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( ( ,, ' ( ', ( ---~ ~ LUIZ FLAVIO GOMES CRIMES "" PREVIDENCIARIOS • Apropria<;ao indebita • Sonega<;ao • Falsidade documental • Estelionato • A questao do previo exaurimento da via administrativa A±v~ CJ1{' o ~~:) OrfJ j _ SERlE AS CIENCIAS CRIMINAlS NO SECULO XXI 2323 713425 DIR VOLUME 1 EDITORAI'i? REVISTA DOS TRIBUNAlS (((( (((((( (((((((((((((( (((( (((((( LUIZ FLA VlO GOMES Bacharel em Direito desde 1979. E doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri (2001) e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo (1989). Professor de Direito Penal e Processo Penal no Complexo Juridico Damasio de Jesus desde 1986 e de varios cur- sos de p6s-gradua~ao no Brasil e no exterior, dentre eles o da Facultad de Derecho de la Universidad Austral, Buenos Aires, Argen- tina. E professor honorario da Faculdade de Direito da Universidade Cat6lica de Santa Maria, Arequipa/Peru. Foi promotor de Justi~a em Sao Paulo de 1980 a 1983. Foi juiz de Direito em Sao Paulo de 1983 a 1998. Individual expert observer do X Congresso da ONU, realizado em Viena de 10 a 17 de ·abril de 2000. Alem de autor e co-autor de varios livros, e colaborador assiduo de diversas revistas juridicas especializadas. Co-fundador e pri- meiro presidente do Institute Brasileiro de Ciencias Criminais, integrou o Conselho Diretor da Revista Brasileira de Ciencias Criminals nos anos 93/94, assim como o Consdho Fiscal da Associa<;ao Paulista de !Vlagistrados. E membro da Academia Brasileira de Direito Criminal, da Associa~ao Internacional de Direito Penal e do Conselho Consultive do llanud/Brasil (escri- t6rio da ONU em Sao Paulo). Participou da Comissao de Reforma do C6digo de Processo Penal criada pelo Ministerio de Justi~a em 1994, bern como da Comissao do ano 2000. EDITORA l'ii' REVISTA DOS TRIBUNAlS ATENDlMENTO AO CONSUMlDOR Tel.: 0800-11-2433 http://www.rt.com.br SUMARIO NOTA DO AUTOR .................................................................................... 7 1. INTRODU~AO................................................................................... 11 1.1 Texto legal na integra.................................................................. 11 1.2 OrigemdaLei9.983100.............................................................. 16 1.3 Data de vigencia e questoes de direito intertemporal.................. 17 1.4 Suspensli.o condiciona1 do processo ............................................ 22 2. DA APROPRJA~AO INDEBITA PREVIDENC!AruA (art. 168-A do CP).................................................................................................. 23 2.1 Dos delitos de apropriayli.o indebita previdenciaria ..................... 24 2.2 Significado das letras "AC" ........................................................ 24 2.3 Naturezajurfdica dos de1itos contemp1ados no art. 168-A do CP .. 24 2.4 Bern jurfdico protegido ............................................................... 27 2.5 Resu1tado jurfdico relevante e desvalioso ................................... 30 2.6 Momenta consumativo e tentativa .............................................. 30 2.7 Significado do ato de apropriayao indebita ................................. 31 2.8 Crimes comissivos de conduta mista .......................................... 32 2.9 Realizayiio formal das condutas tfpicas (tipo objetivo) ............... 34 2.10 Nexo de causalidade/imputa<;iio objetiva .................................... 40 2.11 Imputayao pessoa1....................................................................... 47 2.12 0 pagamento como causa extintiva da punibilidade ................... 56 2.12.1 Parcelamento do debito antes do recebimento da denuncia 59 2.12.2 Pagamento do debito ap6s o recebimento da dem1ncia, mas feito "antes" da Lei 9.249, de 26.12.1995 .............. 63 2.13 0 pagamento na apropriayao indebita classica ........................... 63 2.14 Perdlio judicial ou imposiylio de multa ....................................... 64 2.15 Princfpioda insignitidincia ........................................................ 65 10 CRIMES PREVIDENCIARIOS 2.16 Outras questoes relacionadas com a apropria9ao indebita previ- denciaria ........... ... . . ... .. . ... . . . .. .. .............................................. ...... . 69 2.16.1 Anistia da Lei 9.639/98 (art. 11, paragrafo unico) ........ . 2.16.2 Adesao ao REFIS (Lei 9.964/2000) ............................ .. 2.16.3 Medida Provis6ria 1.571/97, convalidada pela Lei 9.639/98 (art. 12) ......................................................... .. 2.16.4 Depositario infiel (Lei 8.666/94): inocorrencia de abolitio criminis ........................................................... . 2.16.5 Aplica,ao de penas substitutivas nos crimes previden- ci3.rios ........................................................................... . 2.16.6 Proibi91io constitucional de prisao civil per dfvida ...... .. 