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PRÁTICAS, DISCURSOS E REFLEXÕES MEDIAÇÕES:MEDIAÇÕES: PRÁTICAS, DISCURSOS E REFLEXÕES FERNANDA DUARTE RAFAEL MARIO IORIO FILHO ANA PAULA FARIA FELIPE DELTON MEIRELLES (ORGANIZADORES) PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO EM DIREITO UNIVERSIDADE UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Fernanda Duarte Rafael Mario Iorio Filho Ana Paula Faria Felipe Delton Meirelles (Organizadores) MEDIAÇÕES: discursos, práticas e reflexões 1ª Edição PPGSD PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Niterói 2017 EDITORA PPGSD — PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Rua Tiradentes 17, Ingá 24210-510 Niterói/RJ +55 (21) 3674-7477 sociologia_direito@yahoo.com.br Editoração, padronização e formatação de texto FRANCIS NOBLAT Capa FRANCINE NOBLAT Conteúdo, citações e referências bibliográficas OS AUTORES CIP — CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO M489 Mediações: práticas, discursos e reflexões / [livro eletrônico] / Fernanda Duarte, Rafael Mario Iorio Filho, Ana Paula Faria Felipe. Delton Meirelles (coordenadores). — Niterói : PPGSD — Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito, 2017. 174 p. -- bytes ; .pdf Coletâna em .pdf de trabalhos de grupos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estácio de Sá. ISBN 978-85-89150-21-7 (recurso eletrônico) 1. Mediação. 2. Solução de Conflitos. 3. Justiça Consensual. CDD. 347.09 FERNANDA DUARTE DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES RAFAEL MARIO IORIO FILHO BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA (coordenadores) MEDIAÇÕES: discursos, práticas e reflexões É de inteira responsabilidade dos autores os conceitos aqui apresentados. Reprodução dos textos autorizada mediante citação da fonte. 1 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões SUMÁRIO INTRODUÇÃO — A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO OBJETO E AS SUAS VÁRIAS VOZES .............................................................................................................................................................. 3 FERNANDA DUARTE RAFAEL MARIO IORIO FILHO AS FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS NA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL .......................................................................................................................................... 9 ADRIANO STANLEY ROCHA SOUZA DESENVOLVIMENTO NORMATIVO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO ÂMBITO NACIONAL E NA COMARCA DE BELO HORIZONTE/MG: UMA PORTA DE ACESSO À ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS PENAIS ........................................................ 32 ANA PAULA FARIA FELIPE A ESPERANÇA DE UMA JUSTIÇA CONSENSUAL: OS DESAFIOS DO NOVO CPC NAS AÇÕES DE FAMÍLIA ..................................................................................................................... 47 BÁRBARA GOMES LUPETTI BAPTISTA KLEVER PAULO LEAL FILPO A GARANTIA DO ACESSO A UMA ORDEM JURÍDICA JUSTA PELOS MÉTODOS AUTOCOMPOSITIVOS: O ESTUDO DA MEDIAÇÃO COMO MEIO COMPLEMENTAR DE TRATAMENTO ADEQUADO DOS CONFLITOS .................... 59 CHARLISE P. COLET GIMENEZ A MEDIAÇÃO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) BRASILEIRO: LIMITES E POSSIBILIDADES ............................................................................................................................................... 73 FABIANA MARION SPENGLER MEDIAÇÃO: FERRAMENTA EFICAZ PARA SOLUCIONAR CONFLITOS EMPRESARIAIS ........................................................................................................................................................ 86 FELIPE FERNANDES RIBEIRO MAIA MARIA FLÁVIA DE FREITAS FERREIRA MEDIAÇÃO CONSTRUTIVISTA: UMA METODOLOGIA BRASILEIRA — RESULTADO DA FUSÃO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA, A TÉCNICA E O SENTIMENTO ............................................................................................................................................................. 97 FERNANDA LIMA A MEDIAÇÃO PODE SER UMA RESPOSTA AOS CONFLITOS NAS ESCOLAS 117 FLÁVIA VIEIRA DE RESENDE RONAN RAMOS JÚNIOR 2 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões PESQUISAS EMPÍRICAS EM MEDIAÇÃO: MAPEANDO PRODUÇÕES E REDES NO RIO DE JANEIRO......................................................................................................................................... 128 GABRIEL GUARINO SANTANNA LIMA DE ALMEIDA THAMYRIS ELPIDIO SUZY VELOSO FERNANDES DELTON RICARDO SOARES MEIRELLES ASPECTOS EMOCIONAIS E MEDIAÇÃO FAMILIAR ............................................................. 144 KERLLEY BRANDÃO ANDRADE UM OLHAR SOBRE A MEDIAÇÃO: O RESGATE DA ALTERIDADE ATRAVÉS DO AMOR ..................................................................................................................................................................... 154 LUDMILA STIGERT SOBRE AO AUTORES ........................................................................................................................................ 166 3 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões INTRODUÇÃO — A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO OBJETO E AS SUAS VÁRIAS VOZES Fernanda Duarte Rafael Mario Iorio Filho A sociedade contemporânea tem sido identificada como uma sociedade clivada por conflitos das mais diferentes espécies (Simmel, 1983) que transformam o tecido social em um espaço de tensão e em enfrentamentos que se não forem regulados e administrados podem levar a níveis de violência que comprometem a própria existência do grupo social (Silva, 2003). Nesse sentido, torna-se central o papel desempenhado pelo Direito, como instrumento de controle social, e seus usos pelos sujeitos e instituições que dele se apropriam. Quando pensamos em conflitos sociais e o Estado, notamos que o local que concentra as atribuições de lidar com o conflito e seus agentes — o Poder Judiciário — opera a partir das categorias próprias do campo jurídico. Deste modo, questões de diversas naturezas — desde conflitos possessórios de terra em comunidades tradicionais, passando pela regulamentação de imóveis em favelas, proteção ao meio ambiente e até brigas de vizinho — chegam ao Judiciário e demandam intervenção de seus agentes, oriundos do campo jurídico. Esse papel pode ser entendido como a “juridicização” dos conflitos que, na sociedade brasileira, se manifesta como um processo de expansão estatal, já que fora dos limites do Estado são poucos os espaços de administração e tratamento de conflitos em que a sociedade civil pode protagonizar a tomada de decisões. A juridicização assim se desdobra em duas formas de lidar com o conflito: a primeira, refere-se à dimensão conflitiva não-consensual, sustentando-se na força do Estado, sendo aquele representado pela Jurisdição, onde o Judiciário atua por meio de seus mecanismos formais, reduzindo a categoria social a categorias jurídicas, como “lide”, “processo” e “partes” (Duarte, 2008, p; 135); a segunda, refere-se à dimensão conflitiva, que emerge na sociedade e assume um desenho consensual, onde podemos identificar a juridicização quando iniciativas fora do Judiciário — tais como agentes comunitários, associações e entidades da sociedade civil — se utilizam das formas e linguagens típicas do campo jurídico para regular seus conflitos, por vezes intermediadas por advogados, mediadores judiciais e defensores públicos. Esses usos do conhecimento jurídico e do Direito se operacionalizam como um saber- poder, chave para decidir conflitos de diversas naturezas, e podem ser classificados de diversas formas — nos dois casos acima, podemosdistinguir a atuação do Judiciário como não-consensual, e as atuações fora deste como consensuais, em sua maioria. No entanto, frente às diversas práticas no tratamento de conflitos e aos diversos discursos produzidos sobre tais práticas há uma disputa por legitimação e utilização do Direito como meio de tratamento de conflitos — tais múltiplas falas e sons é que chamamos aqui de polifonias acerca da juridicização de conflitos. 4 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Um exemplo do fenômeno de juridicização e da polifonia que recai sobre os meios de lidar com conflitos é a mediação judicial, tal qual hoje promovida pelos Poderes Judiciário1 e Executivo. Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça baixou a Resolução n. 125, instituindo a “Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. Este ato considera que “o direito de acesso à justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa” e que, por essa razão, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses, lançando mão, em especial, dos meios consensuais, como a mediação e a conciliação. Por isso, desde o ano de 2010, no Brasil, os Tribunais de Justiça instituíram Centros especializados reunindo profissionais capacitados nas técnicas de mediação, aos quais vêm sendo direcionados conflitos de interesses para serem administrados, seja em momento anterior ao ajuizamento da ação (mediação pré-processual), seja de forma incidental, quando já está em trâmite uma demanda judicial (mediação incidental ou endoprocessual)2. Por exemplo, no estado do Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJERJ) já havia instalado, no Fórum Central da Comarca da Capital, no ano de 2009, um Centro de Mediação. De 2010 a 2013, já sob influência da Resolução 125/2010, foram inaugurados outros Centros em vários Fóruns Regionais da cidade do Rio de Janeiro e em outras Comarcas do estado. Simultaneamente começou a ser difundida no meio jurídico a informação de que esses órgãos teriam passado a responder pela obtenção de soluções consensuais em percentual significativo das causas a eles encaminhadas. Tal movimento pela mediação vem sendo paulatinamente intensificado. Inclusive, no texto do “Novo” CPC (Lei nº 13.105/2015), esta foi introduzida como uma etapa processual, convertida em uma audiência de mediação, que será designada pelo juiz quando verificar que a relação jurídica entre as partes litigantes é de natureza continuada. É o que ocorre, por exemplo, entre pais separados com filhos e nos conflitos entre vizinhos. Essas opções institucionais acima mencionadas parecem priorizar a mediação que vem sendo realizada em juízo, dentro das dependências do Poder Judiciário Estadual e, no caso da mediação incidental, dentro do processo. Mas há notícia de muitas outras experiências bem sucedidas de aplicação da mediação de conflitos na modalidade extrajudicial, isto é, realizada em locais que não se relacionam com o Poder Judiciário: em escolas e associações de moradores que tem sido chamadas de “mediação comunitária”. Entendemos que a consolidação de procedimentos de administração de conflitos tem como requisito a clareza em relação ao tipo de conflito que está sendo tratado e o procedimento que se está usando para tanto. No cenário atual, frente à multiplicação de vozes reclamando para si o monopólio sobre aquele ou outro meio de tratar o conflito — ora a mediação, ora o processo judicial — tornam-se urgentes pesquisas que permitam elucidar quais as práticas que estão sendo desenvolvidas e como elas se coadunam ou não com as instituições e instrumentos do Estado que se declara republicano e democrático. Deste modo, este projeto coletivo, com a participação de diferentes pesquisadores com vinculações institucionais e trajetórias distintas, sob os auspícios do INCT-InEAC/UFF, é desenvolvido no âmbito dos estudos realizados no PPG em Direito/UNESA e no PPG em Sociologia e Direito/UFF, que dialogam diretamente com temática da efetividade do processo 1 Atualmente, no Brasil, um dos temas de maior interesse para a academia e também para os chamados “operadores do Direito” tem sido a apontada crise no Judiciário, que se verifica particularmente pela incapacidade desse Poder de dar conta do grandxe número de casos que lhe são submetidos dentro de um prazo razoável (Azevedo, 2012). Nesse contexto, diversas alternativas vêm sendo buscadas, dentre elas a tentativa de trazer para dentro dos Tribunais os meios não adversariais de administração de conflitos, como por exemplo, a mediação e a conciliação, os quais, a rigor, seriam meios extrajudiciais de administração de conflitos (Barbosa, 2003). 2 Sobre essa classificação, cf. Mello & Baptista, 2011; Pantoja, 2008. 5 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões e do acesso à Justiça. E pretende investigar os diferentes discursos, práticas e procedimentos que compõem a administração institucional de conflitos, no âmbito da mediação, de modo trazer uma contribuição no sentido de elucidar este fenômeno de juridicização. Assim, as contribuições científicas trazidas neste projeto podem ser sintetizadas no empreendimento de um estudo de vanguarda acerca de um tema importantíssimo para a compreensão das relações entre o Estado, no recorte das prestações da justiça e da administração dos conflitos sociais, como consumidores deste serviço, cidadãos, discutindo os mais variados aspectos da mediação, confirmando que é preciso se falar em mediações, à luz da complexidade e pluralidade das visões e experiências. No primeiro capítulo, o autor Adriano Stanley faz uma análise dos métodos alternativos de solução de conflitos no âmbito da reparação do dano ambiental e a mediação consistiria em inegável instrumento de consolidação da cidadania, na medida em que facilitaria, a todo cidadão, a participação em processos que busquem a defesa dos direitos metaindividuais. No segundo capítulo, Ana Paula Faria Felipe aborda o tema da Justiça Restaurativa na administração dos conflitos penais. Para tanto, pontua as principais diferenças entre tal instituto e o modelo tradicional de justiça penal; quais as formas de intervenção da justiça restaurativa. Por fim, faz um mapeamento dos Atos Normativos no âmbito federal e no âmbito do estado de Minas Gerais. Bárbara Gomes Lupetti Baptista e Klever Paulo Leal Filpo discutem, no capítulo 3, as repercussões do Novo Código de Processo Civil nas ações de família. Inicialmente, descrevem as modificações legislativas introduzidas pelo novo código e, num segundo momento, discutem o princípio do contraditório, base fundamental do sistema processual até então vigente, em contraste com uma nova proposta de consenso, construída a partir da participação mais efetiva das partes na solução do conflito e do deslocamento da importância do papel do Juiz para os jurisdicionados. Elaboram, ainda, uma discussão sobre os aspectos culturais do sistema, a partir de pesquisas realizadas sobre administração de conflitos, a fim de pensar sobre o esforço e os desafios que o Novo CPC traz para o sistema de justiça. Já a autora Charlise P. Colet Gimenez, ao trabalhar no quarto capítulo desta obra, faz uma análise do papel da mediação como instrumento adequado de tratamento de conflitos e de acesso a uma ordem jurídica justa. No capítulo 5, Fabiana Spengler escreve sobre a utilização da mediação no Brasil, especialmente a partir do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) para fins de verificar sua aceitação e reconhecimento social, bem como dos lidadores do Direito. No sexto capítulo, os autores Felipe Fernandes Ribeiro Maia e MariaFlávia de Freitas Ferreira pautaram-se no estudo da mediação como ferramenta extrajudicial de solução de conflitos empresariais, ressalvando sua importância para a emancipação das partes em solucionarem suas controvérsias, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário. Buscaram, ainda, diferenciar a mediação organizacional da mediação empresarial. Fernanda Lima, no sétimo capítulo, ressalta as principais diferenças entre o método Construtivista com os modelos tradicionais de mediação, bem como a interface da Mediação Construtivista com outros saberes. Flávia Vieira de Resende e Ronan Ramos Júnior abordam a mediação como instrumento de administração de conflitos no âmbito escolar, tornando-se uma ferramenta para a socialização de alunos nas instituições escolares. No capítulo 9, Gabriel Guarino SantAnna Lima de Almeida, Thamyris Elpidio, Suzy Veloso Fernandes e Delton Ricardo Soares Meirelles apresentam um mapeamento das pesquisas de viés empírico, realizadas no Rio de Janeiro, que tratem de mediação de conflitos — em suas diferentes perspectivas teórico-metodológicas e tendo como objeto diferentes aspectos do que seja mediação. Buscam, ainda, identificar os locais de produção de tais 6 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões pesquisas; quais referenciais e métodos têm sido empregados para conhecer as mediações e quais as trajetórias dos pesquisadores, bem como sua relação com o campo jurídico. Após este mapeamento, faz-se uma análise das pesquisas selecionadas quanto ao seu modo de construção e características teórico-metodológicas, assim como seu local de produção dentro no cenário fluminense. O Capítulo 10 é escrito por Kerlley Brandão Andrade que aborda, dentre as questões relacionadas aos processos de mediação e seus benefícios, como as pessoas se comportam a partir dos sentimentos, mola propulsora para a tomada de decisão. E finalizando a presente obra, Ludmila Stigert aborda a temática da mediação dentro da sua perspectiva teórica, destacando a relação existente entre a Mediação de Conflitos e a Comunicação, a conjuntura existente, suas escolas, sua interdisciplinaridade e funcionamento e seus reflexos. Sendo assim, nos cabe ressaltar, que este livro procurou mapear estas polifonias de abordagens, que nos referimos acima, acerca da mediação de conflitos no campo jurídico brasileiro. Em outras palavras, a obra não só retrata o campo da operação das mediações, como também, sem ter tido esta pretensão explícita, as polifonias de reflexões acerca da mediação como objeto científico. * * * 7 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões BIBLIOGRAFIA AMORIN, Maria Stella; KANT DE LIMA, Roberto; MENDES, Regina Lúcia Teixeira (Org.) Ensaios sobre a igualdade jurídica: acesso à justiça criminal e direitos de cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. BARBOSA, Ivan Machado. Forúm de múltiplas portas: uma proposta de aprimoramento processual. In: AZEVEDO, André Goma de (Org.). Estudos de arbitragem, mediação e negociação, v. 2. Brasília/DF: Brasília Jurídica, 2003, pp. 242-62. