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Disciplina: Fundamentos de Educação Infantil I Semana 08: Revisão - Síntese de conteúdos e conceitos fundamentais Boas-vindas à Semana 08! Estamos chegando ao final de mais uma etapa na sua formação. Nesta última semana da disciplina nos dedicaremos a revisar os principais tópicos. Para tanto, este texto traz uma síntese de tudo que foi estudado e considerado essencial para seu aprendizado, fundamentado nos materiais base das Semanas e resumindo o ideário dos autores daqueles materiais. Na prática, este texto trata-se de compilado, do que dizem os diversos autores estudados em cada módulo, na tentativa de oferecer uma síntese que facilite o seu estudar. Aproveite muito esta semana e consolide seus conhecimentos! 1. Histórico da Educação na Infância A sociedade medieval valorizava a criança apenas sob o ponto de vista de que ela existia para a conservação dos bens e continuidade do agregado familiar, tendo que trabalhar desde cedo aprender os afazeres domésticos e valores humanos, mediante a aquisição de conhecimento e experiências práticas. O mundo das crianças era em torno das mulheres no ambiente doméstico. Não havia distinção entre crianças e adultos, usavam os mesmos tipos de trajes e de linguagem, não existia um sentimento em especial aos mais novos, sendo esses a todo momento forçados a ingressar o mais rápido possível na lógica de vida daqueles. As pessoas eram instruídas da mesma forma, independente da faixa etária e frequentavam a mesma sala de aula e recebiam o mesmo ensinamento. O conceito de criança passa a se modificar com a Revolução Industrial, com o Iluminismo e a constituição de Estados laicos, porém somente as crianças da elite passaram a receber cuidados e atenção em função da idade. Entre os séculos XV e XVI surgem modelos educacionais para superar os desafios estabelecidos pela sociedade europeia, cujo foco é o desenvolvimento industrial, relacionados ao progresso científico, comercial e artístico impulsionados pelo Renascimento, reforçando concepções sobre a criança e como ela deveria ser educada. Nesse contexto a relação com a infância começa a mudar, evocando preocupações sobre formas de educar as crianças. Surge forte o movimento de urbanização na Europa e com ele problemas estruturais e muitos conflitos, dentre eles a Reforma e Contra Reforma1. Nesse cenário as condições sociais, principalmente para as crianças, eram precárias (miséria, abandono, maus tratos). Em atenção a essa 1 1 O espírito inovador se manifesta inclusive na religião, pela crítica à estrutura autoritária e decadente da igreja centrada no poder papal. Interesses políticos nacionalistas sustentam os movimentos de ruptura do luteranismo, calvinismo e anglicanismo. Reagindo, a Igreja Católica propõe a Contrarreforma. Para maior compreensão desse processo consultar a obra intitulada Igreja e Educação Feminina (1859–1919): Uma Face do Conservadorismo de Ivan A. Manoel. demanda, muitas mulheres se organizavam e criavam espaços alternativos para recolher crianças necessitadas, por vezes era escolhida uma das casas ou algum espaço religioso para essa finalidade. Nesse sentido, foram surgindo espaços formais para o público infantil, fora do ambiente familiar, que surgem com caráter assistencialista e filantrópico que, sempre com caráter extremamente religioso, não tinham uma proposta formal de instrução (apesar de realizarem atividades de canto e leitura e escrita de textos religiosos). Ao longo do século XIX, a criança passou a receber mais atenção dos adultos, em relação procedimentos educativos, sendo entendida como sujeito de necessidades e objeto de expectativas e cuidados de preparação para o ingresso e sucesso no mundo dos adultos, tornando a escola um instrumento para tal. Acontece que a escola não era uma instituição acessível a muito, o Estado priorizava a formação da elite. A criança pobre neste contexto era merecedora de piedade e não de direito universal à educação. Dessa época datam os sistemas nacionais e as primeiras leis de instrução pública da Europa e dos Estados Unidos, priorizando o acesso a escola primária em seus territórios, como algo universal, gratuita, obrigatória e, na maioria dos casos, leiga ou extra confessional. Surgem também as instituições de educação da primeira infância (Jardins da Infância) e as escolas para a formação da docência (Escolas Normais). Friedrich Froebel2 na Alemanha, de forma pioneira, fundou os Kindergarden (jardins-de-infância), numa alusão ao cuidado da planta para que cresça bem, considerando a infância fundamental para o desenvolvimento posterior do ser humano. Froebel privilegia as atividades lúdicas, reconhecendo o significado funcional do jogo para o desenvolvimento sensorial e motor, bem como para aperfeiçoar habilidades cognitivas e inventou métodos próprios para isso. O pensador sustentava ainda que a socialização das crianças pela convivência entre si já possui grande potencial educativo. Froebel corrobora com Pestalozzi acerca da visão de educação materna, pesquisando leis da natureza e interpretando o desenvolvimento do homem. Como filósofo e pedagogo procura aplicar ao homem princípios da vida observados na natureza, defendo que tudo representa uma totalidade divina, que por sua vez se desenvolve nas particularidades. Froebel admite que o homem, como criação de Deus, é bom por natureza. A educação, não faz o homem bom, mas tem o objetivo de proteger a criança de modo que sua natureza não seja direcionada de forma errada. Na França haviam os asilos que tiveram uma trajetória distinta dos jardins-de-infância. Esses últimos, na concepção de Froebel, não exclusivamente pedagógico, se implanta em instituições sociais e culturais. Os asilos, como instituição para crianças pobres, tiveram uma identidade com caráter exclusivamente assistencialista, distante de preocupações educacionais, objetivando prover cuidados, ensino moral e de ofício às crianças. No entanto, em Portugal, as casas de asilo da infância, desde sua fundação, em 1834, possuíam função pedagógica, além de promover os cuidados alimentares e corporais, procuravam assegurar proteção e instrução às crianças pequenas, sendo considerada à época, mais completa do que os estabelecimentos ingleses e franceses, que não teriam o objetivo de promover cuidados alimentares e corporais. Em outros países europeus, como Holanda e repúblicas italianas, também surgiram 2 Nascido em Turíngia em 1782 e falecido em 1852; sua principal contribuição foi a atenção à criança ainda antes do ensino elementar. instituições similares, para diferentes faixas etárias. Mas foram os modelos de Froebel