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Eduardo Leal de Araújo Ciro Rodrigues Feitosa Kevin Lino Barbosa de Souza Moisés Ferreira dos Santos Júnior A GEOPOLÍTICA DO PRÉ-SAL: BRASIL, ESTADOS UNIDOS E O ATLÂNTICO SUL (2006-2016) Salvador, Bahia 2017 1 A GEOPOLÍTICA DO PRÉ-SAL: BRASIL, ESTADOS UNIDOS E O ATLÂNTICO SUL (2006-2016) Ciro Rodrigues Feitosa1 Eduardo Leal de Araújo2 Kevin Lino Barbosa de Souza3 Moisés Ferreira dos Santos Júnior4 1 Relações Internacionais, UNIJORGE; ciro.rfeitosa@gmail.com 2 Relações Internacionais, UNIJORGE; eduardo.leal73@hotmail.com 3 Relações Internacionais, UNIJORGE; kevin_lino@live.com 4 Relações Internacionais, UNIJORGE; moisesfsj@gmail.com 2 SUMÁRIO Resumo -------------------------------------------------------------------------------------- 3 Introdução ----------------------------------------------------------------------------------- 4 Direito do Mar e a Questão do Pré-Sal -------------------------------------------------- 5 A Geopolítica Brasil - Estados Unidos -------------------------------------------------- 8 ZOPACAS e a Securitização do Atlântico Sul ----------------------------------------- 10 Considerações Finais ---------------------------------------------------------------------- 14 Referências Bibliográficas ---------------------------------------------------------------- 15 3 RESUMO A partir do referencial teórico da Escola de Copenhague, uma análise foi feita sobre a geopolítica entre Brasil e Estados Unidos na questão do Pré-Sal e as mudanças político- econômicas que ocorreram entre 2006 e 2016. A alteração do direcionamento econômico do governo do Brasil tem se mostrado mais subserviente aos interesses americanos (de forma específica), abrindo mão da exclusividade sobre seus recursos naturais, como petróleo e gás, para que empresas estrangeiras explorem estas reservas e lucrem sobre elas. O apoio da ZOPACAS, dos países signatários da Convenção de Montego Bay e o aumento nos investimentos em securitização do Atlântico Sul, assim como dos sistemas de defesa do país são as principais alternativas do Brasil para proteger suas reservas naturais de petróleo e gás contra a tentativa estadunidense de expandir sua área de influência sobre as reservas minerais do Pré-Sal brasileiro. Palavras-chave: Geopolítica; Brasil; Estados Unidos; ZOPACAS; Pré-Sal; Atlântico Sul ABSTRACT From the Copenhagen’s School Theoretical benchmark, an analyses were done about the geopolitical relations between Brazil and the United States of America regarding to the Pré-Sal issues and the political-economic changes occurred between 2006 and 2016. The alteration of the economic direction of the Brazilian government has been shown more subservient to American’s interests (specifically), waiving the exclusivity over its natural resources, like oil and gas, to foreign enterprises exploiting our goods and profits. The support of ZOPACAS; the Montego Bay’s signatories’ members and the increase of investments into securitization of the South Atlantic, as much as the countries defense systems are de main Brazilian alternatives to protect its natural oil and gas reserves against the American attempt to expand it area of influence over the Brazilian borders. Key-words: Geopolitics; Brazil; United States of America; ZOPACAS; Pré-Sal; South Atlantic RESUMEN A partir del referencial teórico da Escuela de Copenhague, se hizo una analice sobre la geopolítica entre Brasil y Estados Unidos referente al Pré-Sal y los cambios político- económicos que ocurrieron entre 2006 y 2016. La alteración de la orientación económica del 4 gobierno de Brasil se ha mostrado más subordinada a los intereses estadounidenses (de forma específica), abriendo mano de la exclusividad sobre sus recursos naturales, como el petróleo y el gas, para que empresas extranjeras exploten estas reservas e lucren con ellas. El apoyo de la Zona de Paz y Cooperación del Atlántico Sur (ZOPACAS), de los países firmantes de la Convención de Montego Bay y el aumento de las inversiones en seguridad del Atlántico Sul, así como de los sistemas de defensa del país, son las principales alternativas de Brasil para