Buscar

Jornalismo opinativo na revista GQ Brasil: sentidos sobre a masculinidade autorizada

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS 
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JORNALISMO OPINATIVO NA REVISTA GQ 
BRASIL: SENTIDOS SOBRE A MASCULINIDADE 
AUTORIZADA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 
 
 
 
 
 
 
Augusto Acosta de Vasconcelos 
 
 
 
 
 
Santa Maria, RS, Brasil 
2014 
 
 
JORNALISMO OPINATIVO NA REVISTA GQ BRASIL: 
SENTIDOS SOBRE A MASCULINIDADE AUTORIZADA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Augusto Acosta de Vasconcelos 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Comunicação 
Social – habilitação Jornalismo, da Universidade Federal de Santa Maria 
(UFSM, RS) como requisito parcial para a obtenção do grau de 
Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo 
 
 
 
 
 
 
Orientadora: Prof. Drª. Laura Strelow Storch 
 
 
 
 
 
 
 
Santa Maria, RS, Brasil 
2014 
 
 
Universidade Federal de Santa Maria 
Centro de Ciências Sociais e Humanas 
Departamento de Comunicação Social 
Curso de Comunicação Social – Habilitação Jornalismo 
 
 
 
 
A comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de 
Conclusão de Curso 
 
 
 
JORNALISMO OPINATIVO NA REVISTA GQ BRASIL: SENTIDOS 
SOBRE A MASCULINIDADE AUTORIZADA 
 
elaborado por 
Augusto Acosta de Vasconcelos 
 
 
 
como requisito parcial para a obtenção do grau de 
 Bacharel em Comunicação Social – habilitação Jornalismo 
 
 
COMISSÃO EXAMINADORA: 
 
 
Laura Strelow Storch, Drª. 
(Presidente/Orientadora) 
 
 
Aline Roes Dalmolin, Drª. (UFSM) 
 
 
Filipe Bordinhão dos Santos, Me. (UFSM) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Santa Maria, 10 de dezembro de 2014. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Pode parecer estranho, mas tenho algumas lembranças bastante remotas, que me 
acompanham até hoje. Aproveito este espaço para partilhá-las com você, caro leitor. 
Lembro-me de quando ia às aulas da pré-escola. A pequenina mochila, na qual eu 
carregava pertences menores ainda, tornou-se a minha pasta do curso de Jornalismo; a 
merenda que eu levava para comer durante o recreio transformou-se nas porções de comida 
congelada trazidas de casa; as poucas horas de aula a alguns metros de minha família 
estenderam-se até dias com quilômetros de distância entre nós; o “até mais tarde”, agora é 
um “até quando você puder”; as lágrimas que não derramei por medo naquele meu 
primeiro dia de aula, caem agora – não por medo, tampouco por tristeza, mas por emoção, 
por gratidão. E é por isso que a vocês vai o meu primeiro “obrigado”. Obrigado, pai, por 
ter dado todo o apoio que precisei para me manter fora de casa – você apostou em mim. 
Obrigado, mãe, por eu ter me tornado quem sou. Se aqui escrevo sobre masculinidade, foi 
porque você, com todo seu carinho e amizade, tornou-me um homem sensível. Obrigado, 
Bruna, minha irmã maravilhosa, que nunca deixou de me proteger, mesmo quando eu 
pensei que não precisava (“seu sangue, meu sangue”). Agradeço, também, aos familiares 
que sempre torceram sinceramente por mim. 
Seria injusto se eu não dissesse um “obrigado” àquelas entidades para as quais rezei 
em todas as noites, com mais agradecimentos do que pedidos, então, obrigado. 
Aos meus poucos amigos de longa data e aos de agora: obrigado por confiarem a 
amizade de vocês a mim. Não sou a pessoa mais fácil do mundo, mas também não sou a 
mais difícil. Espero que entendam e reconheçam isso, pois eu levo amizade a sério, não 
gosto daquelas intensas e sazonais. 
Laura Strelow Storch: eu lhe agradeço por ter aceitado se aventurar comigo neste 
trabalho. Fiz minha parte o melhor que pude, assim como você – sabemos disso. 
Por último, mas não menos importante, meus sinceros agradecimentos à minha 
banca examinadora, Aline Roes Dalmolin e Filipe Bordinhão dos Santos, que aceitaram 
dedicar seu tempo à apreciação científica do meu Trabalho de Conclusão de Curso. 
Boa leitura. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
É claro que você é real – como 
qualquer pensamento ou qualquer 
história. É real quando você 
participa. 
(Markus Zusak) 
 
 
 
RESUMO 
Monografia 
Curso de Comunicação Social – Jornalismo 
Universidade Federal de Santa Maria 
 
JORNALISMO OPINATIVO NA REVISTA GQ BRASIL: SENTIDOS SOBRE A 
MASCULINIDADE AUTORIZADA 
AUTOR: AUGUSTO ACOSTA DE VASCONCELOS 
ORIENTADORA: LAURA STRELOW STORCH 
Data e local da defesa: Santa Maria, 10 de dezembro de 2014. 
 
Este trabalho aborda os sentidos de masculinidade dispostos no jornalismo de revista 
através do gênero opinativo. O interesse da pesquisa está centrado na questão “Como é 
retratada a masculinidade do homem contemporâneo na coluna Comportamento da revista 
GQ Brasil?”. Para responder esta pergunta, tem-se como objetivo geral compreender a 
masculinidade contemporânea na coluna Comportamento da revista GQ Brasil. Os 
objetivos específicos do trabalho, portanto, são mapear as temáticas na coluna 
Comportamento, para compreender masculinidade contemporânea; analisar a abordagem 
do jornalismo opinativo; e compreender os eixos de sentidos sobre o masculino e como se 
relacionam com a linha editorial da revista. Para desenvolver a investigação, optou-se pelo 
uso da Análise de Discurso de linha francesa como metodologia e a análise de 12 textos da 
referida seção. Esse recorte foi escolhido por acreditar ser o espaço mais completo da 
revista para se estudar os assuntos relativos ao homem contemporâneo pelo viés do 
jornalismo opinativo. Foi possível perceber, genericamente, que mesmo uma publicação 
segmentada por gênero e classe, como a GQ, vive um processo de transição no qual ora 
reitera sentidos de um modelo de masculinidade patriarcal, ora estimula a transgressão de 
valores heteronormativos, sugerindo a aceitação de um novo modelo de masculinidade, 
ainda em construção. 
Palavras-chave: Masculinidade; Jornalismo de Revista; Jornalismo Opinativo; Análise de 
Discurso; Revista GQ Brasil. 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
This work addresses to the meanings of masculinity arranged in a magazine journalism 
through the opinionated genre. The research concern is centered on the question "How is 
masculinity of contemporary man portrayed in the behavior column of GQ Brazil?". When 
answering, it is needed a general objective, that is, to understand contemporary masculinity 
in the behavior column of GQ Brazil magazine. The specific objectives of this study are, 
therefore, mapping the topics in the behavior column to understand the contemporany 
masculinity; analyze the approach of opinionated journalism; and understand the axes of 
meanings on the male, and their relationship with the editorial line of the magazine. 
Developing the research, the use of French line discourse analysis was opted as a 
methodology, as well as the analysis of 12 texts of that section. This clipping was chosen 
because it is the most important space of the magazine to study the issues related to 
contemporary man through the bias of opinionated journalism. It was observed, 
generically, o that even a publishing segmented by gender and class, such as GQ, 
undergoes a transition process in which meanings reiterates a model of patriarchal 
masculinity or stimulates the transgression of heteronormative values, suggesting the 
acceptance of a new model of manhood, still under construction. 
Keywords: Masculinity; Magazine journalism; Opinionated Journalism; Discourse 
Analysis; GQ Brazil. 
 
 
 
LISTA DE TABELASTabela 1 – Edições e matérias analisadas ............................................................................45 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................... 10 
2. MASCULINIDADE E IDENTIDADE .................................................... 13 
2.1. De matador de dragão a chefe de família: a construção social da masculinidade ................. 13 
2.2. Do lar às ruas: o feminismo desmistifica o modelo conquistador ......................................... 18 
2.3 Ser homem no século XXI: o mal-estar masculino ................................................................ 21 
3. JORNALISMO DE REVISTA ................................................................ 26 
3.1. Possibilidades e especificidades em revista .......................................................................... 27 
3.2. Da nudez ao diálogo: a trajetória das revistas masculinas .................................................... 33 
3.3. Jornalismo opinativo: o divã da revista ................................................................................. 35 
4. METODOLOGIA ..................................................................................... 41 
4.1. Gentlemen’s Quarterly .......................................................................................................... 41 
4.2. Recortes de análise e corpus de investigação ........................................................................ 44 
4.3. Metodologia .......................................................................................................................... 45 
4.4. Categorias de análise ............................................................................................................. 49 
5. A MASCULINIDADE AUTORIZADA NA GQ BRASIL ..................... 50 
5.1 Parecer homem ....................................................................................................................... 51 
5.2 Ser homem ............................................................................................................................. 58 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 65 
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 69 
ANEXOS ........................................................................................................ 72 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
Os anos 1960 marcaram o início de grandes transformações na estrutura social da 
humanidade. Homens e mulheres começaram a dividir comportamentos, atitudes e 
espaços. Isso refletiu não apenas na política e na economia, mas também no modo como os 
homens puderam construir sua identidade. As mulheres militantes do feminismo – bem 
como outros movimentos sociais
1
 – denunciaram formas diversas de opressão e de 
discriminação. Silveira Filho (2010, p.04), diz que “somos, irremediavelmente, frutos de 
uma época, de uma cultura e de um contexto formados por uma série de significados e 
sentidos dos quais não conseguimos escapar e com os quais dialogamos a todo o instante”, 
isto é, ao mesmo tempo em que o papel da mulher se torna complexo, a própria noção do 
que é ser homem passa a ser questionada, afinal, é possível compreender que, assim como 
o “ser mulher”, o “ser homem” também é um conceito formado cultural e historicamente. 
Esses movimentos, como lembra Bonácio (2009), moldaram as formas que as 
identidades atuais estão tomando, de modo que atingiram a realidade masculina não só no 
campo profissional como também nos campos social e comportamental. A estrutura de 
homem provedor do lar e mulher dedicada exclusivamente à manutenção do bem-estar 
familiar começa a se dissolver. Aquele homem que era responsável pelo trabalho e pelo 
sustento da família, passa a dividir tarefas domésticas com a esposa, inclusive a criação dos 
filhos, além de experimentar as diferentes expressões emocionais, não cabíveis no sistema 
patriarcal; já a imagem feminina próxima à caridade, ao amor, à atenção e à preocupação, 
passa a se aventurar pelos mais variados campos profissionais, assumindo mais uma 
jornada ao seu dia-a-dia. Percebe-se, em vista disso, que um novo modelo de 
masculinidade vem ganhando espaço social, em um movimento que intercala valores 
tradicionalmente atribuídos ao homem e à mulher. 
Entendemos o jornalismo como um espaço legítimo de construção de sentidos 
sobre o contemporâneo (BENETTI, 2013), de modo que tem como atributo a possibilidade 
de reiterar ou desconstruir valores, inclusive da masculinidade. Este estudo, portanto, visa 
 
