiro comenta sobre essas sociedades que 
estão próximas aos Ka’apor, entre elas os Awá-Guajá, que são tratados por ele 
como: 
Índios de fala tupi que perambulam por essas matas, sempre em luta contra as 
outras tribos. Segundo as informações de que se dispõe, são os mais primitivos 
habitantes da região e talvez do Brasil. Não têm aldeias permanentes, mas 
simples choças, muito toscas, que constroem umas após outras, em sua 
interminável andança em busca de alimentos (RIBEIRO, 1996, p. 332). 
 
Darcy Ribeiro (1996) destaca o papel dos Awá como inimigos tradicionais dos 
Ka’apor, sendo uma relação marcada por raptos de mulheres e conflitos mortais. 
Descreve relatos dos Ka’apor sobre momentos em que possuídos pelo sentimento 
de raiva saiam pela mata à procura de um Awá para matar, inclusive formando 
expedições para exterminá-los. 
26 
 
 
 
Os Awá eram retratados pelos Ka’apor (RIBEIRO,1996) de forma pejorativa. 
Segundo sua cosmologia, Maíra fez primeiramente os Ka’apor e os brancos, 
ensinando aos primeiros a fazer pano e os segundos a fabricar casa, espingardas, 
fazer terçado e pano, enquanto que os Awá foram feitos depois e não lhes foi 
ensinado nada. Salientam que os Brancos foram feitos de samaúma7 e os Ka’apor 
de pau d’arco e, em contrapartida, os Awá teriam sido feitos de pau podre e, 
quando morrem, não vão para o céu, já que não são enterrados, sendo o corpo 
abandonado e apodrecido pelo tempo. 
Esses relatos nos mostram o quão conflituosa era a relação entre esses 
povos e atualmente, principalmente entre os Awá mais velhos, existe certa 
temeridade em fazer contato com os Ka’apor. 
Essa dinâmica é perceptível na Terra Indígena (T.I.) Caru, devido a 
proximidade entre Tentehar e Awá. Os primeiros pretendem definir as políticas 
publicas relativas aos Awá e, inclusive, falar em nome deles nos vários fóruns de 
discussão de políticas públicas, especialmente de saúde e educação. Situação 
semelhante pode ser observada na terra indígena Alto Turiaçu, onde as relações 
dos Awá com os Ka’apor são constantes, embora esses últimos não tentem exercer 
sobre os Awá o mesmo grau de domínio que os Tentehar. 
A produção de literatura sobre os Tupi durante os anos 60 e 70 sofreu uma 
redução, devido principalmente, ao grande destaque que as escolas estrutural-
funcionalista e estruturalistas davam aos estudos sobre os grupos Jê. Estes grupos 
 
7
 A palavra sumaúma ou samaúma é usada para descrever a fibra obtida dos seus frutos. A planta é 
conhecida também por algodoeiro. 
27 
 
 
 
possuem uma organização social8 que melhor se adequa ao recorte teórico utilizado 
por essas escolas, já que os estudiosos da temática indígena consideravam que 
entre os Tupi havia uma baixa especialização da estrutura social. 
Do final da década de 70 em diante, o contato forçado com certos grupos do 
leste amazônico despertou interesse de alguns antropólogos que também 
começaram a re-estudar esses povos. Os Awá são um desses, mas com trabalhos 
poucos divulgados e a maioria realizados por estrangeiros. 
Entre os trabalhos sobre os Awá alguns ganham destaque nesta dissertação. 
Um deles é o livro de Loretta A. Cormier (2003), que aborda a relação dos humanos 
com os primatas na sociedade Awá, buscando explicar seu particular 
comportamento com os animais, à luz das construções míticas e das relações de 
parentesco do grupo. 
Merece destaque, também, a tese de doutoramento The Persistence and 
Cultural Transformation of the Guajá Indians, apresentada à Universidade da Florida 
em 1997, pelo etnólogo Louis Carlos Forline, que realizou várias etapas de campo 
nas aldeias Awá, entre 1991 e 1994. Numa perspectiva ecológico cultural, Forline 
analisou as mudanças sócio-culturais ocorridas entre os Awá-Guajá em decorrência 
do contato. 
Outra contribuição importante para o conhecimento desse povo pode ser 
encontrada nos relatórios de pesquisa, sobre os Awá, do antropólogo Mércio Pereira 
Gomes9. Esses relatórios foram produzidos num intervalo que vai da década de8
 Aspectos dos povos Jê como sociedade dual organizada em partidos e existência de grupos de 
idade. 
9
 Gomes (1982), Gomes (1985a), Gomes (1985b), Gomes (1996) e Gomes e Meirelles (2002). 
28 
 
 
 
oitenta até o inicio dos anos 2000. Seu conteúdo alerta para importância da proteção 
da terra destinada aos Awá e oferece um panorama dos contatos realizados, das 
intrusões na terra e descreve aspectos culturais e indentitários. 
Os relatórios produzidos no âmbito da pesquisa da qual participei como 
auxiliar de campo, assim como artigos apresentados em congressos, capítulos de 
livros, entre outros, trazem informações sobre as transformações vivenciadas pelos 
Awá no processo de sedentarização10. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10
 Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2005) Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2008) e Coelho, 
Politis, Hernando e Ruibal (2009). 
29 
 
 
 
