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Os militares e o espaço do Rio de Janeiro um programa de pesquisa em geografia urbana e geopolítica

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 Scripta Nova 
 
 REVISTA ELECTRÓNICA DE GEOGRAFÍA Y CIENCIAS SOCIALES 
 
 Universidad de Barcelona.  
 ISSN: 1138-9788.  
 Depósito Legal: B. 21.741-98  
 Vol. X, núm. 218 (27), 1 de agosto de 2006  
 
 
 OS MILITARES E O ESPAÇO 
 URBANO DO RIO DE JANEIRO: 
 UM PROGRAMA DE PESQUISA EM GEOGRAFIA URBANA E GEOPOLÍTICA
Nelson da Nobrega Fernandes 
 
 Departamento de Geografia 
 Universidade Federal Fluminense 
 
Os militares e o espaço 
 do Rio de Janeiro: um programa de pesquisa em geografia urbana e geopolítica 
 (Resumo) 
O aspecto geopolítico e militar 
 da ocupação da cidade só merece maiores atenções 
 nos episódios da sua fundação. Contudo, exercendo a primazia 
 geopolítica brasileira entre as metades dos séculos XVIII e XX, 
 o espaço urbano da antiga capital do Brasil foi extensamente marcado 
 pelas instituições militares. O auge desta situação 
 ocorre na primeira metade do século XX com o processo de modernização 
 das forças armadas, bem como pelo crescente protagonismo político 
 da corporação militar na vida brasileira e da cidade, com a fixação 
 de mais de um quarto do total de seus efetivos no antigo Distrito Federal. Encontra-se 
 em todos os setores da área urbana várias unidades militares, 
 algumas com a extensão de diversos bairros. Investigar as forças 
 armadas como um agente modelador do espaço urbano do Rio na primeira 
 metade do século XX é o eixo deste projeto de pesquisa. 
Palavras-chaves espaço 
 urbano, militares, Rio de Janeiro 
   
 
 
 The military and the space 
 of Rio de Janeiro: a research program on Urban Geography and Geopolitics (Abstract)
 
 The geopolitical and military 
 aspect in the city’s occupation only deserves much attention if we take into 
 consideration the episodes of its foundation. However, taking the Brazilian 
 geopolitical primacy between the halves of the 18th and 20th centuries, the 
 urban space of Brazil’s old capital was extensively marked by military institutions. 
 The highest point of this situation takes place in the first half of the 20th 
 century with the armed forces modernization process as well as the growing 
 political protagonism of the military corporation in the Brazilian life and 
 in the city, with the settlement of more than a quarter of all the military 
 personnel in the old Federal District. It is possible to find several military 
 units in all sectors of the urban area, some with the same extension as many 
 districts. The axis of this research project is to investigate the armed forces 
 as a shaping agent of Rio de Janeiro’s urban space in the first half of the 
 20th century.
 