1
 Reconhecemos que, além do feminismo, outros movimentos sociais – negros, homossexuais, dentre outros 
– ajudaram a impulsionar os questionamentos da sociedade patriarcal. Alguns deles têm espaço, inclusive, 
em publicações segmentadas aos seus interesses, como as revistas direcionadas ao público LGBT, por 
exemplo. No entanto, neste trabalho, optou-se por focar nas questões tradicionalmente ligadas ao feminino e 
ao masculino. 
11 
 
compreender os modos a partir dos quais o jornalismo opinativo em revista discute a 
masculinidade contemporânea. 
Nesse sentido, optamos como objeto empírico pela revista GQ Brasil, situada no 
mercado editorial por sua segmentação de gênero e classe, direcionada ao público 
masculino de classe social elevada. Mira (2013) e Oliveira (2004) apontam que é mais 
provável a masculinidade ser pautada entre homens de classe social mais privilegiada do 
que entre os que são mais simples, pois estes têm menos acesso aos diferentes bens 
culturais – importantes espaços de discussão sobre os mais variados temas. Por isso, a 
questão da masculinidade na GQ se apresenta como uma discussão relevante, porque, 
teoricamente, é capaz de dar um panorama sobre a compreensão social acerca da condição 
do masculino no contemporâneo. 
Embora o recorte da pesquisa – a coluna de Comportamento – seja assinada por um 
colunista, nesta pesquisa assumimos o pressuposto de que há uma política editorial que 
orienta essas construções discursivas. O texto, bem como seu autor, passa pela aprovação 
editorial para ser efetivamente publicado na revista. Nesta perspectiva, a voz presente 
nessa coluna, assim como nas demais, tem o consentimento da GQ Brasil. Faz parte da 
comunicação da revista com seu público leitor, sugerindo reflexões e/ou discussões acerca 
de assuntos do universo masculino a cada edição. 
É a partir desse panorama geral que nos aproximamos de nosso objeto de pesquisa, 
de modo a responder a seguinte questão norteadora: “Como é retratada a masculinidade 
do homem contemporâneo na coluna Comportamento da revista GQ Brasil?”. 
A partir dela, elaboramos nosso objetivo geral de investigação, que se forma a 
partir do interesse em compreender os sentidos sobre a masculinidade contemporânea 
construídos pela revista GQ Brasil em sua subseção opinativa Comportamento, integrante 
da editoria “Diálogos”. Os objetivos específicos do trabalho, assim sendo, são: mapear as 
temáticas recorrentes na coluna Comportamento, de forma a compreender a masculinidade 
contemporânea; analisar os modos a partir dos quais o colunista problematiza essas 
temáticas, isto é, como usa o jornalismo opinativo como ferramenta discursiva; e 
compreender os eixos de sentidos sobre o masculino que circulam nessa coluna e como 
eles se relacionam com a proposta editorial da revista. 
As “tendências na masculinidade” são um assunto que vem sendo explorado aos 
poucos, embora haja estudos específicos com grupos de homens,os men’s studies. Autores 
como Nolasco (1995), Oliveira (2004) e Bourdieu (2012) e estudiosos como Gomes 
12 
 
(2006), Bonácio (2009) e Souza (2013), com diferentes abordagens, discutem o papel 
histórico-social do homem. Acreditamos, pois, que este estudo vem a somar nas reflexões 
sobre as mudanças que estão acontecendo na identidade masculina contemporânea, 
acarretando um mal-estar masculino. Para isso, no capítulo 2, partimos de uma 
investigação histórica sobre a posição do homem desde a Idade Média até os dias atuais. 
Contextualizamos, na sequência, a atuação do jornalismo opinativo – ponte entre as 
instituições jornalísticas e seus leitores – nas revistas segmentadas. Por fim, depois de 
apresentarmos nossa metodologia, no capítulo 4, confrontamos, no capítulo 5, o produto 
encontrado em nosso corpus de pesquisa com as bases teóricas (masculinidade, jornalismo 
de revista e jornalismo opinativo). 
 
13 
 
2. MASCULINIDADE E IDENTIDADE 
 
“Masculinidade”, do latim masculinus, é uma palavra que começou a ser utilizada 
no século XVIII, quando a ciência se dedicou a encontrar critérios contundentes sobre a 
diferenciação entre os sexos. Há teóricos que acreditam na masculinidade “apenas como 
ideologias ou fantasias variadas”2. No presente trabalho, no entanto, acreditamos na 
masculinidade como uma construção social, com participação das crenças religiosas, da 
cultura, do nacionalismo e do capitalismo, por exemplo. Reconhecemos, pois, em 
concordância com Oliveira (2004), que ela atua nos discursos, constituindo-se como uma 
estrutura de poder. Ademais, sua construção é histórica, ideológica e identitária. Nesse 
sentido, ao indicar atitudes especiais em situações distintas, a masculinidade predispõe 
comportamentos. 
Neste capítulo, investigamos alguns momentos históricos que foram cruciais na 
construção das representações do “ser homem” que hoje compartilhamos na sociedade 
ocidental. Buscamos, aqui, mostrar a masculinidade construída social e culturalmente. Para 
isso, partimos da aristocracia da Idade Média e chegamos à burguesia da Modernidade; 
transitamos entre os valores de bravura e de coragem, e a valorização do corpo e da 
aparência; abordamos o movimento feminista e o reflexo de suas reivindicações na 
identidade masculina. 
 
2.1. De matador de dragão a chefe de família: a construção social da masculinidade 
 
O controle da sexualidade e o exercício do poder, dirigidos e viabilizados pelas 
múltiplas práticas discursivas exercidas ao longo da história, são pilares de sustentação da 
sexualidade humana (SILVEIRA FILHO, 2010). 
A construção social da masculinidade se mostra essencial para a organização da 
sociedade, visto que o sujeito nascido morfologicamente homem deve se representar 
socialmente como tal. “Os primeiros contatos sociais de uma criança já lhe informam as 
diferenças de gênero. As escolhas sociais, mesmo que se desviem do discurso estabelecido 
pela tradição, são marcadas pela imposição da coletividade sobre o sujeito” (LEMOS, 
 
2
O autor Pedro Paulo de Oliveira, em sua obra “A construção social da masculinidade” (2004), cita um trecho 
do livro “The end of masculinity” (1998), escrito pelo estudioso John MacInnes, para mostra-lo como um 
exemplo de teórico que vê a tentativa de definir uma ou várias masculinidades como uma tarefa infrutífera. 
14 
 
2008, p.05). O autor Pierre Bourdieu (2012) observa que a visão androcêntrica se 
estabelece neutra e não se enuncia em discursos que visem sua legitimação, confirmando e 
evidenciando a força da ordem masculina, ou seja, culturalmente, valores e características 
ditos masculinos ainda mantêm o homem como elemento dominante na sociedade. 
Os valores que permeiam o ideal de masculinidade compõem seus agentes para que 
desempenhem atitudes socialmente preestabelecidas. De acordo com Oliveira (2004), 
força, resistência, coragem e iniciativa são características dispostas ao homem desde a 
infância, e que, ligadas às ideias mais difusas e comuns sobre o comportamento masculino 
autêntico, são vivenciadas durante toda sua vida, reiterando-se. 
Entende-se hoje que, mesmo a masculinidade hegemônica
3
 desempenhando o papel 
de identidade ideal, os sujeitos têm certa autonomia na representação social do “ser 
homem”, pois, como ressalta Lemos (2008), vivenciam as mais diversas formas dessa 
representação. Esse cenário de possíveis masculinidades não apareceu de uma hora para 
outra, isto é, não é uma simples mudança temporal, mas uma realidade ainda em 
constituição. A masculinidade é uma descoberta, e está sujeita a um processo de 
experiências entrelaçadas por dúvidas e questionamentos (GARCIA; MEDEIROS, 2004). 
Existe uma preocupação de que o termo “masculinidade hegemônica” não é uma 
alternativa teórica adequada para estudos sobre masculinidade (FIALHO, 2006). Neste 
trabalho, no entanto, focamos no padrão hegemônico de masculinidade na cultura 
ocidental, porque ela 
 
Não se assumiu normal num sentido estatístico; apenas uma minoria dos homens 
talvez a adote. Mas certamente ela é normativa. Ela incorpora a forma mais 
honrada de ser um homem, ela exige que todos os outros homens se posicionem 
em relação a ela e legitima ideologicamente a subordinação global das mulheres 
aos homens. (CONNELL, 2013, p.245) 
 
Partimos dos períodos medieval e moderno para refletir as transformações sociais 
que foram moldando esse estereótipo hegemônico de como o homem deve ser para se 
reconhecer e sentir verdadeiramente viril. 
 
