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Comentário ao Artigo 1º da Constituição Brasileira

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1 
COMENTÁRIO AO ARTIGO 1° DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA 
 
 
Lucio Pegoraro 
Professor Ordinário de Direito Público Comparado da Universidade de Bolonha, 
autor de várias obras e diretor da Coleção 
“Diritto pubblico contemporaneo. Gli ordinamenti costituzionali.” 
 
Tradução de Maria Auxiliadora Castro e Camargo 
Procuradora Federal, especialista e mestre em Direito pela UFU e UFG, 
Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca-Espanha. 
 
SUMÁRIO: 1 Metodologia; 2 Significado completível do artigo 1º; 3 Auto-qualificação: 
problemas gerais do artigo 1°; 4. A incorporação das características essenciais no 
nomen; 5 A natureza “federal” da União; 6 O “Estado Democrático de Direito”; 7 
“Fundamentos” da República; 7.1 O princípio da soberania; 7.2 O princípio da cidadania; 
7.3 A dignidade da pessoa humana; 7.4 Os valores sociais do trabalho e da livre 
iniciativa; 7.5 O pluralismo político; 8 Titularidade e exercício da soberania. 
 
1 METODOLOGIA 
O constituinte atribuiu ao artigo em exame a função de apresentar, já na 
abertura do texto e numa síntese generalíssima, os caracteres co-
existenciais do tipo de regime político que quis instituir e que são 
considerados indivisivelmente correlacionados, já que ligados entre si por 
um estreito nexo de interdependência […]. Por isso, e pelas implicações 
que lhe são subentendidas, faz-se necessário retrocedermos no tempo 
para alcançarmos o espírito informador das normas que foram 
sucessivamente articuladas a fim de extrair os critérios hermenêuticos 
indispensáveis para revelar seu exato significado. 
 
As palavras com as quais Constantino Mortati1 abre seu comentário à Constituição 
italianatambém se adeqüam ao artigo 1º da Constituição brasileira, assim como a 
qualquer outro texto constitucional que se inaugura com a definição sintética e essencial 
do ordenamento. Da mesma forma que os preâmbulos, artigos de tais tipos – 
habitualmente se tratam do artigo primeiro, mas existem algumas exceções3 – se 
prestam perfeitamente para uma análise comparativa e útil confronto com outras 
realidades constitucionais. 
Conseqüentemente, o artigo 1º da Constituição brasileira pode ser lido e 
interpretado das seguintes formas: 
 
a) para confrontar as soluções ali criadas com outras similares (mas não 
idênticas)preferidas pelos textos constitucionais estrangeiros (e, portanto, a 
partir de uma perspectiva externa ou comparatista). Na literatura jurídica 
brasileira essa aproximação raramente é feita, ainda que alguns autores ao 
comentar o texto da Constituição, busquem um antecedente ou um paralelo 
com alguma experiência estrangeira.4 
 
1 MORTATI, Costantino, Commento all’art. 1. In:Giuseppe Branca (coord.). Commentario della Costituzione. v. 1 , Bologna: 
Zanichelli, 1978, p. 1. 
3 Vide, por exemplo, a Constituição francesa (art. 2) ou o Grundgesetz alemão (art. 20). 
4 Cf. SOBRINHO, Manoel de Oliveira Franco. Os princípios nas Constituições contemporâneas. In: Fernando Whitaker da Cunha 
(Coord.). Comentários à Constituição (arts. 1° ao 7°). v.1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990. p. 128 ss. Com relação à dignidade 
humana: SILVA,José Afonso da . A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista Direito Administrativo, 
Rio de Janeiro, p. 89, abr./jun. 1998.. 
 2 
b) para alcançar o vínculo do art. 1º com o restante da Constituição (e, portanto, a 
partir de uma perspectiva interna) conforme indicado por Mortati e como 
geralmente fazem os estudiosos brasileiros. 
 
Na atualidade, a primeira perspectiva (a externa) é ainda mais útil e interessante 
do que já foi no passado: época de crescente integração do direito e de hibridação dos 
modelos constitucionais. Os princípios declarados e/ou acolhidos por uma Constituição, 
também são bastante utilizados “fora” do ordenamento nacional quando se elabora uma 
nova Constituição, assim como ainda são utilizados, cotidianamente, na atividade 
legislativa e, sobretudo, na jurisprudência das Cortes e Tribunais Constitucionais. 
 Existe de fato uma espécie de processo circular que permite ou favorece a 
circulação de princípios comuns no âmbito dos ordenamentos liberal-democráticos. Ainda 
se registra uma força expansiva de tais princípios capaz de também influenciar outros 
ordenamentos tais como os autoritários, os totalitários ou os teocráticos.5 
Alguns institutos, por exemplo: a representação popular, a legalidade, a igualdade, 
o federalismo, a autonomia, a proteção das minorias, ou mesmo a justiça constitucional6 
e a subsidiariedade7 são enunciados em nível constitucional8, permeando cada 
ordenamento. 
 Nos lugares onde atuam as Cortes ou Tribunais Constitucionais – e isso onde quer 
que seja9 – essas se valem não apenas dos princípios escritos, mas também daqueles 
não explicitados no ordenamento ou, pelo menos, facilitam sua introdução10 uniformizam 
as interpretações, igualam os testes de equilíbrio dos valores, favorecem a harmonização 
normativa e interpretativa com repercussão não apenas no próprio ordenamento interno, 
mas também sobre ordenamentos homólogos e todas suas famílias jurídicas.11 
 A referência a textos normativos estrangeiros nas soluções das controvérsias 
jurídicas é freqüente na jurisprudência constitucional de muitíssimos países, não só na 
área homogênea do common law, onde os precedentes vinculam ou “persuadem” a 
prescindir do país de origem, mas também entre sistemas heterogêneos.12 
 Acrescenta-se a tudo isso o impacto das convenções internacionais e das cartas 
mundiais ou as que vinculam os ordenamentos em áreas mais circunscritas (como 
exemplo a Europa ou as Américas) em relação ao respeito dos direitos humanos, 
 
5 Cf. Giuseppe de Vergottini. Le transizioni costituzionali. Bologna: il Mulino, 1998, especialmente. p. 157 e ss. 
6 Cf. Lucio Pegoraro. Giustizia costituzionale comparata. Torino: Giappichelli, 2007, passim e especialmente p. 207 s.; Idem. La Justicia 
Constitucional. Una perspectiva comparada. Madrid: Dykinson, 2004, p. 169 ss. 
7 Consulte-se o volume de Angelo Rinella, Leopoldo Coen, Roberto Scarciglia (Coords.). Il principio di sussidiarietà. Quaderni del 
Dipartimento di Scienze politiche dell’Università degli studi di Trieste, n. 4. Padova: Cedam, 1999. 
8 V. ainda Giuseppe de Vergottini. Le transizioni costituzionali. Op. cit., loc. cit., e, sobre as recepções na Europa centro-oriental: Sergio 
Bartole. Riforme costituzionali nell'Europa centro-orientale. Bologna: il Mulino, 1993, mult. loc. e em particolar p. 151 ss. 
9 Cf. PEGARO, op. cit., p. 67 Idem. La Justicia Constitucional. Una perspectiva comparada. Op. cit., p. 63 ss. 
10 Basta pensar no principio da certeza do direito explicitado apenas em algumas constituições (por exemplo, a espanhola), mas 
“parametrizado” por várias Cortes constitucionais. Sobre o tema v. em relação à Corte constitucional italiana: Lucio Pegoraro. Linguaggio 
e certezza della legge nella giurisprudenza della Corte costituzionale. Milano: Giuffrè, 1988. Idem. La tutela della certezza giuridica in 
alcune costituzioni contemporanee. In Diritto e società, Padova: Cedam, n. 1, 1994, p. 21 ss. e in Scritti per Uberto Scarpelli. Milano: 
Giuffrè, 1997, p. 705 ss. 
11 Sobre valores no direito e na jurisprudência constitucional v. Alessando Pizzorusso, Vincenzo Varano (Coords.). L’influenza dei valori 
costituzionali sui sistemi giuridici contemporanei. 2 volumenes. Milano: Giuffrè, 1985; Gregorio Peces Barba Martines. Los valores 
superiores, Madrid: Tecnos, 1984; Peter Häberle. Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz. Heidelberg: Müller, 1983, 
trad. it. Le libertà fondamentali nello Stato costituzionale.Roma: La nuova Italia Scientifica, 1993; Ulterior bibliografia in Giuseppe 
Morbidelli. Introduzione al diritto e all’interpretazione. In Giuseppe Morbidelli, Lucio Pegoraro, Antonio Reposo, Mauro Volpi. Diritto 
costituzionale italiano e comparato. 2a ed., Bologna: Monduzzi, 1997, p. 34 ss. e espec. pp. 38, 40. Por ultimo, o belo livro di Andrée 
Lajoie. Jugements de valeurs. Paris: Puf, 1997. 
12 Cf. PEGARO,Lucio . La utilización del derecho comparado por parte de las Cortes Constitucionales: un análisis comparado. Revista 
General de Derecho Público Comparado – Comparative Public Law Review, Madrid, Iustel, p. 73, 2007.. E em Palestra del Tribunal 
Constitucional. Revista mensual de Jurisprudencia, Lima, Palestra, n. 7, 2007, p. 697 ss. 
 3 
proteção da infância, das minorias, etc.13 Não é casual que várias constituições recentes 
imponham às Cortes a interpretação do direito interno conforme as disposições de tais 
instrumentos internacionais.14 
 A aproximação comparatística, conseqüentemente, não é apenas útil, mas até 
mesmo indispensável para “desprovincializar” o comentário de um dispositivo – o art. 1º 
da Constituição brasileira – que usa uma terminologia que alude a referências 
amplamente utilizadas no direito comparado e no direito internacional como “República 
Federativa”, “soberania”, “cidadania”, “dignidade da pessoa humana”, “pluralismo 
político” [...] etc. 
 Uma advertência: a análise comparatística do texto (principalmente se é realizada 
por parte de um estudioso estrangeiro) talvez possa conduzir à abstração do contexto 
histórico-cultural que inspirou os redatores da Constituição ou, ainda, ignorar quais os 
significados que as praxes legislativas, administrativas e jurisprudenciais deram às 
palavras que os framers escolheram15. Em suma, pode ocorrer que uma leitura 
“externa”, feita num quadro global e macro-comparativo, alcance resultados em parte 
divergentes daqueles encontrados pelos estudiosos “nacionais”. 
 No comentário do artigo 1º ater-nos-emos aos critérios metodológicos próprios da 
ciência comparatística, com particular referência à individualização da analogia e das 
diferenças com outros ordenamentos. Ao mesmo tempo, somos conscientes que tais 
analogias e diferenças afloram com maior precisão se consideramos: (a) a evolução 
histórica dos institutos aos quais se refere o artigo 1º16; (b) o condicionamento dos 
fatores pré-jurídicos ou meta-jurídicos. Sobre o assunto, exigências metodológicas 
impõem que as análises remanesçam nos rigorosos confins do direito. O significado das 
palavras do direito, entretanto, é plasmado também nos estudos dos fenômenos de 
outras ciências diversas da jurídica como a filosofia, antropologia, sociologia, ciência 
política, economia, etc.17 
 Particularmente no caso do Brasil, não é possível ignorar que o processo, em 
curso, de democratização e de modernização no plano jurídico sancionado pela 
Constituição de 1988, se encontra ainda hoje com uma realidade sócio-política e 
econômica complexa, marcada pelas persistentes disparidades de uma injusta 
distribuição da riqueza, da exploração “externa” dos recursos naturais, do problema da 
proteção dos nativos, do ainda incompleto processo de escolarização e assim por diante; 
tudo num contexto geográfico extremamente diversificado como se observa em bem 
poucos paises do mundo. 
 A Constituição naturalmente não representa uma varinha mágica para fazer 
desaparecer as contradições e as desigualdades: não marca, a partir de uma perspectiva 
sócio-econômica, uma fronteira entre o “antes” e o “depois”. Representa, porém, a partir 
de uma perspectiva jurídica, o elemento prognóstico que guia e ajuda na solução dos 
problemas supracitados. Problemas destinados a marcar a sociedade ainda por longo 
tempo e que autoriza o constitucionalista a denunciar a diferença ainda existente entre 
as palavras do direito (no nosso caso o art. 1º da Constituição) e a realidade subjacente. 
 Utilizando uma aproximação analítica examinaremos, caso a caso, o significado 
das palavras que constituem o artigo 1º, seja em nível teórico (ou externo 
 