2 A DINÂMICA DE TERRITORIALIZAÇÃO AWÁ: exercícios da colonialidade do 
poder 
 
Ao tratar da dinâmica de Territorialização Awá, recorro a Cormier (2003), 
Forline (1997), O’Dwyer (2002), Gomes e Meireilles (2002), que apontam o fato 
desse povo ter sido, possivelmente, agricultor até cerca de 300 anos, pois seu 
vocabulário conserva termos relacionados a agricultura e plantas cultivadas 
(mandioca, farinha, jerimum, milho, algodão e outros). 
Segundo Clastres (2004, p. 65-66), as culturas de caçadores são, na América 
do Sul, completamente minoritárias, conforme apontam os estudos arqueológicos e 
etnobotânicos que defendem a teoria de que: 
a ausência de agricultura resulta entre eles (povos caçadores) não da 
persistência, através do tempo, de um modo de vida pré-agrícola, mas sim de uma 
perda: os Guayaki do Paraguai, os Siriono da Bolívia praticavam, como seus 
vizinhos, a agricultura à base de queimadas, mas, devido a circunstâncias 
históricas diversas, abandonaram-na, em épocas mais ou menos antigas, e 
voltaram a ser caçadores-coletores. Em outras palavras, em vez de uma infinita 
variedade de culturas, observa-se antes um enorme bloco homogêneo de 
sociedades com um modo de produção semelhante. 
Corroborando essa perspectiva, a hipótese mais recorrente nos trabalhos 
sobre os Awá considera que eles possivelmente adotaram o modo de vida de caça e 
coleta como única via para escapar da pressão dos colonizadores que invadiam o 
estado do Pará, possível território de origem. Sendo assim, esse provável 
movimento inicial é visto por mim como o primeiro processo de territorialização 
(Oliveira, 1999) que os obrigou a uma redefinição das relações sociais, das 
estratégias produtivas e da cosmologia. 
O contato inicial do Estado brasileiro com os Awá, que caracteriza o novo e 
atual processo de territorialização, ocorreu por meio da Fundação Nacional do Índio 
30 
 
 
 
(FUNAI), que instituiu as chamadas Frentes de Atração, instância administrativa 
utilizada para estabelecer contatos com povos indígenas denominados arredios. No 
caso dos Awá, essas frentes foram, posteriormente, transformadas em Postos 
Indígenas que vêm estabelecendo um processo de sedentarização desse povo 
(GOMES & MEIRELLES, 2002). 
Em 1961, antes mesmo do primeiro contato oficial, as terras dessa região já 
eram reconhecidas pelo decreto do presidente da época, Jânio Quadros, como 
sendo indígenas. O decreto de criação da Reserva Florestal do Gurupi, com 1 674 
000 hectares, em seu Artigo 4º afirma: 
Dentro do polígono constitutivo da Reserva Florestal serão respeitadas as terras 
do índio, de forma a preservar as populações aborígenes, de acôrdo com o 
preceito constitucional e a legislação específica em vigor, bem como os princípios 
de proteção e assistência aos silvícolas, adotados pelo Serviço de Proteção aos 
índios. 
 
 
Somente em 1982, foram homologadas as TIs Alto Turiaçu (para os Ka’apor) 
e Caru (para os Tentehar e Awá-Guajá) e, posteriormente, em 1985, a FUNAI iniciou 
os estudos de identificação da TI Awá para os Awá, na área entre essas duas TI’s 
antes citadas. 
A Terra Indígena Araribóia foi homologada em 1990 e, embora nela não 
exista uma aldeia Awá, há relatos dos Tentehar que afirmam a presença de grupos 
desse povo perambulando pela mata e a própria FUNAI, em expedições pela área, 
já encontrou vestígios de Awá nessa terra. 
No período em que fazia trabalho de campo para a realização da minha 
monografia de conclusão de curso de graduação (2007/2008), nesta T.I., ouvi 
testemunhos de índios Tentehar que afirmaram ter encontrado o corpo de um 
31 
 
 
 
homem na mata que acreditavam ser um Awá. Acrescentaram que estava muito 
magro e provavelmente estaria passando fome. 
Mais recentemente, no início de 2011, próximo a aldeia Vargem Limpa, nesta 
mesma terra indígena, um índio Tentehar afirmou ter tido contato com um homem 
Awá. No momento do encontro este, que era jovem, teria saído correndo, retornando 
em seguida com seu grupo, composto de cinco integrantes. Além dessas cinco 
pessoas, havia outras que ficaram observando o encontro de longe. Ele não soube 
dizer exatamente quantas pessoas, mas informou que havia jovens, crianças e 
idosos. (WWW.cimi.org.br – 28/03/2011). 
 
 
Quadro Nº 1 Terras Indígenas onde vivem os Awá 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Terra indígena Extensão da 
área(ha) 
Povos Data de 
homologação 
Alto Turiaçu 530.525 Awá, Tentehar e 
Ka’apor 
28/12/1982 
Carú 172.667 Awá e Tentehar 22/11/1982 
Awá 116.582 Awá 19/04/2005 
Araribóia 413.288 Tentehar e Awá 22/01/1990 
32 
 
 
 
O mapa a seguir indica a localização dessas terras: 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O que pude identificar, atualmente, como território Awá corresponde a uma 
extensão que engloba as quatro terras indígenas demarcadas e uma faixa de terra 
sem demarcação, localizada entre as terras indígenas Caru e Araribóia. A terra 
indígena Awá, demarcada por último, objetivou resguardar o corredor pelo qual 
perambulavam os Awá, conforme pode ser visto na figura 01. Todas as terras 
indígenas que constituem esse “território” têm sofrido a recorrente ação de 
invasores. 
O contato oficial com os Awá ocorreu no ano de 1972, quando foram 
resgatadas duas crianças que estavam próximas ao rio Carú. No ano seguinte 
(1973) foi montada uma expedição para fazer contato com doze índios na região do 
PI Awá 
Figura 01: Mapa das terras indígenas com presença dos Awá e localização dos 
Postos Indígenas. 
 