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. ______. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: EDUSP, 1992. ______. Questões de Sociologia. Lisboa: Fim de Século, 2004. BRAUDEL, Fernand (Org.). 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Tome-se, como exemplo, a velha e conhecida história de Robinson Cruzoé e o índio Sexta-feira, únicos sobreviventes em uma ilha perdida: havia ali uma rudimentar estrutura normativa, em que direitos e deveres foram estabelecidos entre ambos, de modo a possibilitar a convivência daqueles únicos dois homens naquele pequeno território. Com efeito, o direito nada mais é que o “produto racional e dinâmico de controle sócio- político-econômico em vários níveis temporais de elaboração humano-técnica, à medida que os grupos sociais surgem, organizando-se a si mesmos por regramentos técnico-jurídicos convenientes” (Leal, 2001, p. 18, grifos nossos). Este conjunto de normas e regramentos técnico-jurídicos são ditados pelo Estado, o responsável pela harmonização das relações humanas e respectiva tutela dos direitos de cada cidadão. Portanto, a evolução do Direito e, conseqüentemente, da jurisdição, está intimamente atrelada à evolução do próprio Estado. Pela brevíssima análise histórica que faremos a seguir, poderemos perceber que a jurisdição, como forma de solução de conflitos, é apenas a última etapa (até então alcançada) de uma longa construção que teve início quando da formação dos primeiros grupamentos humanos. Trata-se, pois, a jurisdição, do atual estágio de evolução em que se encontram as formas de solução de conflitos. Estágio este, em que o Estado chama para si o poder de solucionar os conflitos (de ordem privada ou pública) que envolvam os seus cidadãos. 1. Da evolução das formas de solução de conflitos: da autotutela à jurisdição Nas fases primitivas da civilização, quando ainda não existia a formação de um Estado suficientemente forte para superar as vontades dos particulares e impor normas de condutas comuns a todos os cidadãos, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter, haveria de buscá-la por seus próprios meios. Por sua própria força. Como a satisfação pessoal de cada um ficava a cargo de si próprio, a autotutela não passava de uma vingança privada, ou do uso das próprias forças. Não é difícil perceber, portanto, que a solução dos conflitos naquelas épocas dava-se sempre em favor do mais forte, do mais esperto ou do mais astuto já que, não existindo padrões ou regras a serem seguidas, os conflitos eram solucionados de acordo com as forças e atributos das partes envolvidas. 10 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões O uso da força não impedia, contudo, que as partes, vez por outra, buscassem formas mais harmônicas de se solucionar o conflito: era a autocomposição. Operada pelas próprias partes litigantes, a auto composição consistia em buscar a solução do conflito através de concessões recíprocas, a fim de que ambos os lados pudessem obter o melhor proveito possível do objeto em litígio. Estas concessões se davam em três níveis: “a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas)” (Grinover, 1993, p. 25). Posteriormente, à medida em que o Estado ganhava delineamentos mais precisos e a coletividade passava a perceber a necessidade da criação de normas de conduta para a boa convivência social, bem como, da necessidade de se delegar a uma terceira pessoa a solução dos conflitos existentes afim de se impedir que estes se resolvessem sempre em prol do mais forte ou daquele que possuísse os melhores atributos, surgia a figura do árbitro, que consistia em pessoa de confiança das partes litigantes, a qual era chamada para resolver a situação litigiosa. Faz notar Grinover que, em geral, tal função “era confiada aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados” (1993, p. 25, grifos nossos). Surge assim, o mecanismo da arbitragem como forma de solução de conflitos. À medida em que a figura do Estado se afirma, este chama para si a função de estabelecer normas de condutas a serem seguidas pelos seus particulares e passa a impor a sua vontade sobre a dos seus cidadãos. Eis aí sua função legislativa. Gradativamente, o Estado passa a tomar para si também a função de decidir os conflitos existentes na sociedade, usando, como parâmetros para esta decisão, as normas de conduta por ele mesmo estabelecidas anteriormente, não interessando mais apenas os interesses das partes (como outrora ocorria, na auto composição e na arbitragem privada). Surge assim a jurisdição. A jurisdição marca, pois, o fim da arbitragem facultativa como forma de solução de conflitos, já que o Estado chama para si a função de árbitro (arbitragem obrigatória). Desta forma, o Estado tomou para si a responsabilidade de decidir as querelas havidas entre os particulares. A estes já não é mais possível lançar mão das próprias forças para retirar o obstáculo que lhes impede a conquista de seus interesses (autotutela). E, por muito tempo, somente o pronunciamento Estatal era reconhecido como sendo o único meio de se solucionar os litígios entre os particulares, ficando estes (os personagens principais da relação conflituosa) completamente à margem da solução de seus problemas, restando a um agente estatal — que pouco ou nenhum contato guardava com as partes — o papel de julgar o direito destas, levando em consideração, para o seu julgamento, a adequação da norma estatal à vontade dos cidadãos litigantes. Em que pese o fim elogioso que levou ao surgimento da jurisdição (conforme acima descrito), torna-se cada dia mais claro que o Estado tem falhado no exercício desta função. E, longe de poder ser encarada como um meio de pacificação social, como querem fazer crer alguns autores (Grinover, 1993, p. 27), a jurisdição vem demonstrando, cada vez mais, não ser capaz de pacificar os ânimos das partes, mas tão somente os fazer calar frente à força inabalável do Poder estatal sobre os seus cidadãos. Felizmente, abrem-se os olhos agora para a possibilidade de se buscar a solução de conflitos por meio de instrumentos alternativos, que não o poder jurisdicional. Instrumentos que inserem as partes na solução de seus problemas, atribuindo-lhes um papel maior que o de meros espectadores de um sem número de atos judiciais, dos quais as partes pouco têm conhecimento do que significam. Instrumentos que creditam às partes o papel de construírem a melhor solução para os seus próprios conflitos. 11 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões 2. Críticas à Jurisdição As críticas à jurisdiçãotêm início já em sua origem: a) por que uma solução imposta por um terceiro (na maioria das vezes desconhecido das partes) seria melhor que uma solução construída pelas próprias partes? b) um sistema processual construído, originariamente, para solucionar os litígios interindividuais seria hábil o suficiente para dar a efetiva proteção aos direitos transindividuais? c) a nossa jurisdição sofre do implacável mal do “processualismo” e “formalismo” exacerbados, onde o apego à forma prejudica, em muitas vezes, a solução do litígio de forma mais adequada às partes litigantes; d) os custos e a demora da via jurisdicional comprometem a qualidade e/ou efetividade de sua prestação, representando especial ameaça justamente para os interesses transindividuais; e) as partes são opositoras. É a lógica do tudo ou nada, em regra se uma parte ganha a outra perde; f) A decisão, em regra, se dá somente com base legal, não admitindo flexibilidade. Destes vários pontos de estrangulamento da atividade jurisdicional, resulta a inevitável desmoralização do Estado na sua pretensa função de pacificador social. Nas palavras de Morais: As tradicionais limitações ao ingresso na justiça, jurídicas ou de fato (econômicas, sociais), refletem em decepções para a potencial clientela do Poder Judiciário, na impossibilidade de a sociedade empregar práticas pacificadoras, além de desgastarem o Estado na sua própria legitimidade, na dos seus institutos e no seu ordenamento jurídico, percebido como instrumento racionalizador