 
 Key words: urban space, 
 the military, Rio de Janeiro
  Tradicionalmente, o 
 aspecto geopolítico e militar da ocupação da cidade do 
 Rio de Janeiro só mereceu maiores atenções no episódio 
 da sua fundação pelos portugueses e nos primeiros tempos da colonização, 
 como se pode ver em Bernardes (1962) e Cardoso (1968). Após a consolidação 
 da cidade fortificada na acrópole do Morro do Castelo e com o desenvolvimento 
 mercantil na cidade baixa, a função geopolítica e militar 
 vai desaparecendo de suas descrições. É como se a relações 
 entre os assuntos militares e a cidade tivessem deixado de existir ou perdido 
 importância. Em 1999 este juízo foi amplamente reconhecido em seminário 
 organizado pela Escola Superior de Guerra (ESG), a Fundação de 
 Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e a Academia Brasileira 
 de Ciências, em cujos anais seus organizadores escrevem o seguinte: “o 
 que há de novo neste livro é o descobrimento desta convivência. 
 (...) foi necessário que a instituição militar de ensino 
 de maior prestígio no país, a Escola Superior de Guerra, comemorasse 
 cinqüenta anos, para que fosse possível a montagem de um ciclo de 
 palestras que envolvesse a academia, os estudiosos e historiadores militares 
 no desvelar dessa relação (Krieger; Pereira; Peregrino, 1999: 
 5)”. 
De uma maneira geral, com as devidas 
 exceções, a exemplo de Everardo Backeuser, este divórcio 
 é compreensível perante a recusa generalizada entre os geógrafos 
 em discutir temas geopolíticos, como foi denunciado por Yves Lacoste 
 (1978) em A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra. Entretanto, 
 argumentos geopolíticos levantados principalmente pelos militares, acusando 
 a vulnerabilidade do Rio – por sua posição costeira e pelo perigo 
 que a agitação das massas representava para o governo central 
 (Vesentini: 1986) -, foram acionados para justificar a transferência da 
 função de capital federal e a construção de Brasília. 
Sendo desde o princípio um 
 dos principais pontos estratégicos da geopolítica brasileira, 
 tendo ocupado a sua primazia política entre o século XVIII e a 
 primeira metade do século XX, o espaço do Rio de Janeiro foi muito 
 marcado pelas instituições militares e suas instalações. 
 Acompanhando a evolução da cidade observamos o crescimento e diversidade 
 dos espaços militarizados, que foram determinados, evidentemente, pelas 
 possibilidades e necessidades do Estado nas diferentes conjunturas geopolíticas 
 ao longo de quatro séculos (Pondé, 1967). 
Os espaços militares têm 
 uma grande força de permanência, num certo sentido comparável 
 à das instituições religiosas e seus edifícios, 
 bem como uma lógica espacial subordinada a seus interesses e objetivos 
 particulares. Foram estes elementos que orientaram onde e como determinadas 
 áreas da cidade passaram a ser incorporadas para o desenvolvimento de 
 suas atividades. Assim, de leste a oeste e de norte a sul, o território 
 do município está marcado por muitas instalações 
 militares, algumas com a extensão de vários bairros, como nos 
 casos de Vila Militar e Bases Aéreas do Galeão e dos Afonsos. 
 São Cristóvão, Praia Vermelha, Realengo e Grajaú 
 têm ou tiveram diferentes unidades militares, que não raro possuíam 
 também vilas ou conjuntos residenciais. Na própria área 
 central da cidade existem grandes unidades do exército: a monumental 
 e antiga sede do Ministério da Guerra, no Campo de Santana; da Marinha, 
 no litoral entre a Praça 15 e a Praça Mauá e mais um conjunto 
 de ilhas próximas; e da Aeronáutica, na Esplanada do Castelo e 
 Aeroporto Santos Dumont. 
Como centro geopolítico do 
 país desde o século XVIII, quando lhe é atribuído 
 pelos portugueses a condição de capital, o Rio sempre concentrou 
 grandes contingentes do exército e da marinha, especialmente com o advento 
 da República. Segundo Carvalho (2005: 32), durante o Império “a 
 localização das forças do Exército obedecia a dois 
 objetivos: a proteção de fronteiras potencialmente conflituosas 
 e o controle de alguns centros urbanos litorâneos tradicionalmente inquietos, 
 sobretudo a própria sede do governo central”. Era uma distribuição 
 bastante desigual, pois o Estado do Rio Grande do Sul e a cidade do Rio de Janeiro 
 concentravam quase 50 per cento do Exército. Em 1888, estavam alocados 
 no Rio o segundo contingente do Exército (15, 65 per cento), o Rio Grande 
 do Sul ocupava o primeiro lugar (31, 13 per cento), Mato Grosso o terceiro lugar 
 (10,8 per cento). São Paulo (3, 29 per cento) e Minas Gerais (0,96) estavam 