e o de asilo, depois chamadas escolas maternais, que passaram a ser mais difundidas. No Brasil, o atendimento às crianças de 0 a 6 anos apareceu no final do século XIX. Na zona rural, onde vivia a maior parte da população, as famílias de fazendeiros assumiam o cuidado das crianças abandonadas, geralmente fruto da exploração sexual da mulher negra e índia, pelo senhor branco. Na área urbana, bebês abandonados, por vezes filhos de moças pertencentes a famílias de prestígio social, eram recolhidos na roda dos expostos3. Esta situação modifica-se com a migração para a zona urbana; as cidades crescem, observam-se iniciativas isoladas de proteção à infância, orientadas a combater as altas taxas de mortalidade infantil, criando entidades de amparo. Neste contexto, a abolição da escravatura trouxe problemas, pois qual seria o destino dos filhos de escravos que na maioria das vezes eram abandonados? Isto implicaria na criação de creches, asilos e internatos destinados a cuidar das crianças pobres. Nesse sentido, a educação infantil evidencia em seu histórico a necessidadecomo propulsora de seu surgimento. A necessidade de atender crianças, que muitas vezes eram exploradas ou abandonadas por seus pais, institucionalmente em espaços de “guarda”. No contexto histórico aqui referido há diferença entre creche e pré-escola. O jardim de infância, de Froebel, seria a instituição educativa por excelência, enquanto a creche e as escolas maternais – ou qualquer outro nome dado a instituição com características semelhantes aos asilos franceses, seriam assistencialistas e dedicados a tornar as crianças mais adaptadas ao convívio social (subordinação). Com o projeto de construção de um Brasil moderno, parte do ideário liberal presente no final do século XIX, reunia condições para que as instituições de educação infantil assumissem uma proposta moderna, visto que, na época, moderno era sinônimo de progresso. A creche, para crianças de 0 a 3 anos, foi vista como muito mais do que um aperfeiçoamento das casas dos expostos, que recebiam as crianças abandonadas; pelo contrário, foi apresentada em substituição ou oposição a estas, para que as mães não abandonassem suas crianças. As instituições criadas começam a exercer uma nova função, de compensar as carências infantis relacionada à ideia de educação mais que a de assistência. São criados, por exemplo, os jardins de infância por Froebel nas favelas alemãs, por Montessori nas favelas italianas, por Reabodif nas estadunidenses etc. A função dessa pré-escola era de compensar as deficiências das crianças, sua pobreza, a negligência de suas famílias. Em 1875, no Rio de Janeiro, havia sido fundado o primeiro jardim-de-infância privado no país pelo médico Joaquim José Menezes Vieira e foi instalado em um bairro nobre com excelente espaço físico, exclusivamente construído para servir à elite, e somente crianças do sexo masculino. O jardim de crianças do Colégio Menezes Vieira propagava a metodologia de Pestalozzi e as atividades sugeridas por Froebel e Pape-Carpantier4, privilegiando o método intuitivo como tese para o desenvolvimento 3 Espécie de caixa giratória onde se colocavam as crianças enjeitadas, nos asilos e orfanatos. A roda dos expostos, como assistência caritativa, era, pois, missionária. A primeira preocupação do sistema para com a criança nela deixada era de providenciar o batismo, salvando a alma da criança, a menos que trouxesse consigo um bilhete – o que era muito comum – que informava à rodeira de que o bebê já estava batizado. No caso de dúvida dos responsáveis pela instituição, a criança era novamente batizada. Mas o fenômeno de abandonar os filhos é tão antigo como a história da colonização brasileira, só que antes da roda, as crianças eram abandonadas e supostamente assistidas pelas municipalidades, ou pela compaixão de quem as encontrava. Para a compreensão desse conceito consultar a obra História das Crianças no Brasil de Mary Del Priore. 4 Marie Pape-Carpantier (1815-1878); professora das primeiras salas de asilo, na França; diretora do curso prático de formação de professoras (1847-1874) escreveu inúmeros periódicos pedagógicos. Criou a caixa de Lições de da percepção direta e experimental das crianças. Na prática o programa imitava os cantos e os jogos das salas de asilo francesas, elaboradas pela educadora Pape Carpentier, e os jogos da Madame Portugal, inspetora dos jardins – de - infância de Genebra. No século XX, a educação na infância começa a evocar debate em torno do cuidado, preservação e preparação da infância. Naquele período começou a ser pensada uma nova forma de educar a criança pequena, pois até então o que predominava eram modelos europeus. A partir dos princípios da Escola Nova, onde a criança era tida como o centro do processo e o foco no aprender fazendo, eram debatidas as ideias de instituições de atendimento à infância. Os debates sobre as instituições de educação infantil foram polêmicos, pois existiam intelectuais da época que não concordavam com a implantação destas instituições, relacionando-as diretamente aos asilos franceses e demais instituições assistencialistas. As mudanças sociais e familiares, principalmente, da segunda metade do século XX, modificam e transformam a relação entre pais e filhos, consequentemente impactando na educação das crianças pequenas. Houve uma transformação significativa quanto à criação e educação dos filhos, entre os anos 30 e os anos 80. Como eixos principais desta transformação poderíamos apontar que a educação da criança passou de um sentido ‘moral’ ‘em que preocupação central eram os bons comportamento’ para um ‘psicológico’ ‘em que o central é a saúde emocional’; do apoio à sabedoria e à tradição chegou-se à valorização exclusiva do conhecimento técnico-científico; de um conjunto de prescrições claras e definidas a priori em função do comportamento desejado para a criança, de padronização de atitudes paternais. As teorias psicanalíticas e as teorias do desenvolvimento infantil começam a surgir e a influenciar a educação escolar da infância. A psicanálise fortalecia as intensas discussões existentes em torno da maior ou menor permissividade que deveria existir na educação das crianças, trazendo a discussão de temas tais como frustração, agressão, ansiedade. A atenção de professores se voltava para as necessidades afetivas da criança e para o papel que o professor deveria assumir, dos pontos de vista clínico e educacional. Concomitantemente, sendo difícil determinar se como causa ou consequência do ressurgimento da educação pré-escolar, houve a descoberta, durante os anos 50, dos trabalhos teóricos de Montessori, Piaget e