proteger sus reservas naturales de petróleo e gas contra el intento estadunidense de expandir su área de influencia sobre las reservas minerales del Pré-Sal brasileño. Palavras-chave: Geopolítica; Brasil; Estados Unidos; ZOPACAS; Pré-Sal; Atlántico Sur INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objeto de estudo o trato das relações geopolíticas entre o Brasil e os EUA no que tange à reserva do Pré-Sal, à importância do Atlântico Sul no reforço da soberania brasileira e à securitização do território marítimo denominado “Amazônia Azul” frente às ameaças estrangeiras, além da projeção de poder do Estado brasileiro na posição de líder emergente e desafiador da ordem hegemônica estabelecida. Dessa forma, utilizando como referencial teórico os preceitos epistemológicos da Escola de Copenhague, estruturar-se-á a pesquisa, inicialmente, realizando uma breve explicação sobre a reserva de petróleo na camada Pré-Sal, desde a sua descoberta em 2006, durante o governo do então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva até os dias de hoje. Em um segundo momento abordar-se-á as questões relativas ao Direito do Mar, a partir da Convenção de Montego Bay de 1982 ocorrida na Jamaica, na qual foram estabelecidas zonas marítimas sob a soberania do Estado costeiro e os limites da extensão dessa soberania. Convenção esta, no entanto, que não foi aderida por todos os participantes, a exemplo dos Estados Unidos. Na segunda parte, procuraremos analisar duas alternativas que o Brasil possui para proteger o Pré-Sal, bem como as outras riquezas minerais e naturais que se encontram ao longo do seu litoral. A primeira delas é, utilizando-se de um processo de securitização, destinar uma parte considerável dos recursos da União ao desenvolvimento de novos meios (militares, tecnológicos, ambientais) capazes de proteger nossos recursos naturais do poder das nações imperialistas. Na sequência abordaremos como se caracterizam as relações geopolíticas entre as nações, na busca pela projeção de poder e/ou manutenção da hegemonia no Atlântico Sul, 5 demonstrada significativamente na reativação da IV Frota como ferramenta de dissuasão; na criação da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul como mecanismo de contenção e proteção para os países membros; além da utilização de espionagem da Agência de Segurança Nacional Americana (NSA, na sigla em inglês) como revelado pelo WikiLeaks. Para finalizar, colocaremos em pauta projeções de como o novo (e questionado) governo do Presidente Michel Temer pode interferir nas projeções de crescimento internacional do Brasil e minar todas as conquistas relativas ao tema adquiridas durante os governos anteriores, relegando ao país, novamente, um status de subserviência aos interesses das grandes potências. DIREITO DO MAR E A QUESTÃO DO PRÉ-SAL A importância real de se regulamentar a exploração e uso do mar começou séculos depois de terem inventado meios de transporte marítimos. A jurisdição dos Estados era medida muito mais pela divisão terrestre do que divisão em mar, sendo que esse recurso era mais usado para exploração de recursos (biológicos ou não) e transporte, gerando pouca importância para os Estados naquela época, com a exceção de tempos de guerra, onde batalhas marítimas já foram travadas. Com opassar do tempo novas formas foram sendo criadas para o uso do mar em prol do interesse humano, e em 1856 houve o Congresso de Paris, onde visava pela primeira vez sistematizar o direito do mar. Naquele momento, a sociedade internacional vivia em um ambiente hostil, o que traz à tona a necessidade de regras mais rígidas no que tange a esse ramo do direito, para serem aplicadas aos Estados. Após a criação do Tratado de Versalhes, foi-se discutindo o uso comum do mar por parte dos Estados; levando-se em conta que neste momento de pós-Primeira Guerra Mundial, vários temas no que se menciona a paz e regulamentação de diversos assuntos foram crescendo nas relações internacionais. 