P I Guajá 
P I Juriti 
P I Awá e 
Tiracambú 
P I Juriti 
P I Awá e P.I. 
Tiracambu 
33 
 
 
 
Alto Turiaçu. Essa expedição deu origem a Frente de Atração Guajá, constituída 
pela FUNAI (O’Dwyer 2002, sp), que se converteria, posteriormente, no primeiro 
Posto Indígena11 (P.I.) dos Awá-Guajá, o P.I. Guajá (Terra Indígena Alto Turiaçu). 
Gomes e Meirelles (2002, sp) referem-se as perdas populacionais 
decorrentes da atração desse primeiro grupo: 
“eram cerca de 56 indivíduos em 1978, quando começaram a contrair fortes gripes 
que resultavam rapidamente em pneumonias. Quando o antropólogo (Mércio 
Gomes) esteve com eles em fevereiro de 1980 estavam reduzidos a apenas 26, 
ainda sofrendo de fortes malárias, alta mortalidade infantil e desproporção entre os 
sexos (dois homens para uma mulher). Porém, a partir de uma assistência mais de 
perto, estancaram sua queda demográfica, passaram a crescer e hoje (setembro 
de 2002) somam 67, sendo 32 do sexo masculino e 35 do sexo feminino”. 
 
Atualmente, quase oitenta indivíduos vivem na aldeia próxima a esse posto e 
enfrentam problemas de desnutrição.O estilo de vida mais sedentário, promovido 
pela FUNAI, tem sido articulado à prática da agricultura, atividade que os Awá ainda 
não conseguem dominar de forma autônoma. 
Esta aldeia se localiza na Terra Indígena Alto Turiaçu que possui uma 
extensão de 530.525 Ha., o que a converte na maior Terra Indígena no estado do 
Maranhão. Está localizada na bacia dos rios Turiaçu e Gurupí, nos municipios de 
Carutapera, Cândido Mendes, Monção e Turiaçu. Limita-se ao Norte e Nordeste com 
as terras do núcleo de colonização da COLONE (Colonização do nordeste)12, de 
onde surgem com freqüência invasões de camponeses em busca de terras. 
Nos limites Oeste e sul também se encontram vários povoados que 
constituem focos de penetração na terra indígena, cujos moradores, pouco a pouco, 
 
11
 Os P.I. se localizam em terras indígenas e têm a função de articular as ações locais de prestação 
de serviços, fiscalização e proteção das áreas. 
12
 Projeto governamental de assentamento de pequenos produtores, promovido pela extinta 
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). 
34 
 
 
 
vão abrindo clareiras na mata para o cultivo de roça. Depois do acordo, estabelecido 
em 1970, entre a FUNAI e a SUDENE, de reservar um pedaço da terra para a 
colonização, a Terra Indígena Alto Turiaçú ficou localizada entre os rios Gurupi (a 
Oeste), Turiaçu (a Leste), Gurupiúna (ao Sul) e Maracaçumé (ao Norte). 
Até 1976, essa terra formava, junto com a atual T.I. Caru uma única reserva 
de cerca de 845.000 Ha. Mas a partir dessa data, a FUNAI permitiu a divisão dessa 
área inicial em duas distintas: T.I. Caru, com 172.667 Ha. e a T.I. Alto Turiaçu, com 
530.524 Ha. Isso significa que uma importante extensão, que originalmente era terra 
protegida, ficou fora da demarcação. Neste espaço, estabeleceram-se diversos 
povoados e fazendas, o que aumentou as pressões sobre o território Awá. 
A T.I. Alto Turiaçu13 foi demarcada, com esta extensão em 1978 e 
homologada em 1982. Mesmo demarcada, as invasões ocasionais de camponeses, 
madeireiros ou fazendeiros permanecem. O P.I. Guajá foi criado em 1973, a partir 
de dos primeiros contatos da FUNAI com os Awá nesta terra indígena, originalmente 
demarcada para o povo Ka’apor. 
Posteriormente à criação do P.I. Guajá foram instalados mais três postos 
indígenas - Awá, Tiracambú e Jurití -, chegando à configuração atual de quatro 
postos. Esse processo é justificado pelo órgão indigenista, a FUNAI, como uma 
estratégia de proteção, devido principalmente a pressão de madeireiros, fazendeiros 
e pequenos agricultores sobre as terras por onde os Awá perambulavam. 
O P.I. Awá se localiza na Terra Indígena Caru e teve sua construção de forma 
dramática, pois os primeiros índios que constituíram este posto eram da “região do 
 
13
 Decreto nº 88.002, de 28/12/1982. 
35 
 
 
 
igarapé Timbira, afluente do rio Pindaré, que desce na altura do povoado Mineirinho” 
(GOMES & MEIRELLES, 2002, sp) e estavam pressionados por lavradores por 
todos os lados, sendo transferidos para uma nova localidade. Em 1980, dos 28 
índios contatados, somente 22 foram transferidos, tendo o restante morrido em 
decorrência de uma forte gripe. 
O P.I. Tiramcambú, também na Terra Indígena Caru, é formado por índios 
que foram trazidos do P.I. Awá, onde se concentrava grande população Awá, para 
que pudessem ter melhores condições de caça e pesca. 
A Terra Indígena Caru14 tem a extensão de 172.667 Ha. e foi homologada, 
assim como a T.I. Alto Turiaçu, em 1982. Como as demais terras, habitadas pelos 
Awá, sofre pressões de madeireiros, posseiros e fazendeiros, além de em suas 
margens ter sido construída a Estrada de Ferro Carajás, o que supõe um elemento 
que distorce o modo de vida caçador-coletor, tanto pelos limites da mobilidade que 
implica, como pelo efeito que tem sobre a caça potencial dos índios, em decorrência 
do barulho constante dos trens. 
Já o P.I. Juriti foi instalado na Terra Indígena Awá, demarcada para uso 
exclusivo desse povo. Junto ao posto indígena foram fixados dois grupos Awá-
Guajá, contatados em 1989. Posteriormente, foi feito contato com mais dois grupos, 
um em 1991 e o outro em 1998. 
A Terra Indígena Awá, onde se localiza a aldeia Juriti, tem a extensão de 
116.582 hectares e encontra-se no norte do Maranhão, entre outras duas Terras 
Indígenas que os Awá compartilham com outros índios, (T.I. Alto Turiaçu e T.I. 
 