3
 O termo “masculinidade hegemônica” foi conceituado por Raewyn Connell (1987) e se refere ao grupo 
masculino cujas representações e práticas estabelecem a referência socialmente legitimada do “ser homem”. 
15 
 
As diferenças entre a Idade Média e a Idade Moderna foram ocorrendo 
gradualmente: a nobreza de espada passou à nobreza de corte
4
, depois suplantadas pela 
burguesia, que possibilitou, a médio e longo prazo, o acréscimo de características como a 
competência na execução de tarefas e a responsabilidade enquanto atributos da 
masculinidade autêntica (OLIVEIRA, 2004). No decorrer dessa transição, as expressões 
dos sentimentos passaram do público para o privado, fortalecendo a base para o ideal de 
família burguesa: a monogamia. Nesse sentido, inicialmente nas sociedades burguesas do 
século XVII, as práticas sexuais passaram a ser vigiadas, eliminando o sexo dos discursos 
cotidianos e repelindo-o às conversas de aposentos privados numa verdadeira tarefa 
restritiva, como lembra Silveira Filho (2010). 
 
A massificação da ideia do casal heterossexual como o modelo da correção e da 
“normalidade” contribui para a manutenção do estereótipo da figura masculina 
como sendo viril e dominadora na relação, exercendo suas funções no espaço 
público, enquanto a figura feminina seria o polo passivo e submisso, restrito ao 
ambiente interno do lar. (SILVEIRA FILHO, 2010, p. 04). 
 
Os aristocratas tinham a lealdade, a coragem, a bravura, a sobriedade e a 
perseverança como valores cruciais do comportamento masculino. Conservaram-se no 
ideal moderno, mas alguns se ajustaram ao modelo de sociedade burguesa. A coragem e a 
bravura, por exemplo, não serão mais expressas publicamente – como nos duelos 
medievais em que os resultados poderiam ser manutenção, obtenção ou perda de status e 
honra –, mas “se formatarão a partir de firmes contornos estipulados por imperativos 
morais essenciais” (OLIVEIRA, 2004, p. 23). A formação do Estado nacional moderno e a 
criação de instituições específicas, como o exército, foram resultado de complexas 
elaboraçõesculturais ocorridas na mudança entre esses períodos; mudanças essas que não 
tiveram um sentido determinístico no ideal de masculinidade, ou seja, alguns valores não 
foram substituídos, mas sim ressignificados. Apropriado pela burguesia, o duelo deixou a 
ênfase na bravura, na ousadia e no destemor e passou progressivamente para o sentido de 
firmeza, autocontrole e contenção. 
O autor Pedro Paulo de Oliveira (2004) lembra que a militarização e o 
nacionalismo andaram juntos na formação dos Estados modernos e tiveram papel 
determinante para a conformação de comportamentos socialmente reconhecidos como 
 
4
 A nobreza de espada era formada por nobres de nascimento ou por recebimento de título de nobreza graças 
a algum mérito alcançado. Já a nobreza de corte (também chamada de nobreza de toga ou nobreza togada) 
era composta pela burguesia mais rica, que comprava seu título de nobreza. 
16 
 
autenticamente masculinos. A criação dos exércitos nacionais foi fundamental para a 
manutenção da autonomia e soberania das nações. Percebida essa necessidade, líderes 
europeus instauraram o alistamento militar obrigatório. Aqueles ideais medievais de 
bravura e destemor, antes associados ao duelo, passaram a integrar o perfil do soldado 
devotado e heroico, que, ao ser convocado, estaria em ação por uma causa nobre: defender 
sua pátria. Nessa perspectiva, os ideais de masculinidade alimentados pela instituição 
militar atingiam todas as classes sociais. “Até 1918, por exemplo, todo estudante 
universitário inglês, na grande maioria dos casos pertencente às classes altas, ainda que 
excluído de convocações para o exército, tinha que prestar pelo menos um ano de serviço 
militar” (OLIVEIRA, 2004, p.27). A imagem de homem verdadeiramente viril estava 
ligada à sua capacidade de suportar dor, fome, frio e possibilidade de mutilação, colocando 
sua resistência a serviço de uma causa importante e, com isso, relacionando a 
masculinidade ao sacrifício. 
No período em que vigorou (1933 – 1945), o nazismo buscou incitar um espírito 
aguerrido aos jovens alemães, elevando ao extremo o culto a características tidas como 
masculinas: coragem, disciplina, camaradagem, obediência e lealdade, além de estimular 
voluntarismo e patriotismo. O nazismo considerou, ainda, que o corpo masculino não 
pertencia ao indivíduo, mas a seu povo. É possível perceber essa valorização em torno do 
homem voluntário e patriota ainda nos dias de hoje, aqui no Ocidente. Nos Estados Unidos 
da América, por exemplo, a Medalha de Honra é a máxima condecoração entregue nas 
Forças Armadas, e significa reconhecimento ao soldado das ações especiais das quais 
participou com mérito, como situações de perigo, autossacrifício e o fato de ter colocado 
sua própria vida em risco pelo bem da nação. 
O fascismo, movimento político italiano liderado por Benito Mussolini, inspirava-
se na sociedade romana para tentar formar uma Itália poderosa. Para isso, investiu na ideia 
de um “novo homem”: enérgico, orgulhoso, que não fosse próximo dos livros e levasse a 
vida de forma menos sentimental. Os soldados fascistas praticavam pesados exercícios 
físicos, “possibilitando um enrijecimento corporal, signo de uma efetiva postura viril” 
(OLIVEIRA, 2004, p.38). Agressividade direcionada ao inimigo e obediência aos 
superiores eram correlacionadas ao símbolo de virilidade do guerreiro. 
Nas primeiras décadas da Inglaterra do século XIX, o termo socialismo começou a 
se disseminar, concretizando-se na Revolução Russa do ano 1917, liderada e vencida pelos 
bolcheviques. Embora o regime tenha aprovado uma lei que permitia o divórcio, ainda 
17 
 
defendia a instituição familiar, de modo que a permissividade sexual era mal vista. Os 
ideais de masculinidade propagados pelos socialistas não eram diferentes dos que nazistas 
e fascistas acreditavam (heroísmo, disciplina, obediência), e a propaganda bolchevique era 
semelhante à nazista: exaltava homens de postura ereta e olhar firme. Além disso, os 
bolcheviques difundiam o ideal de igualdade entre os sexos, mas a realidade era outra: 
 
Mantendo-se no nível da representação suscitada pelas imagens de gênero, a 
literatura produzida para a leitura das massas pela máquina de guerra 
revolucionária baseava-se em narrativas bastante convencionais, repletas de 
caricaturas nas quais os estereótipos masculinos e femininos pululavam 
(OLIVEIRA, 2004, p.40). 
 
Estabelecida a Guerra Fria, somou-se um importante novo paradigma do homem 
autêntico. O “novo homem” soviético, além de guerreiro destemido e viril, passou a atuar, 
também, nas fábricas, ou seja, o socialismo de Josef Stalin valorizou de forma inédita a 
outra face do ideal de homem moderno: um trabalhador exemplar e responsável. De acordo 
com Oliveira (2004), pode-se concluir, portanto, que durante a formação dos Estados 
nacionais valorizava-se um comportamento aparentemente ambíguo: os valores de bravura 
e ousadia, de um lado, e autocontrole, de outro, eram estimulados concomitantemente. 
Incentivava-se que os homens mantivessem a serenidade no núcleo familiar, mas em 
períodos de guerra a sociedade se tornava mais importante, de modo que a defesa da pátria 
era sua prioridade enquanto homem. Entrelaçadas, as características do guerreiro heroico e 
do homem comedido formam o alicerce do ideal moderno de masculinidade. 
Ainda que na modernidade as crenças religiosas comecem a expressar certa 
relativização, transitoriedade e poder de escolha do sujeito (LEMOS, 2008), a religião 
sempre influenciou na constituição e manutenção da representação social tanto do homem 
quanto da mulher. A imagem do deus judaico-cristão, por exemplo, é formada por 
características físicas e subjetivas atribuídas ao homem (força, autoridade, coragem), e não 
às atribuídas à mulher (doçura, emoção, afeto). Dessa forma, o credo religioso também 
desempenhou seu papel na construção histórico-social da masculinidade. 
Oliveira (2004) assinala que na Inglaterra e na Alemanha, nos séculos XVIII e XIX, 
a tradição puritana pregava o controle sobre as paixões, a moderação e a pureza sexual e 
mental como modelo de masculinidade. Além disso, o autor lembra que cristãos de 
diferentes correntes mantinham a figura do homem como personagem central no âmbito 
familiar, tendência que dialogava com os ideais burgueses. Na Idade Moderna, a 
18 
 
masculinidade se consolidou como símbolo de um ideal de estabilidade, pois mantinha a 
vida social, a família e as tradições em meio às mudanças da sociedade industrial. O papel 
da religião foi, pois, o de impulsionar uma conduta condizente com os valores da 
burguesia. 
Com isso, percebe-se que a imagem construída na ficção dos contos de fadas, de 
um homem medieval ousado e destemido, que passa pelos perigos da floresta, enfrenta 
criaturas abomináveis e mata dragões para provar seu valor à donzela amada, dialoga com 
a realidade da época, isto é, vemos o dragão como uma metáfora para representar o 
oponente do homem medieval em um duelo. A mulher, embora muitas vezes não fosse o 
motivo do desafio – mas sim a honra dos participantes – era a recompensa. A batalha foi-se 
reconfigurando no decorrer dos anos, e os comportamentos sexuais, cada vez mais 
restringidos. 
O ideal feminino, baseado na castidade e na pureza, era um contraponto ao modelo 
moderno de masculinidade, representado pela ordem e pelo progresso. Esses ideais, 
portanto, fortaleciam a imagem do homem responsável pelo domínio público, enquanto a 
mulher limitava-se ao ambiente doméstico. Assim, a ascensão da burguesia reforçou a 
figura das mulheres como complemento dos homens (OLIVEIRA, 2004). Essa estrutura 
patriarcalfuncionou até que mulheres dos Estados Unidos da América e do Reino Unido, a 
partir do século XIX, passaram a questionar sua posição social em relação aos homens. 
Nascia, naquele momento, a “terceira mulher”, conceito proposto por Gilles Lipovetsky 
(2000). 
 