2.16.7 Debito previdenciano garantido em penhora em execU<;ao fiscal ............................................................................. . 69 73 75 76 77 77 77 2.16.8 Prescindibilidade do inquerito policial.......................... 78 2.16.9 Crime societario: impassive! a responsabilidade penal objetiva .......................................................................... 78 2.16.10 Perfcia contabil: prescindibilidade ................................ 78 2.16.11 Competencia da Justi('a Federal .................................... 78 3. CRIME DE SONEGA<;:AO DE CONTRJBUI<;:AO PREVIDENClARJA 79 3.1 Texto legal.................................................................................. 79 3.2 A dem1ncia espontil.nea como causa extintiva da punibilidade .... 81 3.3 Perdao judicial ou aplica('1iO exclusiva da multa ......................... 82 3.4 Redu91io da pena no caso de empregador bagatelar .................... 82 3.5 Do pagamento no caso de sonega~ao previdenciiria .................. 83 3.6 E a questao do parcelamento? ..................................................... 83 4. FALSIFICA<;:AO PREVIDENCIARIA .............................................. 84 5. ESTELIONATO PREVIDENCIARIO ................................................ 87 5.1 Estelionato previdenciirio: crime instantaneo ou permanente? .... 87 5.2 0 recebimento de vUrias parcelas previdenci::lrias indevidas con- figura crime llnico, crime continuado ou concurso fonnal de crimes? ....................................................................................... 90 6. 0 PREVIO EXAURIMENTO DAVIA ADMINISTRATIVA NOS CRIMES PREVIDENCIARIOS (OU TRIBUTARIOS) ................... 95 OUTROS TRABALHOS PUBLICADOS PELO AUTOR ........................ I 09 __ I_ 1 INTRODU<;AO SUMARIO: l.I Texto legal na integra- 1.2 Origem da Lei 9.983/00- 1.3 Data de vigencia e quest5es de direito intertemporal - 1.4 Suspen- sao condicional do processo. 1.1 Texto legal na integra Os quatro crimes cldssicos contra a previdencia social sao: apropria- c;ao indebita, sonegac;ao, falsi dade documental e estelionato. A Lei 9.983/00 cuidou dos tres primeiros. Nao disciplinou o ultimo, que continua assim previsto no art. 171 e seu § 3.0 • Uma vez que todas as alineas do caput do art. 95 da Lei 8.212/91 foram revogadas expressamente pel a Lei 9. 983/00 (art. 3.0 ), temos agora o seguinte: a apropriac;ao indebita, sonegac;ao e falsidade documental contra a previdencia foram incorporadas no C6digo Penal: arts. 168-A, 337-A e §§ 3.0 e 4.0 do art. 297, respectivamente. 0 estelionato, como ja afirmado, continua tendo seu regramento no art. 171. A Lei 9.983/00, no entanto, como se sabe, nao cuidouexclusiva- mente das tres figuras tfpicas acima mencionadas (apropriac;ao indebita, sonegac;ao e falsidade previdenciarias). Para melhor compreensao do que acaba de ser afirmado bern como para facilitar a consulta ao texto legal, vejamos, na integra, o seu conteudo: LEI 9.983, DE 14 DE JULHO DE 2000 Altera o Decreta-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - C6digo Penal e dd outras providencias 0 Presidente da Republica Fac;o saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: ~~ ~ ~ c' c-, -, ,-·~, ~c I I ~ ~ t! i ~ ~ I 12 CRIMES PREVIDENCIARIOS Art. 1.0 Sao acrescidos a Parte Especial do Decreta-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940- C6digo Penal, os seguintes dispositivos: "Apropria~ao indebita previdenciaria" (AC)' "Art. 168-A. Deixar de repassar a previdencia social as contribui- ~oes recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencio- nal:" (AC) "Perra- reclusao, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa." (AC) "§ 1.0 Nas mesmas penas incorre quem deixar de:" (AC) "I - recolher, no prazo legal, contribui91io ou outra importancia destinada a previdencia social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do publico;" (AC) "II - recolher contribuic;oes devidas a previdencia social que te- nham integrado despesas contabeis ou custos relativos a venda de pro- dutos ou a prestac;ao de servi<;os;" (AC) "III - pagar beneffcio devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores ja tiverem sido reembolsados a empresa pela previden- cia social." (AC) "§ 2.0 E extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, de- clara, confessa e efetua o pagamento das contribuigoes, importancias ou valores e presta as informac;oes devidas a previdencia social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do infcio da a91i0 fiscal." (AC) "§ 3.0 E facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar so- mente a de multa se o agente for primario e de bons antecedentes, desde que:" (AC) "I- tenha promovido, ap6s o infcio da a91io fiscal e antes de ofere- cida a denuncia, o pagamento da contribui9ao social previdenciaria, inclusive acess6rios; ou" (AC) "II- o valor das contribui96es devidas, inclusive acess6rios, seja