Vygotsky. Crescia concomitantemente o interesse de estudiosos da aprendizagem pelo conhecimento dos aspectos cognitivo do desenvolvimento, pela evolução da linguagem, e pela interferência dos primeiros anos de vida da criança no seu desempenho acadêmico posterior. A preocupação com os métodos de ensino reaparecia. Nessa época, as mudanças nas relações de trabalho vinham em função das transformações sociais e da produção capitalista. Os operários exigiam condições menos precárias no trabalho, jornada de oito horas diárias, salário, entre outros. Em razão das pressões dos operários e sindicatos alguns empresários começaram a dar benefícios aos seus empregados, sendo um deles a creche no interior Coisas – esta dividida em três compartimentos principais, subdivididos em pequenos compartimentos, onde estão classificadas as amostras de materiais que o homem emprega para a satisfação de suas necessidades: alimentação, vestuário, habitação, metais. È como uma [biblioteca de coisas], um instrumento para as lições sobre origem, a história e fabricação das principais coisas de uso geral na vida cotidiana. Tem os meios necessários para desenvolver os sentidos, cativar a atenção das crianças e comentar, de maneira interessante, o livro de leitura corrente. da fábrica. a recomendação da criação de creches junto às indústrias ocorria com frequência nos congressos que abordavam a assistência à infância. Desde a década de 30 já existiam instituições públicas de proteção à criança. Entretanto, foi na década de 40 que as ações governamentais na área de saúde, previdência e assistência se tornaram mais efetivas. Higienismo, filantropia e puericultura dominaram, na época, a perspectiva de educação das crianças pequenas. O atendimento fora da família aos filhos que ainda não frequentassem o ensino primário era vinculado à questão de saúde. As creches eram planejadas como instituição de saúde, com rotinas de triagem, lactário, pessoal de enfermagem, preocupação com a higiene do ambiente físico. No aspecto historiográfico, a literatura apresenta diferentes fases no atendimento à criança pequena. A fase da filantropia aconteceudurante o período colonial e caracterizou-se por atender as crianças órfãs e abandonadas. A fase higienista que ocorreu durante o século XIX e início do século XX caracterizou-se pela ampliação do atendimento, surgindo os jardins-de-infância para a classe mais abastada e instituições beneficentes, ou seja, creches para as mães trabalhadoras. Na tentativa de evitar que o critério socioeconômico determinasse diferentes objetivos para as duas instituições, alguns educadores, especialmente na década de 1920, sugeriram o critério da idade para agrupar as crianças no maternal e no jardim, colaborando com algumas alterações na denominação das instituições de educação infantil. As primeiras preocupações destas instituições eram com a alimentação, os cuidados da higiene e a segurança física, sendo pouco valorizado o trabalho de desenvolvimento intelectual e afetivo com as crianças, o que evidencia mais uma vez, a secundarização do aspecto pedagógico. A diferença entre creche e pré-escola, nos anos 50, se referia às diferenças entre suas origens e desenvolvimento. Enquanto que as crianças pobres eram atendidas em creches com propostas que partiam de uma ideia de carência e deficiência, as crianças mais ricas eram colocadas em ambientes estimuladores e consideradas como tendo um processo dinâmico de viver e desenvolver-se. Para saber mais sobre os teóricos citados na Semana 01 (Atividade Academia dos Teóricos) ROUSSEAU: UM OLHAR SOBRE A INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO FROEBEL E A PEDAGOGIA DOS JARDINS-DE-INFÂNCIA DECROLY, O PRIMEIRO A TRATAR O SABER DE FORMA ÚNICA MONTESSORI: O TEMPO O FAZ CADA VEZ MAIS ATUAL FREINET: IMPLICAÇÕES PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL LORIS MALAGUZZI: A PROPOSTA PEDAGÓGICA 2. Educação Infantil Brasileira: ordenamentos legais e políticas públicas Conforme as leituras realizadas, você deve ter percebido que o surgimento da creche, está associado ao trabalho feminino fora do âmbito doméstico, sendo visto pejorativamente, em alguns momentos, como promovedor da ausência materna, principalmente quando foca o papel da mulher no cuidado da criança. No entanto direito da criança de atendimento em creches passou a ser garantido, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal brasileira, não restringindo o direito à assistência unicamente à mulher, como observado em suas origens, quando as instituições de educação infantil estavam mais próximas à mãe do que de seus filhos. Afinal, não e ́apenas a inserção da mulher no mercado de trabalho que explica a busca por creches e pré-escolas, mas também uma movimentação em torno da infância, revelando a preocupação quanto as suas necessidades educativas e de socialização, portanto, vendo-a sob uma nova ótica. A educação e o cuidado da criança pequena, principalmente no período Pós Segunda Guerra Mundial, passam a ocorrer também fora de casa, ou seja, em equipamentos coletivos como creches, escolas maternais ou jardins-de-infância. Essa mudança no padrão de criação das crianças pequenas e ́ decorrente, além das transformações ocorridas no mundo produtivo e das modificações nas relações de gênero, também de mudanças na concepção de criança pequena, da configuração de família e dos papeis de gênero na sociedade. Nessa ótica e ́que se dá a constituição do cuidado e da educação das crianças dentro das Politicas Públicas, ou seja, a família e o Estado passam a dividir a responsabilidade quanto ao bem-estar infantil, desempenhando ações complementares O movimento de luta por creches cresceu e se desenvolveu durante os anos de 1970, e ao longo da década de 1980, iniciado em São Paulo, e, progressivamente, em outros estados brasileiros. Surgem também movimentos em torno da defesa dos direitos da criança na Constituinte de 1988, tal como abordaremos a seguir. Esses movimentos são resultado da crescente pressão das mulheres trabalhadoras, e das orientações feministas, muitas vezes ligadas às organizações partidárias de esquerda, questionando os papéis dos homens e das mulheres na sociedade, e também o lugar da infância. Desde a Constituição de 1988, ficou legalmente definido que os pais, a sociedade e o poder público devem respeitar e garantir os direitos das crianças. E ́ dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de toda a forma de negligência, discriminação exploração, violência e opressão. Dessas definições decorre que as creches e pré-́escolas são direitos, tanto das crianças como de seus pais, e, são instituições de caráter