2.2. Do lar às ruas: o feminismo desmistifica o modelo conquistador 
 
O casamento pode ser uma fonte de alegria, amor e apoio mútuo, mas por que 
ensinamos às garotas a aspirar ao casamento e não ensinamos a mesma coisa aos 
meninos? Educamos as garotas a se verem como concorrentes, não por emprego 
ou por realizações – o que eu penso que pode ser uma coisa boa –, mas sim pela 
atenção dos homens. Nós ensinamos às garotas que elas não podem ser seres 
sexuais da mesma forma que os garotos são. 
[...] Feminista: a pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica 
entre os sexos. (Chimamanda Ngozi Adichie)
5
 
 
5
Nascida em Enugu, na Nigéria, a escritora Chimamanda Ngozi Adichie teve sua obra traduzida para mais de 
trinta línguas e apareceu em inúmeras publicações, como as revistas “New Yorker” e “Granta”. Recebeu 
diversos prêmios, entre eles o Orange Prize, por “Meio sol amarelo” (2008), e o National Book Critics Circle 
Award, por “Americanah” (2014). Este trecho de abertura, de tradução nossa, é parte da sua fala no 
eventoTEDxEuston 2013, produzido pela fundação privada sem fins lucrativos TED (Technology, 
Entertainment, Design). No original: “Now marriage can be a source of joy and love and mutual support, but 
19 
 
 
“Mulher” é um tema cotidiano. Pode-se encontra-lo nas bancas de revistas (em 
publicações voltadas para ela ou sobre ela), nas estantes das livrarias, nos programas 
televisivos (de entrevista, mesa-redonda ou variedades), no debate político, no marketing. 
“Mulher” é, inegavelmente, um assunto que engloba os bens culturais mais diversos. Na 
sociedade, a mulher passou de coadjuvante à protagonista. Aquela dona de casa dedicada à 
criação dos filhos e ao aconchego do marido chefe de família, mencionada anteriormente, 
hoje representa papéis que antes eram atribuídos exclusivamente ao homem. 
Até que as primeiras conquistas feministas fossem alcançadas, a mulher era vista, 
no imaginário social, como soberana naquilo que se referisse à maternidade, tarefas 
domésticas e cumprimento de seu “papel de esposa”, no sentido de satisfazer sexualmente 
o marido (WANG; JABLONSKI; MAGALHÃES, 2006). Para contextualizar e explicar os 
novos espaços femininos, ancoramo-nos nos conceitos de primeira, segunda e terceira 
mulher, propostos pelo estudioso Gilles Lipovetsky (2000). 
No decorrer dos anos 60, a sexualidade deixa de ser considerada como um domínio 
privado e passa a ser vista como uma relação de poder entre os sexos; um instrumento de 
essência política constitutivo da ordem patriarcal. Baseado na obra de Kate Millet (1971)
6
, 
o autor lembra, ainda, que as leis, a moral, as representações e a psicologia, por exemplo, 
convergiam para assegurar a supremacia viril e a subordinação das mulheres. 
Salvo algumas exceções
7
, a “primeira mulher” é aquela desde os tempos mais 
remotos, quando as coletividades humanas já se organizavam de acordo com a divisão 
sexual para designar papéis ao homem e à mulher. Ela tinha alguns reconhecimentos, mas, 
em sua maioria, depreciavam-na: inferior, subordinada, afastada de funções nobres, bruxa, 
detentora de maledicências. Sua capacidade de gestar um filho, por exemplo, só era 
valorizada pelo descendente que ela geraria. 
Na Idade Média, a “segunda mulher” passou das sombras à luz e deixou de ser 
desprezada para ser admirada, conquistada, idolatrada. O culto à mulher começou no 
 
why do we teach girls to aspire to marriage and we don't teach boys the same? We raise girls to each other as 
competitors\not for jobs or for accomplishments - which I think can be a good thing - but for the attention of 
men. We teach girls that they cannot be sexual beings in the way that boys are. […] Feminist: the person who 
believes in the social, political, and economic equality of the sexes.” Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=hg3umXU_qWc>. Acesso em: 28/08/2014. 
6
 Ver “La Politique du mâle”. 
7
 Alves e Pitanguy (1981), em sua obra “O que é feminismo”, recordam sobre a relação entre os sexos na 
Gália e na Germânia. Essas duas sociedades tribais tinham regime comunitário e designava às mulheres um 
espaço de atuação semelhante ao dos homens. Juntos, participavam da guerra, dos Conselhos Tribais, 
ocupavam-se da agricultura e do gado, construíam suas casas. As mulheres atuavam, inclusive, como juízas. 
20 
 
século XII, desenvolvido pelo código cortês, e teve seu ápice no século XIX, quando se 
sacralizou a imagem de mulher como esposa, mãe e educadora. Mas a idealização de que a 
mulher era o ser mais próximo da divindade não a tirou de sua subordinação ao homem, ou 
seja, por mais exaltada que fosse a admiração à sua figura, mantinha-se a hierarquia social 
dos sexos. 
Mesmo que algumas mulheres exercessem tarefas ditas masculinas, como a 
serralheria, o trabalho feminino se concentrava na tecelagem, na costura e nos bordados. A 
remuneração sempre era inferior à do homem, o que provocou a antipatia deles em relação 
ao trabalho delas, afinal, na lógica mercadológica burguesa que começava a se formar, a 
exploração do trabalho feminino gerava uma competição que rebaixava o nível salarial 
geral. 
Após a Segunda Guerra Mundial houve uma progressiva entrada da mulher no 
campo de trabalho, associada ao crescimento econômico nos países capitalistas. A 
consolidação do sistema capitalista no século XIX provocou grandes mudanças na lógica 
de produção, bem como na organização do trabalho, especialmente para a mão-de-obra 
feminina. Homens e mulheres compartilhavam as mesmas condições de trabalho vigentes 
naquele período, como as jornadas de 14, 16 e até 18 horas. Alves e Pitanguy (1981) 
lembram que em Paris, por exemplo, os salários femininos eram, em média, de 2,14 
francos, enquanto que os masculinos ficavam em torno de 4,75 francos. 
Por meio de lutas constantes por seus direitos e por igualdade, as trabalhadoras 
quebraram seu silêncio e levaram suas reivindicações à esfera pública. No dia 8 de março 
de 1857, operárias da indústria têxtil nova-iorquina marcharam pela cidade protestando 
contra seus salários e reivindicando uma jornada de trabalho de 12 horas. Foram 
reprimidas com violência pela polícia; muitas, presas e feridas. Sem efeito, 51 anos depois, 
no dia 8 de março de 1908, na mesma cidade, operárias saíram às ruas denunciando as 
mesmas condições degradantes às quais se sujeitavam no trabalho. Dessa vez, no entanto, 
somaram às suas reivindicações uma legislação que protegesse o trabalho do menor e o 
direito de voto às mulheres, ou seja, denunciaram sua exclusão da participação nas 
decisões públicas enquanto cidadãs (ALVES; PITANGUY, 1981). 
Como destaca Bonácio (2009), o ingresso da mulher no domínio público provocou 
uma derrubada de tabus em relação a ela, além de transformações para ambos os sexos, 
tanto no campo social, político, econômico quanto no pensamento. Desse modo, o 
feminismo foi o instrumento para se (re)pensar os conceitos de família, sexualidade, 
21 
 
trabalho e tarefas domésticas (incluindo a criação dos filhos). Como ideologia, portanto, o 
feminismo é acessível tanto aos homens quanto às mulheres, pois 
 
[...] busca repensar e recriar a identidade de sexo sob uma ótica em que o 
indivíduo, seja elehomem ou mulher, não tenha que adaptar-se a modelos 
hierarquizados, e onde as qualidades “femininas” ou “masculinas” sejam 
atributos do ser humano em sua globalidade. Que a afetividade, a emoção, a 
ternura possam aflorar sem constrangimentos nos homens e serem vivenciadas, 
nas mulheres, como atributos não desvalorizados. Que as diferenças entre os 
sexos não se traduzam em relações de poder que permeiam a vida de homens e 
mulheres em todas as suas dimensões: no trabalho, na participação política, na 
esfera familiar, etc. (ALVES; PITANGUY, 1981, p.09) 
 