de determinadas condutas. (1999, p. 83, grifos nossos). Estas dificuldades estruturais do processo judicial acabam por resultar no distanciamento e descrença da sociedade pelo Poder Judiciário nacional e implica, em última análise, em flagroroso desrespeito ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, ao não possibilitar a qualquer um do povo (independentemente de sua condição econômica) ver os seus interesses defendidos e ter sua cidadania vilipendiada, em decorrência de sua incapacidade financeira ou, o que é ainda pior, sentir-se impotente ao ver o seu direito sucumbir-se frente ao interminável processualismo, muitas vezes estéril, da prática forense. E estas limitações se tornam ainda mais cruéis, na medida em que o acesso ao Poder Judiciário se estreita, por meio da legitimação ativa (legitimatio ad causam) que, em última análise, possui caráter individualista e cinge-se a dar a cada um o que é seu “sem manter uma visão solidarista, supraindividual, que se caracteriza por tratar o indivíduo como membro integrante de um grupo social e procurar tecer soluções condizentes com os interesses envolvidos” (Morais, 1999, p. 84, grifos nossos). Ainda segundo Bolsan de Morais: As limitações jurídicas também configuram estreitamentos das vias de acesso à Justiça. Refere-se aqui, à legitimatio ad causam ativa que, essencialmente individualista, restringe-se a dar a cada um o que é seu, sem manter uma visão solidarista, supraindividual, que se caracteriza por tratar o indivíduo como membro integrante de um grupo social e procurar tecer soluções condizentes com os interesses envolvidos. Tais limitações, como se pode observar, privam inúmeras pessoas da tutela jurisdicional, o que lhes causa dano substancial, pois quem não vem a juízo ou não pode fazê-lo, renuncia àquilo que aspira ou busca satisfazer suas pretensões por outros meios. (1999, p. 84, grifos nossos). Note-se, por exemplo, o que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública, que confere legitimidade ativa para a sua propositura apenas àqueles sujeitos elencados no artigo 5° da Lei 7.347/85, a saber: 12 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Art. 5º - A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios (os três últimos, entes políticos). Poderão também ser propostas por autarquia, empresa pública (entes de direito público externo), fundação, sociedade de economia mista ou por associação que (pessoas jurídicas de direito privado): I - esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil; II - inclua, entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Brasil, grifos nossos). Restrições como esta fortalecem o vício do formalismo exacerbado (e muitos vezes ilógico) de nosso processo judicial, além de constituir uma nova barreira à defesa dos já tão combalidos interesses difusos. Esta classe de direitos, que em nosso país já não goza de proteção tão efetiva e disseminada por toda a sociedade, seja por se tratar de classe ainda recente de direitos, seja mesmo por ignorância da sociedade brasileira (que ainda não se despertou para a existência de outros interesses que não os individuais), resta ainda mais desprotegida, na medida em que o artigo supra citado amordaça qualquer um que tenha interesse e disposição em defender o interesse difuso agredido mas, não esteja legitimado para agir ativamente no processo judicial, já que este é o único instrumento de que dispomos para a tutela dos interesses coletivos e/ou difusos. A atividade jurisdicional encontra-se comprometida por conta de suas próprias vicissitudes, e a sociedade clama por outros instrumentos que sejam hábeis a atender as suas novas necessidades. Diante desta consciência, novos instrumentos vêem sendo elaborados ou, ainda, revisitados. Na busca deste novo instrumento, o consenso emerge como o grande articulador destas novas práticas, podendo ser observado promovendo a (re) introdução de práticas antigas. É o que ocorre com os institutos da mediação e da arbitragem facultativa. Ambas, formas primitivas de solução de conflitos (anteriores à jurisdição) e que estão sendo revisitadas pelos estudiosos do direito, a busca de técnicas que possam suprir as deficiências acima apontadas da jurisdição, inserindo de forma mais ativa o sujeito de direitos na luta de seus interesses, assumindo diretamente a sua cidadania que, nos processos judiciais, é exercida por meio de terceira pessoa: o juiz. É a jurisconstrução substituindo a jurisdição. 3. Da Mediação 3.1. Conceito A Mediação consiste em “um mecanismo para solução de conflitos através da gestão do mesmo pelas próprias partes, para que estas construam uma decisão rápida, ponderada, eficaz e satisfatória para os envolvidos” (Araújo et al., 1997, p. 442, grifos nossos). Em outras palavras: a mediação consiste em forma de solução de conflitos em que, as próprias partes litigantes buscam a superação do problema que as vinculam, buscando meios que garantam, a ambas, a superação do impasse de forma mais rápida, ponderada, eficaz e, principalmente, satisfatória para ambos os lados. Diz-se que a mediação é um método autônomo1 de solução de conflitos, uma vez que são os próprios litigantes que buscam e encontram a solução do litígio. Ao contrário dos 1 O critério-base para se dividir os modos de solução de conflitos em autônomos e heterônomos é a atribuição do poder de decidir o conflito. Enquanto nos autônomos este poder centra-se nas partes, individual ou conjuntamente, nos heterônomos o mesmo pertence a um terceiro, que pode ser privado ou público. Como exemplo de método autônomo temos a mediação. Enquanto que, como heterônomos, temos a jurisdição e a arbitragem. 13 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões métodos heterônomos (jurisdição e arbitragem), em que a busca desta superação é exercida por terceiros (advogados e juízes). Este instrumento, que tem no litígio a mola propulsora para a solução do impasse, vale-se da figura de um terceiro desinteressado (Mediador) que de maneira neutra ajudaráas partes a pensarem em alternativas que possibilitem a ambas a conquista de seus interesses por vias de cooperação, e não por vias de exclusão, como ocorre no processo judicial. Daí falar-se que a mediação é instrumento de solução de conflitos que visa ao “ganha- ganha” 2, na medida em que por este instrumento, ambas as partes alcançam a realização de seus interesses. Ao contrário do processo judicial em que, o que predomina é o “ganha-perde”, já que a satisfação de um dos litigantes, necessariamente implica na insatisfação do outro. Aliás, esta insatisfação com a decisão judicial é, exatamente, o fundamento jurídico para a figura do recurso (outra fonte de demora e desgaste do processo judicial). Segundo Amaral: Na mediação, por constituir um mecanismo consensual, as partes apropriam-se do poder de gerir seus conflitos, diferentemente da Jurisdição estatal tradicional onde este poder é delegado aos profissionais do Direito, com preponderância àqueles investidos das funções jurisdicionais. Conforme já se aduziu, a mediação, assim como as demais formas alternativas de solucionar conflitos, não constitui um fenômeno novo, na verdade sempre existiu e passa a ser redescoberta em meio a uma crise profunda dos sistemas judiciários de regulação dos litígios - no cenário brasileiro, por exemplo, assiste-se não só a uma crise estrutural (instalações), funcional (pessoal), substancial (métodos) do Poder Judiciário, como a uma crise generalizada nas Instituições (crise na educação, saúde, previdência social, economia). (1994, p. 24, grifos nossos). Ao se retirar do Estado o poder de “dizer o direito” e passar para os próprios litigantes a possibilidade de se “construir o que lhes seja direito”, podemos destacar como ganhos imediatos: a) em relação ao Estado, busca desincumbi-lo dos contenciosos de massa, restando- lhe uma função simbólica de referencial e como instância de homologação e apelo; b) para as empresas, no caso direitos difusos, aponta para ganhos de custos, imagem e marca; c) para as partes, incorporando-as ao procedimento, permite, assim, a sua descentralização, flexibilização e informalização. Assim, a solução consensual aponta para uma pretensa harmonização dos interesses e o equilíbrio entre as partes. 3.2. Características da Mediação Podemos apontar como características da mediação: a) Privacidade O processo de mediação é secreto. Os encontros das partes são presenciados apenas pelo mediador e somente ganharão publicidade se as partes assim o quiserem. Todo o conteúdo da reunião, da mesma forma, não será divulgado a terceiros. b) Economia de dinheiro e de tempo 2 “Diante disso, o que temos é o confronto que se estabelece entre uma tradição assentada em um modelo conflitivo de resolução de conflitos onde de regra teremos um ganhador e um perdedor - logo um satisfeito e outro descontente - que é próprio da tradição liberal e do modelo de Estado de Direito que lhe acompanha, e o crescimento de importância adquirido pelos métodos alternativos de solução de conflitos em razão mesmo das interrogações que se impõem pela rediscussão acerca da eficiência e suficiência do sistema jurisdicional proposta no âmbito do debate relativo à temática do acesso à Justiça, como já exposto anteriormente”. (Morais, 1999, p. 136, grifos nossos). 