6 Figura 1 - Limites marítimos após a Convenção de 1982 Fonte: Secretaria da Comissão Interministerial para s Recursos do Mar - Marinha do Brasil5 Após várias convenções e a criação da ONU em 1945, houve a Convenção das Nações Unidas sobre direito do mar em 1982 em Montego Bay na Jamaica. Foi um grande avanço em âmbito internacional na regulamentação da jurisdição marítima principalmente no que tange à delimitação da costa para os Estados que ratificaram o tratado. Em termos geopolíticos isso se tornou benéfico para alguns Estados e um malefício para outros: alguns países podem se beneficiar da possibilidade de pedido para extensão além das duzentas milhas marítimas da borda externa da plataforma continental, que é o que pede o Brasil, por exemplo. Esse pedido de extensão da plataforma continental por parte do Brasil foi realizado em 2004, através da submissão à Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC), de uma proposta de delimitação de sua Plataforma Continental para além das 200 milhas marítimas, solicitando assim, o reconhecimento de cerca de 960.000 km² adicionais à atual definição (Brasil. Ministério das Relações Exteriores). Tal proposta ainda viria a ser revisada e aprofundada nas coletas de dados nos anos de 2008 e 2010, objetivando adequar-se às recomendações da CLPC e endossar sua aprovação. Este procedimento, pode ser analisado à luz de um objetivo estratégico em garantir a exploração exclusiva dos recursos do Pré-Sal (além das demais riquezas submarinas). Considerada uma das maiores descobertas da última década, essa gigantesca quantidade de petróleo em águas ultra profundas, abaixo da camada de sal, foi anunciada em 2006 pelo então presidente Lula Da Silva como a descoberta que poderia finalmente trazer a autossuficiência energética para o Brasil. 5 Disponível em: <https://www.mar.mil.br/secirm/portugues/leplac.html#convencao>; Acesso em ago.2017 7 Testes preliminares indicaram que era um petróleo considerado de média e alta qualidade, segundo a escala API (American Petroleum Institute). Com uma extensão de oitocentos quilômetros e duzentos quilômetros de largura, essa era uma das maiores descobertas da última década. Porém, devido à grande profundidade em que se encontrava a sua exploração era, até então, inviável. Para conseguir chegar à camada de Pré-Sal, seria necessário atravessar uma profundidade de 1.000 a 2.000 metros de lâmina d’água, uma camada de 200 a 2.000 metros de sal, além de mais 4.000 metros de rochas, chegando a uma profundidade total de 8.000 metros da superfície do mar. Além disso, era a primeira vez que a Petrobras precisava perfurar uma camada salina, altamente instável e corrosiva. O esforço desempenhado pela empresa para conseguir chegar até a camada de Pré-Sal levou a estatal brasileira a desenvolver uma tecnologia de ponta referente à perfuração do leito marinho. Atualmente, vários campos são explorados na camada de Pré-Sal, entre eles o Tupi, Guará, Bem-Te-Vi, Carioca e Júpiter. Somente o campo de Tupi possui uma reserva estimada entre cinco e oito bilhões de barris de petróleo, uma das maiores reservas do mundo atualmente. A tecnologia de exploração desenvolvida pela Petrobras continua sendo aprimorada constantemente (IPEA, 2013)6. Até 2010, o tempo médio de perfuração de poços na camada de Pré-Sal era de 310 dias. Em 2016, esse tempo baixou para 89 dias. Ou seja, uma redução de 71%. Em 2010, a média diária de produção na bacia de Campos era de 41 mil barris por dia. Em 2016, a Petrobras alcançou a icônica marca de um milhão de barris diários (Petrobras, 2016). Portanto, um crescimento de quase 24 vezes. Vale salientar que todos esses campos de exploração se encontram sob o perímetro da plataforma continental brasileira, em acordo com a Convenção de Montego Bay. Existem princípios do direito do mar que são orientadores das ações dos Estados concernentes a esse tema, como o princípio da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos e sua organização institucional, o princípio de Participação dos Estados em desenvolvimento nas atividades da área e como foi citado anteriormente, o próprio patrimônio comum da humanidade (NASCIMENTO, Januário; ALBUQUERQUE, Letícia. s.d)7. Todos esses princípios, com exceção do último, geram polêmica na sociedade internacional no que se trata do Pré-Sal e a jurisdição