igual ou inferior aquele estabelecido pela previdencia social, adminis- trativamente, como sendo o mfnimo para o ajuizamento de suas execu- <;5es fiscais." (AC) "Inser9ao de dados falsos em sistema de informa<;oes" (AC) "Art. 313-A. lnserir ou facilitar, o funciomirio autorizado, a inser- <;ao de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administrac;ao Publica 1 INTRODU(:i\0 13 com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:" (AC) "Perra- reclusao, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa." (AC) "Modifica<;ao ou altera<;ao nao autorizada de sistema de informa- <;6es" (AC) "Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionario, sistema de infor- ma<;oes ou programa de informatica sem autorizac;ao ou solicitac;ao de autoridade competente:" (AC) "Perra- detenc;ao, de 3 (tres) meses a 2 (dois) anos, e multa." (A C) "Paragrafo unico. As penas sao aumentadas de urn ter<;o ate a me- tade se da modifica<;ao ou alterac;ao resulta dano para a Administra<;ao Publica ou para o administrado." (AC) "Sonega<;ao de contribuigao previdenciaria" (AC) "Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuic;ao social previdencia- ria e qualquer acess6rio, mediante as seguintes condutas:" (AC) "I- omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informa<;5es previsto pela legisla<;iio previdenci<iria segurados empre- gado, empresario, trabalhador avulso ou trabalhador aut6nomo ou a este equiparado que lhe prestem servi<;os;" (AC) "II- deixar de langar mensalmente nos tftulos pr6prios da contabi- lidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de servic;os;" lAC) "Ill - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerac;oes pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contri- bui<;5es sociais previdenciarias:" (AC) "Perra- reclusao, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa." (AC) "§ 1.0 E extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, de- clara e confessa as contribui<;5es, importancias ou valores e presta as informa96es devidas a previdencia social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do infcio da agiio fiscal." (AC) "§ 2.0 E facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primario e de bons antecedentes, desde que:" (AC) "!- (Vetado.)" 14 CRIMES PREVIDENCIARIOS "II - o valor das contribui~5es devidas, inclusive acess6rios, seja igual ou inferior aquele estabelecido pela previdencia social, adminis- trativamente, como sendo o mfnimo para o ajuizamento de suas execu- ~5es fiscais." (AC) "§ 3.0 Se o empregador nao e pessoa jurfdica e sua folba de paga- mento mensa! nao ultrapassa R$ 1.510,00 (urn mil, quinhentos e dez reais), o juiz podera reduzir a pena de urn ter~o ate a metade ou aplicar apenas a de multa." (AC) "§ 4.0 0 valor a que se refere o paragrafo anterior sera reajustado nas mesmas datas e nos mesmos indices do reajuste dos beneffcios da previdencia social:' (AC) Art. Z.O Os arts. 153, 296, 297, 325 e 327 do Decreto-Lei 2.848, de 1940, passam a vigorar com as seguintes altera~5es: "Art. 153. [ ... ]" "§ 1.0 -A. Divulgar, sem justa causa, infonna~5es sigilosas ou re- servadas, assim definidas em lei, contidas ou nao nos sistemas de infor- ma~5es ou banco de dados da Administra~ao Publica:" (AC) "Perra- deten~ao, de 1 (urn) a 4 (quatro) anos, e multa." (AC) "§ 1.0 (paragrafo unico original) [ ... ]" "§ 2.0 Quando resultar prejufzo para a Administra~ao Publica, a a~ao penal sera incondicionada." (AC) "Art. 296. [ ... ]" "§ J.O [ ... ]" "III-quem altera, falsifica ou faz uso indevido de marcas, logotipos, siglas ou quaisquer outros simbolos utilizados ou identificadores de 6r- gaos ou entidades da Administra~ao Publica." (AC) "[ ... ]'' "Art. 297. [ ... ]" "§ 3.0 Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:" (AC) "I-na folha de pagamento ou em documento de informa~5es que seja destinado a fazer prova perante a previdencia social, pessoa que nao possua a qualidade de segurado obrigat6rio;" (AC) "II - na Carteira de Trabalho e Previdencia Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdencia social, declara~iio falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;" (AC) !NTRODU<;AO 15 "III - em documento contiibil ou em qualquer outro documento relacionado com as obriga~5es da empresa perante a previdencia social, declara~ao falsa ou diversa da que deveria ter constado." (AC) "§ 4.0 Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3.0 , nome do segurado e seus dados pessoais, a remu- nera~ao, a vigencia do contrato de trabalho ou de presta~ao de servi- ~os." (AC) "Art. 325. [ ... ]" "§ 1.0 Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:" (AC) "I - permite ou facilita, mediante atribui~ao, fomecimento e em- prestimo de senha ou qualquer outra fonna, o acesso de pessoas nao autorizadas a sistemas de infonna~5es ou banco de dados da Adminis- tra~ao Publica;" (AC) "II- se utiliza, indevidamente, do acesso