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O Caso Vladimir Herzog e a Corte Interamericana de Direitos Humanos

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INTRODUÇÃO 
Após a promulgação da atual Carta Constitucional brasileira em 1988, determinados princípios foram estabelecidos como essenciais à existência da atual ordem constitucional, sendo o Estado Democrático de Direito um deles, sendo esse um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. 
Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, quando esgotados os recursos internos e diante da inércia do Estado, vem salientando como um dos principais agentes garantidores desses direitos, em virtude, principalmente do seu controle contencioso exercido no âmbito internacional diante da atuação de cada Estado.
Na data de 10 de dezembro de 1998, o Brasil conferiu a Corte capacidade de atuar diante de casos em que ele faz parte e que envolva matérias relativas à violação de direitos humanos, em virtude da aplicação prática e da garantia dos que vem consagrado pela Convenção Americana, o que implica na responsabilização internacional deste Estado.
Um dos mecanismos é o chamado “Controle de Convencionalidade”, que é a forma de garantir a aplicação interna das convenções internacionais das quais os países são signatários, ou seja, a compatibilidade da produção normativa doméstica com os tratados de direitos humanos ratificados pelo governo e em vigor no país.
A sentença proferida pela Corte IDH (título executivo) é definitiva e inapelável, isto é, o cumprimento da sentença é obrigatório, em virtude do reconhecimento pelo Estado da competência da mesma. A obrigatoriedade da atuação convencional, bem como do cumprimento de sentença, está relacionada com a natureza dos direitos protegidos por essas medidas e ações
Destarte, com a não aplicação, no âmbito interno, por parte dos Estados, muitos casos são levados, em âmbito regional, à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O CASO DO VLADIMIR HERZOG 
Vladimir Herzog nasceu em 1937 na antiga Iugoslávia e em 1946 ele e sua família migrou para o Brasil. Herzog tornou-se um conhecido jornalista em São Paulo e trabalhou para o canal de televisão pública “TV Cultura” em 1974. Seu papel como jornalista e a suspeita de sua associação com o Partido Comunista Brasileiro motivaram sua vigilância por agentes militares.
Em 24 de outubro de 1975, Herzog foi convocado por agentes do Departamento de Operações de Informação do Segundo Exército do Centro de Operações de Defesa Interna de São Paulo (DOI-CODI) para fazer uma declaração na sede da instituição sobre seu envolvimento com o PCB . No dia seguinte, compareceu espontaneamente para dar uma declaração, onde negou qualquer ligação com o partido, mesmo assim foi arbitrariamente detido sem mandado, torturado e finalmente morto. A versão oficial da época, apresentada pelos militares, foi de suicídio, mas posteriormente Silvaldo Leung Vieira confessou a “farsa do suicídio” e que a imagem foi mais uma mentira contada pelos militares durante a ditadura.
O caso de tortura e assassinato alarmou a comunidade e uma semana depois do assassinato, mais de 8 mil pessoas participaram de um culto ecumênico na Catedral da Sé, em São Paulo, concelebrado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo James Wright. O fato mobilizou não apenas importantes setores da oposição, mas até o conservador empresariado paulista. Começava aí o processo que culminaria na redemocratização do País.
Em 1996, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu oficialmente que ele foi assassinado e concedeu uma indenização à sua família, que não a aceitou, por julgar que o Estado brasileiro não deveria encerrar o caso dessa forma. Eles queriam que as investigações continuassem, então levaram o caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos para responsabilizar o Estado brasileiro pela impunidade no caso. Os parentes de Herzog também pedem uma revisão da Lei da Anistia, aprovada em 1979, em uma tentativa de identificar e punir os perpetradores. A audiência foi realizada na quarta-feira (24 de maio) na sede do tribunal, na Costa Rica.
Em defesa da família de Herzog, o Procurador Federal Marlon Weichert solicitou uma investigação criminal do caso em nível federal em 2008, isso, porque considerou que a decisão do tribunal de São Paulo sobre o caso em 1992 não poderia ser reaberto. "A tentativa de investigação foi abortada cedo demais, e as autoridades do tribunal estadual foram totalmente incompetentes para conduzir tanto a investigação quanto um caso criminal que poderia surgir", disse Weirchert.