 praticamente desguarnecidos; Bahia e Pernambuco (5 per cento) ficavam em posição 
 intermediária. 
Com a República observa-se 
 o aumento do contingente do exército no centro-sul, especialmente na 
 capital do país. Em 1920, a participação do então 
 Distrito Federal
deu um salto para 26,18 per cento dos efetivos do Exército, 
 os de São Paulo e Minas Gerais cresceram, respectivamente, para 8,56 
 per cento e 8,82 per cento, enquanto no Rio Grande do Sul houve pequena redução 
 (21,68 per cento). O Mato Grosso (2,60), a Bahia (3,60) e Pernambuco (1,64) 
 sofreram fortes perdas na nova geografia do exército da República. 
 De qualquer forma, foi mantido o padrão imperial de fixar quase 50 per 
 cento dos efetivos militares em apenas duas unidades da federação. 
 Para Carvalho (op.cit.:33) tal concentração explica que desde 
 a República até  1964 “quase todos os movimentos militares 
 de âmbito nacional  (...) caracterizaram-se por choques, reais ou 
 previstos, entre tropas que vinham do Rio Grande do Sul e tropas que iam do 
 Rio de Janeiro”. 
 Esta notável expansão 
 da guarnição na capital federal nas primeiras décadas do 
 século XX reflete uma situação em que para o poder central 
 o controle da cidade tornou-se ainda mais estratégico que no Império, 
 especialmente levando-se em conta que a Marinha também ali mantinha suas 
 principais frotas e arsenais. E isto irá se ampliar ainda mais com o 
 desenvolvimento da aviação militar e a criação da 
 Aeronáutica. É de se esperar que a destinação de 
 diversas áreas espalhadas por todo espaço do Rio de Janeiro para 
 uso militar resultou em muitas conseqüências para o desenvolvimento 
 de sua dinâmica e configuração espacial urbana. 
A investigação destes 
 problemas poderá levantar e elucidar diferentes questões não 
 abordadas ou previstas pelos estudos urbanos e a literatura urbana carioca. 
 O período a ser estudado compreende o inicio do século XX, quando 
 começa o chamado processo de modernização e profissionalização 
 das forças armadas, até 1960, quando os efeitos da transferência 
 da capital para Brasília reorientam a posição da cidade 
 no quadro geopolítico do país. Como se sabe, por parte das forças 
 armadas a década de 60 corresponde também ao clímax de 
 sua crescente interferência na vida política e social do Brasil. 
 É um marco para a história política das organizações 
 militares, do país e da própria cidade. 
Neste estudo pretendo problematizar 
 como as instituições militares construíram e ocuparam uma 
 parte significativa do espaço urbano do Rio de Janeiro. Cálculos 
 ainda precários indicam que as áreas militares podem alcançar 
 parcelas significativas do território urbanizado do Rio de Janeiro. Por 
 esta razão o objetivo geral da pesquisa é tratar as forças 
 armadas como um agente de produção do espaço urbano, através 
 da magnitude de sua ação e considerando a especificidade e complexidade 
 das suas necessidades, assunto que ainda não foi devidamente reconhecido 
 pelos estudos urbanos do Rio de Janeiro. 
O fato de apenas uma cidade abrigar 
 mais de um quarto das organizações militares de um país 
 indica que este é o seu espaço mais militarizado; confere ao Rio 
 de Janeiro uma situação urbana bastante singular, seja do ponto 
 de vista do território nacional, seja do ponto de seu ordenamento interno. 
 Conforme já observei, esta presença militar se ampliou ao longo 
 da primeira metade do século XX. No caso do Exército, números 
 fornecidos por Carvalho (2005:58) apontam que entre 1888 e 1920 seu efetivo 
 na cidade passou de 1839 para 11 236 homens, aumentando em seis vezes. E naturalmente, 
 esta expansão dos efetivos militares e suas respectivas atividades necessitaram 
 de terrenos e infra-estruturas para sua acomodação em uma escala 
 bastante considerável. Atualmente estão concentrados na cidade 
 cerca de 70 per cento da Marinha e 30 per cento da Aeronáutica e do Exército 
 respectivamente  (Lessa: 1999). 
O primeiro objetivo específico 
 da pesquisa é conhecer a amplitude das forças armadas como um 
 agente modelador do espaço urbano; inventariar, quantificar e analisar 
 o crescimento das áreas militares no Rio de Janeiro, apontado suas relações 
 e conseqüências para o ordenamento interno do espaço urbano 
 durante a primeira metade do século XX. 
Um princípio teórico 
 geral de análise recomenda que o entendimento da atuação 
 de um agente modelador do espaço urbano requer identificar a especificidade 
 de suas ações, necessidades, projetos e projeções 
 na sociedade. É preciso conhecer a lógica das organizações 