14 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Ao contrário dos processos judiciais, que tendem a ser lentos e, por isso mesmo, mais custosos, os litígios levados à mediação tendem a ser resolvidos em tempo muito inferior, diminuindo assim, os custos financeiros e o enorme desgaste emocional que um litígio produz nas partes. É de se destacar o trabalho desenvolvido por Drew Hyman, professor norte americano pesquisador das ADRs — da expressão, em inglês, Alternative Dispute Resolutions, Meios Alternatiovs de Resolução de Conflitos —,onde foram analisados os custos de um processo de conciliação em comparação com o processo judicial nos Estados Unidos, que chegou aos seguintes dados: cada caso extrajudicial custa de U$16,00 a U$51,00, e os casos em juízo de U$1.000,00 a U$1.500,00 (Mills, 1990, p. 68). Vale a pena lembrar que, o simples fato de o processo judicial ser moroso serve de desestímulo às partes em recorrer ao Poder judiciário, eis que preferem abdicar de seus direitos a enfrentar trâmites lentos, burocráticos e dispendiosos. c) Oralidade A mediação é um processo informal, onde o que vale mais é o debate entre as partes; a conversa; as sugestões de um e outro lado visando à superação do problema. Não há o apego à registro de atas, pregões, prazos recursais, etc. A participação de terceiros, quando necessária, é buscada a título de cooperação, e não como uma prova a ser utilizada por um dos dois lados. Daí, não haver também o apego a formalismos como a exigência a estes terceiros de não se dirigirem às partes, de não poder ser amiga íntima ou parente dos envolvidos, etc. Na mediação, portanto, ganha valor de destaque as palavras das partes. Registra-se, tão somente o termo final ou os pontos de destaque que restou de um encontro e outro a fim de que a discussão seja retomada daquele mesmo ponto no futuro. Nada mais. d) Reaproximação das partes A mediação possui o gigantesco mérito de reaproximar as partes litigantes, ao contrário do processo judicial que, na maioria das vezes afastam-nas: Aspecto a ser considerado diz respeito ao estado emocional dos litigantes que não conseguem debater serenamente em busca de uma solução para seu conflito. O Poder Judiciário tradicional quando acionado, em tais circunstâncias, tende a distanciar ainda mais estas pessoas, eis que tem um perfil litigante. Age dentro de um sistema que apresenta duas partes combatendo, a fim de apresentar, ao final, um ganhador e um perdedor, vinculados por uma resposta prevista pelo sistema jurídico. O instituto da mediação, ao contrário da jurisdição tradicional, busca aproximar as partes. Trabalha- se para resolver as pendências através do debate e do consenso, tendo como objetivo final a restauração das relações entre os envolvidos3. (Morais, 1999, p. 149, grifos nossos). Muito embora se possa argumentar que, em sede de direitos difusos não haja, necessariamente, a preocupação de se manter o bom convívio entre as partes em virtude de, na maioria das vezes, estas serem de naturezas diferentes (enquanto uma das partes é uma grande empresa, a outra é uma comunidade, por exemplo), ainda assim, temos que esta preservação do relacionamento é indispensável para a devida preservação do interesse difuso em questão (no nosso caso interessa-nos especificamente o meio ambiente). 3 “Enquanto a Justiça tradicional tem primacialmente o objetivo de julgar e sentenciar, a Justiça informal (Shadow Justice) visa a compor, conciliar, prevenir conflitos. Diz a processualista ADA PELLEGRINI que, ‘por vezes, o mecanismo contencioso não se ajusta a determinados tipos de litígios, (...) em que se faz necessário atentar para os problemas sociais que estão à base da litigiosidade, mais do que aos meros sintomas que revelam a existência desses problemas’ [...].” (Grinover, 1988, p. 282 apud Morais, 1999, p. 149, grifos nossos, omissões entre parêntes no original). 15 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Quanto maior for o entrosamento de uma comunidade com uma indústria local, por exemplo, maiores serão os esforços para uma coexistência pacífica, visando a garantir a qualidade do meio ambiente. Tome-se como exemplo, o recente acidente ambiental que ocorreu no Município de Cataguases (MG), em que uma indústria de celulose derramou sobre os Rio Paraíba do Sul e Pomba, contaminando toda a água que abastecia vários municípios dos estadosde Minas Gerais e Rio de Janeiro, deixando cidades como Campos (RJ) totalmente sem água. A solução deste conflito por meio de processos autônomos, seguramente garantiria às partes envolvidas um melhor relacionamento, o que ocasionaria a soma de esforços para a superação das dificuldades apresentadas por aquele lamentável episódio. e) Autonomia das decisões As decisões tomadas pelas partes não dependem de posterior homologação pelo Poder Judiciário. Quanto a este aspecto, inclusive, é interessante lembrar que, na maioria das vezes, a decisão das partes é seguida por estas com mais respeito e precisão do que a sentença judicial. Isto se explica pelo fato de esta decisão ter sido alcançada pelas partes, espontaneamente, e não sob imposição de terceira pessoa, desconhecedora da realidade de cada um dos litigantes. f) Equilíbrio das relações entre as partes Pela mediação busca-se a harmonia entre as partes4. E esta harmonia somente será atingida se os litigantes estiverem em uma relação equilibrada de forças. É fundamental que ambas as partes estejam munidas do conhecimento completo do procedimento que irão experimentar e que tenham iguais oportunidades de atuação dentro deste procedimento. A mediação não busca apenas o ressarcimento do prejuízo pleiteado pela parte. A mediação visa à integral satisfação do ofendido. Mais do que isto, a mediação busca o encerramento total do conflito, de modo que os litigantes sintam, ao final do processo de mediação, “que aquele conflito pelo qual passaram esteja terminado, satisfazendo tanto a lide judicializada, como o conflito social subjacente” (Morais, 1999, p. 151, grifos nossos). Usando das palavras da doutora Geisa de Assis Rodrigues: Não seria, portanto, compatível com a lógica de acesso à justiça no Estado democrático de Direito que os conflitos envolvendo direitos transindividuais, desde quando seja possível, não pudessem se beneficiar de todas as vantagens apresentadas pelo instituto da conciliação5 (2002, p. 54, grifos nossos). 4 “[...] Sob outra perspectiva a conciliação também se afigura bastante vantajosa porque tem o condão de acomodar melhor as desavenças dos envolvidos no conflito, que se sentem sujeitos da decisão e não objeto de um decreto de um terceiro, que por sua origem exógena sempre corre o risco de ter a pecha de injusto, e gerar uma insatisfação latente, ainda que o conflito tenha sido aparentemente dirimido. Não que acordos não possam ser injustos, mas o fato da participação da parte mitiga a sensação da injustiça, o que faz a conciliação ser denominada pelos franceses de “justice douce” (Justiça doce). Por isso é fundamental que na conciliação as partes estejam em uma situação a mais próxima possível da igualdade material, de modo que possam desempenhar com desenvoltura o papel de sujeito da solução negociada. Devido a essa participação, há uma tendência a que esta solução tenha maior adesão das partes que dela participaram, ensejando uma eficácia maior desse tipo de deliberação. Por fim, para determinados tipos de conflitos a conciliação pode ser a forma mais adequada de solução, como por exemplo nos casos em que as partes devam manter, apesar do conflito, um relacionamento de maior duração, ou nos casos em que existam vários fatores extra-jurídicos que devam ser levados em conta, aspectos que, muitas vezes, não são bem apreendidos pela lógica formalista do processo. Os dissídios envolvendo direitos transindividuais não raro ajustam-se nessa modalidade de conflito, principalmente porque em muitas situações não há ganhadores e perdedores, como ocorre na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado”. (Rodrigues, 2002, pp. 53-54, grifos nossos). Vale destacar que a autora utilizou-se da expressão conciliação como gênero de quaisquer outras formas alternativas de solução de conflitos 5 Lembramos que aqui a autora utiliza-se do termo conciliação como gênero, dentro do qual a mediação é espécie. 