marítima brasileira. A própria exploração de nódulos poli metálicos no subsolo marítimo causa a descoberta de novos recursos que gera o interesse (principalmente 6 Petróleo em Águas Profundas, em parceria com a Petrobras. Brasília, 2013 7 Os Princípios da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 198. S.d 8 econômico) das grandes empresas e também dos Estados; o avanço da tecnologia em prol da exploração marítima tem crescido muito nos últimos anos, o que despertou o atual interesse. O direito do mar está conseguindo, nos dias de hoje, regulamentar casos diversos na atual conjuntura internacional, sendo que gradualmente irá se tornar necessário uma reformulação em termos que se debatem geopolíticas e novas formas de uso do mar. Nem todos os países tem contato com o mar em comparação a outros países, porém certas ações que abrangem a questão marítima podem afetar toda uma ordem internacional, sendo que não só existe a participação dos Estados na discussão, mas, ultimamente, a presença de multinacionais que tem interesse na exploração marítima, expandindo assim, a complexidade da discussão no meio internacional, cujo único critério que se tornou muito criticado sobre esse tema é a eficácia do Tribunal Internacional competente para julgar violações concernentes a esse ramo do direito. Com o Tribunal Internacional do Direito do Mar sendo constantemente criticado pela sua (falta de) eficácia na aplicação de punições em relação às violações nos oceanos, o Brasil se vê obrigado a buscar outros meios para resguardar suas riquezas marítimas. A GEOPOLÍTICA BRASIL - ESTADOS UNIDOS O Pré-sal contém cerca de 176 bilhões de barris de petróleo – segundo pesquisa feita pela UERJ, no ano de 2015 – cujo monopólio de exploração pertence à Petrobrás (empresa estatal de capital misto) e desperta aspirações antagônicas na Comunidade Internacional: aos brasileiros, a esperança de crescimento econômico e desenvolvimento social proveniente de tais recursos; aos EUA e às multinacionais do petróleo, a cobiça em sua exploração. Mas o que leva tais atores internacionais a terem tanto interesse nas reservas nacionais? Três pontos são essenciais para se responder a esta pergunta: (1) os EUA são um dos maiores consumidores de petróleo do mundo, consumindo em 2014, cerca de 19 milhões de barris/dia de um total produzido mundialmente de pouco mais de 92 milhões de barris/dia, ou seja, 20,7% do total mundial - segundo BP Statistical Review of World Energy 2015 -, e mesmo assim, desde2000, encontra-se em estado de alerta devido às estimativas de que suas reservas nacionais só atenderiam ao consumo interno por aproximadamente sete anos; (2) dada a instabilidade político-econômica e a insegurança no Oriente Médio, se faz necessária a diminuição da sua dependência com os países produtores de petróleo dessa região; e (3) como consequência do cenário supracitado, as atenções foram voltadas para o Atlântico Sul; 9 principalmente para o Brasil (ademais de outros, como a Venezuela), por este ter a projeção de, nas próximas décadas, emergir como uma das potências mundiais na produção e exportação de petróleo, adquirindo uma projeção econômica e política regional e mundial que ameaçaria os interesses norte-americanos. Para manter o controle sobre as ações do governo brasileiro e sobre a zona de exploração, o governo dos EUA utilizou-se de espionagem através da National Security Agency (NSA), que obteve informações confidenciais, segundo arquivos revelados pelo Wikileaks no caso Edward Snowden, onde o Brasil possuía o nível de monitoramento semelhante à Rússia. Além disso, beneficia-se de ajuda de políticos nacionais em colaboração mútua aos interesses das multinacionais estrangeiras, como o atual Ministro das Relações Exteriores do Brasil, o Sr. José Serra, cujo nome foi vinculado à empresa Chevron (nos mesmos tipos de arquivos vazados) constatando sua disposição e comprometimento em alterar leis de proteção dos interesses nacionais para benefício desta e de outras empresas do mesmo segmento (Exxon Mobil, Shell, etc.). Outro fator de preocupação foi a reativação da IV Frota8 (2008), pelos EUA, que fora utilizada para