13 Sobre os instumentos internacionais de proteção das minorias v. o livro de Sergio Bartole, Nino Olivetti Rason, Lucio Pegoraro 
(Coords.). La tutela giuridica delle minoranze. Padova: Cedam, 1998. 
14 Cf. art. 20 da Constituição romena ou o art. 39 da Constituição da Republica da África do Sul. 
15 Realça a importância da evolução dos significados das palavras com particulares referências também ao passado histórico constitucional: 
SOBRINHO, op. cit., p. 118 - p. 120. 
16 Supra, nota 14. 
17 Cf. PEGARO, Lucio; RINELLA, Angelo . Diritto pubblico comparato. Profili metodologici. Padova: Cedam, 2002, p. 105. 
 4 
comparatístico), seja em nível dogmático (ou interno ao ordenamento brasileiro),18 assim 
como individualizado pela legislação de expansão, pela jurisprudência e pela doutrina.19 
 A propósito da análise interna, advertimos logo que existe uma correspondência 
biunívoca entre o artigo 1° e suas concretizações no resto do texto constitucional.20 
 Por exemplo, o artigo 1º fala de uma natureza federal da República definindo-a 
como “indissolúvel” e individualiza os entes que, necessariamente, a compõe. Mas, da 
mesma forma, estabelece que esta República Federativa deve ser um “Estado 
Democrático de Direito”. 
Isso serve como critério hermenêutico: 
a) para interpretar o artigo 18, que especifica as características organizativas do 
Estado descentralizado; 
b) para interpretar as outras várias disposições que resguardam o Estado 
Democrático de Direito, mas sobretudo 
c) para interpretar o artigo 60, parágrafo 4º, inciso I onde é subtraída da revisão 
constitucional, a forma federal do Estado (que é “Democrático de Direito”). 
 Por sua vez, as disposições constitucionais que especificam a parte sobre o 
federalismo do artigo 1º, esclarecem e pontualizam o sentido do próprio artigo 1º, 
plasmando-lhe os conteúdos também com o auxílio das leis complementares às quais 
remete. 
Considerações análogas resguardam as ulteriores disposições do artigo 1°, cujas 
palavras estão repletas de significados das sucessivas regras constitucionais (e também 
legislativas) que quase sempre exige uma leitura completiva e, em certa medida, 
indissolúvel a luz do artigo 1°. 
Assim, valendo-nos do duplo critério indicado – aproximação externa e 
comparativa, e leitura interna “global” – procederemos a análise dos vários componentes 
do artigo 1° da Constituição. 
2 SIGNIFICADO COMPLETÍVEL DO ARTIGO 1º 
 Em quase todas as constituições – sem considerar sua época, seu “ciclo” de 
pertencimento e a forma de Estado delineada – os preâmbulos e disposições iniciais 
assumem o dever de marcar eficazmente a natureza com a qual o poder constituinte 
desejava marcar o ordenamento e as finalidades por ele perseguidas.21 
 
18 Sobre o nível teórico e nível dogmático no estudo das fontes v. Livio Paladin. Le fonti del diritto italiano. Bologna: il Mulino, 1996, p. 20 
ss. 
19 Por “formanti” se entende os diversos conjuntos de regras e poposições que, no âmbito do ordenamento contribuem para gerar a ordem 
jurídica do grupo. Em particular se trata de regra legal, construção doutrinária, máximas jurisprudenciais às quais o jurista positivo faz 
referências para individualizar as regras do caso concreto. A elas se acrescentam os denominados “crittotipi”, ou seja, as regras que 
operam a um nível não explicitado, condicionamento culturais, modos de interpretar a realidade jurídica sem ser codificada. Cf. Rodolfo 
Sacco. Legal Formants: a Dynamic Approach to Comparative Law. In American Journal of Comparative Law. New York:American 
Society of Comparative Law, n. 39, p. 343 ss. Cfr. anche Lucio Pegoraro, Angelo Rinella. pubblico comparato. Profili metodologici. Op. 
cit., p. 41 ss. 
20 [...] para uma leitura ancorada – mais do que na práxis, na atuação legislativa e na jurisprudência – no texto originário, v. o breve 
comentário de Jorge Miranda. A nova Constituição brasileira. In O Direito. Coimbra: Edições Jurídicas. n. 1, 2000, p. 137 ss. 
21 Sobre a matéria v. espec. Javier Tajadura Tejada. Los Preámbulos constitucionales en Iberoamérica. Granada: Comares, 1977; Idem. El 
Preámbulo constitucional. Granada: Comares, 1977; Idem. La función política de los preámbulos constitucionales. In Cuestiones 
Constitucionales. UNAM, Ciudad de México, n. 5, 2001, p. 235 ss. 
 A Constituição dos Estados Unidos não é exceção: por estar o artigo 1° dedicado às competências legislativas da União e dos Estados e 
geralmente para a organização do legislativo, o preâmbulo individualiza as finalidades: “aperfeiçoar nossa União, garantir a justiça, 
assegurar a tranqüilidade interna, promover a defesa comum, promover o bem-estar geral, salvaguardar para nós e para nossos poderes o 
bem da liberdade”. Desta regra não escaparam as constituições socialistas (sejam aquelas do passado ou mesmo as poucas da atualidade), 
assim como as teocráticas: por exemplo, o longuíssimo preâmbulo da Constituição chinesa afirma o dever de todos de praticar o 
socialismo, de operar a reunificação de Taiwan, de defender a Constituição etc. 
 5 
 A questão a ser resolvida não é saber se as constituições operam assim, mas 
como operam. Precisamente, se apresenta: 
(a) um problema formal: se colocar as qualificações e finalidades no preâmbulo ou 
no artigo 1º (ou nos primeiros artigos), ou ainda em ambos (como ocorre no 
Brasil); e também 
(b) um problema substancial: o quê inserir no texto,22 qual seleção realizar, o quê 
mais destacar, qual axiologia de valores adotar. 
Neste propósito as soluções, sejam formais ou substanciais, são muito 
diversificadas e são vários os elementos que concorrem para lhes influenciar. 
Em relação a onde colocar definições e finalidades, incidem as convicções sobre a 
natureza normativa, ou não normativa, do preâmbulo que por sua vez são condicionadas 
pela inspiração da doutrina política. Por exemplo, a doutrina jus naturalista do iluminismo 
influenciou a opção dos constituintes franceses de relegarem no preâmbulo o 
reconhecimento dos direitos, que se pressupunham reconhecidos e não constituídos pelo 
poder político.23 Ainda que seja com pressupostos diversos, a Constituição japonesa 
também declama os objetivos do Império apenas no preâmbulo.24 Outros constituintes – 
como os suíços, belgas e italianos – escolheram não preceder a Constituição de um 
preâmbulo. Outros ainda – exemplos representados por Portugal, Espanha e Alemanha – 
distribuíram a matéria entre o preâmbulo e o texto.25 
 Em relação ao conteúdo, a diversificação é profundamente marcada pela época, 
família a que pertence, forma de Estado, cultura e pela história peculiar de cada país. As 
constituições mais antigas propõem, continuamente, os objetivos de reforçar uma união, 
de defender-se dos estrangeiros, de manter a ordem, de proteger a liberdade dos 
cidadãos; enquanto que as constituições do Estado Social acentuam os objetivos de 
intervenção na esfera dos direitos de prestação. As constituições do common law são, 
habitualmente, mais sóbrias e mais sintéticas em virtude do estilo particular que 
caracteriza o modo de redigir a lei nos ordenamentos caracterizados por tal modo de 
produzir o direito. 
 A Constituição brasileira, no que diz respeito aos modelos ora sinteticamente 
recordados, apresenta as seguintes características: 
 
b) lhes enunciam seja no preâmbulo (finalidade e “objetivos”, estes 
últimos em parte rebatidos no artigo 3º e 4º) seja no artigo 1º 
(fundamentos). Os dois conceitos nem sempre são incindíveis e às vezes 
tendem a confundir-se e, seja como for, não é possível fazer uma 
 