educacional e não simplesmente assistencial, como muitas vezes foram consideradas. Ainda sob o aspecto do direito, a Constituição rompeu com a concepção de educação infantil, como campo assistencial, e inseriu no campo do direito da criança e dever do Estado. A Constituição Federal não estabelece distinção conceitual/procedimental entre cuidar e educar, mas preconiza que as crianças sejam atendidas em instituições adequadas às necessidades da faixa etária. A inclusão da Educação Infantil como politica pública de educação, portanto, e ́ recente. Anteriormente, as ações de atendimento, estavam dispersas em diversas áreas, como a assistência, a saúde, trabalho e mesmo a educação. Os critérios de funcionamento eram estabelecidos por órgãos da saúde (Ministérios e Secretarias estaduais e municipais) para as creches e berçários, que, em geral, atendiam crianças filhas de mães trabalhadoras e de famílias pobres. Isso porque, durante muito tempo, predominou uma visão de que a criança pequena necessita apenas de guarda. A Constituição Federal, no que estabelece sobre o cuidado e a educação de crianças pequenas, é ratificada por leis posteriores como o ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA), LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL (LDB - Lei nº 9.394 /96), o RCNEI, o PNEI, PARÂMETROS NACIONAIS DE QUALIDADE PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL, as DCNEI e a BNCC. 1996- A Lei de Diretrizes e Bases (LDB): reconhece a Educação Infantil como uma etapa da Educação Básica, institucionalizando seu caráter educacional e oposição a um caráter assistencialista, declarando-a como primeira etapa e constituída por dois níveis: creche e pré‐ escola, tendo como única finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos, com o objetivo de eliminar a dicotomia “a creche cuida” e a “pré‐escola educa”. 1998 - O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI): reúne objetivos, conteúdos e orientações didáticas, reforçando um caráter educacional e institucional da Educação Infantil. Além de citar, nominalmente, o cuidar e o educar como função da Educação Infantil e explicita os dois conceitos: Educar significa portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento de capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplia a realidade social e cultural. O cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão expressiva e implica em procedimentos. (RCNEI, 1998, p. 23). 2006 - A Política Nacional para a Educação Infantil (PNEI): assegura o direito das crianças brasileiras à Educação Infantil – creche e pré‐escola, contemplando a sua formação como indivíduo integral e pleno. O documento sustenta que a mudança nas concepções de criança contribuiu para a delimitação da função dessaetapa educacional, isto é, cuidar e educar. Destaca que uma das dificuldades dessa etapa educacional para o cumprimento de sua função diz respeito ao ato de a creche estar por muito tempo, vinculada ao assistencialismo e, portanto, destinada às crianças de classes econômicas menos favorecidas, as quais deveriam ser designados cuidados relacionados à alimentação e higiene. Para a pré‐escola, a função era educar, entretanto, o foco vinculava‐se à antecipação do Ensino Fundamental. A PNEI ressalta que a mudança de perspectiva acontece com a promulgação da Lei 9394/96, que passa a considerar a função de educar intrínseca ao cuidado e estabelece parâmetros para a formação do profissional que atuará com as crianças pequenas (0‐6 anos). 2006 - Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil: engloba o cuidar/educar como função precípua da primeira etapa da educação básica e de forma mais específica como papel do professor. A garantia do cuidado e educação de forma indissociável passa a ser um indicador de qualidade para a Educação Infantil. 2009 - As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI): orienta a organização e o desenvolvimento curricular das instituições, propondo a organização por eixos de interações e brincadeira. Traz como marco conceitual a indissociabilidade entre o cuidar e educar. Sobre a identidade da Educação Infantil, o documento concebe a creche e a pré‐escola como instituições educacionais, destinadas ao atendimento de crianças de zero a cinco anos e 11 meses de idade, com profissionais formados, conforme prevê a LBD 9394/94, tendo por unção o cuidar e educar de modo integrado. 2017- Base Nacional Comum Curricular: consolida na Educação Infantil a concepção que vincula educar e cuidar, entendendo o cuidado como algo indissociável do processo educativo. A BNCC valida e reforça esse conceito de que as ações de cuidado estão plenamente integradas com as ações de educar, já presentes na DCNEI. 3. O cuidar e o educar na Educação Infantil O cuidar e o educar crianças pequenas, além de ser um direito constitucional, tem sido reconhecido como binômio fundamental ao bom desenvolvimento da estrutura neurológica humana, uma vez que uma rede de conexões neuronais (mais de 90% das sinapses) se forma nos primeiros anos de vida. De acordo com autores estudados por você na Semana 03, quanto mais estimulada for a criança, em processos que envolvam cuidados e educação, mais ligações entre os neurônios ela terá e, consequentemente, maiores as chances relacionadas a potencialidades e condições de desenvolvimento e aprendizagem. E nesse sentido, as políticas para Educação Infantil no Brasil definem como funções da creche e da pré-escola cuidar e educar. No entanto, a efetivação dessas funções depende de várias condições, dentre elas, as concepções que orientam as práticas dos trabalhadores no dia a dia das instituições. É preciso ter claro o que é colocado por diretrizes curriculares e combater pré-conceitos em relação ao cuidar na Educação Infantil, tido muitas vezes como inferior ao educar e como sendo função de quem não tem formação para exercer a docência, e metodologias de antecipação da escolaridade. Educação Infantil, decididamente, não pode ser encarada nem pelo assistencialismo da ideia de local para que crianças permaneçam quando suas famílias não podem com elas estarem e nem pelo anseio de prepara-las para o ensino fundamental. Ao vislumbrar o educar indissociável do cuidar há centralidade na importância do vínculo entre criança e criança e a criança e o adulto. A dinâmica que se estabelece na rotina diária das instituições de Educação Infantil requer que, mediante o cuidado, a interação e a brincadeira favoreçam o estabelecimento de vínculos afetivos significativos e essenciais ao bem-estar infantil, promovendo aprendizagens orientadas e de forma integrada. O cuidar como expressão do