combater o nazismo no Atlântico Sul durante a 2ª Guerra Mundial, desativada em 1950, e hoje utilizada sob a justificativa de ações “humanitárias” ou de “combate ao terrorismo” na América Latina, mas que na verdade, não é mais do que uma tentativa de intimidação e afronta às soberanias nacionais dos Estados através da dissuasão, reafirmado através do Sr. Durval Antunes de Andrade Nery, baiano, 62 anos, General-de-Brigada da reserva e pensador da Escola Superior de Guerra e estudioso de estratégias militares, quando diz: “Por que criar uma frota numa região em paz se não temos poderio nuclear nos países da América do Sul? Não há conflitos nem ameaças reais nesta região. Se eles vão garantir a livre navegação dos barcos comerciais que levam nossos produtos, eles podem também impedir o livre comércio brasileiro. Por que eles nomearam comandante dessa frota o contra-almirante Joseph Kernan? Se a frota é humanitária, teriam colocado à frente um comandante de navio. Ele foi instrutor do Seal (grupo de elite da Marinha dos EUA), que são os homens-rãs, treinados para a guerra, com capacidade de destruição. São aqueles homens que desembarcam na frente, destroem tudo que veem na praia. Este homem é um especialista nesta atividade. Por que logo ele foi nomeado comandante aqui? ” – Entrevista ao “O Povo”, 01/09/2008 A IV Frota, apesar de representar uma ameaça e uma tentativa de intimidação à soberania dos países sul-americanos, não se mostra como uma maior mudança nas atividades militares dos Estados Unidos no Atlântico Sul. Segundo Moniz Bandeira (2008, p. 31), a reativação “[...]apenas oficializou uma presença que de fato nunca deixou de existir, mas 8 A IV Frota é composta por 22 navios: quatro cruzadores com mísseis, quatro destroieres com mísseis, 13 fragatas com mísseis e um navio hospital. 10 visando a demarcar e reafirmar o Atlântico Sul como área sob seu domínio. Esse domínio sempre existiu. Além da influência militar e política na região, a interdependência econômica entre o hemisfério sul e os Estados Unidos é enorme, visto que 38% do comércio global americano se realiza com países do hemisfério, 34% do petróleo que importa vem da região e 2/3 dos navios que passam pelo Canal do Panamá tem como destino os portos americanos. “O controle dos mares, e em especial o controle de passagens marítimas de importância estratégica, constituía um elemento crucial para alcançar o estatuto de grande potência. ” (DOUGHERTY; PFALTZGRAFF, 2003, p. 204). Desta forma, as ações securitizadoras adotadas pelo governo brasileiro, segundo a Escola de Copenhagen, em relação ao Pré-Sal (como objeto referente) são: I) uso da marinha brasileira para mapeamento e coleta de dados científicos ao longo da costa brasileira; II) a utilização de tais dados para legitimar a expansão da sua plataforma continental e resguardar as reservas de petróleo; e III) a criação de leis, em âmbito interno, que garantissem o Pré-Sal como zona de exploração exclusiva do Estado Brasileiro a partir da Petrobras, como operadora de todos os blocos de produção. Esta, que funcionou a curto prazo, mantendo muitas empresas privadas do ramo petrolífero longe do Pré-sal, teve em 2016, sua fragilização, com o projeto de Lei 4567/16, do Senado, que desobriga a Petrobras de ser a operadora de todos os blocos de exploração da área, no regime de partilha de produção; algo que vai de contra a securitização que o Brasil tenta implantar durante a década de 2000. ZOPACAS E SECURITIZAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL O Atlântico Sul, historicamente, com maior ou menor evidência e intensidade, sempre foi concebido a partir de um status de Objeto Referente por parte de diversos grupos de interesses, que figuram como Atores Securitizadores, dentro de seu escopo de análise conjuntural de segurança, que, a partir dessa análise, passaram a securitizá-la (através de ações militares, em grande parte dos casos), pelo receio de possíveis ameaças existenciais (subjetivas), originadas a partir de atos de discurso, pudessem ameaçar seus interesses e dominação efetiva e/ou perceptiva, em matéria de segurança nacional. Assim, devido às suas vantagens geopolíticas estratégicas (geográficas, marítimas, minerais e populacionais), a região sempre teve um papel de destaque na política externa das potências ocidentais que exercem uma hegemonia mundial, outrora a Grã-Bretanha, hoje, os Estados Unidos da América, mas também, de potências que buscavam tal projeção (Alemanha e URSS). 