14
 Decreto nº 87.843, de 22/12/1982. 
36 
 
 
 
Caru). Com a demarcação da T.I. Awá, forma-se uma área contínua de extrema 
importância na defesa das condições de sobrevivência dos Awá, desde que seja 
resguardada. 
 
O processo de reconhecimento dessa terra teve início na década de 1980, 
mas ficou paralisado por conta da forte oposição de fazendeiros, madeireiros e 
posseiros que ocupam a área desde a década de 1950, quando foi construída a 
Rodovia BR-322, que liga as cidades de Santa Inês e Imperatriz e a Ferrovia 
Carajás, que transporta minérios do sul do Pará até São Luis do Maranhão. 
Durante o processo de Demarcação, a empresa Agropecuária Alto Turiaçu, 
moveu uma série de ações judiciais reivindicando a posse de 37.980 hectares, 
entretanto a contestação foi considerada improcedente pela justiça. 
Esta empresa, que tem sede em São Paulo, se apossou dessas terras antes 
da portaria de interdição de 1991, explorando madeira nobre e criando gado, 
alegando ter títulos concedidos pelo ITERMA (Instituto de Colonização e Terra 
Maranhão). Cabe destacar que as terras em questão eram federais, inseridas no 
perímetro definido pelo decreto de Jânio Quadros de 1961, que declarava todas as 
terras situadas entre os rios Pindaré e Gurupi como sendo Reserva florestal do 
Gurupi. Portanto, o ITERMA não tinha domínio sobre essas terras. 
Mesmo assim, a Agropecuária Alto Turiaçu alegava que, apesar da FUNAI 
defender que a terra era de posse imemorial dos índios, estes não eram vistos por lá 
nos últimos anos. Segundo Coelho (1994, p.22): 
“Afirmavam (Agropecuária Alto Turiaçu) ainda que a Portaria da FUNAI era ilegal e 
inconstitucional por desconhecer uma série de benfeitorias já realizadas na área. 
Para confirmar suas alegações anexaram ao processo, fotos de um rebanho 
37 
 
 
 
bovino, com mais de 3,3 mil cabeças, bem como a foto de uma serraria em 
funcionamento, e de tratores trabalhando na abertura de uma estrada.” 
 
De 1985 a 1992 a extensão da terra para os Awá sofreu algumas 
modificações, na forma de reduções e de acréscimos, através de portarias 
interministeriais, demonstrando as pressões que caracterizaram o seu procedimento 
demarcatório, que continuaram após a última declaração de posse permanente 
indígena, em 199215. 
Essa declaração levou em consideração que a ocupação de uma área 
indígena não pode se restringir ao local de aldeamento, ainda mais quando estamos 
considerando o Povo Awá que possui características de grupos nômades. Aspectos 
como o uso tradicional da terra, as migrações e compulsões que os levaria a se 
afastar de espaços anteriormente utilizados e necessários para a sua sobrevivência 
foram levados em consideração nesta ocasião. Mas somente em 19 de abril de 2005 
o presidente Lula homologou a terra Indígena Awá, determinado sua desintrusão.16 
Os Awá pareciam pouco compreender o processo de disputa pela terra. 
Assim como os Araweté17, analisados por Viveiros de Castro (1986 e 1994), os Awá 
“não tinham a noção de um domínio exclusivo sobre um espaço contínuo e 
homogêneo” (VIVEIROS DECASTRO, 1994, p. 31), mas uma concepção de 
território que não possuía limites impostos externamente e sim uma organização 
própria. As pressões efetivadas pelos madeireiros precipitaram o “contato” e a 
fixação em áreas restritas. Muito embora os processos demarcatórios tenham 
 
15
 Em 1991 foi publicada a portaria de interdição da terra e no ano seguinte a de demarcação - 
Portaria 373/92 que serviu de base para os trabalhos que se iniciaram somente em 1994. 
16
 Como o Decreto 1775/96 permite o recurso do contraditório, até hoje não houve desintrusão, pois 
vários processos tramitam na justiça. 
17
 São falantes da língua Araweté classificada, como a língua Awá, na família Tupi-Guarani 
(RODRIGUES, 2002). 
38 
 
 
 
buscado resguardar as rotas tradicionais de perambulação Awá, esse território não 
tem sido protegido e as permanentes invasões têm alterado as formas de 
nomadismo típico desses povos, gerando transformações em seu cotidiano. 
Ao invés de constituir uma estrutura de vigilância que protegesse a área de 
perambulação Awá, a FUNAI construiu Postos que serviriam como locais de apoio 
às aldeias Awá, onde estariam protegidos. Em troca de proteção, permaneceriam 
nas proximidades dos Postos instalados. Isso implicava num processo de 
aldeamento18, semelhante ao praticado no Brasil Colônia. 
Mesmo assim, os Awá têm buscado reproduzir a estrutura territorial que 
possuíam em seus territórios de origem (O’DWYER 2002, sp). Cada grupo Awá 
reconhece como própria uma parte do território que compartilha, ao que chamam 
harakwa (“meu território”) ou hakwa (“território do outro”). Gomes (1996, p. 7) ao 
falar da importância dessa estrutura, salienta que este o território Awá é utilizado: 
Como fonte de vida e conhecimento. Determina limites e reconhece os seus 
pontos e tempos de permanência e exploração. A incursão de grupo ou indivíduo 
no hakwa de outro grupo constitui motivo de cautela que deve ser observada e 
respeitada. Assim, o chamado nomadismo guajá não se dá de forma aleatória, 
mas regular. 
 
