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CORRUPÇÃO PASSIVA 317 - SOLICITAR OU RECEBER , para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. 1. CONCEITO = a corrupção passiva pode ser considerada “uma forma de ‘mercancia’ de atos de ofício que devem ser realizados pelo funcionário”. 2. OBJETO JURÍDICO = impedir que os funcionários públicos passem, no desempenho de sua função, a receber vantagens indevidas para praticar ou deixar de praticar atos de ofício. A corrupção afeta o correto desempenho da função pública e, por conseguinte, o desenvolvimento regular da atividade administrativa. Busca, portanto, o dispositivo proteger o “funcionamento normal da Administração Pública, de acordo com os princípios de probidade e moralidade”. 3. CLASSIFICAÇÃO a) Corrupção ativa ou passiva: a corrupção, em nossa legislação, não é crime necessariamente bilateral , (poderá haver concomitantemente corrupção ativa e passiva. Assim, na conduta do funcionário que recebe a indevida vantagem (CP, art. 317), é pressuposto necessário que haja anteriormente a ocorrência do delito de corrupção ativa na modalidade “oferecer vantagem indevida a funcionário” (CP, art. 333). Assim, o oferecimento da vantagem indevida pelo particular configura, por si só, o delito de corrupção ativa (CP, art. 333), independentemente da aceitação pelo funcionário público. De outro lado, se este último solicitar vantagem indevida ao particular, tal ato somente já configurará o delito de corrupção passiva (CP, art. 317). Dessa forma, optou-se por prever um tipo penal para o corruptor e outro para o corrompido. Trata-se, sem dúvida, de exceção à teoria unitária adotada pelo Código Penal no concurso de pessoas. O legislador, no caso, “abraçou” a teoria pluralística, em que cada um dos participantes responde por delito autônomo. ** O recebimento de vantagem indevida pelo funcionário público, ainda que ofertada por um menor de 18 anos, configura o delito em estudo. b) Corrupção própria ou imprópria: na corrupção passiva o funcionário, em troca de alguma vantagem, pratica ou deixa de praticar ato de ofício para beneficiar alguém. O ato a ser praticado pode ser ilegítimo, ilícito ou injusto (é a chamada corrupção própria); por exemplo, o funcionário do Cartório Criminal solicita indevida vantagem econômica para suprimir documentos do processo judicial. Também configura o crime a prática de ato legítimo, lícito, justo (é chamada corrupção imprópria); por exemplo, oficial de justiça solicita vantagem econômica ao advogado, a fim de dar prioridade ao cumprimento do mandado judicial expedido em processo em que aquele atua. c) Corrupção antecedente ou subsequente: na primeira a vantagem indevida é entregue antes da ação ou omissão do funcionário público; na segunda, a entrega da vantagem é posterior. Assim, nada impede que o funcionário público pratique ou deixe de praticar um ato na expectativa de receber indevida vantagem, vindo esta a ser oferecida e recebida posteriormente àquele. Dessa forma, não é preciso que haja prévio acordo de vontades entre o funcionário e o particular . A legislação penal pátria admite ambas as espécies de corrupção. A corrupção subsequente apenas será inadmissível na corrupção ativa (CP, art. 333). 4. ELEMENTOS DO TIPO 4.1. Ação nuclear Trata-se de crime de ação múltipla. Três são as condutas típicas previstas: a) SOLICITAR: pedir, manifestar que deseja algo. Não há o emprego de qualquer ameaça explícita ou implícita. O funcionário (intraneus) solicita a vantagem, e a vítima (extraneus) cede por deliberada vontade, não por metus publicae potestatis. Nessa modalidade, não é necessária a prática de qualquer ato pelo terceiro para que o crime se configure, isto é, prescinde-se da entrega efetiva da vantagem. Basta a solicitação; b) ou RECEBER: aceitar, entrar na posse. o agente não só aceita a proposta como recebe a vantagem indevida . Ao contrário da primeira modalidade, é condição essencial para sua existência que haja a anterior configuração do crime de corrupção ativa, isto é, o oferecimento de vantagem indevida (CP, art. 333). Sem essa oferta pelo particular, não há como falar em recebimento de vantagem; c) ou ACEITAR A PROMESSA DE RECEBÊ-LA: basta que o funcionário (intraneus) concorde com o recebimento da vantagem. Não há o efetivo recebimento dela. 4.2. Objeto material. Elemento normativo = O objeto material do crime é a vantagem indevida, que pode ser de cunho patrimonial, moral, sentimental, sexual etc.. O tipo penal também contém um elemento normativo: a vantagem deve ser indevida, isto é, não autorizada legalmente. Ausente esse requisito, o fato é atípico. **Tratando-se de mero pedido de reembolso de quantia que não exceda o que foi despendido pelo servidor para a realização da diligência, como, por exemplo, reposição de verba gasta com combustível, não se caracteriza o crime de corrupção passiva. É certo que tal pagamento é indevido, na medida em que tais despesas não podem ser pagas diretamente ao funcionário público, mas sempre por meio de guias, cujo recolhimento é feito em bancos oficiais. Entretanto, não se pode falar em “vantagem”, pois houve mero reembolso, sem qualquer lucro para o agente público. Não se caracteriza, portanto, a elementar “vantagem indevida”, mas apenas ressarcimento irregular. É importante esclarecer que nem toda aceitação de vantagem por parte do funcionário público configura o crime de corrupção passiva, como as hipóteses a seguir (Hungria): a) gratificações usuais de pequena monta por serviço extraordinário (não se tratando de ato contrário à lei) não podem ser consideradas corrupção passiva. + b) pequenas doações ocasionais, como as costumeiras “Boas Festas” de Natal ou Ano-Novo, não configuram crime. 4.3. SUJEITO ATIVO = Trata-se de crime próprio, portanto só pode ser cometido por funcionário público em razão da função (ainda que esteja fora dela ou antes de assumi-la). Nada impede, contudo, a participação do particular, ou de outro funcionário, mediante induzimento, instigação ou auxílio. O particular que oferece ou promete vantagem indevida ao funcionário público responde pelo crime de corrupção ativa (CP, art. 333) e não pela participação no crime em estudo. Trata-se de exceção à regra prevista no art. 29 do CP, conforme visto anteriormente. Vejamos algumas regras especiais: a) fiscal de rendas: Caso exija, solicite ou receba vantagem indevida, ou aceite promessa de tal vantagem, para deixar de lançar ou cobrar tributo ou contribuição social, ou cobrá-los parcialmente, pratica o delito específico previsto no art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90. Em face da pena prevista (3 a 8 anos de reclusão, e multa), o crime é inafiançável, não estando sujeito à defesa preliminar assegurada pelo art. 514 do CPP; b)testemunha, perito, tradutor ou intérprete judicial (oficiais ou não): o falso testemunho ou falsa perícia realizada, mediante suborno, emprocesso judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral, configura o delito do art. 342, § 2º, do CP. O indivíduo que deu, ofereceu ou prometeu o dinheiro ou outra vantagem àquelas pessoas responde pelo crime previsto no art. 343 do CP; c)jurado: pratica o delito do art. 317 do CP, pois, consoante o teor do art. 445 do CPP, com a redação determinada pela Lei n. 11.689/2008, “o jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados”. O mesmo se aplica aos jurados suplentes (CPP, art. 446). 4.4. SUJEITO PASSIVO = É o Estado. 5. ELEMENTO SUBJETIVO = dolo (deliberação de violar a lei, por ação ou omissão, com pleno conhecimento da criminalidade do que se está fazendo), consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar uma das ações típicas. É necessário que o funcionário tenha ciência de que a vantagem, objeto do crime, não lhe é devida. Exige-se, também, o elemento subjetivo do tipo (finalidade especial exigida pelo tipo), contido na expressão “para si ou para outrem”. Na hipótese em que o dinheiro reverteu em proveito da própria Administração Pública, não se pode falar no crime em questão, uma vez que a corrupção implica vantagem para o próprio agente ou para terceiro, entendendo-se como tal qualquer pessoa que não seja o próprio agente ou a Administração. Caracteriza-se, no entanto, ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11, I, da Lei n. 8.429/92. No exemplo do delegado de polícia que aceita a oferta de dinheiro aplicando-o na aquisição de gasolina para a viatura, a fim de intensificar o policiamento da cidade106, não se pode sequer falar em improbidade, pois o recebimento da gasolina não tem por finalidade burlar a lei, mas garantir a eficiência no policiamento preventivo. 