 A primeira mulher era inferiorizada; a segunda, cultuada. Ambas eram 
subordinadas ao homem. Depois das primeiras conquistas feministas por se impor na 
sociedade patriarcal, a “terceira mulher”, entre outros aspectos, legitimou sua posição nos 
estudos e no trabalho; desvalidou o ideal de dona-de-casa; conquistou sua liberdade sexual 
e o direito ao divórcio. “Tudo, na existência feminina, se tornou uma opção, um objeto de 
interrogação e de arbítrio.” (LIPOVETSKY, 2000, p.233). 
O movimento feminista, aliado aos estudos de gênero, desaprovou a base secular 
estruturada no poder patriarcal até então vigente, mostrando que é possível ser homem sem 
ser opressor e, com isso, provocou o surgimento dos men’s studies (ou estudos 
masculinistas). A participação das mulheres no mundo do trabalho, a divisão de 
responsabilidades e poderes entre os sexos, a reconsideração feminista dos papéis 
tradicionais atribuídos aos homens e às mulheres, o celibato, a desconstrução de casais e 
famílias e, também, a reprodução artificial, causou um grande mal-estar aos homens. Ao 
questionarem a sua própria posição social, as mulheres deram vazão para que o homem 
pudesse pensar o seu papel. Ora, se elas se reconheceram presas ao sistema patriarcal, não 
estariam eles presos também? Diante dos reposicionamentos que as mulheres alcançaram, 
os homens contemporâneos têm vivido incertezas sobre sua identidade – prova de que a 
masculinidade é uma construção social. 
 
2.3 Ser homem no século XXI: o mal-estar masculino 
 
As relações de gênero, inicialmente, baseavam-se numa concepção naturalista, isto 
é, acreditava-se que a sexualidade era determinada biologicamente. Os estudos sobre essas 
relações, no entanto, promoveram avanços no que se refere à sexualidade humana, 
22 
 
admitindo, segundo Silveira Filho (2010), uma nova perspectiva: a conexão entre os 
conceitos de gênero (concepção histórico-social que estabelece diferenciação social entre 
homens e mulheres), de sexo (através do prisma morfológico, determinando diferenças 
anatômicas básicas do corpo feminino e masculino) e os demais aspectos componentes da 
identidade humana. 
A masculinidade, até pouco tempo, limitava-se à imagem do homem provedor e 
protetor da família. Desde pequenos, os meninos eram educados para, um dia, tornarem-se 
fortes, terem sua independência financeira e serem bem-sucedidos, para darem sustento a 
suas futuras famílias. Ainda recebem uma criação semelhante, mas hoje nem todo homem 
consegue ser o provedor exclusivo da família, que, como lembram Wang, Jablonski e 
Magalhães (2006), em geral não pode abrir mão do salário da mulher para custear boa 
parte das despesas com escola, planos de saúde e supermercado, como no caso das classes 
médias urbanas. 
Na vida profissional, o homem pós-moderno disputa espaço diretamente com as 
mulheres, que já se provaram capazes de realizar as mesmas tarefas e funções que ele
8
. A 
mulher, não mais apenas objeto da satisfação masculina, exige também ser satisfeita. 
Portanto, conforme Wang, Jablonski e Magalhães (2006), em concordância com Nolasco 
(1993)
9
, Os pilares da sociedade patriarcal (sexualidade e trabalho) encontram-se 
fortemente abalados. 
 
 
Quando não conseguem se comportar de maneira adequada para suprir as 
expectativas do engessamento patriarcal e machista, [os homens] sentem-se 
problemáticos e diferentes. Como não são estimulados, como as meninas, a 
compartilharem seus mundos internos e seus consequentes anseios, tendem a 
reforçar e engrandecer o modelo vigente (SILVEIRA FILHO, 2010, p.06). 
 
O trecho acima citado vai ao encontro do que Nolasco (1995) diz ser a relativização 
da representação masculina legítima, isto é, mesmo que o comportamento viril – detentor 
de posse e de atitudes agressivas – continue sendo um referencial de masculinidade no qual 
muitos homens ainda se reconhecem, há outras masculinidades coletivamente aceitas. 
 
8
 Embora as mulheres venham ganhando mais espaço no mercado de trabalho, nos cargos mais variados, a 
disputa por esse espaço, inclusive salarial, ainda é desigual. Em geral, as mulheres recebem menos que os 
homens por tarefas desempenhadas nos mesmo cargos que eles. Esse contexto, ainda que concreto, não é 
focado nesta pesquisa, pois, mesmo que desigual, a presença feminina efetiva no mercado de trabalho 
desestabilizou o masculino. 
9
 Nolasco, S. (1993). O mito da masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco. 
23 
 
Como lembram Gomes (2006) e Nolasco (1995), a tensão da masculinidade 
contemporânea reuniu alguns homens, no início dos anos 1970, na busca por um modelo 
que melhor conseguisse descrever suas subjetividades, os chamados Grupos de Homens. 
Esses grupos surgiram da impossibilidade de os homens falarem sobre sua singularidade e 
história pessoal, e, a partir de discussões acerca da condição masculina
10
, problematizaram 
o “ser homem”. Nesse sentido, o fato de alguns homens não se reconhecerem em uma 
masculinidade hegemônica não é algo novo, mas, neste momento, o homem parece se 
sentir mais confiante em sua busca do eu; ele reconhece a existência de uma masculinidade 
hegemônica, mas se permite viver outras masculinidades. Giddens (2002) esclarece que as 
mudanças em aspectos íntimos da vida pessoal estão diretamente ligadas ao 
estabelecimento de conexões sociais de grande amplitude, ou seja, a reflexividade na alta 
modernidade
11
 se estende ao núcleo do eu. Neste trabalho, apropriamo-nos do conceito de 
reflexividade do eu para nos referirmos ao homem que, frente à possibilidade de diferentes 
masculinidades, enfrenta seus confrontos pessoais para se sentir tão homem quanto aquele 
hegemonicamente padronizado no ocidente. 
A dominação masculina, interpretada como uma entidade generalizada e totalitária, 
por vezes não nos permite perceber que há homens machistas e mulheres que reforçam o 
machismo continuamente na criação de seus filhos e na reposição dos discursos que dizem 
refutar (SILVEIRA FILHO, 2010). Algumas mulheres, quando se referem a carro, 
prestígio e poder, acreditam estar expressando seu lado masculino. “Da mesma forma, 
alguns homens, ao reconhecerem suas necessidades afetivas, o fazem referindo-se ao seu 
lado feminino” (NOLASCO, 1995, p.16). Homens e mulheres, por conseguinte, 
influenciam-se continuamente na construção de suas identidades. 
Ensina-se aos meninos o silêncio em relação a seus problemas e dificuldades, para 
afasta-los da possibilidade de vergonha e medo, símbolo de fragilidade e fraqueza, 
indignos na masculinidade hegemônica. Para que eles não fracassem, ensina-se que o os 
 
10
 O autor Sócrates Nolasco (1995), em sua obra “A desconstrução do masculino”, faz uma ressalva sobre os 
Grupos de Homens. Ele diz que não podemos tratar esses grupos como um bloco homogêneo e 
indiferenciado, pois, ao passo que alguns buscam compreender o modo pelo qual a paternidade, o tipo de 
identificação com o trabalho e com a violência articulam a representação do homem e o modelo de sociedade 
pós-industrial e capitalista,há grupos preconceituosos e discriminadores em relação a movimentos feministas 
e homossexuais. 
11A “reflexividade em relação ao eu” a que nos referimos, é uma menção ao termo “modernidade reflexiva”, 
proposto pelos estudiosos Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scott Lash (1997) no livro “Modernização 
Reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna”, e se refere às transformações, crises e 
consequências no mundo pós-moderno. O termo sugere que a sociedade está vivendo um período cada vez 
mais reflexivo, estimulando críticas e confrontos pessoais, ou seja, que se pense o “eu”. 
 
24 
 
ganhos por suas conquistas sexuais e profissionais os levarão ao sucesso e, assim, 
encontrarão sua identidade convencionalmente masculina. 
O homem do século XXI segue preso a algumas amarras históricas sobre sua 
masculinidade. O culto à forma física atlética e robusta, por exemplo, percebida desde as 
esculturas gregas e revalorizada em momentos de exaltação política, como no nazismo, 
faz-se presente na sociedade pós-moderna. Sabino (2000), em estudo realizado com 
frequentadores de academias da classe média do Rio de Janeiro, destaca que a busca pelo 
corpo perfeito é sinônimo de busca por sucesso, status e dinheiro, de modo que as relações 
sociais (de conquista e, em alguns casos, de trabalho) ficam dependentes da forma 
ostentada pelo corpo. 
Em decorrência dos efeitos causados pela liberdade e pelas exigências sexuais 
femininas, os estudos masculinistas desconstruíram uma identidade masculina tradicional, 
baseada em ideais oitocentistas, e viram na pluralidade de gênero uma “feminilização” do 
masculino. 
 