22 Os trabalhos preparatórios da Constituição atestam, em particular, o interesse de muitos Constituintes para inserir disposições relativas à 
língua oficial e à capital: v., por exemplo, a intervenção dos Constituintes Aluízo Campos e Carlos Sant’Anna. In Diário da Assembléia 
Nacional Constituinte. Janeiro de 1988, quarta-feira 27, pp. 897, 899, 900. 
23 Sobre a “parametrização”dos preâmbulos nas Constituições de 1958 e 1946 nos deteremos extensiva e inteiramente à literatura francesa 
dedicada ao controle de constitucionalidade, em particular: Luis Favoreu, Loïc. Philip. Le conseil constitutionnel. 6ª ed., Paris: PUF, 
1995; Georges Dupuis, Jacques Georgel, Jean-Christophe Moreau. Le Conseil constitutionnel. Paris: A. Colin, 1970; François Luchaire. 
Le Conseil constitutionnel. 22a ed., Paris: Economica, 1997; Jean-Christophe Balat, Dominique Lévy. La nature juridique du contrôle de 
constitutionnalité des lois dans le cadre de l’article 61 de la Constitution de 1958. Paris: PUF, 1993; Tierry-Serge Renoux. Le Conseil 
constitutionnel et l’autorité judiciaire. L’élaboration d’un droit constitutionnel jurisprudentiel. Paris-Aix-en-Provence: Economica, 1984; 
Leo Hamon. Les juges de la loi. Naissance et rôle d’un contre-pouvoir: le Conseil constitutionnel. Paris: Fayard, 1987; Luis Favoreu. La 
politique saisie par le droit. Alternances, cohabitation et Conseil constitutionnel. Paris:Economica, 1988; Henry Roussillon. Le Conseil 
constitutionnel. Paris: Dalloz, 1991; Dominique Turpin. Contentieux constitutionnel. 2ª ed., Paris: PUF, 1994; Idem. Le Conseil 
constitutionnel. Son rôle, sa jurisprudence. Paris: Hachette, 1995; Bruno Genevois. La jurisprudence du Conseil constitutionnel. Principes 
directeurs. Paris: Montchrestien, 1988; Dominique Rousseau. Droit du contentieux constitutionnel. 6ª ed., Paris:, Montchrestien, 2001; 
Bernard Poullain. La pratique française de la justice constitutionnelle, Paris-Aix-en-Provence: Economica, 1990; Jacques Meunier. Le 
pouvoir du Conseil constitutionnel. Essay d’analyse stratégique. Paris: L.G.D.J., 1994; Pierre Avril, Jean Gicquel. Le Conseil 
constitutionnel. 3ª ed., Paris: Montchrestien, 1995. Além disso, v. também a revista Pouvoirs, n° 13, 1986, dedicada ao tema. 
24 No preâmbulo da Constituição japonesa a principal finalidade declarada é – compreensivelmente – a de perseguir a paz. 
25 No caso da Alemanha, com uma opção um tanto inusitada, as características do ordenamento são, porém, expressas no artigo 20: cf. nota 
2. 
 6 
gradação, não só de “força” entre uns e outros, mas até mesmo de “grau 
de generalidade”26; 
c) o faz com uma técnica redacional particular, sobria, elencativa; 
d) entatiza no artigo 1° vários elementos que reguardam: (a) o sistema 
territorial (a natureza federal do ordenamento); (b) as relações 
internacionais (princípio da soberania); (c) a ordem interna (a cidadania, a 
derivação do poder do povo e as modalidades de seu exercício); (d) as 
bases jurídicas-políticas clássicas (a dignidade da pessoa humana, o 
pluralismo político, a livre inciativa); (e) as bases jurídicas-políticas do 
Estado Social (os valores sociais do trabalho)27. 
 
 Como se relaciona o artigo 1° com o preâmbulo e com os outros artigos do texto 
que enunciam objetivos e com os outros artigos que especificam sua importância? 
 A prescindir do fato que se afirme, ou não, a força normativa do preâmbulo28, o 
artigo 1° parece formar com o mesmo preâmbulo e com os dois artigos que se seguem, 
um todo indivisível. Melhor: cada parte das primeiras páginas da Constituição pode ser 
lida de modo “atomizado” palavra por palavra, para relacioná-las, depois, às outras que 
resguardam o mesmo objeto. Todavia, seja com fins preceptivos ou interpretativos,jamais pode ser ignorada uma leitura conjunta. 
 Por exemplo, o princípio pluralístico enunciado no preâmbulo como objetivo da 
Assembléia Nacional Constituinte e que no sentido do art. 1º, inciso V, representa um 
“fundamento” da República Federativa; nos termos mais precisamente especificados no 
artigo 17, se correlaciona indissoluvelmente aos outros objetivos e fundamentos, entre 
eles: no interior do artigo 1º ao princípio da soberania (vejam as especificações e as 
proibições estabelecidas no artigo 17) bem como ao princípio da dignidade humana (que 
poderia ser comprometido se fossem introduzidas discriminações arbitrárias), para não 
dizer do princípio da derivação popular do poder enunciado no parágrafo único posto 
como fechamento do art. 1º. O princípio pluralístico se correlaciona igualmente à 
finalidade estabelecida no preâmbulo de considerar a liberdade, a segurança, o bem 
estar, etc. “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, 
unindo, deste modo, os valores da “sociedade” com os da República. 
 A leitura completível do art. 1°, do preâmbulo e das outras disposições que 
exprimem princípios, objetivos, valores e fundamentos, consente em diluir as dúvidas 
que frequentemente se põem sob a índole prescritiva das normas de princípio. De fato, 
ainda que nem todos concordem sobre o fato de que princípios são normas29 e ainda que 
a doutrina tenha individualizado várias acepções da palavra “princípios”30, a sua 
importância em sede interpretativa não pode ser posta em dúvida. No mais, quando se 
utilizam as interpretações lógica e teleológica e não apenas a literal, enfatiza-se seu 
 
26 Por exemplo, no Preâmbulo se afirma que o Estado Democrático de Direito deve assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, 
a liberdade, a segurança, o bem estar, etc. Entre os fundamentos do art. 1° encontramos o trabalho, a dignidade, República deve atuar o 
pluralismo, que representam o núcleo do Estado Democrático “social”de direito; Entre os objetivos do art. 3°, a Republica deve construir 
uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização, de promover o bem estar de todos, etc. Sobre a paridade de 
força entre princípios e normas v. Uuadi Lammêgo Bulos. Constituição federal anotada, 5a ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 70 s. 
27 Sobre a Constituição brasileira como “constitution de compromise [...] née du conflit de multiples antagonismes”, cf. JUNIOR, Miguel 
Reale . Les grands débats. In: Didier Maus, Pierre Bon (Coords.). La nouvelle République brasilienne. Etudes sur la Constitution du 5 
octobre 1988. Paris-Aix-en-Provence: Economica, 1991, p. 89. 
28 Sobre o valor normativo dos preâmbulos a doutrina é discorde. Uma resenha das posições favoráveis (entre os quais R. Pinto, G. 
Burdeau, C. Schmitt, P. Biscaretti di Ruffia, G. Ferriera) e contrárias (entre outros, J.J. Canotilho, V Moreira, J.C. Mello Filho, C. Bastos, 
I. Gandra, I. Dantas, P. Ferriera) encontramos em Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 7a ed., São Paulo: Atlas S.A, 2000, p. 46 
s., onde o autor anota sua posição contrária. 
29 SCARPELLI, Uberto . Diritti positivi, diritti naturali. Un’analisi semiotica. In: Severino Caprioli, Ferdinando Treggiari (Coord.). 
Diritti umani e civiltà giuridica. Perugia: Pliniana, 1992. p. 39. 
30 Imprescindível nesse propósito: GUASTINI, Riccardo . Teoria e dogmatica delle fonti. Milano Giuffrè: editora?, 1998. p. 271 . Na 
doutrina brasileira cf. SILVA, José Afonso da . Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros editores, 2005, 
p. 91 . Mais sinteticamente: BULOS, , op. cit., p.71. 
 7 
pertencimento ao sistema normativo constitucional e, por conseqüência também sua 
imperatividade.31 
3 AUTOQUALIFICAÇÃO: PROBLEMAS GERAIS DO ARTIGO 1° 
No art. 1º, as palavras que definem o ordenamento tratam-se de auto-
qualificação do Brasil como República Federativa (e, portanto, como 
“República” e como “federação”), e como “Estado Democrático de 
Direito”.32 
No direito comparado, mais precisamente em relação ao nosso objeto de estudo, na 
maioria dos casos a mera presença num texto constitucional de uma qualificação não 
basta para que do ordenamento em questão seja possível predicar certa característica. 
Assim, por exemplo, o fato que as respectivas constituições definam a Bélgica como 
“federal”, Ruanda como “social”, Argélia como “democrática”, etc. pode representar, 
quiçá, um indício útil, mas sem uma análise aprofundada de toda estrutura constitucional 
e na falha de uma pesquisa sobre o real modo de ser do ordenamento, é necessário 
suspender cada juízo sobre a correção do uso de tais palavras. Em suma, uma simples 
palavra inserida na Constituição não autoriza ao estudioso a definir um ordenamento 
assim como essas se autodefinem. Que relação subsiste, portanto, entre autoqualificação 
de um ordenamento feita pelo próprio texto constitucional e a heteroqualificação dada 
pela doutrina, seja nativa ou comparada, baseada também sobre outros elementos? A 
doutrina constitucionalista comparatista tem o título para reivindicar de poder decidir a 
respeito de um modelo heurístico (ideal) por ela forjado, quais ordenamentos são de 
verdade aquilo que dizem que são, e quais não são, na base das disposições restantes da 
Constituição e de sua concreta atuação.33 
 Isso é particularmente importante para análise da primeira parte do art. 1º da 
Constituição brasileira que deve considerar dois aspectos: 
 O primeiro resguarda as mutações dos significados das palavras da Constituição 
que qualificam um ordenamento. Na tarefa cotidiana de classificação e re-classificação 
dos institutos, das formas de governo, das formas de Estado, dos direitos etc. a doutrina 
jurídica se encontra constrangida a contrastar uma evolução da realidade jurídica (e não 
só jurídica) sempre mais tumultuosa, e por isso, portanto, é indispensável: 
(a) denunciar que o nome que designa o objeto da sua classificação, 
indica hoje alguma coisa diferente daquilo que indicava ontem; ou (b) 
sugerir um novo nome ou novos nomes para designar novas classificações 
mais correspondentes às atuais exigências classificatórias34. 
 