Atualmente chamam de harakwa a aldeia onde foram fixados pela FUNAI, 
assim como as rotas de caça e coleta. 
Com essa concepção de território imposta aos Awá foi sendo implantada uma 
concepção de limites de suas terras, dos quais deveriam assumir o papel de 
“fiscais”, considerando invasores todos aqueles que exploram suas riquezas, sendo 
 
18
 Ao sistema colonial, não interessava a dispersão dos índios em grupos autônomos, espalhadas ao 
longo do litoral, mas a sua concentração em espaços localizados próximos aos núcleos produtivos 
sob o controle dos portugueses. Ser aldeado significava abandonar seus lugares de origem e 
desistir seu modo de vida tradicional. 
 
39 
 
 
 
a figura do madeireiro uma espécie de símbolo do homem branco que destrói a 
natureza e a quem devem combater. 
Quando os Awá tratam das questões relacionadas à proteção da terra, 
demonstram impaciência e rispidez em relação aos invasores. Presenciei uma 
situação tensa nos arredores da aldeia, no período em que fazia trabalho de campo 
na aldeia Juriti. Um Awá retornou da mata alertando que havia madeireiro nas 
proximidades da aldeia derrubando árvores. Todos ficaram muito irritados e 
resolveram ir ao local, no dia seguinte, para “conversar” com o responsável por essa 
situação. Convidaram-me para acompanhá-los, mas de início hesitei, pois temia a 
deflagração de um conflito. Refleti melhor e resolvi ir junto, depois de reuni-los e 
tentar explicar que poderíamos primeiramente averiguar o local e fotografar. Como 
eu retornaria para São Luís no dia seguinte, buscaria junto aos órgãos responsáveis 
as providências necessárias. 
 Minha proposta foi aceita e foi 
formado um grupo de oito homens, sendo 
seis adultos e dois mais jovens, para 
efetivar a averiguação. Todos estavam 
munidos de arco e flecha (Figura 02) ou 
espingardas, sendo que um portava um 
rifle da FUNAI. 
Começamos a caminhada pela mata e, depois de mais ou menos vinte 
minutos, começamos a ouvir o som de motosserra. Encontramos uma trilha que 
seguimos, até um clarão na mata onde as árvores haviam sido derrubadas (figuras 
02 e 03). Ficamos por algumas horas circulando e tirando fotos dessa área, além de 
Figura 02: Jovem Awá munido de arco e flechas. 
Fonte: Acervo próprio. 
40 
 
 
 
verificar se havia alguém nesse local. Posteriormente, os Awá decidiram que iriam 
seguir o barulho da motosserra para verificar quantas pessoas ali estavam e impedir 
que continuassem derrubando as árvores. 
 
 
Tentei dissuadí-los, pois temia as conseqüências desse ato. Argumentei, 
novamente, que em São Luís eu poderia procurar ajuda nos órgãos responsáveis 
pela proteção da área e que no posto da FUNAI, na própria aldeia, poderíamos 
passar um rádio para Santa Inês informando a situação Eles hesitaram um pouco, 
alegaram que ninguém fazia nada em sua defesa, e decidiram verificar quantas 
pessoas estavam envolvidas e seqüestrar a motosserra. Para essa empreitada não 
fui convidado, ao contrário, fui impedido. Depois de uma hora retornaram e, como 
ocorre depois das caçadas, sentaram e começaram a contar tudo que haviam visto 
nesse intervalo de tempo. Falavam entre si, em sua língua, e em alguns momentos 
se reportavam a mim relatando que havia somente uma pessoa e que retornariam 
no dia seguinte para pegar a motosserra. Na aldeia, a todo o momento 
demonstravam revolta em relação aquela situação. Nesse mesmo dia realizaram o 
Figura 03: Mata devastada. Fonte Acervo próprio. 
Fonte: Acervo próprio. 
Figura 04: Os Awá no local devastado. Fonte: Acervo 
próprio. 
41 
 
 
 
ritual karawárə e, como soube depois, retornaram no dia seguinte para capturar o 
invasor. 
Ao retornar para São Luís, minha orientadora conseguiu uma reunião no 
Ministério Público para informarmos o que estava ocorrendo em campo. Nesse meio 
tempo, chegou a informação de que os índios haviam capturado a motosserra e seu 
operador, levando-os para aldeia. Lá, agrediram bastante este indivíduo que, em 
conseqüência, foi a óbito. 
Os registros de campo indicam a ocorrência de outras situações semelhantes, 
quando agiram da mesma forma, fiscalizando os limites de sua terra. Esses 
episódios são ilustrativos das condições atuais vivenciadas pelos Awá. Convivem 
com o barulho de motosserras, que se aproximam, a cada dia mais, da aldeia. 
Os Awá estão imersos em um novo contexto, ao qual ainda estão se 
adaptando e, por falta da proteção a que teriam direito, buscam resolver seus 
problemas expondo-se do mesmo modo que ocorria no passado, quando viviam 
perambulando pela mata, à ameaça dos madeireiros, fazendeiros e afins. 
A Terra Indígena Awá encontra-se tão desmatada e invadida a ponto de 
existir dentro dela um povoado chamado Cajú, no qual o município de São João de 
Caru construiu uma escola pública. A situação no Posto Juriti atualmente é muito 
perigosa, a ponto dos funcionários deste local temerem por suas vidas. É constante 
a insegurança, principalmente quando necessitam navegar pelo rio, para desfrutar 
do período de descanso em suas cidades de origem: 
Necessariamente descem o rio para encontrar suas famílias em Alto Alegre, Santa 
Inês, e neste sobe e desce do posto, com as margens estreitas, o leito tortuoso, 
sentem-se inseguros e alvo fácil de algum pistoleiro encomendado ou alguém que 
se sinta contrariado em suas pretensões pessoais (COELHO, HERNANDO, 
RUIBAL E POLITIS, 2007, p. 62). 
42 
 