A literatura masculinista ressalta, querendo ou não, uma espécie de essência 
identitária comum a todos os homens, não só biológica como também sexual e 
comportamental, criticando o modelo tradicional de masculinidade e admitindo, 
como verdade única, a essência pluralista dos gêneros. (GOMES, 2006, p. 120) 
 
Em vista disso, pensa-se muito no que é ser homem na contemporaneidade. Como 
objetiva Gomes (2006), a masculinidade como pauta de discussão talvez seja resultado da 
inserção do homem na cultura a que pertence, pois esta impõe regras e as define como 
normas. Durante sua vida, o homem precisa se moldar em escolhas dicotômicas: 
sustentando ou criticando, aderindo ou rejeitando, integrando-se ou afastando-se, 
obedecendo ou resistindo a essas normas culturais. Nesse processo, conforma 
características, comportamentos e papéis que não necessariamente combinam com o que 
ele almeja para si como traços de sua identidade. 
Como é, então, este “novo homem”? Ele desfruta das possibilidades de 
experimentação; um sujeito no gerúndio (sendo, formando-se) e que vive com múltiplas 
identidades. O homem pós-moderno pode ser um conquistador de mulheres, mas deve ser 
presente no trabalho doméstico, bem como ajudar na criação dos filhos. Influenciado pelo 
consumo capitalista, é um cosmopolita que se preocupa com saúde, estética e roupas. 
Bonácio (2009) enfatiza que este homem, portanto, é produto e objeto do mercado, 
especialmente porque a ordem desse discurso é direcionada a um sujeito bem-sucedido, 
25 
 
que tem dinheiro para investir na sua aparência, em móveis e carros caros. Oliveira (2004) 
destaca que, em vista disso, os homens de classe popular têm menos acesso aos bens 
culturais e de consumo midiaticamente difundidos. Tanto campanhas publicitárias quanto 
produtos jornalísticos, ora apresentam o homem se reinventando, ora apresentam o homem 
que busca valores tradicionais de masculinidade. Como lembra Giddens (2002), os meios 
de comunicação não espelham realidades, mas, em parte, formam-nas. 
“Muitos homens, talvez, não se deram conta do momento histórico vivido, mas, ao 
serem interpelados pela mídia através de reportagens, propagandas, programas etc., podem 
começar a ter consciência desse novo panorama espetacularizado” (BONÁCIO, 2009, p. 
144). Por isso, o comportamento dos homens pode ser influenciado pela experiência 
transmitida pela mídia, seja por distanciamento ou estranhamento em relação ao homem 
retratado (no caso das culturas ou classes que mantém valores tradicionais de uma 
masculinidade hegemônica), seja pela (in)consciente reflexão sobre seus possíveis novos 
comportamentos. Oliveira (2004) pontua que construir uma identidade é uma tarefa 
paradoxal de estabelecer autonomia através da submissão, porque a busca pelo caráter 
único se realiza por meio da integração a um determinado grupo, ou seja, pela unidade e 
singularidade partilhada e confirmada por iguais. Esses grupos podem ser percebidos nos 
nichos de leitores das publicações especializadas, assunto a ser tratado no próximo 
capítulo. 
 
26 
 
3. JORNALISMO DE REVISTA 
 
O jornalismo de revista, por muitas vezes, exerce a função de guia para o leitor – 
como ser e agir, que lugares visitar, quais comidas experimentar, quais roupas vestir, em 
que questões pensar. Essa característica é ainda mais evidente no gênero opinativo, pois o 
colunista atua como um porta-voz que vai além da fala do veículo. Ele escreve e assina sua 
autoria, mas não tem seu espaço por acaso; sua ideologia deve estar próxima às linhas 
editoriais da empresa. 
As revistas agrupam pessoas com interesses em comum, apresentando, a cada 
edição, temas com os quais os leitores talvez nem saibam que se interessam e se 
identificam. Aliás, essa busca por surpreender o leitor, segundo Ali (2009), é um dos 
principais estímulos para o fazer revista. 
A segmentação por gênero é, ainda, o maior divisor de águas no espaço editorial. 
As revistas femininas têm mais pautas relacionadas a comportamento, moda, bem-estar, 
saúde. As masculinas, por sua vez, embora também apresentem lançamentos de 
cosméticos, tendências de estilo e viagens, pautam com regularidade: esportes (futebol, em 
especial), carros e motos, carreira profissional, política e economia. Isso não significa, no 
entanto, que as revistas para homens sejam mais sérias do que as para mulheres. Assuntos 
que eram restritos ao universo feminino (beleza, roupas, consumo e até mesmo 
comportamento) vêm adentrando o universo masculino. Do mesmo modo, porém com 
menos intensidade e com abordagem diferente, assuntos do universo masculino imergem 
no universo feminino. Textos sobre economia, por exemplo, costumam ter uma abordagem 
mais técnica nas publicações destinadas aos homens, enquanto que nas destinadas às 
mulheres, é feita uma contextualização que lapida essas informações, tornando-as mais 
leves e de leitura mais dinâmica. 
Em vista disso, este capítulo destina-se a contextualizar o universo editorial das 
revistas – especialmente as masculinas – e o gênero de jornalismo opinativo, com o 
propósito de, na sequência da pesquisa, colocarmos estes conceitos em contato com o que 
foi estudado sobre masculinidade. Partindo do princípio de que as revistas têm papel 
norteador e que o jornalismo opinativo faz isso mais explicitamente, intencionamos 
observar de que modo os textos da coluna Comportamento da revista GQ Brasil discutem 
temas relevantes à vida do homem contemporâneo. 
 
27 
 
3.1. Possibilidades e especificidades em revista 
 
Se o jornal inventou o jornalismo, pode-se dizer que a revista elevou o 
jornalismo (BOFF, 2013, p.189). 
 
ErbaulicheMonaths-Unterredungen (Edificantes Discussões Mensais), de acordo 
com Scalzo (2008), é conhecida como a primeira publicação do gênero revista. Originada 
na Alemanha, em 1663, tinha aspecto de livro, mas é considerada revista porque, além de 
ser voltada a um público específico, era composta por diversos artigos sobre um mesmo 
tema. ErbaulicheMonaths-Unterredungen inspirou publicações semelhantesna França 
(1665), na Itália (1668) e na Inglaterra (1680). Embora não usassem a palavra “revista” no 
nome, o que só veio a acontecer em 1704, na Inglaterra, tinham uma das principais 
características deste gênero: aprofundar-se nos assuntos mais do que os jornais e menos do 
que os livros. Segundo a autora, o modelo de revista mais parecido com o que conhecemos 
hoje em dia nasceu em Londres, no ano de 1731. The Gentleman’s Magazine inspirou-se 
nos grandes magazines (lojas que vendiam produtos variados), apresentando de forma leve 
e agradável vários assuntos a cada edição. Mira (2013) pontua que durante o século XIX, 
os magazines praticamente não tinham anúncios, sendo sustentados pela circulação paga. 
Conforme os produtos industrializados foram ganhando espaço na distribuição nacional e a 
população urbana foi aumentando, o crescimento da publicidade foi crescendo 
exponencialmente. Isso acarretou na baixa do valor de venda (chegando a centavos) e na 
influência que a publicidade exerce sobre a revista: não só no conteúdo, mas também no 
formato, como padronização de páginas e uso de cores. 
O interesse dos leitores de revistas cresceu conforme os índices de escolarização 
aumentaram na Europa e nos Estados Unidos da América. A população alfabetizada queria 
ler e se manter instruída, mas os livros eram muito profundos e vistos como objetos de 
elite, pouco acessíveis. Conforme as gráficas foram avançando tecnologicamente, as 
revistas se tornaram o meio ideal para que as pessoas lessem sobre assuntos variados. 
Desse modo, a revista passou a ser o meio-termo entre livro (leitura extensa) e jornal 
(notícias rápidas), circulando, em um só exemplar, informações sobre os novos tempos, a 
ciência e novas possibilidades. Portanto, enquanto os jornais nasceram e cresceram ligados 
a assuntos políticos, tendências ideológicas e defesa de causas públicas, as revistas – 
28 
 
relacionando-se com a cultura e a ciência – desempenharam o papel de complementar a 
educação. 
Misto de jornalismo e entretenimento, a revista é um veículo de comunicação feito 
para informar e ensinar, mas também é um produto, um negócio, uma marca; enfim, um 
conjunto de serviços (SCALZO, 2008). As primeiras revistas eram feitas por jornalismo 
especializado, isto é, aprofundavam as informações acerca de um único tema ou assunto na 
mesma edição. Quando as publicações começaram a abranger diferentes assuntos em suas 
reportagens, começou a se formar o que hoje conhecemos como revista de interesse geral. 
Buitoni (2013) pondera que especialização e segmentação assemelham-se e diferenciam-se 
em alguns pontos: ao passo que a especialização tem sentido de aprofundar temáticas – 
sem se ater a um público específico, a segmentação foca mais no recorte do público e 
menos na concentração temática. 
Desde seu surgimento, a revista esteve ligada à ideia de mercado. Enquanto os 
jornais tinham grandes tiragens, recursos e acesso às gráficas, os editores de revistas 
precisavam procurar caminhos alternativos, afastados do noticiário. Precisavam encontrar 
um diferencial que atraísse seu próprio leitor. Mesmo com sua origem relacionada a 
públicos específicos, foi no século XX que o formato revista investiu na segmentação. Nos 
anos 90, esse mercado viveu uma avalanche, com publicações superlotando as bancas. 
O jornalismo praticado nos jornais diários trata do fato presente, da diversidade de 
assuntos; direciona-se a um leitor heterogêneo; tenta representar a diversidade social; 
ocupa o espaço público. A revista, por sua vez, está condicionada ao privado, à intimidade, 
à casa do leitor. Além disso, reitera temáticas; permite estilos textuais mais criativos; 
valoriza o uso das imagens e do visual gráfico; é periódica e colecionável; prioriza temas 
de longa duração; contribui para a formação do gosto e da opinião do leitor (BENETTI, 
2013). Cabe ressaltar que o jornalismo, em sua essência, estabelece o saber do 
contemporâneo, isto é, diz ao leitor o que é atual e mostra que, por meio de suas 
informações, é possível se conectar ao presente social. Nas revistas, o sentido de presente é 
estendido. Atual não significa novo, mas sim contemporâneo (BENETTI, 2013). Percebe-
se isso mesmo em sua periodicidade, que pode ser semanal, quinzenal, mensal. 
“Configuram, desse modo, montagens em que se justapõem fotografias, ilustrações, 
informações, narrativas, materiais diversos; pequenas súmulas de imagens do 
contemporâneo” (VOGEL, 2013, p.17). Benetti (2013) se apoia em Fidalgo (2004) para 
diferenciar atualidade e novidade: enquanto atual significa algo que acontece no tempo 
29 
 
presente, novo significa tudo aquilo que o sujeito desconhecia e passa a saber. Conclui-se, 
portanto, que o jornalismo ajuda o sujeito na compreensão de si mesmo. Seguindo esse 
panorama, as revistas indicam como viver o presente, propondo novas experiências ao 
leitor. Vogel (2013) complementa essa discussão afirmando que, de certo modo, toda 
revista faz uma apresentação materialmente estável de imagens justapostas não só do 
presente como de qualquer tempo, isso significa que os periódicos sugerem reflexões sobre 
o contemporâneo, nunca representações. 
 