 Isto toca de perto o objeto de nosso comentário: a sensibilidade pela evolução dos 
significados deve de fato induzir à máxima cautela ao aproximar qualificações 
aparentemente idênticas, mas que, no entanto, pertencem a épocas ou climas históricos 
longínquos no tempo; por exemplo, “Estado de Direito” e “forma de governo federativa” 
eram fórmulas com as quais na primeira metade do séc. XVIII se aludiam a referentes 
análogos, mas não idênticos àqueles que eram definidos no séc. XXI.35 
 
31 Sobre esta problemática: Luís Roberto Barroso. La nueva interpretación constitucional y el papel de los principios en el derecho 
brasileño. In Teoria y realidad constitucional. Madrid: UNED – Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, n. 14, 2004, p. 177 ss. 
32 Sobre qualificação e autoqualificação em geral: Lucio Pegoraro, Serena Baldin. Costituzioni e qualificazioni degli ordinamenti (Profili 
comparatistici). In Luca Mezzetti, Valeria Piergigli (Coords.). Presidenzialismi, semipresidenzialismi, parlamentarismi: modelli 
comparati e riforme istituzionali in Italia. Torino: Giappichelli, 1997, p. 1 ss., e em Diritto e società. Padova: Cedam, n. 1, 1997, p. 117 ss. 
33 Mas, apenas o fato de que diferenças existam e que sejam registradas, consideradas e criticadas, concorrerá para comprometer as 
categorias cientificas e ampliar o espectro de pesquisa e talvez enfim, a própria classe “doutrinaria” dos ordenamentos aos quais se 
atribuem uma determinada qualificação. 
34 Remete-se aLucio Pegoraro. Forme di governo, definizioni, classificazioni. In Lucio Pegoraro, Angelo Rinella (Coords.). 
Semipresidenzialismi. Padova: Cedam, p. 3 ss. v. também supra, nota 14. 
35 Compara, por exemplo, a tranformação do significado das palavras “governo monárquico representativo” expressado no art. 2º do 
“Estatuto albertino”, concedido pelo Rei Carlo Alberto di Savoia em 1848, Guido Lucatello. Momento fenomenologico e momento 
 8 
 Um segundo aspecto a ser considerado se relaciona com a evolução nas escolhas 
do quê qualificar. As decisões dos Constituintes a propósito são evidentemente conexas a 
uma axiologia de valores: entre os tantos modos nos quais pode ser definido o 
ordenamento disciplinado na Constituição, eles escolheram aqueles reputados mais 
significativos, mais importantes. A analise histórica concorre, desta forma, para fazer 
aflorar a relevância conexa à qualificação reputada essencial em tais épocas e, ao 
contrario, secundaria em outras.36 
Da qui 
4 A INCORPORAÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS NO NOMEN. 
Na análise do art. 1º, um primeiro aspecto a ser considerado é representado pela 
qualificação oficial – o logo – que às vezes rende outras indicações supérfluas no corpus 
do texto. 
Alguns ordenamentos incorporam definições específicas no interior do nome oficial, 
por exemplo: “Republica Federal Alemã”, “Republica democrática alemã”, “União das 
Republicas Socialistas Soviéticas”, “Republica popular chinesa”, etc., as qualificações 
reputadas essenciais já são (ou eram) explicitadas no titulo (logo). 
Em relação às qualificações que nos interessa – as relativas à forma institucional 
(monarquia ou república) e as que resguardam a ordem territorial – notamos que no 
nomen oficial, a indicação da forma institucional na espécie de Republicas é 
freqüentíssima.37 
Constantemente é feita menção da ordem territorial como nos “Commonwealth” 
das Bahamas e da Dominica, na “Confederação Helvética”, nas “Repúblicas Federais” das 
Comores, da Etiópia, da Alemanha, da Nigéria, da Rússia38, da Iugoslávia. Ao unitarismo 
de Estados em certa medida descentralizados, fazem referências também a “União 
indiana”, os “Emirados Árabes Unidos” os Estados Unidos da América e os mexicanos. 
Ao limitar-se a qualificar o ordenamento, no nomen, como “República federativa”, 
sem elaborar outras definições substancialistas (como por exemplo, “democrática” ou 
similar), o Brasil faz uma escolha usual e bastante comum, à qual poucos países fazem 
exceções39. Alguns ordenamentos são conhecidos com o apelativo de “República Popular” 
(China, Coréia do Norte)40. Naturalmente isso se registrava mais frequentemente num 
passado recente, quando a denominação “socialista” aparece (ou aparecia) no nomen 
das Repúblicas da Líbia, Birmânia (hoje Myanmar) e Vietnã; ou “democrática” na Coréia 
do Norte, onde a República se denomina igualmente “popular” em São Tomé e Príncipe e 
na Somália. O adjetivo “independente” é incorporado nas Samoas Ocidentias e em 
 
sistematico dell’indagine giuridica. In Scritti giuridici. Padova: Cedam, 1983, p. 264. 
36 Basta pensar na qualificação de um ordenamento como “monárquico” ou “republicano”: uma qualificação de todo supérflua se 
considerarmos que todas Constituições dedicam sempre ao Chefe do Estado amplas divisões que não deixam duvidas sobre qual é a 
disposição pré-escolhida. 
37 São raras as cartas fundamentais que omitem no discurso qualquer referimento a forma institucional (República ou Reino). Os exemplos 
mais antigos e emblemáticos são representados pelos Estados Unidos da América e pela Confederação Helvética (na Constituição 
americana se utiliza o termo “união” e na suíça “confederação”): essas rotações históricas persuadiram os framers a enfatizar, até mesmo 
no nome oficial, o nexo entre os vários componentes territoriais do ordenamento, ao invés do aspecto da forma institucional. Outros 
exemplos são representados pelas constituições da Índia (definida apenas como “União de Estados), da Malásia (Federação de Estados), 
pelas ilhas de São Cristóvão e Névis e do Estado independente de Samoa Ocidental. Entre monarquias, no caso da japonesa, na 
Constituição de 1946 não é definida a sua forma institucional e falta uma qualificação do ordenamento como império ainda que o próprio 
Título I seja dedicado à figura do Imperador. 
 Quanto à Monarquia ver os exemplos dos Reinos da Arábia Saudita, da Dinamarca, da Jordânia, da Noruega, da Suazilândia, dos 
principados de Liechtenstein e de Mônaco, do Grão-ducado de Luxemburgo além de numerosos outros. 
38 […] onde o nome “Rússia” é fungível com “Federação russa’: art. 1, c. 2. 
39 Por exemplo, as Comores se denominam “República federal islâmica”, nenhuma outra característica vem acrescida pela Constituição às 
três enunciadas no nomen do ordenamento. A Constituição da Etiópia estabelece no seu art. 1º que a estrutura estatal é democrática e 
federal; por conseqüência, seu nomen é “República Federal Democrática da Etiópia”. O artigo 1º da Constituição da Malásia inverte a 
estrutura normal da enunciação: “A Federação será denominada, em malaio e em inglês, com o apelativo de Malásia”. 
40 Cf., também, o exemplo da Líbia. 
 9 
Papua-Nova Guiné.41 O nomen iuris do Estado é “árabe” no Egito, Líbia, Síria, Emirados 
Árabes Unidos, enquanto o adjetivo “islâmico” é incorporado ao título dos ordenamentos 
do Irã e das Ilhas Comores.42 
O interesse pela qualificação do nomen é relevante a partir de uma perspectiva 
histórica e cultural. No caso da Constituição brasileira a relevância, do ponto de vista 
estritamente jurídico, é menor uma vez que a qualificação torna aparecer também no 
interior de sua articulação e, por isso, não ocorre questionar se é possível utilizá-la, ou 
não, pelo menos para fins interpretativos. Convém, portanto, neste ponto, passar à 
análise das palavras singulares do artigo 1º, partindo da definição de “República 
Federativa”. 
 