6. CONSUMAÇÃO = crime formal; portanto, ocorre com o ato de solicitar, receber ou aceitar a promessa de vantagem indevida. Na ação de solicitar não é necessário que o particular efetivamente entregue a vantagem indevida para que o crime se repute consumado. Também se prescinde que o funcionário, ao aceitar a promessa, posteriormente receba a vantagem. O tipo penal não exige que o funcionário pratique ou se abstenha da prática do ato funcional. Se isso suceder, haverá mero exaurimento do crime, o qual constitui condição de maior punibilidade (causa de aumento de pena prevista no § 1º do art. 317). Da mesma forma que no crime de concussão, não há crime de flagrante preparado, mas sim esperado, na hipótese em que o funcionário é surpreendido no momento em que recebe a vantagem indevida, uma vez que o crime já se consumara anteriormente com a solicitação ou aceitação da promessa. 7. TENTATIVA = A tentativa é de difícil ocorrência, mas não é impossível. Basta que haja um iter criminis a ser cindido; por exemplo: solicitação feita por carta, a qual é interceptada pelo chefe da repartição. 8. FORMAS 8.1. Simples = Prevista nocaput. 8.2. Causa de aumento de pena = Prevista no art. 317, § 1º: “A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”. Trata-se de forma mais grave do crime de corrupção passiva, uma vez que a conduta do funcionário vai além do recebimento da vantagem indevida, pois ele efetivamente: a) retarda a prática do ato, isto é, desrespeita o prazo para sua execução; b) deixa de praticar o ato, isto é, abstém-se de sua prática; c) pratica infringindo dever funcional, isto é, a ação é contrária a seu dever de ofício. As letras a e b constituem a chamada corrupção imprópria (prática de ato lícito); a letra c contém a chamada corrupção passiva própria (ato ilícito). Constituem, na realidade, hipóteses de exaurimento do crime, mas que acabam por funcionar como causa de aumento de pena. 8.3. Privilegiada = Prevista no art. 317, § 2º, com a seguinte redação: “Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena — detenção, de três meses a um ano, ou multa”. Trata-se de conduta de menor gravidade, na medida em que o agente pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício, não em virtude do recebimento de vantagem indevida, mas cedendo a pedido ou influência de outrem, isto é, para satisfazer interesse de terceiros ou para agradar ou bajular pessoas influentes. 8.4. CAUSAS DE AUMENTO DE PENA = Vide o art. 327, § 2º, do CP. 9. DISTINÇÕES A) CONCUSSÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA: na corrupção passiva, em sua primeira figura, o núcleo do tipo penal é o verbo solicitar, isto é, pedir vantagem indevida. A vítima, no caso, cede livremente ao pedido do funcionário público, podendo, inclusive, obter algum benefício em troca da vantagem prestada. Na concussão, pelo contrário, o agente exige, isto é, impõe à vítima determinada obrigação, e este cede por temer represálias. B) PREVARICAÇÃO E CORRUPÇÃO PASSIVA: na prevaricação (CP, art. 319) o funcionário público retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou pratica-o contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Ele não é movido pelo interesse de receber qualquer vantagem indevida por parte de terceiro. Aliás, ele nem mesmo cede a pedido ou influência de outrem, o que diferencia a prevaricação da corrupção passiva privilegiada. Na realidade, não há qualquer intervenção alheia nesse crime, pois o funcionário é motivado por interesse ou sentimento pessoal.
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