16 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões 4. Da Arbitragem 4.1. Conceito e desvantagens frente à mediação A Arbitragem, como vimos, é um processo heterônomo, assim como a jurisdição. Ou seja: a solução não é dada pelas partes, mas sim por um terceiro. Lato sensu, podemos classificar a jurisdição como uma forma de arbitragem. É a arbitragem estatal, onde não cabe às partes a escolha do árbitro nem a forma como se dará o procedimento. A jurisdição se dá por árbitros nomeados pelo Estado, que seguirão tão somente o procedimento definido no Código de Processo Civil. Já a arbitragem stricto sensu tem o árbitro escolhido pelas partes. O procedimento a ser observado, o material probatório que será apresentado e outros pontos específicos do procedimento, não serão ditados por nenhum ordenamento, mas sim pelas próprias partes. O que não impede que as mesmas optem em seguir as normas do Código de Processo Civil. Nas palavras de Velloso: [...] el arbitraje es un modo de heterocomposición de conflictos que opera como resultado respecto de ellos y al cual se llega exclusivamente si media, al menos, un principio de autocomposición de los proprios interesados, mediante la cual aceptan plantear su litigio al árbitro y, eventualmente, acatar su decisión. (1987, p. 94, grifos nossos). 4.2. Características da Arbitragem Podemos apontar como sendo características da arbitragem: Ampla liberdade de contratação. As partes têm a mais ampla liberdade para escolherem quem será o julgador do litígio, assim como o procedimento a ser seguido na arbitragem. Pode-se, inclusive, eleger lei estrangeira para se basear o procedimento. Pode ser usada em qualquer controvérsia que envolva direito patrimonial disponível (o que exclui a possibilidade de se aplicar a arbitragem em conflitos que versem sobre direitos transindividuais). A imensa liberdade que é dada às partes na escolha do árbitro, permite que as mesmas adotem como árbitros de suas controvérsias técnicos da matéria discutida (quando a controvérsia recair sobre fatos complexos), o que acaba por dar à sentença arbitral maior peso e melhor qualidade, já que a decisão é conhecida pelo próprio árbitro, não tendo sido necessária a utilização de informações de terceiros. Permite maior celeridade na solução dos conflitos. As partes podem, inclusive, fixar tempo máxima para a sentença arbitral. Caso este prazo não seja obedecido pelo árbitro, podem as partes, inclusive, responsabilizá-lo civilmente pelo descumprimento (descumprimento contratual, já que as partes e o árbitro se obrigam por contrato). A sentença arbitral se constitui título executivo extrajudicial. 4.3. Vantagens e desvantagens da arbitragem Podemos apontar como principais vantagens da arbitragem: a) Maior rapidez em relação ao procedimento judicial; b) Normalmente, a arbitragem é mais barata que o processo judicial. Eventualmente, contudo, algumas questões arbitrais superam os custos judiciais; 17 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões c) O laudo arbitral é facilmente executável; d) Mantém o relacionamento entre as partes envolvidas; e) A facilitação da transação. E como principais desvantagens da arbitragem temos: a) Há a iminência de intervenção judiciária; b) Em casos em que a questão litigiosa consistir em ponto de alta indagação jurisprudencial e doutrinária, não é aconselhável a utilização da arbitragem, já que falta uma autoridade forte, que tenha condições de pôr fim a combates processuais. c) Tanto em casos de arbitragem, como em casos de jurisdição tradicional, a decisão do litígio não nasce das partes, mas sim de terceira pessoa. Isto faz com que a arbitragem também padeça de alguns males da jurisdição: c.1) distanciamento das partes na solução do problema; c.2) cumprimento da decisão finalpor coerção, e não por ato de vontade; c.3) procedimento que leva em conta o “ganhar-perder” e não o “ganhar-ganhar”; c.4) decisão tomada por terceiro, e não pelas próprias partes. 4.4. Da inaplicabilidade da arbitragem na proteção do meio ambiente O §6°, do artigo 5°, da Lei n° 7.347/85 permite a realização de Termo de Ajustamento de Conduta, visando à efetiva proteção dos direitos difusos (no nosso caso, repita-se, interessa-nos o meio-ambiente). Em que pese este dispositivo poder ser entendido como um permissivo legal à transação na reparação do dano ambiental, o mesmo não pode ser entendido como um permissivo para a utilização de outras formas de solução do dano ambiental. Note-se que por aquela norma o legislador apenas conferiu poderes ao Ministério Público para buscar, junto ao ofensor do meio ambiente, uma forma alternativa de se reparar o dano causado. Esta alternativa, repita-se, diz respeito apenas à forma em que se dará a reparação do dano, e não como alternativa ao órgão julgador. Aquela norma não permitiu soluções alternativas. Caso o Termo de Ajustamento de Conduta não se concretize, então a questão tomará a via jurisdicional, no modelo processual clássico, onde a jurisdição será exercida pelo Estado, tendo como termo final uma sentença condenatória. Em outras palavras: o legislador não pode desincumbir o Estado da função jurisdicional, principalmente em se tratando de direito difusos. Em sendo assim, o Estado jamais poderia permitir que questões ambientais (dentre outras de direitos difusos) fossem julgadas por terceiros. Estaria, assim, quebrando o princípio jurisdicional da indelegabilidade6. 6 “O princípio da indelegabilidade é, em primeiro lugar, expresso através do princípio constitucional segundo o qual é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições. A Constituição fixa o conteúdo das atribuições do Poder Judiciário e não pode a lei, nem pode muito menos alguma deliberação dos próprios membros deste, alterar a distribuição feita naquele nível jurídico- positivo superior. Além disso, no âmbito do próprio Poder Judiciário não pode juiz algum, segundo seu próprio critério e talvez atendendo à sua própria conveniência, delegar funções a outro órgão. E que cada magistrado, exercendo a função jurisdicional, não o faz em nome próprio e muito menos por um direito próprio: ele é, aí, um agente do Estado (age em nome deste). O Estado o investiu, mediante determinado critério de escolha, para exercer uma função pública; o Estado lhe cometeu, segundo seu próprio critério de divisão de trabalho, a função jurisdicional referente a determinadas causas. E agora não irá o juiz, invertendo os critérios da Constituição e da lei, transferir a outro a competência para conhecer dos processos que elas lhe atribuíram” (Grinover, 1993, p. 119, grifos nossso). 18 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Ademais, a própria Lei da Arbitragem (Lei n° 9.307/96), em seu artigo 1°, estatui que este instrumento poderá ser aplicado apenas “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, o que de plano exclui a arbitragem como forma de solução dos conflitos advindos de interesses transindividuais. Há que se notar, entretanto, que muito embora a arbitragem consinta uma maior participação das partes litigantes que no processo judicial clássico, este instrumento conserva as características do método adversarial, típico das decisões jurisdicionais, a saber: a) as partes são opositoras; b) um terceiro supre a vontade das partes e toma a decisão; c) emprega- se a lógica do tudo ou nada. Em regra, se uma parte ganha a outra perde. Dia a dia vem ganhando força a tendência de se buscar extrajudicialmente a solução dos conflitos. Neste sentido podemos citar o Termo de Ajustamento de Conduta, que será objeto de nosso estudo a seguir. 5. O Ajustamento de Conduta na defesa do meio-ambiente: A experiência do Ministério Público 5.1. Conceito e antecedentes históricos O Ajustamento de Conduta nada mais é que um processo muito semelhante à mediação, em que tem como terceiro interveniente o Ministério Público e como partes, a comunidade que sofreu o dano ambiental e, de outro, o causador deste dano. Não podemos dizer que o Ministério Público seja mediador porque, como vimos, o mediador deve se posicionar de forma neutra entre as partes, não devendo emitir juízos de valor, mantendo sempre isenção total no andamento do processo. A posição ocupada pelo Ministério Público no ajustamento de conduta é bem diferente. Aqui, o Ministério Público, embora terceiro, coloca-se nitidamente numa posição de defesa dos interesses do ofendido. Obviamente, por não ser papel do Ministério Público o julgamento da quaestio, este não poderia fazê-lo. Entretanto, este órgão se coloca, não na posição de parte, mas na posição de interessado na reparação do dano ambiental. E é sob este papel que buscará a solução do conflito extrajudicialmente. Vale dizer que o § 6º do artigo 5º da Lei 7.347/85, que instituiu a possibilidade de se transacionar questões relativas aos direitos difusos, não constava da redação original daquela Lei, tendo sido acrescentado pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor)7. 