restrito." (AC) "§ 2.0 Se da a~ao ou omissao resulta dano aAdministra~ao Publica ou a outrem:" (AC) "Perra- reclusao, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa." (AC) "Art. 327. [ ... ]" "§ 1.0 Equipara-se a funcioniirio publico quem exerce cargo, em- prego ou fun9ao em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de servi9o contratada ou conveniada para a execu9ao de ati-vidade tfpica da Administra9ao Publica." (NR) "[ ... ]" Art. 3.0 0 art. 95 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com a seguinte reda~ao: "Art. 95. Caput. Revogado." "a) revogada;H "b) revogada;" "c) revogada;" "d) revogada;" "e) revogada;" "f) revogada;" "g) revogada;" ~ ,~ .. r- ~ ,-. r· 16 "h) revogada~" "i) revogada;" "j) revogada." "§ 1.0 Revogado." "§ 2.0 [ ... ]" " ) [ ]" a .. . "b) [ ... ]" "c) [ ... ]" "d) [ ... ]" "e) [ ... ]" "f) [ ... ]" "§ 3.0 Revogado." "§ 4.0 Revogado.H "§ 5.0 Revogado." CRIMES PREVIDENCIARIOS Art. 4.0 Esta Lei entra em vigor noventa dias ap6s a data de sua publicagao. Brasilia, 14 de julho de 2000; 179.0 da Independencia e 112.0 da Republica. (DO 17.07.2000) 1.2 Origem da Lei 9.983/00 FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Jose Gregori Waldeck Ornelas A origem da Lei 9.983/00 reside no Projeto de Lei 933, de 1999, de auto ria do Poder Executive. Foi relator na Camara o Deputado Vi1mar Rocha; no Senado, Bello Braga. 0 prop6sito inicial do Governo era disciplinar tao-somente os delitos contra o sistema da previdencia social, incluindo os cometidos por meio da informatica. Durante a tramita<;ao houve altera<;ao no Projeto e, quanto a esses ultimos delitos, ampliou-se a esfera de protegao penal para alcangar toda a Administra- <;ao Publica. Tambem se pretendia regular o procedimento, mas, como \ I I INTRODU<;AO 17 veremos, essa parte nao passou no Congresso Nacional. De tudo quanto aprovou o legislador, somente houve veto do inc. I, do§ 2.0 , do art. 337 -A. A lei nova em questao introduziu no C6digo Penal varias figuras tipicas penais (168-A, 313-A, 313-B etc.), alterou a reda<;ao de alguns tipos delitivos e modificou o conceito de funcionario publico (CP, art. 327). 1.3 Data de vigencia e questoes de direito intertemporal A Lei 9.983/00 foi publicada no DOU, Segao I, no dia 17.07.2000, p. 4. Por for<;a do art. 4.0 "entrou em vigor noventa dias ap6s a data de sua publica<;ao". Tendo sido pub1icada em 17.07.00, entrou em vigor no dia 15 de outubro de 2000. 1 A lei penal e valida para delitos futuros, isto e, para fatos que ocor- ram a partir da sua vigencia. Em materia de direito intertemporal vigora como regra geral o classico princfpio tempus regit actum. Quanto aos delitos que pela primeira vez (no Brasil) estao sendo contemplados na lei penal, como por exemplo os informaticos (313-A, 313-B etc.), ela s6 vale para os fatos que ocorrerem ap6s sua vigencia (do dia 15.10.2000 em diante). E, nesse caso, irretroativa (leia-se: nao alcan<;a fatos passados, ocorridos ate 14.10.2000). Ate porque, sabe-se que a lei penal nova nao retroage, salvo se para benefiar o acusado (cf. CF, art. 5.0 , inc. XL: "a lei penal nao retroagira, salvo para beneficar o reu"). No que se relaciona aos delitos que antes ja estavam devidamente tipificados na legisla<;ao penal brasileira, v.g., art. 168-A, § 1.0 , I["§ 1.0 Nas mesmas pen as incorre quem deixar de: 'I- recolher, no prazo legal, contribui<;ao ou outra importancia destinada a previdencia social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do publico;"'], que praticamente repete a reda<;ao da Lei m A Folha de S.Paulo (30.07.2000, p. B7) noticiou equivocadamente que a lei teria entrada em vigor no dia 16.10.2000. 0 Estado de S.Paulo, no dia 12.10.2000 (p. A19), noticiou que a lei entraria em vigor dia 14.10.2000 (sabado). Portanto, nem sabado, nem segunda-feira: domingo eo correto. Tendo sido a lei publicada em 17.07.2000, temos o seguinte: 14 dias em julho; 31 dias em agosto; 30 dias em serembro (ate aqui 75 dias) e mais 15 dias em outubro (totalizando 90 dias). Portanto, essa lei entrou em vigor no dia 15.10.2000. 18 CRIMES PREVIDENCIARIOS 8.212/91, art. 95, d, temos um-conflito de leis penais no tempo. Indaga-se: aos crimes ocorridos no tempo da Lei 8.212/91 devemos aplicar a lei anterior ou a lei atual? No que diz respeito a pena, a lei atual e aplicavel e retroage porque preve urn patamar maximo men or. Lei penal atual na parte mais benefi- ca retroage (CF, art. 5.0 , inc. XL). A pena do crime anterior era de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusao, mais multa (exatamente a pena prevista no art. 5.0 da Lei 7.492/86, por for9a do § 1.0 , do citado art. 95). A pena atua] para 0 delito de apropria(;iiO indebita previdenciaria e de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusao, mais multa. No patamar maximo, como se ve, e menor que a anterior. Logo, sendo lei mais favoravel, retroage e alcan9a os fatos ocorridos antes da sua