educar implica todas as ações e situações na instituição de Educação Infantil, tais como banho, sono, alimentação, troca de fraldas, brincadeiras, atividades orais, textuais, plásticas, expressão corporal, etc. Na prática trata-se de aproveitar cada oportunidade para proporcionar às crianças seu desenvolvimento integral. Outro ponto destacado no material estudado na disciplina é o respeito à diferença, evocando a reflexão acerca do quanto o cuidar e o educar devem assumir a diferença como algo a ser celebrado, reafirmando que a desigualdade sim deve ser eliminada. É preciso ter atenção ao discurso de “aceitação” e tolerância da diversidade que, muitas vezes, sob o pretexto da necessidade de cada criança construir sua percepção da diferença existente entre uma e outra num processo que buscava a formação da “identidade” da criança, mantém intacto aquilo que forja as relações desiguais e hierárquicas entre as crianças brancas e as negras, por exemplo. Se a Educação Infantil tomar a diferença como aspecto a ser superado manteremos uma lógica discriminatória e preconceituosa e a condição desigual na qual vivem as crianças que as frequentam. Há, portanto, que problematizar tal concepção, trazendo para o debate a compreensão da diferença em uma perspectiva positiva, ou seja, diferenças que façam diferenças e que não sejam tomadas como apêndices, mantendo-se intacto aquilo que é visto como central, hegemônico e universal. A partir da leitura de Abramowicz e Tebet (2017)5, o cuidar e educar na Educação Infantil, deve considerar aspectos relativos ao campo das diferenças de deve ao menos tangenciar a ideia de que a multiplicidade, característica da Educação Infantil, e ́ sempre heterogênea, e o que se fere, na tentativa de homogeneização, e ́a diferença. A presunção do comum tantas vezes defendida pelo Estado e agora materializada na forma de uma Base Nacional Comum Curricular esbarra naquilo que 5 ABRAMOWICZ, Anete; TEBET, Gabriela Guarnieri de Campos. Early Childhood Education: an analyze from the field of differences. Pro-Posições, v. 28, p. 182-203, 2017. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/pp/v28s1/0103-7307-pp-28-s1-0182.pdf. não representa a todos, isto e,́ o que é colocado no lugar da diferença. As tentativas de homogeneização tendem advogar o expurgo da diferença, entendendo que a diferença constitui identidades e não pode ser confundida com desigualdade; defendem também que base comum acaba por privilegiar que um tipo de infância se realize sobre todas as crianças, sem que elas mesmas possam se interrogar sobre ela. 4. O brinquedo e brincadeira O brinquedo e a brincadeira são contemplados e defendidos no material da Semana 04 como elementos inerentes e característicos das culturas próprias da infância. As crianças, assim como os brinquedos e brincadeiras, sempre estiveram presentes na sociedade, mas aquelas nem sempre foram consideradas como sujeitos particulares e com características próprias. A infância, como a representada hoje, ficou velada ou invisível por muitos séculos de nossa história. As crianças estavam presentes fisicamente, mas ausentes no que diz respeito à ideia de uma categoria social particular, com especificidades e direitos próprios. Até o Renascimento não existia um sentimento de infância, as crianças eram consideradas como apêndices do universo feminino. Adultos e crianças compartilhavam dos mesmos espaços e atividades. Não havia uma concepção específica além das diferenças biológicas. A institucionalização da infância ocorre com o início da modernidade e é realizada, como afirma Manuel Jacinto Sarmento, na conjugação de vários fatores. Um fator a ser destacado refere-se à criação de instâncias públicas de socialização, seguido pela transformação do modelo de família para um formato nuclear, também a formação de um conjunto de saberes normativos e, completando,a administração simbólica da infância por meio de regras e instituições. Todos esses fatores se desenvolveram e passaram por grandes transformações. A escola, que não nascera inicialmente para as crianças, tornou-se um espaço privilegiado de sociabilidade infantil e de preparação para o novo mundo que surgia. A família foi perpassada por mudanças profundas que alteraram o lugar da criança, retirando-a da periferia e levando-a para o centro das suas preocupações e das da Sociologia da Infância com o advento dos estudos sobre as culturas próprias das crianças. A questão fundamental trazida por Sarmento no estudo das culturas da infância é a interpretação da sua autonomia em relação aos adultos. As crianças realizam processos de significação e estabelecem modos de monitorização da ação que são específicos e genuínos. O “mundo da fantasia” das crianças constitui o modo de construção de significado pelas crianças. Essas formas culturais das crianças nascem e desenvolvem-se em modos específicos de comunicação intrageracional e intergeracional. Sem prejuízo da análise dos fatores psicológicos e das dimensões cognitivas e desenvolvimentais que presidem à formação do pensamento das crianças, as culturas da infância possuem, antes de mais, dimensões relacionais, constituem-se nas interações de pares e das crianças com os adultos, estruturando-se nessas relações formas e conteúdos representacionais distintos. As culturas da infância exprimem a cultura social em que se inserem, mas fazem-no de modo distinto das culturas adultas, ao mesmo tempo que veiculam formas especificamente infantis de inteligibilidade, representação e simbolização do mundo. Há uma “universalidade” das culturas infantis que ultrapassa consideravelmente os limites da inserção cultural local de cada criança. Torna-se então necessário reconhecer os traços distintivos das culturas da infância. A gramática das culturas da infância, como diz Sarmento, exprime-se em várias dimensões: • Semântica – ou seja, a construção de significados autónomos e, a elaboração de processos de referenciação e significação próprios; por exemplo, o “era uma vez” de uma criança não tem uma denotação histórica e temporal, significando o passado, mas remete para uma temporalidade recursiva, continuamente convocada ao presente, de tal modo que “era uma vez” é sempre a vez em que é enunciada; • Sintaxe – ou seja, a articulação dos elementos constitutivos da representação, que não se subordinam aos princípios da lógica formal, mas sustentam a possibilidade da contradição do princípio da identidade; o “então eu era o herói” da criança – cantado por Chico Buarque da Holanda – exprime bem esta ideia de um ser que se outra no que vê e projeta e, por isso, articula na ordem do discurso o real e o imaginário, o