 militares, em que, quando e como ela é diferente de outros agentes públicos 
 e privados tradicionais no processo de produção do espaço 
 urbano do Rio de Janeiro. Este é um segundo objetivo específico 
 a ser alcançado. Pretendo desse modo qualificar o processo de expansão 
 das áreas militares, relacionando-o diretamente com as necessidades e 
 objetivos de seus promotores. 
Finalmente, o terceiro objetivo 
 da pesquisa é a reconstituição das relações 
 entre a evolução interna das forças armadas e sua crescente 
 participação na vida política do Brasil com as características 
 de sua intervenção no espaço urbano da cidade.  Trata-se 
 de uma linha de investigação necessária para reconhecer 
 os nexos entre a organização militar e seu espaço na cidade. 
 Neste sentido, pretendo focalizar as forças armadas segundo três 
 aspectos. A reorganização e profissionalização; 
 a industrialização da guerra e seus efeitos sobre o os espaços 
 militares; a crescente participação dos militares na vida política 
 e social do país. 
Esta pesquisa se justifica por duas 
 razões. Em primeiro lugar a trajetória do pesquisador que tem 
 se dedicado aos problemas da evolução urbana do Rio de Janeiro 
 entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século 
 XX (Fernandes, 1996, 1998, 1999, 2001ª, 2001 b), possuindo, portanto, experiêencia 
 sobre o estado do conhecimento e dos problemas da questão. Trata-se de 
 uma pesquisa nova sobre a geografia urbana carioca que vem sendo realizada de 
 forma sistemática há mais de dez anos, podendo ser entendida como 
 um aprofundamento de estudos sobre o espaço urbano carioca, focalizado 
 sobre o aspecto ideológico, simbólico, político e cultural. 
 A partir de 2004 venho orientando dissertações e teses de graduação 
 e pós-graduação sobre estes temas.  Como segunda justificativa 
 levanta-se a favor dessa pesquisa a escassez ou ainda o pequeno leque de tipos 
 de abordagens nos estudos sobre os militares e suas organizações. 
 Campos (1985) e Carvalho (2005) demonstram e caracterizam este quadro amplamente, 
 indicando novas e promissoras linhas de investigação. 
A primeira razão levantada 
 decorre do fato de a relação entre o espaço urbano do Rio 
 de Janeiro e, dentro dele, a posição destacada das áreas 
 militares, chamarem a minha atenção desde uma pesquisa sobre o 
 subúrbio carioca (Fernandes: 1996), quando constatei que a expansão 
 da cidade para oeste, ao longo do eixo ferroviário da Central do Brasil, 
 foi interceptada pela extensa área ocupada pela Vila Militar e o Campo 
 de Instrução do Gericinó. A mancha urbana do Rio que já 
 é bastante extensa e descontínua, em razão da presença 
 dos Maciços da Tijuca e da Pedra Branca, se expande e se fragmenta ainda 
 mais por força desses espaços militares que excluem ou não 
 podem conviver com outras formas de uso e ocupação do solo. 
Posteriormente, comecei a indagar 
 qual a origem do modelo e a lógica espacial que presidiu a implantação 
 da Vila Militar, em 1909, então situada na zona rural do Distrito Federal. 
 As primeiras investigações sobre esta unidade do Exército 
 mostraram que a sua construção foi parte do projeto de reorganização 
 das forças armadas brasileiras, que começou a ser esboçado 
 com a proclamação da República mas, de fato,  só 
 implantado nas duas primeiras décadas do século XX. A Vila Militar 
 é, sem duvida, um dos “fixos” espaciais mais expressivos da modernização 
 do Exercito.
Entretanto, nos levantamentos realizados até agora não 
 encontramos qualquer estudo sobre o assunto. Nada de mais significativo foi 
 achado nos livros e periódicos da Biblioteca do Exército. Em seu 
 Arquivo geral só achei um único relatório do comandante 
 da Vila Militar, prestando consta de sua gestão do ano de 1914, e o responsável 
 pelo principal acervo da memória do Exercito me assegurou que ali nada 
 mais existe. 
A falta de informações 
 e estudos maiores sobre a Vila Militar já é uma boa razão 
 para justificar esse projeto de pesquisa, considerando o seu impacto no tecido 
 urbano. Mas essa dimensão se amplia quando relacionamos a sua construção 
 com o processo de modernização das forças armadas no século 
 XX, quando tentamos entendê-la em sua dimensão espacial, o que 
 obriga a trabalhá-la também como um estudo sobre os militares. 
Como já foi salientado, em 
 Campos e Carvalho encontra-se reiteradamente o estímulo para esta orientação.  
 Campos (op. cit.:15) lamentou a estreiteza da tradição de se estudar 
 os militares quase exclusivamente sob o ângulo das intervenções 
 armadas na política: “um fato obviamente compreensível, mas [que] 