vigencia. E teria havido abolitio criminis, is to e, o fato de o de lito de apro- pria9ao indebita previdenciaria ter nova reda9ao (CP, art. 168-A) teria causado a descriminaliza9ao de todos os fatos anteriores, descritos no art. 95 (allneas "d", "e" e "f')? Eo que se deve dizer das demais alfneas desse mesmo artigo que foram revogadas? Vejamos: e verdade que outros "crimes" estavam formalmente des- critos nas demais alfneas do antigo art. 95 ("a", "b", "c" etc.), mas o legislador se "esqueceu" de impor a respectiva san9ao.2 Como nao existe delito sem san9ao, permaneceram no ordenamento jurfdico (ate 14.10.2000) com a natureza de uma merarecomenda9ao moral. Agora todas as alineas do art. 95 referido foram expressamente revogadas (cf. art. 3.0 da Lei 9.983/00). Muitas dessas aHneas antigas se transformaram em delito na nova lei. Passaram a ser crime em 15.10.2000. Tern vigen- cia penal, portanto, a partir desta data. 0 que nao se transformou em deli to "desapareceu" do ordenamento jurfdico. No que diz respeito especificamente as alineas "d", "e" e "f', que ja retratavam figuras delituosas, niio ocorreu nenhuma "abolitio criminis" porque todas as figuras tipicas anteriores acham-se devida- mente inseridas nos novos tipos penais. Nao se deu, como verernos, uma descontinuidade normativo-tfpica. Ao contn\rio, tudo o que estava nos tipos anteriores encontra-se presente nos novos. 0 fato de o art. 3.0 da Lei 9.983/00 ter expressamente revogado todas as aHneas do antigo t2> MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdetzcia social. Sao Paulo : Saraiva, 2000, p. 30-31. I INTRODU<;:AO 19 art. 95 (Lei 8.212/91) nao significa abolitio criminis porque o conteudo da proibi9ao anterior continua intacto nos novos dispositivos legais. E bern verdade que os dois prirneiros ac6rdaos sobre a materia destoam desse nosso posicionarnento. Sao eles: TRF 5.' REGIAO- APELA<;:Ao CRIMINAL 002351 CE (2000.05.00.005018-2) (DIU 22.12.2000, SE<;:AO 2, p. 76) APELANTE: JORGE FERREIRA SAAD ADVOGADO: JOAO QUEVEDO FERREIRA LOPES FILHO E OUTRO APELADO: JUSTI<;:A PUBLICA RELATOR: JUIZ CASTRO MEIRA EMENTA- PENAL- LEI 8.212/91, ART. 95, "D" E "F'- RE- VOGADO PELA LEI 9.983/2000, ART. 3.0 • ART. 171 DO CP. ABOLITIO CRIMINIS. 1 - Ern face de expressa revoga9ao dos dispositivos legais (Lei 8.212/91, art 95, "d" e "f') que ensejam o oferecirnento da denuncia, evidentemente nao ha como aplica-los nem como fazer incidir sobre tais condutas os dispositivos da lei mais nova. 2 Necessaria se faz a utiliza9ao da abolitio criminis, contida no art. 2.0 do C6digo Penal, declarando-se a extin9ao da punibilidade, nos termos do art. 107, III, do mesmo codex. 3 -A nova defini9ao juridica do fato nao acarreta conseqliencia para hip6tese tratada nos autos, sob pena de ofensa a garantia constitucio- nal da irretroatividade. 4 - Nao subsiste o crime do art. 171 do C6digo Penal, tendo ern vista que a ilicitude referida na den uncia foi mero instrurnento para a consurna9ao do deli to ora atingido pela abolitio criminis, em face do principio da especialidade. 5 Extin9ao da punibilidade do reu, prejudicada a apela9ao, em face da abolitio criminis,com fulcro no art. 107, III, do C6digo Penal. ACORDAO - Vistos etc. Decide a Prirneira Turma do Tribunal Federal da 5.0 Regiao, por unanirnidade, declarar extinta a punibilidade do reu, julgando prejudicado o recurso, nos termos do relat6rio, voto e notas taquign\ficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 9 de novernbro de 2000 (data do julgamento ). ~ ~ r ~ 0 ~ ,, r r ,-. ~' ~ ~ r ,..... ,.-. -. -, ,..... ,~ 20 CRIMES PREVIDENCIARIOS TRF 5.' REGIAO RECURSO CRIMINAL 000297 - CE (99.05.24130-2) (DJU22.12.2000, SE<;::AO 2, p. 74) RECLAMANTE: JUSTI<;::A PUBLICA RECLAMADO: ANTONIO GIL FERNANDES BEZERRA ADVOGADO: MARCOS MACHADO FIUZA RELATOR: JUIZ CASTRO MEIRA EMENTA- PENAL. LEI 8.212/91, ART. 95, "D", REVOGADO PELA LEI 9.983/2000, ART. 3.0 • ABOLITIO CRIMINIS. 1 Em face de expressa revoga~ao de dispositive legal (Lei 8.212/91, art. 95, "d") que ensejou o oferecimento da denuncia, evidentemente nao ha mais como aplica-los nem como fazer incidir sobre tais condutas os dispositivos da lei mais nova. 2- Necessaria se faz a utiliza~ao da abolitio criminis, contida no art. 2.0 do C6digo Penal, declarando-se a extin~ao da punibilidade, nos termos do art. 107, III, do mesmo codex. 3 A nova defini~ao juridica do fato nao acarreta conseqliencia para a hip6tese tratada nos autos, sob pena de ofensa a garantia constitu- cional da irretroatividade. 4 - Extinta a punibilidade, julgado prejudicado o recurso, em ra- zao da abolitio criminis, com fulcra no art. 107, III, do C6digo Penal. ACORDAO - Vistos etc. Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5.' Regiao, por unanimidade, declarar extinta a pu- nibilidade,julgando prejudicado o recurso, nos terrnos do relat6rio, voto e notas taquigraficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte inte- grante do presente julgado. Recife, 16 de novembro de 2000 (data do julgamento). No mesmo senti do desses julgados cf. Roberto Pod val. 3 Mas com a devida venia, penso que tais respeitaveis opinioes nao retratam a me- lhor posi~ao. Impoe-se recordar, a prop6sito, as magistrais li~oes de urn dos maio- res experts do mundo no lema "sucessao de leis penais", que e America A. Taipa de Carvalho (Sucessao de leis penais, 2. ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 32 e ss.). Seu fundamentado discurso parte da premissa "' PODVAL, Roberto. Va/or-Legisla~;ao & Tributos. 09.01.2001. p. El; PASCHOAL, Janafna C., in www.direitocriminal.com.br; BITTENCOURT, Luiz Henrique Pinheiro, in Boletim IBCCrim n." 95, out./2000. INTRODU<;AO 21 de que a pessoa human a deve ser preservada diante do exercicio ilegftimo e arbitrfuio do ius puniendi (p. 32). Nao pode ser instrumentalizada, e e precisamente por isso que nasceu o princfpio da legalidade (p. 33). De qualquer modo, "os riscos que o cidadao corre nesta situa~ao de acelerada muta~ao social sao potencializados quando a natural dinamica polftico- legislativa acresce a nao natural falta de legisprudencia e de jurisprudencia no autentico, originario e rico senti do desta expressao, isto e, a falta de uma clara consciencia- por parte do legis lad ore de alguns magistrados - das verdadeiras implica,oes praticas do principia da legalidade ... nada justi- fica o voluntarismo e a inconsciencia do legislador e do julgador'' (p. 35). E sempre uti! recordar, nos momentos de inseguran~ajuridica e de arbitrariedades, as rela~oes entre o individuo e o Estado no Ancien Regime: o ser humano era urn sudito, o poder era sacralizado, e com isso nao se podia falar em garantias (p. 65); no plano juridico-penal todo esse despotismo exteriorizou-se em arbitrariedades legislativas e judi- dais, como a da nao retroatividade de leis penais menos severas ou descriminalizadoras; no plano filos6fico esse maquiavelismo permeou a Escola Filos6fica Chissica de Kant e de Hegel (p. 97) e foi contestado duramente pelos ilurninistas assim como porVon Liszt (p. 101). No atual momenta, imperando o Estado de Direito Material, tanto a proibi~ao da retroatividade in peius como a imposi9ao da retroatividade in melius devem considerar-se como garantias ou mesmo direitos fundamentais constitucionalmente consagrados (p. 102). Se o legislador, em novae ulterior decisao, entende que uma pena menos grave [ou que a inciden- cia restritiva de urn determinado tipo penal] e suficiente para realizar as fun96es polftico-criminais de preven9ao, deve retroagir (p. 103). No plano do nosso ius positum, essa deterrnina9ao vern expressa no art. 5.0 da CF. Uma lei nova favoravel pode ser despenalizadora (quando nao altera a "factualidade" tfpica, mas apenas diminui a intensidade do ius puniendi) ou descriminalizadora (quando altera a "factualidade" tfpica, isto e, 0 tatbestand), retirando 0 carater ilfcito de a! gum a infra,ao anterior. Ambas devem ter aplicagao imediata e retroativa, nao s6 em razao de man- damento constitucional, senao tambem por forga do art. 2.0 do CP (que no caput cuida da descriminalizagao e no panigrafo unico da despenaliza~ao ). Com base no criteria da continuidade (ou descontinuidade) nor- mativo-tipica (p. 176), o emerita jurista citado chega ao ponto nevnilgico da questao ao responder com criteria e razoabilidade a seguinte indaga- ~ao: quando uma lei nova, mantendo uma aparente continuidade nor- mativo-tfpica em relagao ao direito anterior, e descriminalizadora? E quando nao seria? 22 CRIMES PREVIDENCIARIOS A resposta estampada nas p. 180 e ss. consiste no seguinte: tudo depende do seguinte: se a nova descri<;iio agregou ou niio algum dado novo. De outro !ado, qual foi o dado tipico novo agregado: se se trata de urn dado especial (uma nova caracteristica, uma nova qualidade, que restrinja o ambito de incidencia do tipo anterior, mas nele niio compreen- dida), a lei novae descriminalizadora; se se trata de urn dado meramente especificador (sem alteraqiio do injusto), a lei nova niio e, ao menos totalmente, descriminalizadora (p. 181 ). Com esse criteria, que e razoavel e suficientemente capaz para re- solver o problema das alteragoes legislativas em que se da uma real ou aparente "continuidade normativo-tipica", estamos em condi<;5es de afir- mar o seguinte: nada do que antes estava criminalizado no art. 95, "d", "e" e "f' deixou de encontrar ressonancia tfpica no art. 168-A. Logo, deu-se uma "continuidade normativo-tfpica". Niio eo caso de abolitio criminis.' 