 
 
Tive acesso a algumas cartas enviadas pelo chefe do P.I. Juriti a 
administraçãoda FUNAI informando sobre os invasores e os perigos que os Awá e 
os próprios funcionários enfrentam nessa área, mas que não obtiveram resposta. 
Em agosto de 2006 os pesquisadores Almudena Hernando e Alfredo Ruibal 
tiveram a oportunidade de acompanhar uma operação conjunta da FUNAI com a 
Polícia Militar Florestal do Maranhão para intervir e deter os responsáveis pela 
fixação de vários acampamentos de madeireiros dentro da Terra Awá. Nessa 
ocasião, foram detidos alguns madeireiros e os tratores que eram utilizados para a 
derrubada da mata. No entanto, na mesma noite do dia em que foram presos, foram 
liberados e em poder dos veículos voltaram para a Terra Awá. 
No caminho construíram cinco 
barricadas (figura 05) para retardar a 
chegada da polícia e deram sumiço no 
maquinário de maior valor utilizado no 
desmatamento, abandonando o 
acampamento. Quando a polícia chegou 
ao local encontrou somente objetos de 
menor valor e latas de bebida alcoólica. Segundo os pesquisadores, o acampamento 
era bem equipado, com cozinha para preparo da alimentação. Os Awá têm esse 
acontecimento bem vivo em sua memória, sendo demandadas, quando vou à aldeia, 
as fotos que foram tiradas pelos pesquisadores durante a operação. Grande parte 
da aldeia se aglomera em frente ao notebook para ver as imagens e comentar, de 
forma revoltada, as cenas que observam. 
Figura 05: Barricadas sendo destruídas pela polícia. 
Fonte: Acervo do projeto Awá 2005 
43 
 
 
 
Atualmente, portanto, o território demarcado encontra-se em grande parte 
invadido e os Awá são forçados a se adaptar a um nomadismo restrito. Seus 
deslocamentos tradicionais foram alterados e a área de perambulação 
extremamente reduzida. Percursos que antes se davam em distâncias de mais de 
80 km, reduziram-se, no caso dos que estão no PI Juriti, a 15 ou 10 km, onde já 
podem encontrar os rastros dos madeireiros. 
Sobre esse assunto, Coelho, Politis, Hernando e Ruibal (2009, p. 115) 
afirmam que: 
Os Awá vivenciam um processo de adaptação ao novo estilo de vida, 
caracterizado por uma semi-sedentarização. Mantêm os deslocamentos para 
caça, que permanece como sua atividade de subsistência por excelência; no 
entanto, possuem nova dinâmica em função do seu interesse em retornar para a 
aldeia onde se sentem protegidos pela estrutura da FUNAI e contam com uma 
assistência médica de nível primário. 
 
As conseqüências dessas mudanças atingem os Awá nos mais diversos 
setores de suas vidas. Os índios que nasceram após essa semi-sedentarização 
passam a ter uma vivência diferente da que seus pais tiveram, pois já nascem na 
aldeia e desconhecem a experiência da vida exclusivamente na mata. 
A dinâmica de atração e fixação dos Awá em Postos Indígenas tem implicado 
em novo processo de territorialização (OLIVEIRA,1993), marcado inicialmente por 
intensa mortandade e, posteriormente, por novos arranjos territoriais, sociais e 
alimentares. 
Os Awá mantêm um contato limitado com a sociedade brasileira e há fortes 
indícios da existência de grupos “não contatados”, “isolados”, segundo denominação 
44 
 
 
 
da FUNAI, ou, conforme categoria de Gomes (1989), “autônomos”, isto é, que 
mantêm seu próprio modo de vida sem nenhuma interferência exterior. 
A situação atual dos Awá tem provocado alterações consideráveis no seu 
cotidiano, fazendo com que busquem novas estratégias para a manutenção do seu 
modus vivendi. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
45 
 
 
 
3 REPRODUZINDO O SER AWÁ NA ALDEIA JURITI 
 
As informações relativas aos Awá, trabalhadas neste capítulo, referem-se aos 
que vivem na aldeia Juriti, onde fiz o trabalho de campo. Essa aldeia encontra-se em 
uma relação peculiar em relação às demais, pelo menor contato com os de fora e a 
ausência de processos de escolarização. 
Os Awá são um dos últimos povos indígenas que sobrevivem, quase 
exclusivamente, da caça, pesca e coleta de animais e vegetais da floresta. Sua 
organização social era tradicionalmente baseada em grupos de 08 a 25 pessoas 
praticantes do nomadismo (Relatório Projeto Awá, 2005). São falantes da língua 
Awá, classificada no tronco lingüístico Tupi (RODRIGUES, 2002). 
A aldeia juriti encontra-se na Amazônia ocidental, em um local onde a 
vegetação é fechada e cortada por vários igarapés. Dessa forma, a caça ganha 
ainda mais força, sendo bastante explorada pelos Awá. Essa atividade tem sido 
comprometida pela invasão das terras por madeireiros, interferido de forma incisiva 
no cotidiano da aldeia Juriti, onde procuram construir formas próprias de lidar com 
esta situação. 
Nessa aldeia vivem cerca de quarenta índios que têm contato regular com 
poucos funcionários da FUNAI e da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) desde 
o final da década de oitenta, quando foi implantado o Posto Indígena Juriti. Nesse 
posto trabalham quatro funcionários, sendo dois da FUNAI e dois da FUNASA 
(técnicos em enfermagem), em sistema de revezamento quinzenal.19 A FUNAI 
mantém funcionários na aldeia para oferecer proteção aos Awá em relação aos 
invasores de suas terras e para supri-los de bens industrializados. Vale salientar, 
 