ser e o não ser, o estar e o devir, homologizados na sua dupla face, • Morfologia – ou seja, a especificidade das formas que assumem os elementos constitutivos das culturas da infância: os jogos, os brinquedos, os rituais, mas também os gestos e as palavras; o berlinde do jogo da criança não é apenas um objeto esférico, mas é a peça de jogo, a preciosa moeda de troca, o troféu que se obtém ou o artefato mágico que refrata a luz. A gramática referida por Sarmento não é citada no sentido de que as culturas da infância se reduzem a elementos linguísticos ou que vem daí sua origem e regras. Longe disso, elas integram elementos materiais, ritos, artefatos, disposições cerimoniais e também normas e valores. A pesquisa sobre os princípios geradores e das regras das culturas da infância é uma tarefa teórica e epistemológica que ainda precisa de mais esforços, constituindo-se um desafio dos estudiosos da criança. Constitui, deste modo, um desafio científico a que se não podem furtar todos quantos se dedicam aos estudos das crianças. Para Sarmento as culturas da infância apresentam 4 eixos estruturadores: a interatividade (criança está em interação com o ambiente e com outros seres o tempo todo), a ludicidade (entre brincar e fazer coisas sérias não há distinção, sendo o brincar muito do que as crianças fazem de mais sério), a fantasia do real (a imbricação entre dois universos de referência que para as crianças se encontram associados) e a reiteração (a não literalidade tem o seu complemento na não linearidade temporal). Para saber mais sobre Culturas da Infância: A SOCIOLOGIA DA INFÂNCIA E A EDUCAÇÃO INFANTIL: OUTRO OLHAR PARA AS CRIANÇAS E SUAS CULTURAS 5. A Educação Infantil e a relação com a família e a comunidade A relação entre a instituição de Educação Infantil e a família precisa ser construída e aprimorada com estratégias de aproximação em prol dos direitos e do bem-estar das crianças. E tais estratégias devem considerar as transformações que esses entes sociais sofrem ao longo do tempo. As transformações ocorridas nas sociedades industrializadas, principalmente a partir de meados do século XX, provocaram alterações na estrutura e na dinâmica das relações familiares, o que nos leva tentar compreender a família como um sistema complexo, influenciado por múltiplos fatores e eventos internos e externos, que sofre variações em função dos contextos cultural, social e histórico. Vários fatores na atualidade contribuíram para influir na organização e configuração das famílias brasileiras atuais, tais como eventos científicos no século XX, como a produção da pílula anticoncepcional, o desenvolvimento da fertilização in vitro, os exames de DNA para a paternidade duvidosa; marcos legais como a dissolução do casamento pelo divórcio e união entre pessoas do mesmo sexo; discussões impulsionadas pelos movimentos sociais (como o feminista e o LGBTQ+); entrada da mulher no mercado de trabalho. E todos esses fatores, que constituem a realidade de muitas crianças, devem ser considerados ao se pensar propostas pedagógicas para que ninguém se sinta constrangido, segregado, discriminado ou humilhado. Nesse cenário, cabe ao professor ser sensível a uma configuração de família em rede que propõe um outro olhar sobre família, contrariando a ideia de organização em núcleo. O conceito de família em rede perpassa o ideário de família como existência da possibilidade de buscar outras definições que, não se antecipando à sua própria realidade, permitam pensar como a família se constrói, como constrói a noção de si mesma; e de família como uma construção que se dá na cultura e, consequentemente, pelos sujeitos envolvidos em trama de relações. Nesse sentido, algo que não deve ser desconsiderado são as discussões sobre gênero dentro de uma cultura que celebra a diversidade como direito humano. Afinal, a inscrição do gênero nos corpos é um processo decorrente do contexto de determinada cultura, sendo um elemento constitutivo de relações sociais com base nas diferenças que podem ser ressignificadas e implicar certa subordinação de um gênero a outro porque nascemos biologicamente macho ou fêmea, mas nos tornamos masculinos ou femininos nas relações sociais que ocorrem no interior de redes de poder. E dessas relações de poder afloram, muitas vezes, a violência intrafamiliar que, ocorrendo no interior da família, não é fenômeno da contemporaneidade. Sabe-se que a violência no seio da família sempre existiu. O que é novo é a visibilidade, mediante denúncias e debates na sociedade. Assim o sendo, surras e formas de punição ainda são usadas pelas famílias hodiernas como medidas educativas nas relações parentais; o homem é um dos maiores responsáveis pela violência de gênero no interior da família, subjugando cônjuges em relações de poder; a esmagadora maioria de agressores é de homens e, no caso de crianças, quando se referem ao abuso sexual, a dos abusadores é do sexo masculino. No caso de agressão física contra crianças, as agressoras são, em sua maioria, mulheres.A violência contra crianças e adolescentes ocorre na forma de negligência e violência psicológica, e não somente na forma de violência física, violência sexual e abuso sexual. A família não é espaço protegido contra violência de gênero, não privilegiando segurança para mulheres e crianças. O conceito de gênero nos possibilita um olhar mais detido nas constituições familiares. Historicamente, as mulheres foram as responsáveis por desempenhar funções ligadas à sua condição biológica de gerar. Ao homem coube o desempenho de outras funções que não as domésticas e aos cuidados com filhos/as. Considerando as relações de gênero que, historicamente, se estabelecem em nossa sociedade, é preciso planejar a abordagem do conceito de identidade da criança e de família na Educação Infantil. Torna-se necessária a preocupação em não reproduzir, nas atividades no cotidiano da escola, ideias estereotipadas sobre constituição de identidade e de família. Seria importante que e expressasse a importância de a escola considerar as relações de gênero e as configurações das famílias atuais para que nenhuma criança sofra nenhum tipo de constrangimento em ações que se relacionem a essas temáticas. 