11 Para isso, recorreu-se às mais diversas ferramentas para assegurar o controle da região: (I) militarmente, através de acordos bilaterais de cooperação militar ou instalação de bases de apoio, como ocorreu durante a 2ª Guerra Mundial com a instalação de uma base em Paranamirim-RN, no chamado Saliente Nordestino; ou (II) político-diplomático, com tentativas de acordos multilaterais como o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), em 1947 ou a Organização do Atlântico Sul (OTAS), na década de 1980, em moldes semelhantes aos da Organização do Atlântico Norte. Isso porque (como representado no mapa abaixo), existe uma predominância de espaços marítimos ao sul da Linha do Equador, e, a partir dos estudos de Alfred Thayer Mahan sobre a importância dos mares e oceanos nas relações internacionais, principalmente na sua obra “The Influence of Sea Power Upon History 1660-1783” (1890), podemos constatar que, para exercer um domínio sobre os Estados da região, é preciso ter o domínio dos mares do sul do Atlântico (rotas marítimas, ilhas, arquipélagos, etc.) Figura 2 A distribuição do globo pela Linha do Equador Fonte: Predomínio de espaços marítimos ao sul do Equador (Revista ESG 48, VOL. 23, Jul/Dez 2008) Para tanto, contando com mudanças no cenário internacional, e, principalmente, regional, com a ascensão de governos de esquerda no Brasil, Argentina e Uruguai (como grupo social de interesse, exercendo um papel de Ator Securitizador), alémda necessidade de diversificação das Linhas de Comunicação Marítimas (LCMs) comuns (Canal de Suez e do Panamá), o Atlântico Sul passou a ter sua importância real ainda mais valorizada, internacionalmente e geopoliticamente para as pretensões brasileiras, dentro de uma perspectiva de atuação não-hegemônica e independente dos países em desenvolvimento e de 12 enfraquecimento da ordem hegemônica (unilateral) estabelecida desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Nesse contexto, foi criada a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS), um acordo multilateral estabelecido em 1986, com os países banhados pelo Oceano Atlântico Sul9, se constituindo como um Complexo Regional de Segurança (CRS): “um grupo de Estados cujas principais preocupações com a segurança estão tão interligadas que a segurança nacional não podem ser consideradas separadas umas das outras” (Buzan, 1983, p. 106 apud VILLA, Rafael Duarte; SANTOS, Norma Breda dos, 2004, p. 137). Seu objetivo principal era evitar a militarização (principalmente a nuclearização) desses países durante o período bipolar da Guerra Fria, representada pelos auspícios da OTAS. Assim, os membros da ZOPACAS estabeleceram como princípios basilares: a cooperação mútua na preservação da paz e a securitização da região contra interesses estrangeiros nas riquezas regionais. Gradualmente, outras esferas de cooperação passaram a ser discutidas pelos países do foro, como questões comerciais, culturais e ambientais. Figura 3 Disposição estratégica do Atlântico Sul Fonte: Site Defesa Aérea e Naval10 Porém, com o fim da Guerra Fria em 1991 e a eleição durante a década de 1990 no Brasil de sucessivos governos politicamente alinhados com os interesses dos Estados Unidos e 9 24 membros: África do Sul, Angola, Argentina, Benin, Brasil, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa Do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné-Conacri, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai 10 Disponível em: <http://www.defesaaereanaval.com.br/tag/atlantico-sul?print=print-page>; Acesso ago. 2017 13 dos países europeus, a ZOPACAS foi gradualmente perdendo relevância. O cenário muda somente a partir de 2002, com a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil. Com uma política de aproximação dos países africanos e priorização das relações Sul-Sul, o governo