5 A NATUREZA “FEDERAL” DA UNIÃO 
 Uma primeira observação é que, diferentemente da França e da Itália, cujas 
Constituições declaram, respectivamente: “A França é uma República [...]” e “A Itália é 
uma República [...]”, o art. 1º não afirma que “o Brasil é uma República Federativa [...]” 
ao contrário, de forma similar a da Alemanha dispõe que “A República Federativa do 
Brasil [...] se constitui em Estado Democrático de Direito [...]”. Diluiu, deste modo, todo 
elemento “nacionalista” na qualificação do ordenamento, toda consideração de que “o 
Brasil”, entidade pré-existente e pré-jurídica, representa um prius étnico-espiritual a 
respeito da “união indissolúvel dos Estados, Municípios e Distrito Federal” que constituem 
a “República Federativa”. É, portanto, a República, isto é, esta “união indissolúvel” – qual 
“uma das entidades federativas componentes da estrutura organizacional brasileira43 – 
que funda (e “se constitue em”) um “Estado Democrático de Direito”.44 
 A palavra “República” com mais razão, é lida indissoluvelmente ao adjetivo 
“federativa”. Como nos Estados Unidos, onde por “Republican form of government” 
subtraída à revisão constitucional se entende (não só, mas também: art. IV, seção IV) o 
aspecto federal das instituições45, assim também no Brasil o elemento fundador parece já 
não ser a unidade “nacional”, mas sim a diversidade dos elementos territoriais que 
compõem e fundam (ou “constituem”) o Estado. Por sua vez, a própria palavra “Estado” 
(que só pode ser “democrático de direito”) marca com sua função teorética de ente 
soberano a natureza indissolúvel da União. 
 A avaliação analítica que preferimos não nos impede de reduzir a ênfase dada por 
parte da doutrina brasileira sobre osignificado da palavra “República”, lida 
isoladamente46 . O método analítico, que induz a decompor as frases, nos impõe, 
também, logo na seqüência, recompor os sintagmas. No art. 1º, então, não parece ser 
fundamental a contraposição de “República” à de “monarquia”. É bem verdade que, no 
passado, o Brasil tenha conhecido (como na Constituição do Império de 1824) formas 
institucionais monárquicas, que foram sucedidas pelas Constituições republicanas de 
1891, 1934, 1946, 1967, 1969 e 1988, na forma de “República dos Estados Unidos do 
 
41 A qualificação de República “cooperativa” é própria apenas da Guiana (enquanto no texto das constituições do Haiti e de Cabo Verde 
encontramos, respectivamente, os adjetivos “cooperativista” e “cooperativo”). O Uruguai, por sua vez, se define como “República 
oriental”. 
42 Por fim “hashemita” qualifica o Reino da Jordânia. 
43 Assim, na seqüência combinada disposta no artigo 1º e 18. Cf. André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: 
Editora Saraiva, 2002, p. 733; v. também a definição de Alexandre de Moraes, Direito Constitucional. Op. cit., p. 256. 
44 Sobre tais problemáticas v. José Afonso Da Silva, Curso de Direito Constitucional positivo. Op. cit., p. 97 ss., no sentido de distinguir 
“país”, “Estado”, “República”e “pátria”. 
45 Cf. Gigliola Sacerdoti Mariani, Antonio Reposo, Mario Patrono. Guida alla Costituzione degli Stati Uniti d’America. Duecento anni di 
storia, lingua e diritto, 2a ed., Firenze: Sansoni, 1991, p, 112 s. 
46 Nesse sentido: Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins. Comentários à Constitução do Brasil. 1° Vol., São Paulo: Editora Saraiva, 
1988, p. 413 s.; Uadi Lammêgo Bulos. Constituição federal anotada. Op. cit., p. 73; José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional 
positivo. Op. cit., p. 102 ss. 
 10 
Brasil”– até 1946 – e de “República Federativa do Brasil” (daí em diante)47. Mas, como 
nas qualificações constitucionais de tantos outros ordenamentos, a ênfase posta sobre a 
palavra “República” perdeu agora o seu significado histórico de contraste com a 
“monarquia”. Também aqui, o cerne da definição se desloca de fato para os adjetivos 
(“federal”, “democrática”, “fundada sobre o trabalho”, “laica”, “popular”, etc.). 
 Mais importante é outra questão: o Brasil (ou seja, a República Federativa do 
Brasil) é verdadeiramente federal segundo os cânones da ciência comparatista? O 
problema não é só cultural e não se trata apenas de fazer uma classificação para 
estabelecer se o Brasil é, dentro ou fora, uma categoria ou uma classe. As conseqüências 
são, também, práticas e resguardam a prescritividade ou a não prescritividade das 
Constituições pelo menos em relação: (a) às escolhas confiadas, através das leis, à 
direção política da maioria; (b) aos poderes de coordenação da Federação; c) aos 
critérios que devem inspirar as cortes quando resolvem os conflitos entre centro e 
periferia; (d) aos limites postos para a revisão constitucional. 
 Se, de fato, o art. 1º exprime os caracteres fundamentais do ordenamento, se 
isso representa um cânon interpretativo para outras disposições da Constituição em 
matéria das relações entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios; se as palavras 
devem ser interpretadas segundo o uso comum (no contexto do ordenamento brasileiro, 
mas também num contexto teorético mais amplo); então, as próprias palavras usadas no 
art. 1º, e ainda repetidas no nomen oficial, indicam que a União (indissolúvel como está 
escrito), forma uma República “federativa”. Em suma, a letra do art. 1º solicita uma 
leitura das disposições constitucionais, como da legislação complementar, favorável à 
descentralização no sentido “federal”. 
 Realizemos, portanto, um confronto entre o modelo teórico de “federação” ou 
Estado Federal48 e o caso brasileiro concreto. 
 A superada literatura jurídica que tentou definir a natureza do Estado federal, 
durante um tempo partiu do conceito de soberania entendido como “suma capacidade de 
império” sobre um determinado território. 
 Partindo da observação daqueles que a communis opinio considerava Estado 
federal, a doutrina traçou três longas diretrizes: de uma parte, se colocaram os que – 
como nos Estados Unidos da América Calhoun – reputavam que a soberania competia 
aos Estados membros e não ao Estado central. Numa posição intermediária aderiram 
aqueles que conjeturavam uma soberania dividida entre centro e periferia. E, por fim, 
aqueles que sustentavam – e ainda sustentam – que a soberania, sendo indivisível, 
pertence apenas à federação: única titular, seja do poder interno ou externo. Única não 
só a ser supra-ordenada aos outros entes territoriais constituídos no próprio interior, mas 
também a gozar de personalidade internacional. 
 Hoje em dia, as teses de que a soberania é dividida, ou que pertence aos Estados 
membros, estão ultrapassadas. Bem poucos estudiosos estão convencidos de que nos 
Estados comumente considerados “federais” – como Estados Unidos, Alemanha, Suíça – 
os Estados membros (ou os Länder, ou os Cantões) são verdadeira e propriamente 
Estados soberanos. Por outro lado, todos concordam sobre o fato que o Texas, a Baviera 
ou o Cantão de Uri estão, de toda forma, privados de titularidade internacional, em 
suma, não são Estados “independentes”, pois enquanto tal só é a Federação.49 
Ainda sobre o aspecto interno (isso é da conexão entre “centro” e “periferia”), as 
exigências do mercado e de defesa conduziram a uma progressiva ampliação dos 
poderes do Estado federal em prejuízo dos Estados membros. Em toda parte é estatuída 
a superioridade da Constituição Federal sobre as locais e os fatos históricos demonstram 
 
47 V. sinteticamente Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Os princípios nas Constituições contemporâneas. Op. cit., p. 120 s. 
48 Sobre as diferenças entre os dois conceitos: Antonio Reposo. Voz Stato federale. In Enciclopedia giuridica. Roma, Treccani, Vol. XXX, 
1993, p. 1 ss.; Idem. Profili dello Stato autonomico. Federalismo e regionalismo. 2a ed., Torino: Giappichelli, 2005, p. 4 ss. 
49 Cf. por exemplo, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Os princípios nas Constituições contemporâneas. Op. cit., p. 121. 
 11 
que às tentativas de secessão, o centro respondeu – quando tinha meios materiais – com 
a força, como nos tempos da guerra civil americana.50 
As características explicadas pela dogmática clássica para distinguir as várias 
formações estatais51 se revelam, portanto, insuficientes frente aos novos modos de 
entender o federalismo.52 
Não apenas não se mostra mais recompensador se ancorar no critério da soberania, 
mas sem dúvida, a individualização de outros cânones – como o funcionamento das 
Câmaras Altas representativas dos Estados, o exercício da jurisdição em nível 
descentralizado e, até mesmo a participação dos Estados membros no processo de 
revisão – arrisca-se a não dar conta, com perfeição, das variadas modalidades evolutivas 
dos diversos ordenamentos descentralizados.53 
 Entra em crise com isto a própria definição de “Estado federal”, com a qual não se 
pode continuar a definir “Estado de estados” munidos de soberania internacional e 
interna, mas apenas um ordenamento amplamente descentralizado. 
A definição, contrária àquela ora genericamente esboçada permitiu em todo o caso 
aos juristas, em primeiro lugar, distinguir os estados federais das Confederações de 
Estados54 e também a se centrarem no debate hodierno que se centra tanto na distinção 
entre Confederação de Estados e Estados descentralizados (ou pluricentrais), mas sim – 
dentro dessa segunda categoria – a distinção entre Estados Federais e Estados 
regionais.55 
Os argumentos às vezesadotados para distinguir uns dos outros são múltiplos: 
mas também são, na maioria dos casos, incalculáveis, porque as exceções são 
numerosas. 
Alguns atuam, ainda hoje, sobre o procedimento de formação: enquanto os Estados 
federais se formariam da fusão de mais Estados independentes e soberanos, os Estados 
 