6. A articulação da Educação Infantil com o Ensino Fundamental Na Educação Infantil, a centralidade do brincar está presente na organização das rotinas institucionais, com os usos do tempo e do espaço estruturados em torno dessa atividade. No entanto, tendo em vista a condição de sujeitos inseridos em uma cultura grafocêntrica, as rotinas voltam-se para a apropriação da língua escrita, individual e coletivamente em diversos eventos de letramento nem sempre integrados ao brincar. Não se pode perder de vista que o objetivo maior da Educação Infantil não é o de se fazer etapa preparatória para o Ensino Fundamental. Neves, Gouvêa e Castanheira (2011)6, em texto do Material Base da Semana 05, relatam características do relacionamento entre a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, segundo pesquisas já realizadas sobre esse período de transição na escolarização das crianças. A partir da leitura do referido artigo, você pode identificar algumas dessas características: Subordinação: A educação infantil teria, então, como função preparar as crianças para um melhor desempenho no ensino fundamental. Impasse, em que ambos os níveis de ensino recusam um, definindo-se a partir de uma negação recíproca. Inversão: inverte o modelo preparatório no sentido de adotar práticas da educação infantil no ensino fundamental, adaptando a escola desse nível de ensino às crianças. Encontro: as práticas e concepções de ambos os níveis de ensino são integradas a partir do reconhecimento de suas diferentes histórias e concepções. Interações discursivas: as interações discursivas na Educação Infantil correspondem em maior medida a um processo de colaboração, enquanto no Ensino Fundamental relacionam- se mais a um processo de transmissão do conhecimento guiado pela sequência iniciação- resposta-avaliação. Controle Corporal: A entrada das crianças no Ensino Fundamental, caracterizado por um maior controle corporal e desenvolvimento de atividades de caráter repetitivo. Letramento e alfabetização: incertezas acerca da escolarização de crianças de 6 anos no ensino fundamental. Ainda em relação ao cenário da pesquisa descrita no texto de Neves, Gouvêa e Castanheira (2011), a escola de Educação Infantil indicou um grande interesse pelo uso e reflexão sobre a escrita que, segundo as pesquisadoras, evidencia que o letramento estava presente, fosse promovido pelas professoras ou demandado pelas crianças. A escrita estava presente na sala de aula em diversos suportes e gêneros textuais e que diferentes participantes eram produtores ou destinatários de textos escritos. A professora criou um ambiente com grande presença da escrita, além de entregar atividades escritas para serem feitas em sala ou em casa pelas crianças, construindo uma história do grupo com as crianças e incentivando uma participação ativa das crianças. As crianças engajavam-se em atividades exploratórias da escrita, sem demanda explícita da professora, durante os momentos de brincadeiras. Na escola de Ensino Fundamental, o uso de materiais individuais é incentivado, sendo assim também com a produção escrita e a variedade de artefatos culturais na sala de aula é muito menor e, consequentemente, as atividades possíveis em cada espaço serão diferenciadas. 6 NEVES, Vanessa Ferraz; DE GOUVÊA, Maria Cristina Soares; CASTANHEIRA, Maria Lúcia. A passagem da educação infantil para o ensino fundamental: tensões contemporâneas. Educação e Pesquisa: Revista da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, v. 37, n. 1, p. 121-140, 2011. As práticas educativas que assumem centralidade na educação infantil e no ensino fundamental se estruturavam em torno da brincadeira e do letramento, mas situadas diferencialmente nos dois segmentos. Essa é a conclusão das pesquisadoras ao acompanharem a trajetória de um grupo de crianças em sua transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Sobre essa aproximação com o cotidiano escolar da Educação Infantil e do Ensino Fundamental as autoras ainda salientam que a falta de diálogo constante na organização do sistema educacional brasileiro em relação aos dois primeiros níveis da educação básica dificulta o processo das crianças na passagem da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. As autoras ainda evidenciaram que a cultura de pares na Educação Infantil foi caracterizada tanto pelo desenvolvimento de brincadeiras como pela investigação dos usos e sentidos da língua escrita de forma sistemática, mesmo não tendo sido este o objetivo proposto pela professora da turma. Ao inserir-se no Ensino Fundamental, as crianças depararam-se com um hiato entre as experiências desenvolvidas na Educação Infantil e as práticas educativas da nova escola, em relação a centralidade da escrita. A transição entre tais práticas, não se caracteriza por uma continuidade harmoniosa entre esses dois níveis de ensino, sendo que há um desencontro entre o interesse das crianças pelo brincar e a cultura escolar do Ensino Fundamental organizada em torno da repetição de atividades de treino psicomotor, tomadas como pré-requisitos para a apropriação do sistema de escrita. Há a necessidade de práticas educativas na Educação Infantil e no Ensino Fundamental que torne possível um “brincar letrando” ou um “letrar brincando”, em direção ao estabelecimento de uma relação de parceria entre esses segmentos da educação básica. O processo de escolarização da infância engaja as crianças em práticas educativas específicas, com tempos e espaços diferenciados, posicionando-as em lugares socialmente demarcados e distintos. A transição entre a pré-escola e o ensino fundamental é um momento crucial na vida das crianças. Há a necessidade de discutir com mais ênfase os significados para a criança, da transição entre os seus distintos espaços de socialização, nos cursos de formação de professores. A ampliação do ensino fundamental brasileiro para nove anos, com a promulgação da Lei Federal 11.274, em 2006, não resolveu a questão da adaptação das crianças em período de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental. Isso já foi demonstrado por pesquisadores que mapearam como a Educação Infantil e o Ensino Fundamental se relacionam de forma não articulada, não compreendendo as especificidades das experiências dos diversos sujeitos sociais envolvidos nesse processo. É preciso considerar as tensões resultantes do estabelecimento de novas lei sobre a escolarização da infância no Brasil sob a ótica da normalidade relacionada a passagem das crianças entre níveis de ensino. Nesse sentido, estudos sobre diferençase similaridades entre as práticas educativas desenvolvidas cotidianamente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental poderiam subsidiar o diálogo entre esses atores ao ampliar a compreensão de entraves, rupturas e/ou continuidades vividas pelas crianças nesses espaços. 