O sentido sobre o que é ser contemporâneo – e, portanto, sobre o que está 
ultrapassado e deve ser substituído – está poderosamente inscrito no jornalismo 
de revista. Ele diz o que importa saber agora e como deve agir, ou se imaginar 
agindo, o sujeito que está de acordo com o espírito de seu tempo. (BENETTI, 
2013, p.46) 
 
É importante abordar, também, o fato de a revista assumir um discurso normativo. 
Prado (2009) escreve que os enunciadores da mídia impressa são como cartógrafos, pois 
tracejam mapas dos mundos da cultura midiática, indicando caminhos
12
 modalizados que, 
se seguidos com determinação pelos leitores, internautas e espectadores, dizem levar aos 
lugares de pertencimento e reconhecimento desejados e anunciados como repletos de 
valores positivos. 
Segmentação remete a divisão, grupos, especificidades. Em resumo, o jornalismo 
de revista, obedecendo a conveniências de mercado, segmenta publicações a partir do 
público e seus interesses, traçando, assim, perfis mercadológicos. Gênero (feminino ou 
masculino), classe social (com suas divisões e subdivisões) e faixa etária (crianças, 
adolescentes, jovens, adultos, idosos) são recortes que determinam grupos específicos que 
partilham interesses em comum. A dinâmica atual de revista foi impulsionada pela 
inserção das publicidades nas publicações, pois assim foi possível aumentar as tiragens e 
reduzir o preço do produto final, expandindo seu alcance pelo território nacional. Nesse 
movimento de segmentação, o leitor passou a ser visto como consumidor em potencial, e o 
editor torou-se especialista em grupos de consumidores (MIRA, 2013). 
No contexto brasileiro, inicialmente, a revista não era tão segmentada, e funcionava 
como uma ferramenta de integração na “cultura brasileira” que nascia. De acordo com 
 
12
Há uma modalização de dever fazer: o que o leitor deve fazer para conseguir alcançar os valores que 
proporcionam reconhecimento e pertença. São receitas, diagramas, dicas, confiados, muitas vezes, pela 
opinião de especialistas e cientistas. O enunciador mapeia os comportamentos a serem seguidos (PRADO, 
2009). 
30 
 
Mira (2013), entre 1970 e meados dos anos 1980, um novo período na história das revistas 
brasileiras começava a delinear-se: com o Estado-nação enfraquecido, a preocupação em se 
construir uma identidade nacional desapareceu. O interesse em se comunicar com o leitor 
brasileiro se manteve, mas buscando mostrar o que ele tem em comum com leitoresao 
redor do mundo. Isso, em grande parte através da importação de títulos internacionais já 
consagrados, mostra que existe uma relação entre o processo de segmentação do mercado e 
reorganização das identidades sociais, pois, por serem fenômenos globais, tendem a formar 
segmentos internacionais de pessoas com experiências em comum, logo, tendem a 
consumir as mesmas coisas, já que consumo e construção da identidade se entrelaçam 
(MIRA, 2013). Assim, no decorrer dos anos, o mercado editorial de revistas expandiu e 
fortaleceu ainda mais a segmentação, indo além da diferenciação por classe, gênero e 
geração, cruzando essas três variáveis entre si com outras, que têm sido chamadas de estilo 
de vida. Isso qualifica a ocorrência do que Mira (2013) chama de “segmentação da 
segmentação”. Significa que as fronteiras entre jornalismo especializado e jornalismo 
segmentado estão cada vez mais amenas, no sentido de que existem publicações com sua 
segmentação tão definida, que o jornalista acaba, de certo modo, por se tornar um 
especialista em falar sobre aquele assunto, para aquela comunidade, daquela faixa etária, 
daquela classe social, etc. Nesse cenário, percebe-se que as publicações construídas por 
tematização (fotografia, jardinagem, viagem, automóveis, etc.) podem ser incansavelmente 
filtradas. 
 
Ao final da era das grandes revistas, ou seja, na “Era do Marketing”, é 
imprescindível conhecer o leitor. Um leitor que obriga todas as revistas a se 
reformularem constantemente; que leva as editoras a sondar seus desejos para 
descobrir novos nichos de mercado, num processo de segmentação da indústria 
cultural em geral que se acelera nos anos 70; um leitor por cuja atenção e 
fidelidade a competição aumentará cada vez mais. (MIRA, 2011, p.96) 
 
Uma revista bem-sucedida (em distribuição, financiamento e estabilidade) é a que 
sabe a quem se direciona, isto é, nesta época de fragmentação em que vivemos, conhecer 
os interesses, os anseios, as curiosidades do leitor-alvo é determinante para a longevidade 
da publicação, fidelizando tanto quem lê quanto quem anuncia. As revistas segmentadas 
são uma estratégia editorial para chegar a diferentes nichos de mercado. Para tal, 
estabelece-se uma relação com o leitor. 
31 
 
Ao contrário dos jornais, que se direcionam universalmente a um público amplo e 
variado, sem definir quem exatamente recebe suas informações, a revista conhece seu 
leitor e é com ele que se comunica, firmando um contrato entre eles. 
O estudioso francês Patrick Charaudeau (2006) diz que todo discurso depende, para 
a construção de seu interesse social, das condições específicas da situação de troca na qual 
ele surge, ou seja, a comunicação constitui um quadro de referência ao qual se reportam os 
indivíduos de uma comunidade social. Isso quer dizer que o ato de comunicar – com suas 
restrições de espaço, de tempo, de relação, de palavras – permite trocas sociais. O autor 
explica, ainda, que essas restrições se estabelecem “por um jogo de regulação das práticas 
sociais, instauradas pelos indivíduos que tentam viver em comunidade e os discursos de 
representação, produzidos para justificar essas mesmas práticas a fim de valorizá-las” 
(CHARAUDEAU, 2006, p.67). Isso, por conseguinte, organiza convenções e normas para 
os comportamentos linguísticos. Todo locutor deve submeter-se às restrições e, ainda, 
supor que seu interlocutor (ou destinatário) pode reconhecê-las. É a mesma situação com o 
leitor de um texto, que deve supor que quem se dirige a ele está consciente dessas 
restrições. Em suma, esse conhecimento, que é subjetivo, deve ser recíproco, concluindo-se 
que estão ligados por um contrato de comunicação. No caso do jornalismo (em especial o 
de revista), que constrói um modo de conhecimento no qual as pessoas compreendem a si 
mesmas e às outras (BENETTI, 2013), isso significa que, para ser reconhecido como tal, 
deve cumprir alguns requisitos, como o da credibilidade. Isto posto, Prado (2009) pontua 
que, nas mídias impressas segmentadas, o contrato comunicacional é mais intenso do que 
na mídia semanal, porque o enunciador, além de mapear temas como prazer, sucesso, 
beleza e moda, também constrói programas para o leitor realizar suas metas passo a passo. 
No jornalismo de revista, o contrato de comunicação conforma um discurso 
singular, resultado da confluência dos princípios deontológicos do jornalismo e das 
características materiais desse suporte (BENETTI, 2013). As relações no jornalismo são 
sempre entre sujeitos, portanto, respeitar os elementos
13
 do contrato é a chave para que o 
enunciador se reconheça como alguém que oferece jornalismo e o leitor perceba que o que 
lê é jornalismo. Há nesse processo uma condição de identidade, que, de acordo com essa 
 
13
Charaudeau (2006) indica cinco elementos do contrato de comunicação para a condição de troca: quem 
informa quem; para que informar (finalidade); sobre o que se informa; em que condições se informa e como 
se informa. “Respeitar os elementos” do contrato de comunicação não significa que eles sejam estáticos, 
imutáveis; pelo contrário, aos poucos vão se adaptando conforme ambas as partes se organizam socialmente. 
Ainda assim, seguem subjetivamente estabelecidos. 
32 
 
autora, transita entre o real e o imaginário, ou seja, o que os sujeitos sabem e o que 
imaginam sobre si e sobre o outro. 
Como escreve Ali (2009), revista se faz para o leitor, por isso a importância de se 
conhecer e compreender o público ao qual se dirige: quantos e quem são; idade; sexo; 
estado civil; classe social; onde moram; onde trabalham; quanto ganham; o que e quando 
leem; o que compram. Além de informações quantitativas, as qualitativas também são 
importantes: o que pensam; como se comportam; quais seus hábitos e expectativas. Traçar 
um perfil de leitor imaginado
14
 é essencial para que toda a equipe de redação consiga 
estabelecer o contrato de comunicação com o público, de modo que a revista consiga ser 
lida, comunicada e, então, conquiste-se a lealdade do leitor. Benetti (2008) esclarece que o 
leitor imaginado pode ser construído por pesquisas sobre os hábitos do leitor, bem como 
por informações coletadas pelo jornalista em seu cotidiano, além, é claro, por meio de 
estereótipos socialmente construídos. Assim sendo, em consonância com Charaudeau 
(2006), a autora pontua que “o jornalista imagina um leitor capaz de reconhecer as regras 
do gênero [jornalístico], compreender seu texto e considerar válido o que é narrado” 
(BENETTI, 2008). O leitor imaginado, portanto, faz parte do contrato de comunicação, 
mas habita um universo virtual. O leitor real, quando em contato com o texto, depara-se 
com uma imagem de si projetada pelo enunciador, consequentemente, 
 