1.4 Suspensiio condicional do processo Sabe-se que a suspensiio condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, somente e cabfvel quando a pena minima niio exce- de a 1 (urn) ano. Logo, em principia, nao ha que se falar neste instituto em rela<;iio ao novo delito de apropria<;ao indebita previdenciaria (CP, art. 168-A), que contempla a pena minima de 2 (dais) anos. Essa regra, no entanto, pode comportar exceyao: se o agente repara o dano, isto e, se efetua o pagamento do valor apropriado depois do inf- cio daafiiofiscal-v. § 2.0 , do art. 168-A-, porem, antes do recebimento da demincia, tern incidencia o art. 16 do CP (arrependimento posterior), que preve uma causa de diminuigao de pena de urn a dois tergos. Consi- derando-se que, para os efeitos da suspensao do processo, devemos levar em contain thesi o redutor maximo, nao o mfnimo,5 na hip6tese de repa- ra<;ao dos danos nos termos citados, cabe a suspensao condicional do processo, que tern prioridade perante o disposto no § 3.0 , do art. 168-A (perdao judicial ou aplicagao exclusiva da multa). Comparando-se o art. 16 do CP como§ 3.0 do art. 168-A, nota-se que este ultimo faz exigen- cias que nao estao contidas naquele (agente primario e de bons antece- dentes). Em cada situagao concreta, portanto, cabe examinar a pertinen- cia do instituto mais benefico (suspensaodo processo ou perdao judicial). (4J Cf. nossos comentB.rios no www.direitocriminal.com.br ao artigo de Janafna C. Paschoal. '" GOMES, Luiz Flavia. Suspensao condicional do processo penal. 2. ed. Sao Paulo: RT, 1997, p. 216. 2 DA APROPRIA<;AO INDEBITA PREVIDENCIARIA (art. 168-A do CP) SUMARIO: 2.1 Dos delitos de apropria9ao indebita previdenciaria- 2.2 Significado das letras "AC"- 2.3 Naturezajuridica dos delitos con- templados no art. 168-A do CP - 2.4 Bern juridico protegido - 2.5 Resultado juridico relevante e desvalioso- 2.6 Momenta consumativo e tentativa- 2.7 Significado do ato de apropria9ao indebita- 2.8 Cri- mes comissivos de conduta mista- 2.9 Realiza9ao formal das condutas tfpicas (tipo objetivo)- 2.10 Nexo de causalidade/imputa9ao objetiva- 2.11 Imputa9ao pessoal- 2.12 0 pagamento como causa extintiva da punibilidade: 2.12.1 Parcelamento do debito antes do recebimento da denuncia; 2.12.2 Pagamento do debito ap6s o recebimento da de- nunda, mas feito "antes" da Lei 9.249, de 26.12.1995-2.13 0 paga- mento na apropria9ao indebita classica- 2.14 Perdao judicial ou impo- siqao de multa- 2.15 Princfpio da insignificancia- 2.16 Outras ques- t5es relacionadas com a apropria9ao ind6bita previdenchiria: 2.16.1 Anistia da Lei 9.639/98 (art. 11, paragrafo unico); 2.16.2 Adesao ao REFIS (Lei 9.964/2000); 2.16.3 Medida Provis6ria 1.571197, convali- dada pela Lei 9.639/98 (art. 12); 2.16.4 Depositario infiel (Lei 8.666/ 94): inocorrencia de abolitio criminis; 2.16.5 Aplicaqao de penas substitutivas nos crimes previdenciarios; 2.16.6 Proibi98.0 constitucio~ nal de prisao civil par dfvida; 2.16.7 Debito previdenciario garantido em penhora em execuqao fiscal; 2.16.8 Prescindibilidade do inquerito policial; 2.16.9 Crime societario: impassive! a responsabilidade penal objetiva; 2.16.10 Pericia contabil: prescindibilidade; 2.16.11 Compe- tencia da Justiqa Federal. "Art. I." Siio acrescidos a Parte Especial do Decreta-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940- C6digo Penal, os seguintes dispositivos:" ~ ~- -~ ~' r r I 24 CRIMES PREVIDENCIARIOS 2.1 Dos delitos de apropria-;ao indebita previdenchiria Quatro sao as formas tipicas de realiza9ao do deli to de apropria9ao indebita previdenciaria: 1 1.•) "Art. 168-A. Deixar de repassar a previdencia social as contri- buir;:oes recolhidas dos contribuintes, no prazo eforma legal ou conven- cional:" (A C) "Pena- reclusao, de 2 (do is) a 5 (cinco) anos, e multa." (AC); 2.') "§ 1. o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:" (A C) "I- recolher, no prazo legal, contribuir;:ao ou outra importancia destinada a previdencia social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do publico;" (AC); 3.') "II- recolher contribuir;:oes devidas a previdencia social que tenham integrado despesas contdbeis ou custos relativos a venda de produtos ou ii prestar;:tio de servir;:os;" (AC) 4.') "III- pagar benej(cio devido a segurado, quando as respecti- vas cotas ou valores jd tiverem sido reembolsados ii empresa pela previ- dencia social." (AC) 2.2 Significado das letras "AC" "AC" significa acrescimo, e dizer, algo que foi agregado ao texto legal anterior (no caso, ao CP). Trata-se de exigencia da Lei Comple- mentar 95/98, que disciplina a elabora9ao das leis ordinarias. 