 não deixa de se constituir um desvio. Afinal as intervenções 
 militares são apenas o aspecto mais espetacular do comportamento da instituição, 
 geralmente o momento de explosão de tendências que se formaram 
 ao longo dos períodos de normalidade: frustrações, isolamento 
 ou reclusão dentro de um universo socialmente estreito, crise permanente 
 de identidade profissional e assim por diante”. O peso dessa tradição, 
 com uma ou outra exceção, impediu que o tratamento dos militares 
 em seu cotidiano nos quartéis, como e onde vivem, seus hábitos, 
 “as comemorações e cerimoniais da instituição e 
 todo o universo simbólico que marca a vida do soldado”. É o politicismo 
 das crises militares que marcam seus estudos, por isto a sociologia deveria, 
 na opinião de Campos: “resgatar a instituição militar como 
 objeto de análise por si mesma, e não pelos traumatismos de toda 
 ordem que elas provocam”. 
A proposição de Campos 
 de se estudar os processos que envolvem as forças armadas como uma instituição 
 em seu processo de constituição multifacetado justifica amplamente 
 a pesquisa sobre a suas dimensões espacial, geográfica, política, 
 social e paisagística da cidade do Rio de Janeiro. E tanto o tempo como 
 o espaço do Rio de Janeiro estão se revelando um universo riquíssimo 
 para se desenvolver tal proposta, por que aqui se concentrou um dos aspectos 
 mais marcantes da história das forças armadas no século 
 XX, ou seja, a sua modernização, cuja complexidade faz parte das 
 transformações da sociedade e do Estado brasileiro. Trata-se de 
 um processo de adequação aos tempos modernos, a uma conjuntura 
 altamente beligerante da primeira metade do século XX  e seus dois 
 conflitos mundiais, que trouxe o serviço militar obrigatório, 
 reorganizou as unidades do Exército e criou as Brigadas Militares. Entre 
 1906 e 1914 jovens oficiais foram enviados à Alemanha para estagiar em 
 seu exército, e o Forte de Copacabana foi construído com assessoramento 
 germânico. 
Durante este período esteve 
 à frente dessas iniciativas o Marechal Hermes da Fonseca, primeiro com 
 Ministro da Guerra, e depois, como Presidente da República. Hermes visitou 
 a Alemanha, em 1908, e Paris, em 1910, onde tratou e se informou sobre problemas 
 ligados à modernização dos exércitos europeus, inovações 
 da grande indústria, “inclusive plantas e informes urbanísticos 
 relativos a vilas operárias” (Fonseca Filho, 1961: 126). Hermes deve 
 ter utilizado modelos e idéias colhidas nestas ocasiões na construção 
 da  Vila Militar e da Vila Proletária Marechal Hermes, esta última 
 parcialmente  inaugurada em 1913, sendo de fato a primeira intervenção 
 federal na questão da habitação popular no Brasil. 
O aprofundamento dessa pesquisa 
 deverá ser uma investigação sobre as influências 
 germânica e francesa como matrizes espaciais e geográficas no pensamento 
 militar brasileiro.  No caso da França tal presença se verifica 
 por mais de 20 anos, pois entre 1919 e 1942 o Brasil contratou e renovou seguidamente 
 um acordo com uma missão militar formada por oficiais daquele país 
 (Malan: 1988). É importante destacar que o pensamento militar modernizador 
 tinha consciência que seus objetivos dependiam de uma reordenação 
 do espaço nas mais diferentes escalas. Assim, como observou Fonseca Filho 
 (op. cit.: 18) a respeito da educação do “soldado-cidadão”, 
 aspecto capital da modernização das forças armadas, a sua 
 formação não poderia se dar em qualquer ambiente: “Com 
 o serviço militar obrigatório, vem a necessidade de quartéis 
 higiênicos, confortáveis e campos de instrução. A 
 maioria dos corpos está aquartelada em casarões que não 
 preenchem as exigências do conforto e da sociabilidade indispensáveis 
 à vida dos conscritos, nos quais se encontrará o mais rude camponês 
 com o mais sofisticado intelectual”. 
Ao longo da história a fundação 
 de cidades e seu desenvolvimento encontraram nas necessidades de natureza militar 
 e geopolítica uma presença mais ou menos constante. A função 
 defensiva e de proteção é uma das características 
 mais essenciais dos sítios urbanos. Como diz Mumford (1982), morfologicamente 
 a cidade é um “recipiente”. Muito frequentemente constata-se que o fenômeno 
 urbano surgiu e se desenvolveu ao lado de fortes e fortalezas, pontos que associados 
 hierarquicamente formavam a rede de poder territorial dos Estados. Quando não 
 foi assim, o aumento da importância política ou econômica 
 das cidades requisitou a ampliação de segurança e proteção 
 com suas respectivas instalações - fortes, quartéis, depósitos, 