Lula procura revitalizar a Zona de cooperação, promovendo, em 2007, o sexto encontro ministerial em Luanda, Angola. Ainda durante o governo de Lula da Silva e no posterior mandato de Dilma Rousseff ocorreram duas outras reuniões: na Argentina em 2007 e no Uruguai no ano de 2013. Nesta última estiveram presentes, pela primeira vez, os Ministros de Defesa dos Estados-membros, evidenciando-se assim a ênfase nos setores de segurança e cooperação. Como fruto desse encontro, ficou estabelecido o chamado Plano de Ação de Montevidéu, que conta com sete pontos de cooperação e defesa a serem alcançados pelos seus membros, incluindo-se a realização de exercícios militares conjuntos. Na ocasião, o Ministro das Relações Exteriores Antônio Patriota, alertava para a necessidade do engajamento de todos os países da Zona em torno de objetivos comuns: “É fundamental o compromisso e o engajamento de todos. Nossa cooperação não se fará por si própria, sem nossa iniciativa e sem nossa condução. Se não tomarmos, nós mesmos, a dianteira desse processo, estaremos abrindo espaço para que outros países ou outras iniciativas terminem por definir nossa agenda, provavelmente segundo perspectivas que não serão as nossas. Não nos podemos aceitar o risco de permitir que se passem, novamente, tantos anos sem nos reunirmos. ” – Antônio Patriota Na sequência do lançamento do Plano de Ação, pôde-se notar diversas movimentações por parte do governo brasileiro no intuito de solidificar sua posição de líder da Zona e no sentido de acelerar a integração militar dos referidos países, visando resguardar e proteger os recursos naturais. Houve diversos treinamentos militares conjuntos, e a Marinha brasileira prestou diversos auxílios aos governos de Angola e Namíbia no levantamento das suas respectivas plataformas continentais. Além disso, foi organizado o I Seminário de Segurança e Vigilância do Tráfego Marítimo e Busca e Salvamento para membros da ZOPACAS, ocorrido em Salvador - BA, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2013. Na abertura do seminário, o então Ministro da Defesa, Celso Amorim, proferiu um discurso no qual reforça a necessidade de se manter o Atlântico Sul como uma zona de paz. “O Atlântico Sul é um oceano pacífico e deve continuar a ser assim. Há mais de 25 anos, as Nações Unidas declararam a área como uma zona de paz e cooperação. Essa foi uma decisão sábia e que tem sido apoiada por quase a totalidade dos países da ONU” – Celso Amorim 14 Porém, no decorrer dos anos de 2014, 2015 e 2016, o governo de Dilma Rousseff se viu obrigado a enfrentar diversas turbulências internas, tanto na ordem econômica quanto na política. Esses fatos levaram o Brasil a relegar a ZOPACAS, mais uma vez, à uma posição secundária em seu espectro de interesses. A Zona sempre teve no Brasil seu principal protagonista, e sem os recursos do Estado brasileiro, sejam eles de ordem econômica, militar ou tecnológica, as iniciativas propostas pelo Plano de Ação de Montevidéu tornam-se praticamente impossíveis. O Brasil tem, na ZOPACAS, um importante instrumento de cooperação e defesa dos seus recursos marítimos. Porém, a contínua revitalização da Zona que vinha sendo implementada pelo governo Lula sofreu uma pausa brusca após o ano de 2013, devido às crises internas que atingiram o país. O impeachment de Dilma Rousseff representou um forte revés na política brasileira de fortalecer as relações Sul-Sul e securitizar o Atlântico Sul de ameaças externas. O atual governo de Michel Temer, mais alinhado ideologicamente com os interesses dos Estados Unidos que os governos Lula da Silva e Rousseff, dificilmente terá entre suas prioridades o fortalecimento da ZOPACAS. A “OTAN do Atlântico Sul” encontra-se relativamente esquecida e marginalizada, com perspectivas sombrias para o futuro próximo. Se faz imperativo uma nova revitalização desse bloco que pode vir a ser a grande barreira de proteção dos países do Atlântico Sul contra as potências imperialistas do Norte. E para isso, é fundamental o engajamento do Brasil, pois: “O Brasil realmente configura, na América do Sul, o único rival possível à influência hegemônica dos EUA devido às