7 A propósito, vale aqui registrar, que atualmente a chamada “jurisdição coletiva” é regida pela aplicação conjunta de três normas mestras: as leis 4.717/65 (Lei da Ação Popular), 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), sendo que esta última ganha maior destaque, já que coube a ela o papel de inserir nas duas normas anteriores dispositivos mais modernos e sintonizados com o espírito constitucional da Carta de 1988, inovando o próprio procedimento com a criação de instrumentos como as tutelas antecipada, específica e cominatória, e o próprio ajustamento de conduta (ora tratado). Neste sentido, Geisa de Assis Rodrigues, em sua obra Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: Teoria e prática informa que: “O CDC teve como propósito promover o acesso à justiça dos consumidores, além de ensejar uma tutela mais adequada dos demais direitos transindividuais ao renovar a lei da ação civil pública. Essa renovação não se limitou ao aperfeiçoamento da esfera judicial de proteção desses direitos. Ao prever o compromisso de ajustamento de conduta a lei de consumo concebeu um instituto de proteção extrajudicial de direitos metaindividuais, ampliando o sistema de garantia desses direitos” (2002, p. 99, grifos nossos). Nelson Nery Junior também comenta que: “Há, por assim dizer, uma perfeita interação entre os sistemas do CDC e da LACP, que se completam e podem ser aplicados indistintamente às ações que versem sobre direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais, observado o princípio da especialidade das ações sobre relações de consumo, às quais se aplica o Título III do CDC, e só subsidiariamente a LACE. Esse interagir recíproco de ambos os sistemas (CDC e LACE) tornou-se possível em razão da adequada e perfeita compatibilidade que existe entre eles por força do CDC e, principalmente, de suas disposições finais, alterando e acrescentando artigos ao texto da Lei n0 7.347/85” (2001, p. 917). 19 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões E o Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, teve sua inspiração em dispositivo ainda anterior: trata-se do artigo 55 da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei 7.244/84), posteriormente revogado e repetido na Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que dispunha: Art. 57 – O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público. (Brasil, grifos nossos). Pode-se dizer, então, que este dispositivo foi o precursor da possibilidade de a atuação extrajudicial do Ministério Público gerar um título executivo extrajudicial. Por outro lado, este mesmo dispositivo serviu também de inspiração para o legislador processual alargar o rol dos títulos executivos, inserindo no artigo 585 do CPC o inciso II, onde passou a ser admitido também como título executivo extrajudicial, o “instrumento particular assinado por duas testemunhas”. Não se pode esquecer, todavia, que o artigo 57 da Lei 9.099/95 fora concebido “essencialmente para dotar de eficácia de título executivo a transação, entre partes capazes, sobre seus direitos disponíveis. Está, portanto, na esfera da tutela de direitos individuais disponíveis” (Rodrigues, 2002, pp. 100-01). A “migração” da transação como instrumento tipicamente de tutela dos interesses individuais disponíveis para o campo da tutela dos interesses transindividuais se dera, efetivamente, com o Código de Defesa do Consumidor. Esta norma sim, significou a revolução na tutela destes interesses. Louvável, portanto, a postura vanguardista de nossos legisladores dos supra referenciados instrumentos de defesa dos interesses transindividuais. Percebeu-se, enfim, que também no campo dos interesses públicos o velho aforisma popular de que é “melhor um mau acordo que uma boa demanda”, continua a prevalecer. Em sede de interesses públicos, tal como ocorre nos interesses privados, as mazelas que acometem a devida prestação jurisdicional comprometem o resultado útil do processo. Nesta categoria de interesses, inclusive, o prejuízo pode se tornar ainda maior que nos interesses privados, face à sua difusão para toda a coletividade. Mancuso nos dá bem um exemplo com o qual poderíamos ilustrar como a não- celebração de um acordo contribuiria contra a tutela do interesse metaindividual objetivado: Imagine-se que a empresa poluente, reconhecendo ser fundada a pretensão inicial, apresente plano para a instalação, em três meses, dos equipamentos necessários, fazendo prova de que estão encomendados. Em casos que tais, a intransigência do autor na recusa do acordo não se justificaria, porque nas ações coletivas o interesse reside menos em ‘vencer’ a causa do que obter, de algum modo, a melhor tutela para o interesse difuso questionado. (2000, p. 239, grifos nossos). 5.2. Natureza Jurídica O artigo 840 do Código Civil de 2003 (correspondente ao artigo 1025 do Código Civil de 1916), que abre o capítulo referente à transação, dispõe que “é lícito aos interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Por sua vez, o Código de Processo Civil, em seu artigo 269, III, dispõe que: “Art. 269 - Extingue-se o processo com julgamento de mérito: [...]; III - quando as partes transigirem; [...]”. (Brasil, grifos nossos). 20 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões Portanto, se do ponto de vista do direito material “a transação é modo de extinção de obrigações litigiosas, mediante concessões recíprocas de ambas as partes” (Fink, 2002, p. 117), do ponto de vista do direito processual, a transação também é modo de extinção do processo com o julgamento do mérito. Por outro lado, o artigo 841 do Código Civil de 2003 (correspondente ao artigo 835 do Código Civil de 1916) dispõe que “só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação” (Brasil, grifos nossos). Em se tratando o meio ambiente, portanto, de direito não patrimonial e pertencente ao ramo do direito público, a questão que se põe frente ao enunciado acima transcrito é sobre a possibilidade de se transacionar em matéria de direito ambiental. Entendemos que a resposta deva ser afirmativa. O Ajustamento de Conduta possui, indubitavelmente, a natureza jurídica de transação8, em que pese as opiniões em contrário9. Segundo Daniel Roberto Fink: Deve-se entender que a transação em matéria de meio ambiente não tem por objeto o próprio ambiente, direito difuso e indisponível. Em relação a esse direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é impossível transigir. Será objeto da transação em matéria de meio ambiente a forma de adoção das medidas destinadas à sua recuperação, ou ainda, o estabelecimento de certas regras de conduta a serem observadas pelo interessado, de tal forma que o ecossistema seja preservado de agressões. (2000, p. 118, grifos nossos). E é também assim que a maioria da doutrina vem se posicionando a respeito10: Nesse sentido, a maioria da doutrina que se ocupa dos estudos em direito ambiental tem afirmado que o compromisso de ajustamento de conduta configura transação conforme os moldes tradicionais do direito civil, importando, entretanto, em peculiaridades próprias. (Fink, 2000, p. 119). Aqueles que não reconhecem o ajustamento de conduta como transação, classificam-no como negócio jurídico. Segundo estes autores, não se poderia falar em transação no ajustamento de conduta, devido à natureza indisponível dos direitos difusos. “Essa indisponibilidade objetiva dos direitos transindividuais é agravada pelo problema da legitimação subjetiva do exercício desses direitos, o que tornaria ainda mais inadequada a compreensão do ajustamento como transação” (Rodrigues, 2002, p. 141, grifos nossos) 8 Os seguintes autores têm o ajustamento de conduta como transação: Hugo Nigro Mazzilli, Rodolfo de Camargo Mancuso, Édis Milaré, Nelson Nery Junior (embora também fale em ato unilateral), Paulo de Bessa Antunes, Fernando GreIla Vieira, Sérgio Shimura, José Marcelo Menezes Vigliar, Rita Tomasso, Marco Antônio Pereira, Celso Pacheco Fiorillo, João Bosco Leopoldino da Fonseca, Carlyle Popp, Edson Vieira Abdala, Patrícia Miranda Pizzol, Daniel Roberto Fink. Não consideram transação Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, José dos Santos Carvalho Filho, Hindemburgo Chateaubriand Filho, Francisco Sampaio, Maria Aparecida Gugel, Isabella Franco Guerra, Roberto Senise Lisboa. 