 estrebarias, oficinas, estaleiros, muralhas, arsenais – formando uma parte muitas 
 vezes expressiva e indiscutivelmente estratégica do tecido urbano. Obviamente, 
 por envolverem objetivos e conveniências do sistema de poder são 
 espaços fechados ao uso e ao conhecimento da maior parte de seus cidadãos. 
Uma boa parte da compreensão 
 que temos hoje sobre o processo de produção do espaço urbano 
 resulta de estudos sobre os seus agentes modeladores como o Estado, os proprietários 
 fundiários, as diversas frações do capital, grupos e classes 
 sociais, mais ou menos nessa ordem de importância: Harvey ( 1972), Capel 
 ( 1975), Casttels: 1979), Lojkine (1981) e Corrêa (1989). O modo como 
 esses grupos projetam, disputam e se apropriam do espaço da cidade, nas 
 suas diferentes partes e períodos de tempo, muito nos diz sobre as formas, 
 os processos, as funções e estruturas (Santos: 1988: 49) que especificam 
 a dinâmica urbana. 
Considerando as diversas conjunturas 
 é compreensível que o avanço dos estudos sobre um determinado 
 tema privilegie certos aspectos deixando outros de lado. Contudo, mais cedo 
 ou mais tarde, graças a uma visão mais complexa e ampla do objeto 
 pode-se ter a oportunidade de enxergar zonas obscuras e mal-conhecidas, certo 
 silêncio com alguns assuntos e personagens sobre os quais não se 
 fala e não se investiga apesar de estarem presentes e por longo tempo 
 em nossa paisagem. Este é bem o caso das organizações militares 
 enquanto agente modelador do espaço urbano do Rio de Janeiro, pois sua 
 importância estratégica, política e econômica para 
 o país sempre teve por conseqüência a militarização 
 de diversas partes da cidade. 
Se as forças armadas fossem 
 uma organização estatal comum, esta pesquisa seria apenas um estudo 
 de caso da intervenção do Estado como agente modelador do espaço 
 urbano. O problema  é que as forças armadas têm particularidades 
 inconfundíveis, o que requer uma compreensão teórica e 
 empírica do papel histórico
dos militares no Brasil. Nesta direção 
 parece adequada à proposição de Carvalho em se estudar 
 as forças armadas do ponto de vista do conceito sociológico das 
 organizações. Diferente dos analistas que se limitaram a refletir 
 sobre a evolução das forças armadas como reações 
 aos estímulos externos da vida política, ou que os militares funcionem 
 como simples representantes de grupos sociais, ele argumenta: “a sociologia 
 tem mostrado exaustivamente (...) que as organizações possuem 
 características e vidas próprias que não podem ser reduzidas 
 a meros reflexos de influências externas. Isto vale particularmente para 
 as organizações militares que, além de serem de grande 
 complexidade, se enquadram no que Erving Goffman chama de instituições 
 totais”. Sua característica mais marcante é o grande controle 
 que exercem sobre o cotidiano de seus membros, que “chega a exigir uma radical 
 transformação da personalidade”, impondo-lhes comportamentos e 
 valores que resultam em identidades específicas. “Uma identidade mais 
 forte aumenta o grau de autonomia da organização em relação 
 ao meio-ambiente” (Carvalho, op. cit.: 13).  Usando as palavras de Carvalho, 
 é possível formular a questão de como os militares construíram 
 a sua autonomia no “meio-ambiente” do Rio de Janeiro, como os seus espaços 
 foram estrategicamente construídos para as suas finalidade e projetos. 
Adotar a análise organizacional 
 em nosso caso parece bastante adequado. Afinal de contas, o espaço é 
 um dos meios fundamentais para que uma determinada lógica social e política 
 funcione, e é através do espaço, como observou Soja (1993), 
 que a sociedade organiza o tempo e a sua vida.  Neste sentido, pode-se 
 dizer que a análise do espaço militar dentro desse trabalho é, 
 em boa parte, um aspecto do estudo organizacional das forças armadas, 
 isto é, como um problema que diz respeito à dialética espaço 
 e sociedade, um objetivo sempre almejado e que justifica a própria geografia 
 enquanto ciência social. 
   
   
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 Nobrega Fernandes, 2006
 © Copyright Scripta 
 Nova, 2006 
  
 
 
 
 Ficha bibliográfica:
 
 
   
 FERNANDES, N. da Nobrega.Os
militares e o espaço 
 do Rio de Janeiro: um programa de pesquisa em geografia urbana e geopolítica. 
 Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias 
 sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 
 2006, vol. X, núm. 218 (27). <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-27.htm> 
 [ISSN: 1138-9788]
 
 
 
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