7. Profissionais da Educação Infantil Em relação à dimensão da “experiência e da prática”, na obra de Schön, identifica-se como uma característica fundamental da profissão docente: a própria prática conduz, necessariamente, à criação de um conhecimento específico e ligado à ação, mas que só pode ser adquirido através do contato com a prática, pois trata-se de um conhecimento tácito, pessoal e não- sistemático. Nesse sentido, a reflexão sobre a prática na educação infantil se faz uma necessidade no cotidiano das instituições. O cotidiano da Educação Infantil e ́marcado pela visão que os professores têm das crianças, e isso se revela nas sutilezas das práticas, na organização do espaço e do tempo, nas propostas, nas interações e experiências possíveis, nas vozes que se manifestam e que silenciam. Sabemos que a escola é um dos contextos produtores da infância que, tradicionalmente, vem negando a diversidade e impondo a homogeneização ao lidar com as tantas crianças e infâncias que ali se fazem presentes. Nesse sentido, Portilho e Tosatto (2014)7 descrevem uma investigação realizada em um programa de formação continuada em um Centro de Educação Infantil da Rede Municipal de Curitiba, PR. A intenção desse programa era oferecer aos professores a possibilidade de refletirem em grupo sobre a concepção que eles têm acerca da criança, da infância e do brincar, além de provocar novos olhares, novas interações, novas ações. Dentre os resultados há os significados que as professoras, participantes da pesquisa, atribuem à infância, à criança e ao brincar. A partir dos dados obtidos pela investigação, a criança é referenciada como ator social que produz e e ́produzido pela cultura e o brincar é relacionado à cultura infantil. As autoras da referida pesquisa relatam que houve dificuldade das professoras participantes em reconhecerem a alteridade das crianças, suas diferenças, suas singularidades e o brincar como fundamental à concepção de cultura da infância. As professoras estão muito pautadas por conhecimentos já “determinados” e “esperados” sobre quem é a criança, ou sobre o que fazer com ela e o que não fazer, elas pouco se abrem para o que pode surgir no olhar e no fazer das próprias crianças com as quais convivem diariamente. Nesse sentido, as culturas da infância, suas manifestações não são reconhecidas. O brincar, linguagem fundante das culturas da infância e cenário fundamental para criar, compreender, transformar, imaginar, sonhar, conviver, foi transformado em “aula”. A “ludicidade” presente nas “atividades” desenvolvidas pelas professoras mascara o foco que ainda permanece na transmissão de conteúdos, no dar “aula”, no ensinar de forma mais verticalizada e diretiva. A leitura do texto que relata a mencionada investigação nos coloca diante de uma questão a ser enfrentada: a identidade do professor da educação Infantil deve estar alicerçada ao compromisso com as culturas da infância, algo que parece ainda não acontecer. As autoras relatam que o foco ainda está na professora, no que ela determina do modo como se pode ou não “brincar”. E a criança, por ser concebida como um ser “menor”, frágil, que precisa ser “ensinado” e controlado, ocupa, nessas práticas, um lugar que realça o “oficio de aluno” (aprendiz) e não o “oficio de criança” (produtora de culturas).A “didatização” do brincar revela a influência de práticas escolarizantes presentes no Ensino Fundamental, nos espaços e tempos da escola investigada. Os jogos e as brincadeiras são valorizados porque vão “ensinar algo”, e isso pressupõe mais a ação do professor do que das crianças. Não se trata da brincadeira como cenário para favorecer o diálogo criativo e inventivo da criança com o mundo, instigando, realçando e promovendo, no interior da escola, o emergir das culturas da infância. O controle excessivo das ações das crianças durante esses momentos revela que o que “está em jogo” são as expectativas de “ensino” da professora, em detrimento das descobertas, hipóteses, criações e invenções das crianças. A trajetória da Educação Infantil, nas últimas décadas, além de ter sido marcada por intenso debate sobre a função da creche e pré-escola, tem de deparado com questionamentos acerca dos saberes específicos necessários ao docente que se dedica a educação da infância, incluindo os bebês. Por um lado, tem sido afirmado o papel educacional sem, entretanto, negar a função de assistência (cuidar) 7 TOSATTO, Carla; PORTILHO, Evelise Maria Labatut. A Criança e a infância sob o olhar da professora de educação infantil. Educ. rev., Belo Horizonte , v. 30, n. 3, p. 153-172, Sept. 2014 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982014000300007&lng=en&nrm=iso>. tanto das intuições quanto dos docentes. O conflito aparece em diversas publicações, tendo uma delas registrado em seu próprio título “Pré-escola é ou não é escola: a busca de um caminho” e outra de modo mais explícito questionou: “será possível pensar alternativas para a educação da criança de zero a seis anos [...] rompendo com os parâmetros pedagógicos estabelecidos a partir de ‘infância em situação escolar’ delimitada pela pedagogia do Ensino Fundamental? Se considerarmos que a atividade docente envolve vários tipos de saberes e que estes são marcado por cada contexto em que se produz, podemos compreender que haja especificidade na docência para a Educação Infantil. A relação entre a Educação Infantil e os saberes docentes precisa considerar a possibilidade de pensar a mudança dos modelos educacionais. É preciso repensar as práticas pedagógicas presentes na Educação infantil para além de aspectos procedimentais e metodológicos, relacionando-as ao debate acerca do lugar dos saberes das disciplinas ou saberes escolares. A Educação Infantil não tem um caráter instrucional, portanto não há um currículo preestabelecido com conhecimentos e saberes apresentados sob forma de disciplina escolar; mas isso não quer dizer que os saberes das disciplinas não tenham qualquer ponto de contato com a Educação Infantil. Os saberes das disciplinas são direito e necessidade na formação do professor. Primeiro, porque compõem o conjunto de conhecimentos socialmente valorizados e, portanto, a sua apropriação é direito de todo e qualquer cidadão. Importa considerar ainda, para a formação do professor, o papel que o ensino escolar desempenha no processo de elaboração das funções mentais superiores, particularmente quanto à formação dos conceitos científicos e do pensamento, possibilitando a instrumentalização dos professores no domínio de conteúdos e de ferramentas mentais. A relação possível entre a Educação Infantil e os saberes das disciplinas é de que estes sirvam como repertório e ferramenta dos professores para compreender e intervir nas ações das crianças em sua interação com o mundo natural e cultural. Bons Estudos!
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