Nem sempre a imagem projetada pelo outro é condizente com a que ele tem de 
si, e nesse caso os leitores real e virtual não entram em consonância. Esse 
estranhamento, que não é incomum no processo de leitura e interpretação do 
texto jornalístico, não é suficiente para borrar as fronteiras do gênero jornalístico 
nem para romper o contrato de comunicação, que não está baseado apenas sobre 
a identidade dos sujeitos, mas certamente perturba o processo comunicacional. 
(BENETTI, 2008, p. 23) 
 
A lógica do jornalismo segmentado, nesse sentido, é esta: para fidelizar o leitor é 
preciso criar um vínculo no qual ele e a revista reconhecem seus papéis; para criar o 
vínculo é preciso escrever para um grupo específico (representado pelo leitor imaginado), 
pois ele precisa sentir que a revista fala com ele, que o conhece e entende.14
 Ver Storch (2012). 
33 
 
3.2. Da nudez ao diálogo: a trajetória das revistas masculinas 
 
Mascaradas pelo rótulo de “galantes”, as primeiras revistas masculinas brasileiras 
escondiam seu conteúdo. Algumas, no entanto, no final do século XX, escancaravam o que 
eram já no título, como O Badalo, O Nabo e Está Bom, Deixa. Desse estilo, a mais famosa 
foi Rio Nu, que circulou entre 1898 e 1916, reproduzindo cartões-postais com fotografias 
eróticas. 
A Maçã foi a revista que impulsionou as publicações destinadas ao público 
masculino no Brasil. Lançada por Humberto de Campos em 1922, o semanário contava 
com a colaboração de textos de artistas e escritores conhecidos, seu diferencial. A inovação 
da publicação de Campos influenciou as outras revistas masculinas, que passaram 
gradualmente a substituir a pornografia pelo erotismo, ou seja, trocar o sexo vulgar pelo 
sexo poético. 
Devido à Censura imposta pelo Estado Novo, as “galantes” foram sumindo das 
bancas de revista. No final da década de 1950, existiam os “catecismos”,15 publicações 
clandestinas que entretiveram jovens até os anos de 1970. A revolução sexual vivida na 
década seguinte abalou tabus e preconceitos, permitindo que o erotismo e a sensualidade 
fossem tratados com mais naturalidade (EDITORA ABRIL, 2000). 
Fairplay, lançada em 1966, foi a revista brasileira que iniciou um projeto mais 
moderno. Os discretos nus femininos ganharam reforço de colaboradores como Vinicius de 
Moraes e Nelson Rodrigues. Depois de estampar a nudez das famosas Odete Lara, Betty 
Faria e Leila Diniz, e ter tiragem de 100 mil exemplares por mês, teve as portas fechadas 
pela Censura em 1971. 
Em 1975, a Abril lançou Homem, a versão brasileira de Playboy, pois a Censura 
não permitia o uso da marca criada pelo norte-americano Hugh Hefner. O título Playboy 
passou a ser usado em 1978, após a perda do título Homem para a Editora Três. Nove anos 
mais tarde, era a publicação mensal de maior circulação no Brasil. 
Pensando além das questões legais, o lançamento da revista feminina Cosmopolitan 
e da masculina Playboy com títulos em português Nova e Homem, respectivamente, indica 
um momento em que a globalização ainda está nascendo. “Pouco mais tarde, não haveria 
mais dúvida quanto à conveniência do título internacional. Quando Homem mostra que é 
 
15
 Carlos Zéfiro é conhecido como o grande artista do gênero, não exatamente pelo traço, mas pela safadeza 
no enredo de seus contos eróticos. Seu nome verdadeiro, descoberto depois de 30 anos, era Alcides Aguiar 
Caminha. 
34 
 
Palyboy, incorporando o imaginário masculino do coelho de smoking e suas coelhinhas, 
suas vendas disparam” (MIRA, 2013, p.99). 
Lado a lado, as revistas com nudez feminina estarão para os homens assim como as 
de comportamento estarão para as mulheres. Mira (2013) reflete que, mesmo com a 
estrutura familiar reorganizada e as mudanças na relação entre homem e mulher, o sexo a 
que o indivíduo pertence ainda é um fator que define a história de vida, demarcando 
preferências, ideais e hábitos, mesmo no meio urbano e modernizado. O sexo dos leitores 
é, ainda, determinante na escolha das abordagens dos redatores, em critérios editoriais e 
mercadológicos, porque as diferenças entre homem e mulher se afastam e aproximam em 
alguns pontos, mas não desaparecem. 
Olhando historicamente a obscenidade nas revistas masculinas, é importante pensar 
que seu significado é relativo à circunstância na qual está inserida. Playboy apresentou aos 
leitores uma pornografia leve, lapidada. Mesmo superada a época de repressão sexual, a 
pornografia pesada, explícita, continua velada. A estrutura classicista da sociedade 
capitalista elabora diferentes contextos: o das revistas dirigidas ao leitor de poder 
aquisitivo elevado, e o das destinadas a publicações populares (MIRA, 2013), 
depreendendo-se que 
 
A distinção entre obras eróticas e obras pornográficas, hoje, pode também 
atravessar a problemática questão de distinguir cultura de massa de cultura 
erudita. Sob o rótulo do erótico estão abrigadas aquelas obras que abordam 
assuntos relativos à sexualidade com teor “nobre”, “humano”, “artístico”, 
problematizando-os com “dignidade” estética, e de pornográfico as de caráter 
“grosseiro e vulgar”, que tratam do sexo pelo sexo, produzidas em série com o 
objetivo evidente de comercialização e de falar somente aos instintos. (MIRA, 
2013, p.113) 
 
O que percebemos é que revistas masculinas classificadas como eróticas buscam 
alcançar um perfil homem diferenciado, que desperta interesse por uma publicação que 
informe e distraia, por isso a nudez não basta. Economia, política, cultura e gastronomia, 
por exemplo, são assuntos que permeiam sua realidade, seu estilo de vida. 
A segmentação por classe não se restringe ao público; atinge, também, os 
produtores. Como mostramos no subcapítulo anterior, a revista precisa conhecer o público 
a que se dirige. É vantajoso, portanto, que editores habitem a mesma atmosfera cultural 
que seus leitores, pois assim se torna mais fácil satisfazer as expectativas dos consumidores 
de suas revistas. Conhecer seus desejos, suas fantasias, suas margens culturais, é 
determinante para a manutenção do contrato de comunicação e garantir a sobrevivência no 
35 
 
mercado. A revista e o homem compartilham uma linguagem entre si por intermédio de 
texto e imagem, estabelecendo-se, assim, um processo de comunicação e cumplicidade 
“entre homens”, como bem escreve Mira (2013). Essa é uma relação que ainda está se 
harmonizando. Basta folhear as revistas masculinas para perceber que, ainda que existam, 
os espaços dispostos a conduzir os homens à reflexão dos seus sentimentos continuam 
restritos. Geralmente limitado às páginas editorialmente autorizadas – como as colunas, as 
crônicas e os artigos – o jornalismo opinativo funciona como lugar de discussão; 
acolhedor, nas publicações destinadas aos homens, convida-os a pensar questões que 
circundam o atual mal-estar da masculinidade. 
 
3.3. Jornalismo opinativo: o divã da revista 
 
O jornalismo de opinião surgiu no século XVII. As publicações – que até então 
eram bastante comerciais – passaram a expressar diferentes ideologias, gerando polêmicas, 
conflitos políticos, mobilizações sociais. Em consequência, o jornalismo se tornou 
instrumento de divulgação de ideais, tanto para ataque quanto para defesa (MARSHALL, 
2003). A imprensa, então, começa a ter poder político e econômico. 
Nas publicações brasileiras, muitas vezes, uma só pessoa exercia a função de 
demonstrar a opinião da empresa: o editor. Com o decorrer dos anos, no entanto, a 
imprensa seguiu outros rumos. Não mais empresa individual, tornou-se uma ampla 
instituição, com aumento de profissionais jornalistas e, também, de colaboradores, sendo 
possível a expansão do quadro de funcionários envolvidos no setor opinativo da 
instituição. Ainda que cada veículo possua uma linha editorial diferente, aparece aí a 
fragmentação da opinião – nova tendência na imprensa nacional. Marques de Melo (1994) 
destaca que essas mudanças são perceptíveis nos gêneros
16
 opinativos através dos 
emissores
17
. 
 
16
 A discussão sobre a divisão do jornalismo em gêneros é extensa, não cabendo em sua totalidade neste 
trabalho. O conceito de “gênero” utilizado por maior parte dos pesquisadores brasileiros de comunicação 
segue aquele desenvolvido por Bakhtin (1981): tipos relativamente estáveis de enunciados. Para uma reflexão 
mais completa e atual, ver Seixas (2009). 
17
José Marques de Melo (1994) elenca quatro emissores: empresa,

Continue navegando