19
 Colocar que com a reformulação da FUNAi só no juriti permanece funcionário 
46 
 
 
 
que o povo Awá é o único no Maranhão para quem foi mantido o funcionamento de 
Posto Indígena na aldeia, com a presença de funcionários em tempo integral20. A 
FUNASA mantém um técnico em enfermagem na área para prestar atendimento de 
baixa complexidade. 
Os dois postos de atendimento 
funcionam numa mesma construção, 
situada a poucos metros da aldeia 
(Figura 06). Esta casa possui luz 
elétrica (fornecida por placas solares e 
por motor a diesel), banheiro (sem 
chuveiro), filtros d’água, duas 
geladeiras, uma cozinha com fogão e 
quatro quartos. Um quarto funciona como enfermaria, com uma maca, duas 
balanças (infantil e adulta), um armário com remédios e material de primeiros 
socorros e um rádio amador da FUNASA. No outro quarto há uma mesa com um 
rádio amador21 da FUNAI. Os outros dois quartos são divididos entre os 
funcionários. 
A aldeia Juriti tem o município de São João do Caru como referência. O 
acesso, na época menos chuvosa, se dá somente por moto ou carro com tração até 
o povoado de São João dos Porcos, de onde se segue a pé, cerca de três 
quilômetros na mata, até a aldeia. No inverno, a viagem de São João do Caru para 
 
20
 Decreto N° 7.056, 28 de dezembro de 2009, extinguiu os postos indígenas. 
21
 Esses rádios são as únicas formas de comunicação que eles possuem com quem se localiza fora 
da aldeia, neste caso a ligação é direta com a cidade de Santa Inês. 
Figura 06: Posto Indígena Juriti. Fonte: Acervo Projeto 
Awá 
47 
 
 
 
aldeia é feita unicamente pelo rio Carú, uma viagem que dura cerca de oito horas. A 
distância dificulta o acesso dos índios à cidade o que ocorre raramente. 
Os Awá que vivem na aldeia Juriti foram contatados em diferentes momentos 
e, provavelmente, estavam ligados a diferentes patrigrupos. O’Dwyer (2010) salienta 
que os grupos são nominados por um dos homens adultos, tanto nos documentos 
da FUNAI consultados por ela em sua pesquisa, como também, pelos próprios Awá. 
Argumenta que: 
“Esta lógica em seguir um sistema de nominação e divisão em grupos presente na 
própria prática indigenista parece estar teoricamente orientada pela 
patrissegmentação dos Tupi-Guarani, como no caso dos índios parakanã 
(O’Dwyer, 2010, p. 396).” 
 
Carlos Fausto (2001, p. 181) que estudouesta divisão entre os Parakanã, 
salienta que “seu ponto mais forte de aplicação é a dicotomia interna entre “nós” e 
“outros”. Ao localizarmos os grupos contatados e como foram se adaptando à aldeia, 
fica mais claro observar essa diferença entre “nos” e “outros”. 
O contato com o primeiro grupo que atualmente reside na aldeia Juriti, se deu 
em 23 de julho de 1989, nas proximidades do igarapé Água Preta. Era um pequeno 
grupo com sete Awá, que relataram aos sertanistas a existência de outros grupos, 
inclusive com maior número de componentes. Mas somente três meses depois, em 
20 de outubro de 1989, no igarapé Mutum, ocorreu o contato com mais onze índios. 
Takãrentxiá foi contatado em 1991, próximo as águas do rio Pindarezinho 
juntamente com sua esposa e mais três filhos. Por ocasião do contato havia mais 
dois Awá, um homem que veio a falecer devido a uma queda de um cajueiro e um 
rapaz que vive hoje no P.I. Awá. Os remanescentes relatam que seu grupo era 
48 
 
 
 
maior. Gomes (1996) cogita que o grupo chegasse a 20 pessoas que sofreram 
perseguições de fazendeiros desde 1978. Afirma também que: 
Dois de seus membros originais tinham se desgarrado e passaram a fugir em 
direção sul, tendo sido encontrados no sul da Bahia e em Minas Gerais no fim da 
década de 80 (GOMES, 1996, p. 6). 
 
A família de Takãrentxiá mantem relativo afastamento das demais que vivem 
na aldeia Juriti, residindo próximo ao Posto Indígena, em um ambiente de mata 
fechada. Até bem pouco tempo, sua casa tinha a mesma forma daquela que viviam 
quando foram encontrados na mata.22 Distinguiam-se dos demais, também, pelo fato 
de terem permanecido, até 2009, sem utilizarem vestimentas. Atualmente já usam 
roupas e construíram uma casa23 nos moldes das demais existentes na aldeia, 
porém no mesmo local onde já residiam. Os estabelecidos24 da aldeia costumam 
discriminar Takãrentxiá por seu hábito de comer o intestino das caças, o que se 
torna motivo de chacota pelos demais, que não possuem esse hábito. Sempre que 
um animal é caçado, seu intestino lhe é enviado. Com o passar dos anos, 
Takãrentxiá teve outros filhos que mantêm esse afastamento, não convivendo com 
as outras crianças da aldeia. 
Recentemente tem havido uma aproximação do filho mais velho, Kibi, que já 
freqüenta a aldeia e interage com os demais. No entanto, o tratamento que lhe é 
 