50 Observa-se, além do mais, que o alto grau de descentralização legislativa e administrativa que se registra nos ordenamentos federais, não 
comporta que os Estados membros tivessem direito de secessão (formalmente admitido apenas raramente e seguramente não nos Estados 
Unidos, Suíça, Alemanha, Canadá e Austrália). 
51 V., entre outros, Guido Lucatello. Lo Stato federale. 1° Vol. (1939), reedição, Padova: Cedam, 1967; Idem. Voz Stato federale. In 
Novissimo digesto italiano. Torino: Utet, Vol. XVIII, 1971, p. 333 ss. Na doutrina brasileira: José Alfredo de Oliveira Baracho. Teoria 
geral do federalismo. Belo Horizonte: FUMARC-UCMG, 1982. 
52 Para uma bibliografia atualizada, consultar: Antonio Reposo. Voz Stato federale. Op. cit., p. 1 ss.; Idem. Profili dello Stato autonomico. 
Federalismo e regionalismo. Op. cit., p. 41 ss.; Giovanni Bognetti. Voz Federalismo. In Digesto. 4a ed., Torino: Utet, 1992, p. 273 ss.; 
Giuseppe de Vergottini. Voz Stato federale. In Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, Vol. XLIII, 1990, p. 831 ss. 
53 Como se observou, de fato, não só o cooperative federalism foi o primeiro a suplantar o dual federalism que, no passado, caracterizava 
com maior nitidez as relações entre centro e Estados membros, mas absolutamente se reflete hoje de creative ou de extensive federalism, 
de new federalism, de functional federalism. v. ainda Antonio Reposo. Obras citadas, passim. 
54 Essa é uma figura que a doutrina jurídica reputa amplamente recessiva e que caracterizava – segundo Guido Lucatello (Ver a voz 
Confederazione di Stati. In Enciclopedia giuridica. Roma: Treccani, Vol. VIII, 1988, p. 1 ss., e sua ampla bibliografia) – diretamente os 
Estados Unidos até a Guerra da Secessão, a Confederação Helvética na sua estrutura originária, o Império Germânico forjado na 
Metternich no Congresso di Vienna (1815-1866); e alguma outra união de Estados, disciplinada no direito internacional consuetudinário, 
cujos componentes têm um ordenamento particular baseado sobre tais princípios e, consequentemente, derivado do ordenamento 
internacional. (V. também Uadi Lammêgo Bulos. Constituição federal anotada. Op. cit., p. 75.) 
55 V. em geral: Stefan Huber, Peter Pernthaler (Coords.). Föderalismus und Regionalismus in Europäischer Perspektive. Wien:. Braumüller, 
1988; Peter Häberle. Föderalismus, Regionalismus und Kleinstaaten in Europa. In Europäische Rechtskultur. Baden-Baden, Nomos, 
1994, p. 257 ss. Na doutrina italiana: Gaspare Ambrosiani. Un tipo intermedio di Stato tra l’unitario e il federale, caratterizzato 
dall’autonomia regionale. In Rivista di diritto pubblico, Ed. Rivista di Diritto pubblico. La Giustizia amministrativa, Roma, 1933, p. 67 ss. 
(com referência à Constituição espanhola de 1931); Livio Paladin. Diritto regionale. 6a ed., Padova: Cedam, 1997, p. 3 ss.; Temistocle 
Martines, Antonio Ruggeri. Lineamenti di diritto regionale. 5a ed., Milano: Giuffrè, 2000; Zeffiro Ciuffoletti. Federalismo e 
regionalismo. Bari: Laterza, 1994; Franco Pizzetti. Federalismo regionalismo e riforma dello Stato. Torino: Giappichelli, 1996; Mauro 
Volpi. Stato federale e Stato regionale: due modelli a confronto. In Quaderni costituzionali. Bologna: il Mulino, n. 3, 1995, p. 367 ss. e in 
Giancarlo Rolla (Coord.). La riforma delle autonomie regionali. Esperienze e prospettive in Italia e Spagna. Torino: Giappichelli, p. 33 ss. 
Sinteticamente, vide também: Silvia Bagni, Voz Federalismo e Regionalismo. In Lucio Pegoraro, Silvia Bagni, Giorgia Pavani (Coords.). 
Glossario di amministrazione locale comparata. Milano: Giuffrè, 2002, p. 64 s. e 129 s. Na doutrina espanhola: AA.VV. Federalismo y 
regionalismo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1979; Juan Ferrando Badía. El Estado unitario, el federal y el estado 
autonómico, 2a ed., Madrid: Tecnos, 1986; José Juan González Encinar. El Estado unitario-federal. Madrid: Tecnos, 1985; Enric Argullol 
Murgadas. Federalismo y Autónomia. Barcelona: Ariel, 2004. Na doutrina brasileira: José Afonso da Silva. Curso de Direito 
Constitucional positivo. Op. cit., p. 99. 
 12 
regionais derivariam, por sua vez, da atribuição de uma ampla autonomia aos entes 
territoriais de um Estado originariamente concentrado. Isso poderia ser verdadeiro se se 
observasse, por exemplo, as experiências da Confederação Helvética, Estados Unidos e 
Austrália, de uma parte; e da Itália e Espanha (típicos Estados reputados “regionais” ou 
“autonômicos”) de outra parte. Entretanto, a República Federal alemã é considerada um 
Estado Federal, mesmo tendo nascido da descentralização de um Estado unitário, 
enquanto à sua volta a Bélgica atual, depois da revisão constitucional dos anos 1983-93, 
transformou-se (talvez) “federal” depois de um progressivo processo de 
descentralização, através da experiência do regionalismo.56 
Também foi dito que, nos Estados Unidos, as assim denominadas competências 
residuais pertencem aos Estados, enquanto que a Federação tem apenas as 
competências enumeradas nas Constituições. Por outro lado, não é verdade que, sempre, 
nos Estados Federais as matérias de competência da Federação são elecandas na 
Constituição Federal e as dos Estados membros são residuais. Ao contrário dos Estados 
federais que são os que adotam o critério da competência residual dos Estados membros 
(como nos Estados Unidos), outros, como o Canadá, seguem o critério oposto – o mesmo 
adotado no ordenametno regional italiano até 2001 – outros, ainda, agora que 
desenvolveram um tríplice elenco de competências (República federal alemã, Índia). 
 
Não falta também quem se baseie sobre a autonomia dos Estados membros, que 
faltaria às Regiões. Ainda nesse caso, é verdade que os Estados membros dos Estados 
Unidos, assim como os Cantões suíços e outros entes periféricos dos Estados 
considerados federais, têm suas próprias Constituições; enquanto que as Regiões 
italianas ou as Comunidades Autônomas espanholas não têm. Mas, também é verdade 
que, se de uma parte, a autonomia constitucional dos Estados federais é limitada pelas 
“supremacy clauses” da Constituição federal, por outra parte, as Regiões ou 
Comunidades também gozam de uma autonomia constitucionalmente protegida: seja as 
Regiões Belgas, mesmo antes das revisões constitucionais de 1983-93, ou as italianas 
ou, ainda, as Comunidades Autônomas espanholas, quaisquer que sejam seu 
procedimento formativo ou a categoria a qual pertecem. 
 
Outros autores reabilitam. um importante caractere distintivo entre Estado Federal 
e Estado regional na estrutura do Parlamento: apenas no primeiro tipo de ordenamentos 
– sustentam – uma câmera representa a população no seu complexo, enquanto uma 
outra representa os Estados membros de forma paritária57. Recorda-se, contudo, que o 
rigor da representação paritária dos Estados vem temperado, na República Federal 
alemã, da atribuição de um número diferenciado de representantes dos Länder no 
Bundesrat segundo a população dos mesmos. 
A única diferença qualitativa que distingue os Estados Federais dos Regionais, ou 
ainda dos descentralizados (como o Reino Unido) e que, por esse motivo, serve para 
qualificar como “federal” um ordenamento é, portanto, representada pela garantia de 
que os entes periféricos tenham titularidade para participar da revisão constitucional58. 
Em outras palavras o “centro” não pode, sozinho, emendar a Constituição restringindo as 
competências dos Estados membros, sem que estes tenhamvoz na questão. 
 
56 V. de modo especial: Francis Delpérée (Coord.). La Belgique fédérale. Bruxelles: Bruylant, 1994, parcialmente traduzido para o italiano: 
L'ordinamento federale belga, na coleção Diritto pubblico contemporaneo. Gli ordinamenti costituzionali (coordenação de Nino Olivetti 
Rason e Lucio Pegoraro). Torino: Giappichelli, 1996. 
57 Por exemplo, cada Estado dos Estados Unidos tem dois senadores na Câmara alta, em obediência ao art. I, seção III, I “c” da 
Constituição, assim como cada Cantão suíço elege dois representantes no Conselho dos Estados, enquanto um é indicado por cada meio 
Cantão. 
58 Antonio Reposo, voz Stato federale. Op. cit., p 1 ss. Meirelles Teixeira, Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 1991, p. 621 s. Para um exame mais acurado das várias teses da doutrina brasileira sobre revisão constitucional e Estado 
Federal v. Regina Maria Macêdo Nery Ferrari. Elementos de Direito Municipal. São Paulo: Editora Revista do Tribunais. 1993, p. 40 ss. 
 13 
Não só as diferenças entre Estado Federal e outras formas mais atenuadas de 
Estado descentralizado são percebidas com dificuldade pela doutrina, como também a 
própria evolução histórica dos vários ordenamentos concorrem ainda mais para hibridar 
os modelos. 
Se de fato nos ordenamentos considerados federais os entes periféricos gozam de 
um grau de autonomia constitucional, legislativa e administrativa, maior do que nos 
ordenamentos regionais, todavia, nos primeiros se assiste a uma tendência de reforçar o 
centro, por exigências relacionadas à economia do governo e à política externa (como 
ocorre nos Estados Unidos); enquanto nos segundos prevalecem os avanços centrífugos 
(como na Bélgica, Espanha e finalmente na Itália).59 
No que diz respeito aos parâmetros clássicos utilizados pela doutrina (hoje, não 
obstante, raramente usados) a leitura do artigo 1º da Constituição brasileira, com as 
disposições especificativas (v. especialmente o Título III) nos diz que, em relação ao 
processo histórico de constituição do Estado, o federalismo brasileiro não nasce “de 
baixo” como nos Estados Unidos e Suíça, mas de uma escolha feita através do Decreto 
nº. 1 de 15 de novembro de 1889, através do qual foi “provisoriamente” proclamada e 
declarada a República Federativa, transformando as 19 províncias que compunham o 
Estado em “Estados” Unidos do Brasil.60 
A propósito da igualdade de representação das entidades federadas na Câmara 
alta, o art. 46, § 1 assegura – como nos protótipos dos Estados Federais – a presença de 
um número igual para cada Estado e para o Distrito Federal (três) satisfazendo, portanto, 
a esta importante condição qualificativa. O bicameralismo configurado na Constituição 
(art.. 52) é paritário, ainda que, no direito comparado, esta condição jamais foi 
considerada essencial para definir – ou não – um ordenamento “federal”.61 
Também o sistema de divisão das competências entre “centro” e “periferia” 
corresponde aos modelos clássicos, porque a Federação é titular das competências 
enumeradas, e os Estados membros das competências residuais, não atribuídas aos 
municípios ou ao Distrito Federal (artigos 21 e 22, 25, § 1, 30, 32, § 1). Entretanto, 
sublinha-se a importância quantitativa e qualitativa das competências atribuídas à União, 
muito mais considerável daquelas que se registram nos Estados Unidos (Estado Federal) 
e que não é muito diferente daquelas que caracterizam alguns Estados considerados 
“regionais”, como Espanha e Itália. 
 Quanto à autonomia constitucional, o at. 25 a confere aos Estados, com o dever 
de observar os princípios da Constituição Federal. Trata-se, portanto, como dito, de um 
elemento não particularmente significativo, para fins das qualificações do ordenamento.62 
Resta, por fim, o problema da participação das entidades federadas na revisão 
constitucional: uma verdadeira garantia jurídica que o ”centro”, sozinho, não possa 
suprimir um Estado, ou pior, o próprio sistema federal. As dúvidas levantadas num 
importante congresso sobre a Constituição brasileira da M. Chantebout63 parecem hoje 
 