suas dimensões geográficas, demográficas e econômicas e à sua posição geopolítica e estratégica ao longe de grande parte do atlântico sul” – Samuel Pinheiro Guimarães CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante dos argumentos apresentados no presente artigo, concluímos que a soberania brasileira sobre o Pré-sal e os demais recursos marítimos do seu território encontra-se sob sério risco. Em face dessa ameaça, foram analisadas duas possibilidades de proteção passíveis de serem tomadas pelo governo brasileiro: a securitização, nos moldes propostos pela Escola de Copenhague, que pode ser, de modo concomitante, individual (através da aplicação das forças nacionais brasileiras), assim como, com o fortalecimento do Complexo Regional de Segurança, representado pela Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZOPACAS). 15 O entendimento geral do grupo é que ambas as alternativas, no presente momento, possuem possibilidades extremamente remotas de ocorrerem. O processo de securitização requer que o Estado securitizadordisponha de grandes quantidades de recursos e atenção sobre o objeto referente. O Brasil, devido às crises econômica, política, social e ética que atravessa já a alguns anos, não dispõe no momento dos recursos tecnológico e financeiros necessários para securitizar o petróleo do Pré-sal. Essa mesma crise também se constitui como um dos principais fatores de inviabilização de tornar a ZOPACAS um ator relevante na defesa do Atlântico Sul no curto prazo. A Zona depende enormemente dos recursos financeiros, tecnológicos e humanos do Brasil para funcionar. Infelizmente a atual situação atravessada pelo Estado brasileiro inviabiliza a transferência desses recursos e, consequentemente, a revitalização da ZOPACAS. Além disso, vale destacar a existência de um denominador comum na inviabilização de ambas as alternativas: o atual governo do Presidente Michel Temer. De perfil muito mais à direita no espectro político brasileiro que os dois governos anteriores (Lula e Dilma Rousseff), o governo Temer busca um maior alinhamento com os Estados Unidos e os países europeus. Dessa forma, não demonstra interesse em securitizar o Pré-sal, e muito menos em investir no fortalecimento da ZOPACAS. O recente projeto do governo que desobriga a Petrobras de ser a única operadora do Pré-sal, consequentemente aumentando a participação de multinacionais privadas na exploração, é uma prova cabal de que a defesa da “Amazônia Azul” não se encontra entre as prioridades desse novo governo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz; “A importância geopolítica da América do Sul na estratégia dos Estados Unidos”, 2008. Disponível em:<http://www.espacoacademico.com.br/089/89bandeira.htm>. Acesso em: 20 out. 2016. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Revista da Escola Superior de Guerra / v.23, n. 48 (jul/dez. 2007) – Rio de Janeiro: ESG, 2007. Acesso em: 15 nov. 2016 IPEA; PETROBRAS. Petróleo em Águas Profundas: Uma história tecnológica da PETROBRAS na exploração e produção offshore. Brasília, 2013. Acesso em: jun. 2017 LEITE, Alexander Reis. Uma visão Oceanopolítica do Pré-sal / CMG Alexander Reis Leite. – Rio de Janeiro: ESG, 2014. Acesso em: 15 nov. 2016 16 MOVIMENTO SOCIAL. Estrategista militar vê 4ª Frota como ameaça real ao pré-sal. Disponível em: <http://www.contee.org.br/noticias/msoc/nmsoc387.asp>. Acesso em: 23 outrubro 20016 PETROBRAS. Pré-sal. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/pt/nossas- atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-producao-de-petroleo-e-gas/pre-sal>. Acesso em: 09/11/2016 VILLA, Rafael Duarte; SANTOS, Norma Breda dos. Buzan, Waever e a Escola de Copenhague BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz; “A importância geopolítica da América do Sul na estratégia dos Estados Unidos”, 2008. Disponível em:<http://www.espacoacademico.com.br/089/89bandeira.htm>. Acesso em: 20 out. 2016. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Revista da Escola Superior de Guerra / v.23, n. 48 (jul/dez. 2007) – Rio de Janeiro: ESG, 2007. Acesso em: 15 nov. 2016
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