LINHA DO TEMPO DO CASO:
PROCEDIMENTO INTERNO (BRASIL):
	24/10/1975: citado e interrogado sobre seus “vínculos” com o PCB.
	25/10/1975: detido, torturado e morto. Versão militar – suicídio.
	31/10/1975: emissão de ordens para que sejam determinadas as circunstancias do suicídio e abertura do Inquérito Policial.
	08/03/1976: arquivamento da investigação da morte e declaração da não ocorrência de nenhum delito (médico que supostamente realizou a autópsia testemunhou nunca ter visto o corpo de Herzog).
	19/04/1976: esposa e filhos apresentam Ação Declaratória, requerendo declaração da responsabilidade pela prisão arbitrária, tortura e morte do jornalista.
	02/07/1976: Estado se defende e pede que ação seja inadmitida.
	27/10/1978: emissão de sentença que declara que o jornalista foi detido e morto (devido à tortura).
	28/08/1979: aprovação da Lei de Anistia.
	27/04/1992: MP requisita a abertura de novo Inquérito para apurar as circunstâncias do homicídio.
	13/10/1994: Tribunal de Justiça de São Paulo determina o trancamento do Inquérito Policial, por considerar que os crimes descritos teriam sido objeto de anistia.
	05/03/2008: Ministério Público Federal encaminhou representação à divisão criminal da Procuradoria da República, para instaurar uma persecução penal em face dos responsáveis pelo crime.
	09/01/2009: Pedido de arquivamento é acolhido pela Juíza Federal competente, que defende ainda que os crimes praticados pelos agentes da ditadura militar estariam prescritos.
	19/11/2014: Representante do Ministério Público Federal proferiu parecer pelo arquivamento da investigação, argumentando que o trancamento do inquérito policial anterior havia feito coisa julgada material.
PROCEDIMENTO INTERNACIONAL:
	10/07/2009: Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recebe petição sobre o caso Herzog.
	28/10/2015: CIDH publica Relatório de Mérito n.º 71/2015 sobre o caso, concluindo que o Estado brasileiro é responsável pelas violações aos direitos à vida, à liberdade e à integridade pessoal de Herzog, e pela privação de seus direitos à liberdade de expressão e de associação por razões políticas.
	22/04/2016: CIDH apresenta o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, devido ao descumprimento das recomendações por parte do Estado.
	16/08/2016: É submetido à Corte Interamericana o Escrito de Petições, Argumentos e Provas dos representantes da vítima e seus familiares.
	14/11/2016: Estado brasileiro apresenta Contestação.
	24/05/2017: Realização da Audiência Pública na sede da Corte Interamericana em San José da Costa Rica, com a presença dos representantes da vítima, e do Estado, contando com o depoimento de familiares e peritos.
	30/07/2009: OEA estabelece que o crime pelo qual Vladimir Herzog foi vítima deve ser considerado como crime contra a humanidade.
A morte de Herzog teve um impacto social significativo, pois ajudou a revelar publicamente as chocantes violações dos direitos humanos e abusos de poder cometidos por agentes militares durante a ditadura. Essas violações e abusos incluíram a detenção arbitrária, a tortura, a censura e a execução extrajudicial de dissidentes, com a intenção de eliminar a resistência ao regime militar. 
O caso ajudou a desacreditar a imagem de prosperidade que os militares haviam trabalhado para propagar e ajudou a expor a realidadedo padrão sistemático de repressão do regime, segundo o qual cerca de 50.000 foram arbitrariamente detidos e centenas foram mortos em execuções extrajudiciais com motivação política. A Lei de Anistia de 1979 foi um grande obstáculo e causou a impunidade dos crimes cometidos contra Herzog e muitas outras vítimas que sofreram violações semelhantes durante o regime militar.
A CIDH reconheceu que o Estado brasileiro violou a Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual o Brasil é signatário desde 1992 e da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana desde 1998, assumindo o compromisso formal perante todos os Estados da Organização dos Estados Americanos de cumprir de boa-fé as sentenças proferidas por esta Corte, especialmente as que condenam o próprio Estado brasileiro.

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