59 Em ambos os modelos organizativos, a contraposição entre centro e periferia (dual federalism) vem se substituindo por um sistema 
cooperativo de gestão das competências, até porque as matérias dos respectivos domaine tendem a se intrincar (como por exemplo, em 
tema de ecologia, centro e entes periféricos dividem as atribuições legislativas e administrativas). Cf. supra, nota 47. Significativo é o 
exemplo dos Estados Unidos, onde a jurisprudência da Corte Suprema e a legislação federal produziram uma (oscilante) erosão da 
competência da periferia. Em particular, pode ser recordada neste propósito a interpretação da Corte Suprema da commerce clause cujo 
art. I, seç. VIII, da Constituição estabelece ao Congresso “regular o comércio com as nações estrangeiras, e entre os vários Estados 
(membros da União) e com as tribos indígenas. “(Cf. Giovanni Bognetti. Voz Commerce clause. In Digesto. 4a ed., Torino: Utet, Vol. III, 
1988, p. 155.) 
60 V. sinteticamente Manoel de Oliveira Franco Sobrinho. Os princípios nas Constituições contemporâneas. Op. cit., p. 121. 
61 Ressalta que, a despeito disso, os senadores são indicados pelos Partidos e não pelos Estados. Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. 
Organização do Estado brasileiro e as tendências do federalismo: simetria e assimetria. In O Direito. Coimbra: Edições Jurídicas, n. 1, 
2004, p. 36. 
62 Cf. Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. Op. cit., p. 257 ss. Sobre a autonomia constitucional v. Celso Ribeiro Bastos. Curso de 
Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1989, passim. 
63 V. o debate sobre esse ponto em Didier Maus, Pierre Bon (Coords.). La nouvelle République brasilienne. Etudes sur la Constitution du 5 
octobre 1988. Op. cit., p. 157. No mesmo volume: Walter Costa Porto. L’organisation fédérale, p. 127 ss. 
 14 
escapadas da letra da Constituição. Foram desaparecidas, não só, ou não tanto, da auto-
qualificação do Brasil como “República Federativa”, que aparece no cabeçalho, no 
preâmbulo e no art. 1º aqui em comento, quanto da concretização de tais sinais 
lingüísticos nas restantes disposições constitucionais.64 Particularmente para a revisão 
constitucional, o art. 60 prevê a intervenção da Câmara representativa dos Estados seja 
na fase da iniciativa (na qual pode ser implicada, também, ao menos a metade das 
Assembléias legislativas dos Estados), seja na fase de decisão, com uma maioria 
qualificada de três quintos, com procedimento, portanto, “clássico” para os Estados 
federais “modelo”. Além disso, a ordem federal é “super-constitucionalizada” dado que o 
mesmo art. 60, § 4, subtrai a forma federativa do Estado da revisão constitucional.65 
A utilização da expressão “união indissolúvel” para definir a Federação representa 
um ulterior elemento típico dos ordenamentos federais ou em todo caso, 
descentralizados, concretizado propriamente do artigo já citado.66 
 Através das palavras “indissolúvel”, “indivisível” ou similares, os Estados federais, 
ou descentralizados, sancionam a ilegitimidade da secessão, enquanto ao contrário, a 
possibilidade de recessão é própria das confederações reguladas sobre bases pactuadas, 
ou de formas espúrias, não “verdadeiras” de federalismo, como as que caracterizavam a 
União Soviética67. 
A utilização da expressão “União indissolúvel” como característica da escolha dos 
Estados, Municípios e Distrito Federal de se unirem numa República federativa, 
representa, portanto, um ulterior elemento de conformidade do Brasil com outros 
Estados federais. Comporta – lida em conjunto com as disposições sobre revisão(art. 60, 
§ 4°) – a proibição de modificar a forma federal da União.68 
Existe, porém, uma variável importante a respeito dos ordenamentos federais 
clássicos: o elemento dissonante é representado da ênfase posta no mesmo art. 1º sobre 
os Municípios como entes originais e fundadores da União, igualmente aos Estados e ao 
Distrito Federal69. Geralmente, a acentuação dos menores entes locais é mais marcada 
 
64 Sobre o fato de que o federalismo saiu reforçado dos debates no seio da Assembléia Nacional Constituinte, v. Miguel. Reale Junior, Les 
grands débats. Op. cit., p. 102. cf, p.127 ss. e especialmente. p 132; cf. ainda Walter Costa Porto, L’organisation fédérale. Op. cit., p. 132, 
e as observações de que com sua escolha os Constituintes entendiam “réagir contre la centralisation antérieure”. 
65 Na doutrina brasileira cf. particularmente: José Afonso da Silva, Ives Gandra da Silva Martins. Cláusulas Pétreas. In Jorge Miranda 
(Org.). Perspectivas Constitucionais. Nos 20 Anos da Constitução de 1976. Coimbra: Coimbra Editora. Vol. I. 1996, p. 145. Sobre a 
proibição de revisar parte da Constituição são conhecidas as teses de Alf Ross. On Law and Justice. London: Stevens, 1958. Trad. it., 
Diritto e giustizia. Torino: Einaudi, 1965, p. 72 ss.e spec. 79. Idem. On Self-Reference and a Puzzle. In Mind. Constitutional Law. 
Oxford: Oxford University Press, 1969, n. 73, p. 1 ss. Trad. it., Sull’autoriferimento e su un “puzzle” nel diritto costituzionale, e in 
Alberto Febbrajo, Riccardo Guastini (Coords). Critica del diritto ed analisi del linguaggio. Bologna: il Mulino, 1982. Para esgotar a 
matéria se envia à bibliografia manualística e às vozes enciclopédicas, em particular Riccardo Guastini. Teoria e dogmatica delle fonti. 
Op. cit., p. 316; Mario Dogliani, Potere costituente. Torino: Giappichelli, 1986; Paolo Barile. Voz Potere costituente. In Novissimo 
digesto italiano. Torino: Utet, Vol. XIII, 1966, p. 443 ss.; A garantia constitucional é mitigada apenas com a possibilidade de que os 
Estados possam fundir-se, subdividir-se ou agregar-se a outros Estados, mediante plebiscito e lei complementar (mediante maioria 
absoluta do Congresso e, portanto, diferente do procedimento previsto para a revisão constitucional). 
66 A expressão “unitário e indivisível” ou “uno e indivisibile” aparece, entretanto, também em muitos ordenamentos que a doutrina jurídica 
e politológica consideram concentrados como Afeganistão, Algéria, Benin, Tchad, Croácia, Geórgia, Djibouti, Guinéia, Líbano, 
Madagascar, Moldávia, Paraguai, România, Eslovênia, Togo. Nos sentidos do art. 3°/CF, o Uzbekistão se considera “inviolável e 
indivisível”. 
67 Entre os ordenamentos que reconhecem formas de descentralização mais ou menos acentuada e que se qualificam de tal modo, ressalta a 
Nigéria “indivisível e indissolúvel” e igualmente “federal” (art. 2); a Itália (“una e indivisível” no sentido do artigo 5), que vem 
comumente classificada como Estado “regional”; o Chile (“unitário”, mas cujo território – acrescenta a frase sucessiva do art. 3 – “se 
divide em Regiões”); a Bulgária “unificada com self-government local” (art. 2); a Colômbia, que como o Peru é “unitária e 
descentralizada” e ao mesmo tempo – precisa o art. 1 – com autonomia das unidades territoriais); o Congo (“descentralizado” e todavia 
“indivisível”: art. 1); o Equador (nos termos do art. 1 “unitário”, “descentralizado”, mas também “multicultural e multiétnico”). As ilhas 
Maldivas se auto-qualificam com o apelativo de Estado “composto”; enquanto a índole “federal” do ordenamento é declarada pela 
Constituição da Áustria, Bélgica, Brasil, Comôres, Emirados Árabes Unidos, Alemanha, Malásia, Nigéria (que como já dito, si define 
também “indivisível e indissolúvel”), Rússia (cujo preâmbulo alude ainda à natureza “multinacional” do País), São Cristóvão e Névis, 
Venezuela e Iugoslávia. 
68 Sobre os limites materiais da revisão constitucional v. também com amplas referências à jurisprudência: Alexandre de Moraes, Direito 
Constitucional. Op. cit., p. 522 ss. 
69 Sobre a posição do Distrito Federal (bem como dos territórios) v. Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins. Comentários à Constitução 
do Brasil. Op. cit., p. 423 ss.; André Ramos Tavares. Curso de Direito Constitucional. Op. cit., p. 739 ss. A imitação do modelo 
 15 
nos textos constitucionais de ordenamentos concentrados (como França) ou regionais 
(com Itália). Freqüentemente, nos Estados federais a disciplina dos entes locais (e em 
particular dos Municípios) é deixada à discricionariedade dos Estados que compõem a 
Federação. Isto explica as críticas muito ásperas que boa parte dos comentaristas 
reservou a esta escolha do Constituinte e a posição “reducionista” assumida por muitos 
autores sobre a paridade dos municípios aos Estados.70 
No art. 1º, a posição dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios parece 
homóloga. Todas estas três categorias, de fato, são ali definidas como “fundadoras” da 
República Federativa (“formada” por elas). A República, por sua vez é definida 
“indissolúvel” e a indissolubilidade deveria resguardar não só a garantia para os Estados, 
mas também para os outros entes partícipes da Federação (portanto, os Municípios, além 
Distrito Federal). 
No plano doutrinário, ao contrário, a qualificação da República como “Federativa” e 
sua inscrição na “classe” dos ordenamentos federais feita pelo Poder Constituinte 
originário, comporta conseqüências prescritivas: isto é, cada conseqüência anormal sobre 
o funcionamento do modelo teórico com as regras de funcionamento do modelo (federal) 
deveria ser exclusa, e cada disposição em contraste com o modelo deveria ser 
interpretada de modo a excluir a anomalia (“interpretação conforme o modelo 
escolhido”). Mas tem mais sobre o plano normativo: os artigos conexos, que 
desenvolvem as definições do art. 1º não colocam os municípios sob o mesmo plano dos 
Estados e do Distrito Federal. De fato a garantia constitucional dos municípios é menor 
sobre vários aspectos e, sobretudo é assinalada pela falta de representação junto à 
Câmera Alta, em nível de Federação. 
Não prevendo a participação dos Municípios no processo de revisão constitucional, o 
Poder Constituinte originário permite a qualquer Estado, como ente “fundador” da União, 
intervir (ex vi art. 60) no processo de revisão constitucional, eventualmente limitativo da 
sua autonomia. Entretanto, reconheceu os municípios apenas como “classe”, não como 
singular entidade historicamente determinante71. Em outras palavras, a Constituição 
proíbe a eliminação da categoria “Município”, ou a limitação grave de sua autonomia, 
mas não permite sua participação no processo de revisão e muito menos a necessiade de 
seu consentimento para alterar a disciplina. A autonomia municipal é, portanto, 
constitucionalizada, mas não “super-constitucionalizada”. O ordenamento “federal” que 
nos termos do art. 60, § 4°, I não pode ser submetido à revisão é aquele que reconhece 
aos Estados fundadores (mas não aos municípios) a titularidade para discutir sua 
autonomia, e isto é a verdadeira “forma federativa de Estado” segundo os cânones 
clássicos forjadas na doutrina. Para os Municípios, a garantia é dada só pela palavra 
“indissolúvel” contida no art. 1º e se traduz numa obrigação negativa para o poder de 
revisão (não eliminar os Municípios) mas, sobretudo uma obrigação positiva (não 
secessionar). 
 Tudo isto é suficiente para dar à União a qualificação de verdadeira República 
federativa reivindicada no art. 1º 72. De fato, o modelo teórico de Estado federal – como 
já vimos – é a grande malha que dentro do esquema de máximas joga realidade às vezesamericano também porquanto resguarda a posição da capital é evidente não só no Brasil, mas também nos oustros Estados federais latino-
americanos. Vide Nino Olivetti Rason. La capitale degli Stati Uniti nel pensiero dei Padri fondatori e nella giurisprudenza della Corte 
suprema (Spunti per una riflessione comparatistica). In Anna Maria Martellone, Elisabetta Vezzosi (Coords.). Fra Toscana e Stati Uniti. Il 
discorso politico nell’età della Costituzione americana. Firenze: Leo S. Olschki, 1989, p. 215 ss. 
70 Alguns falam de anomalia, de anormalidade, de paradoxo e até mesmo de “ignomínia”: v. Uadi Lamêgo Bulos, Constituição federal 
anotada. Op. cit., p. 75. Sobre as várias posições da doutrina cf. Alexandre Issa Kimura. Constituição federal de 1988. Apontamentos 
doutrinários e jurisprudenciais. São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 5 e ss. No sentido de que os municípios não integram o 
sistema federal, José Nilo de Castro. Direito municipal positivo. 5a ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 57 ss. Mais tênue a posição de 
Regina Maria Macêdo Nery Ferrari. Elementos de Direito Municipal. Op. cit., p. 13 ss. 
71 Sobre os contornos históricos dos municípios: Iris Eliete Teixeira Neves de Pinho Tavares. O Município brasileiro: sua evolução 
histórico-constitucional. In Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 68, jan./jun. 1988, p.85 ss. 
72 Ainda que se para sua completa realização necessitasse incisivas iniciativas e reformas , para salvaguardar melhor as particularidades dos 
Estados e em geral para realizar uma melhor descentralização: v. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Organização do Estado brasileiro e as 
tendências do federalismo: simetria e assimetria. Op. cit., 29 ss. 
 16 
muito diversa. Para rebater a natureza federal do sistema não vale, nem mesmo em 
abstrato, as regras estabelecidas no Capítulo VI, sobre a intervenção federal, 
conjeturadas (ainda que com menor amplitude) seja no modelo histórico norte-
americano, seja no modelo teórico elaborado por Hans Kelsen73. 
 