22
 Feita apenas com colunas de madeira que sustentam palhas de coco babaçu com planta elíptica. 
23
 Casa com paredes de adobe e cobertura vegetal. 
24
 Estabelecidos e outsiders: os ingleses usam o termo establishment para designar grupos que 
ocupam posições de prestígio e poder- “minoria dos melhores”. Outsiders são os não membros da 
“boa sociedade” os que estão fora dela. Os estabelecidos fundam seu poder no fato de serem um 
modelo moral para os outros. São palavras rigorosamente intraduzíveis pois descrevem uma forma 
tipicamente inglesa de conceituar as relações de poder, de um modo abstrato ou puro,independente 
dos vários contextos concretos nos quais essas relações podem realizar-se (8-9). Elias & Scotson. 
Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 
 
49 
 
 
 
dispensado não é o mesmo dado aos demais da mesma faixa de idade. As tarefas 
que lhe são demandadas são aquelas que requerem grande esforço físico como 
cortar lenha para o moquém25, carregar a mandioca do rio para casa de farinha, 
carregar caça morta, tarefas que os demais têm maior resistência em realizá-las. 
Levando em consideração os fatos descritos é possível afirmar que a família 
de Takãrentxiá vivencia um cotidiano diferenciado, com atividades de caça, pesca e 
hábitos alimentares próprios. Assim como a forma de habitação e a não utilização de 
vestimentas foram, também, por algum tempo, um diferencial. 
Em 1998, na área do Igarapé seco, foram contatados outros quatro Awá, um 
casal e duas crianças, uma menina por volta dos nove anos e um menino recém-
nascido. Essa família sofria muita pressão de madeireiros e fazendeiros da área, 
que os ameaçavam de morte, fazendo com que a FUNAI acelerasse a formação de 
uma equipe para contatá-los. Esses Awá relataram que dois índios que eram do 
grupo foram mortos por tiros. 
Esta família também construiu sua casa26, um pouco afastada da aldeia, no 
caminho de uma das rotas de caça bastante utilizadas pelos Awá, sendo próxima, 
também, a uma das maiores roças da aldeia. A circulação por este local é bastante 
intensa, sendo recorrente a parada em sua casa para conversar antes de começar 
alguma expedição pela mata ou o trabalho na roça. 
A família cresceu, primeiramente com a presença de mais um marido que se 
 
25
 Moquém é um jirau de varas espaçadas e atravessadas, mantido sobre estaca do mesmo material, 
com forquilhas à extremidade, à altura conveniente do fogo, mais de brasas que de achas ou de 
gravetos para, ao calor moderado, assarem e/ou secarem peixes, caças e pássaros, sem os 
queimar. 
26
 Paredes abertas e teto de palhas 
50 
 
 
 
uniu ao casal, e com o nascimento de mais três filhos. A menina que fazia parte 
desse grupo contatado em 1998 casou-se com um Awá que já residia na aldeia, 
onde se localiza a maioria das casas, onde foi morar com ele. Tiveram duas filhas e 
uma delas está prometida para o irmão de sua mãe (tio) que estava nesse mesmo 
grupo de 1998. 
Os Awá da aldeia Juriti reorganizam sua vivência em processos de “captura” 
sócio simbólica (BRUCE E RAMOS, 2002), que implica, entre outras coisas, na 
requalificação do tipo de moradia, por exemplo, que assume uma estrutura mais 
estável, semelhante a dos lavradores da região, com a peculiaridade de não possuir 
aberturas na forma de janelas. 
Aqueles que vivem nos moldes considerados pelos pesquisadores como mais 
tradicionais, como a família de Takãrentxiá são designados pelos demais como Awá-
mihúe (outsiders). Essa classificação parece basear-se no critério de adaptação ao 
modo de vida da aldeia e de estabelecimento de laços de parentesco por afinidade. 
A família de Kamará, contatada após a de Takãrentxiá, adaptou-se às 
transformações e ao atual ritmo de vida na aldeia, construiu laço de parentesco 
através do casamento de uma das filhas com Piraima’a, do grupo de 1989, e é 
reconhecida como Awá-te (estabelecidos). 
As relações de parentesco Awá são difíceis de ser mapeadas, tendo em vista 
o reconhecimento da paternidade múltipla. Em algumas situações é apontado um 
pai social, enquanto em outras são referidos vários pais nessa mesma condição. 
51 
 
 
 
 
 
 
 
Foto 07: Foto identificada dos índios Awá. 
 
 
 
 
 
 
 
52 
 
 
 
 
 
Figura 08: Gráfico do parentesco dos Awá da aldeia Juriti 
 
 
 
 
Pirahimahã (1)
Uyrohó
{Karaitxiá} (3)
Airua (4)
Takwari (5) Yuy
(17)
Panatin (7)
Kiripi (8) Kiripikitã
(16)
Yumaha (22)
Piramaã
(11)
Pakwain (2)
Hamo
Komã
(21)
Pinawatxiá
(14)
Pikawin
Panatin
(19)
Paranain (Não
esta na foto))Makorai
- Kawí
(13)
Imumura
Kamará
(9)
Amanpirahã
(12)
Toó
(10)
Uritximitã
(20)
Mituruhun
15
Ameretxiá
(não está
na foto)
Amanatxiá
Pinapinohun
(18)
Kamaratxiá
(não está
na foto)
Yutxiá
(23)
Ameritxiá
(não está
na foto)
Txiparamatxiá
(não está na foto)
Kawi
(Não está
na foto)
Karapiru
(não está
na foto)
Taquaratxiá
(não está
na foto)
SEM NOME (está
casada no Awa)
Amapiranauin
(Não está na foto)
Takea (6) Amapiranauin
Pirahimahã
(1)
53 
 
 
 
O gráfico

Continue navegando