9 “Nesse sentido, não se pode admitir a renúncia dos direitos transindividuais, nem muito menos a transação versando sobre os mesmos. A transação tem as seguintes características fundamentais: a) a existência de concessões recíprocas, o que pressupõe a possibilidade de alienação do direito, e de disponibilidade do mesmo; b) segundo o artigo 1035 do Código Civil 145 tem por objeto direitos patrimoniais de caráter privado; c) tem como função evitar o surgimento de um litígio ou de lhe pôr fim. Teremos a oportunidade de revisitar essa questão quando discutirmos a natureza juridica do ajustamento de conduta, mas pode-se desde já deixar evidenciada a impossibilidade da transação para a solução negociada dos direitos transindividuais. Mesmo que se utilize o rótulo ‘transação’, transação não há.” (Rodrigues, 2002, p. 52, grifos nossos). 10 Cf. Vieira, 1993; Milaré, 2000, p. 395. 21 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões A esmagadora maioria dos autores que classifica o ajustamento de conduta como transação, não nega o seu caráter excepcional. De fato, não se trata de uma transação ordinária, mas sim de uma transação especial diante da indisponibilidade intrínseca dos direitos difusos, bem como da diversidade entre os legitimados a celebrar o ajuste de conduta e os titulares do direito material em questão. Entretanto, esta especificidade do ajustamento de conduta não o retira da categoria de transação. E, em sendo transação (apesar de sua natureza peculiar, repita-se) o regime jurídico do ajustamento de conduta deve obedecer, no que couber, o regime da transação tal como previstopelo direito civil (arts. 840 a 853 do novo Código Civil), tais como: sua interpretação restritiva (art. 843); os vícios que levam à nulidade parcial e total (art. 848); o efeito da coisa julgada entre as partes e sua rescindibilidade. A transação, ainda que leve à extinção de obrigações litigiosas, quando analisada sob o prisma do direito ambiental, torna-se fonte de outras obrigações. Estas últimas, não litigiosas, pois provêm de acordo de vontades. Isto porque, o instrumento da transação em sede de proteção ao meio ambiente conterá sempre obrigações para o seu infrator. Obrigações, estas, que dependendo dos casos, podem consistir em obrigações de fazer, não fazer ou dar coisa certa (no caso, pecúnia). Se perfaz assim, um verdadeiro contrato, com todos os seus elementos: partes capazes, objeto lícito, forma prescrita e não defesa em lei. Deve-se lembrar, apenas, que aquele “contrato” visa à plena recuperação do meio ambiente, que se constitui, em última análise, em direito público indisponível. Este contrato (instrumento típico do direito privado) deverá amoldar-se, entretanto, aos princípios que norteiam a tutela do interesse público, já que é este o seu objeto (a defesa do meio ambiente). Por fim, vale lembrar que o §6º do artigo 5º da Lei 7.347/85 expressamente atribui ao Termo de Ajustamento de Conduta a eficácia de título executivo extrajudicial. In verbis: [...] § 6º - Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Brasil, grifos nossos). Desta forma, poderíamos nos valer das palavras de Daniel Fink para assim conceituarmos o Termo de Ajustamento de Conduta: “o termo de ajustamento de conduta tem como natureza jurídica constituir-se em transação, de cunho contratual, com eficácia de título executivo extrajudicial” (2002, p. 120, grifos nossos). 5.3. Das vantagens do Termo de Ajustamento de Conduta Como vimos, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) constitui instrumento legal criado pela Lei nº 7.347/85 como alternativa à propositura da Ação Civil Pública. Este instrumento vem sendo cada vez mais utilizado, notadamente pelo Ministério Público Estadual e Federal, nos casos de danos ao meio ambiente, tendo-se em vista as enormes vantagens que apresenta face aos procedimentos judiciais. Estas vantagens perpassam pela superação da morosidade tradicional (de que é vítima crônica o nosso Poder Judiciário), levando a uma resolução mais célere e, por isto mesmo, mais eficiente e satisfatória do dano ambiental ocasionado11. Passam, ainda, pela melhor apuração do dano, possibilitando uma investigação de maior qualidade quanto às suas causas e conseqüências, possibilitando, desta forma, 11 Sobre o tema, cf. Fink, 2002, pp. 133-4. 22 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões diagnóstico mais preciso quanto às medidas que devem ser tomadas para a devolução ao meio ambiente do seu status quo ante. Passam também pela maior eficácia na reparação do dano ambiental, na medida em que os acertos feitos através dos TACs partem de decisões tomadas por todas as partes envolvidas, de forma espontânea, embasadas nas condições reais de suas capacidades materiais para cumprir o acordo celebrado, e não de decisões exteriores (do juízo), que muitas vezes condena o responsável pelo dano ambiental em valores tão altos que o mesmo não pode pagar. É o que Daniel Fink chama de consciência da realização do possível e assunção voluntária e consciente da obrigação: A composição negociada pelo ajustamento de conduta é a realização do possível, e as partes têm consciência disso. Respeitados os contornos possíveis da transação, cujo limite é o interesse público, todas as demais cláusulas e condições serão resultado de um processo psicológico de apreensão de cada uma das obrigações assumidas, de tal forma que, ao final, cada parte terá a certeza de que cada obrigação é resultado daquilo que cada um pode dar e na forma como pode dar. É a realização do possível. [...] Celebrado o termo em prosseguimento a esse processo psicológico, cada parte saberá que participou efetivamente de um processo de composição do conflito e não foi um mero contratante. Assumiu voluntariamente obrigações possíveis. Ao assumi-las, em geral, terá passado por um processo de consolidação mental da importância dessas obrigações, de tal forma que, ao cumpri-las em seu vencimento, o fará sem traumas. Não mais contra a sua vontade, mas pela sua vontade. (2002,. p. 132, grifos nossos). Outra vantagem em se adotar o ajustamento de conduta em lugar do processo judicial, está no fato de que, pelo ajustamento de conduta, é possível que se conjuguem obrigações de fazer ou não fazer com a indenização monetária, quanto à parte que não couber reparação. Esta possibilidade não existe nos processos judiciais embasados pela Lei da Ação Civil Pública, que proíbe expressamente tal conjugação em seu artigo 3°: Art. 3º A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro OU o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (Brasil, 1985, destaques nossos, grifos nossos). Enfim, as vantagens da celebração do Termo de Ajustamento de Conduta não são apenas processuais mas, também (e principalmente) psicológicas, na medida em que as partes responsáveis pela questão ambiental se posicionam em uma postura mais ativa, participando efetivamente da solução do problema. Além das vantagens acima apontadas podemos mencionar algumas outras: 1) Aprendizado ambiental: A formulação de um termo de ajustamento de conduta pode levar meses de negociação. Durante todo este tempo, as partes envolvidas conhecerão a fundo os detalhes daquele meio ambiente degradado. Maior será e relevância deste termo na medida em que o causador do dano, durante este processo de construção do ajustamento, for chamado pelo seu interlocutor e mesmo pelo intermediador (caso haja) deste processo, para a necessidade de se respeitar os recursos naturais, cada vez mais escassos, se não por respeito à qualidade de vida de toda a raça humana, ao menos por questão de inteligência, para o não perecimento de sua fonte de riqueza. 23 Mediações: Discursos, Práticas e Reflexões 2) Preservação da imagem e da marca da empresa A questão ambiental vem sendo tratada, mundialmente, como sendo de primeira ordem. Felizmente, a sociedade despertou-se para a importância de se preservar o meio ambiente. Por isto mesmo, esta mesma sociedade já exige das empresas que exerçam atividades que potencialmente possam danificá-lo, uma postura de precaução e prevenção, além de criação de mecanismos hábeis à neutralização dos resíduos industriais provenientes de sua exploração econômica. Uma vez ocorrido o dano, a postura de uma empresa que procura recuperar o meio ambiente através do compromisso de conduta, seguramente terá a oportunidade de resgatar o prestígio que eventualmente tenha perdido com a ocorrência daquele dano. 3) Custos Os custos de um ajustamento de conduta são muito inferiores aos custos de um processo judicial. E isto não apenas às partes envolvidas, mas principalmente para toda a sociedade que, na pendência de um processo judicial, é esta que arca com a movimentação da máquina judiciária. 4) Melhor qualidade do pacto em relação à sentença Outra vantagem do Termo de Ajustamento de Conduta está no fato em que o pacto assumido pelas partes é de melhor qualidade que uma sentença judicial. Isto porque, enquanto a sentença judicial consiste em ato do juiz que impõe alguém a proceder determinado ato, ou a pagar determinado valor, pautando-se apenas pela lei, o pacto advindo de um ajustamento de conduta advém da própria vontade das partes,
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