 Sob uma prospectiva estritamente jurídica, não valem nem mesmo meras 
questões de fato, como aquelas que resguardam os financiamentos federais aos entes 
federativos, e a observação de que a descentralização se alimenta das transferências de 
recursos financeiros, decididos unilateralmente pelo “centro”74. Sem contar que o Senado 
– e por meio desse, os Estados – é envolvido diretamente no procedimento de 
distribuição dos recursos, o problema (que, todavia é intenso e essencial na dinâmica 
política) abarca também ordenamentos genuinamente federais (por exemplo a Austrália), 
onde se observa que a Federação tende a absorver grande parte do orçamento para 
assegurar as políticas de defesa, do trabalho e do welfare. 
 
O problema da efetividade do federalismo, ao invés, se conecta com a relação 
existente entre o próprio federalismo e a forma de governo. 
 
Parte da doutrina ressalta que o federalismo apresenta um necessário 
balanceamento à forma de governo presidencial75, e esta não pode funcionar com 
característica “liberal-democrática” na ausência dos cheks and balances estruturados 
também do ponto de vista territorial. (Não é verdade, porém, o contrário, ou seja, que o 
federalismo não possa funcionar na presença de uma forma de governo parlamentar 
como atestam as experiências do Canadá e Austrália.) 
Esta afirmação parte da observação de uma experiência exemplar (ou melhor, da 
experiência exemplar por antonomásia): a dos Estados Unidos, onde um verdadeiro 
federalismo permitiu o despegar-se do sistema de contrapesos (combinado com o do 
legislativo e do judiciário) ao forte poder do Presidente. Mas deriva, também, da 
observação da experiência (pseudo)-federais latino-americanas, compreendida a 
brasileira, onde a um presidencialismo degenerado na forma populista e semi-autoritária, 
se associou, no passado, também um federalismo “de fachada”, que desnaturou o 
modelo estadunidense, do qual recebeu a forma, mas não a substância.76 
Com efeito, no passado a autonomia dos Estados que compõem o Brasil 
desenvolveu-se muito pouco por causa da “forte” utilização dos poderes presidenciais e 
de um sistema de controle do “centro” que anulava a autonomia dos entes 
descentralizados77. A Constituição de 1988 também configura uma forma de governo 
 
73 V. respectivamente art IV, seção III, n. 2, da Constituição dos Estados Unidos da América e Hans Kelsen. Die Bundesexecution. Teorie 
und Praxis des Bundesstates, unter besonderer Berücksichtigung der deutschen Reichs und der österreichischen Bundes-Verfassung. In 
Festgabe für Friz Fleiner zum 60. Geburtstag. Verlag von J.C. Mohr. Tübingen: Paul Siebeck, 1927, p. 127 ss. 
74 Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins, Comentários à Constituição do Brasil. Op. cit., p. 414, onde é definida como “irrisória” a 
autonomia estatal. 
75 Confronta tal tese Antonio Reposo. Profili dello Stato autonomico. Federalismo e regionalismo. Op. cit., p. 74 ss. Sobre o 
desenvolvimento histórico do federalismo brasileiro: Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 
2002; Jorge Carpizo, Federalismo em Latinoamérica. México: UNAM, 1973; Francisco Fernandez Segado. El federalismo en América 
Latina. México: UNAM, 2003; José Murilo de Carvalho. El Federalismo brasileño, perspectiva histórica. In: Revista de Estúdios 
Políticos. Madrid:CEPC, n. 98, 1997; José Maria Sema de la Garza (coord). Federalismo y regionalismo. Memoria del VII Congreso 
Iberoameriano de Derecho Constitucional. México, 2002; Dircêo Ramos Torrecillas. O Federalismo assimétrico. Rio de Janeiro: Forense, 
2000. 
76 Ao ponto que Mauro Volpi, Libertà e autorità. La classificazione delle forme di Stato e delle forme di governo. 3a ed., Torino: 
Giappichelli, 2007, p. 143 ss., prefere falar, a propósito do presidencialismo latino-americano dos anos passados, de forma de governo 
“presidencialista” e não “presidencial”. Em geral, sobre a natureza “de fachada” do federalismo em vários Estados da América Latina, v. 
Lorenzo Luatti. Il federalismo “virtuale” latino-americano. In Quaderni costituzionali. Bologna: il Mulino, n. 1, 1999, p. 137 ss. Ver 
também: Jorge Carpizo. Federalismo en Latinoamérica. Mexico: UNAM, 1973.0 
77 Sobre o desenvolvimento histórico do federalismo brasileiro: Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São 
 17 
presidencial, porém, revigorou o sistema dos pesos e contrapesos. Entre estes, um 
diferente modo de entender o federalismo, que, no futuro, poderia ser atormentado e 
muito, não só pela ênfase dos elementos “presidenciais”, mas também dos 
“autonômicos”. 
A correspondência da qualificação “República Federativa” (a) aos conteúdos 
especificados no corpus constitucional, e (b) ao modelo teórico, comporta, entretanto, as 
conseqüências, que apontamos supra, relativas à prescritividade da Constituição sobre as 
escolhas afiançadas na direção política do poder executivo e da maioria congressual para 
a atuação de um “verdadeiro” federalismo. As margens deixadas ao livre jogo 
democrático para desenvolver a Constituição são muito amplas, mas a “leitura correta” 
da própria Constituição impõe que, quando é necessario optar entre escolhas favoráveis 
a uma ampla descentralização, e escolhas concentradas, as leis e as normas 
administrativas escolhem as primeiras, impõem também que, no caso de conflito, o 
critério interpretativo a ser seguido pelas das cortes chamadas a resolverem os conflitos 
entre centro e periferia, também seja esse inspirado no mesmo critério. Além do mais, 
em relação aos limites impostos para a revisão constitucional do art. 60, 4º, I (onde 
aparecem as palavras “forma federativa de Estado”), o art. 1º combinado com o no resto 
da Constituição,

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