2.3 Naturezajuridica dos delitos coutemplados no art. 168-A do CP Todos os delitos que acabam de ser descritos, doravante, possuem a natureza de delitos de apropriar;:iio indebita, porem entendida em senti do jurfdico (a apropria9ao previdenciaria), nao naturalfstico (apropria9iio patrimonial classica). Primeiro pelo nomen iuris do delito (que nao defi- ne sua natureza, mas ajuda a ilumina-la); em segundo Iugar pela posi9iio topognifica do art. 168-A; em terceiro Iugar pela propria estrutura intema dos tipos penais, todos centrados na "posse" precedente da contribui9ao ou "' Quanta aos aspectos hist6ricos do crime de apropria9ao indebita previdenciaria, BALERA, Wagner, Apropria9ao indebita previdenciaria, in 9.0 Simp6sio na- cional lOB de direito Tributdrio. Sao Paulo: lOB, 2000, p. 22. DAAPROPRIA~AO INDEBlTA PREVIDENCIARIA 25 beneficio (posse fisica ou puramente contabil), que deve ser repassado ou recolhido em favor da previdencia social ou pago ao segurado. Ravia muita polemica (na doutrina e na jurisprudencia) sobre a verdadeira naturezajuridica do delito contemplado no art. 95, d, da Lei 8.212/91, que dizia: "Constitui crime: [ ... ] d) deixar de recolher, na epoca propria, contribuiriio ou outra importancia devida ii seguridade social e arreca- dada dos segurados ou do ptiblico". Parte da doutrina e da jurisprudencia, em uma interpreta9ao exage- radamente formalista (na linha do tecnicismo juridico de Binding e de Rocco, dentre outros), salientava que se tratava de delito omissivo pro- prio ou misto e de mera conduta.Z Afirmava-se que o crime em destaque encartava-se nas defini~oes do delito omissivo proprio pois o que estava previsto era urn nao fazer o que a lei determina. 3 Enfocava-se o deli to ( o injusto penal) exclusivamente sob o aspecto da conduta. Na esteira da doutrina subjetivista (Welzel, especialmente ), importava tao-so mente o desvalor da ar;:iio (a conduta de deixar de reco- lher etc.). Nessa linha afirmava-se: "a omissao no repasse de contribui- 95es previdenciarias descontadas dos segurados ou do publico nada mais e do que a nao realiza9ao de urn fato juridicamente determinado, e, per- tanto, esperado, que e 0 recolhimento; a omissao e relevante na medida em que o recolhimento e obrigar;ao imposta por lei. 0 nao repasse de contribuir;ao ja descontada e crime omissivo, mas tambem e crime de mera conduta; nao exige resultado naturalfstico. Em outras palavras, nao e necessaria a ocorrencia de nenhum resultado para que 0 crime esteja consumado. A s6 conduta do agente ja consuma o crime; a ocor- rencia de urn dano ao sistema previdenciario e mero exaurimento, sem relevii.ncia para a configura9ao do delito" 4 '" Cf., ad exemplum, BELLO FILHO, Ney de Barros. Anota<;5es ao crime de nao reColhimento de contribui~Oes previdenciB.rias. Revista dos Tribunals 732, outubro de 1996, p. 478 e ss.; cf. ainda MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previdencia social. Sao Paulo: Saraiva, 2000, p. 32-34. "' TRF 3.' Regiao, AP 97.03.08531 0-2-SP, rei. Theotonio Costa, DJ U 2.' Se<;ao de 15.08.2000, p. 211-212. 14> BELLO FILHO, Ney de Barros.Anota<;5es ... , op. cit., p. 479. Ver, ainda, TEI- XEIRA, Francisco Dias. Crime contra a Previdencia Social. Bole tim dos Pro- curadores da Republica, ano III, n. 30, out./2000, p. 5. ::f 26 CRIMES PREVIDENCIARIOS Uma semelhante interpreta~ao, tao formalista, s6 tinha razao de ser dentro do velho e provecto direito penal do seculo XX que tomou conta, a partir do positivismo alemao (Binding) e do tecnicismo juridi- co-penal (Rocco), de toda a interpreta~ao e sistematiza~ao do dire ito. Cuidava-se de urn direito penal que se esgotava na letra expressa da lei. A tipicidade era concebida como mera subsun~ao formal da conduta a figura tfpica legal. Nao se estudava o sentido da norma penal, que e predominantemente valorativa-' Todo tipo penal tern sua razao de ser na norma que esta detn1s da letra da lei. Toda norma, por seu tumo, existe para a tutela de urn bern ~ jurfdico ou de urn interesse, reconduzfvel a uma necessidade ou interesse do ser humano. Sem afeta~ao desse bern juridico ou desse interesse nao ha delito (nullum crimen sine iniuria),6 isto e, nao existe crime sem o preponderante desvalor do resultado Guridico ), que e o ponto de refe- renda de todo delito. Seguindo a linha de raciocfnio que acaba de ser exposta, nao ha como concordar como pensamento doutrinario que proclama a existen- cia da apropria~ao indebita no simplesfato de o agente nao recolher ou repassar a contribui~ao para a previdencia. Salienta-se que "nao ha inversao de posse ou de domfnio sobre bern patrimonial, mas sim a desobediencia de comandos legais que obrigam o sujeito a recolher ou repassar os creditos devidos a previdencia publica na condi~ao de subs- titute ou responsavel tributario".7 0 que o deli to tutelae o regular reco- lhimento do que e devido a previdencia social.' Com a devida venia, nao pode existir crime de simples desobe- diencia ao comando normativo. Isso configura infra~ao de mera infide- lidade (que caracterizou a epoca nazista). 0 bern juridico tutelado e 0 '" COBO DEL ROSALNIVES ANT6N. Derecho penal-PG. 4. ed. Valencia: Tirat lo blanch, 1996, p. 244 e ss. "' GOMES, Luiz Flavia. Teoria constitucional do deli to no liminar do 3.0 mile- nio. Boletirn IBCCrim n. 93, agosto/2000, p. 3. "' Cf. nesse senti do AMARAL, Leonardo Coelho do, Reflexoes acerca das cau- sas especiais de extin~ao da punibilidade dos novas crimes de aproprias:ao ind6bita previdench1ria. www.direitocriminal.com br, Doutrina nacional, 26.11.2000. '" TRF 4.' Regiao, AC 2000.04.01.005782-1-PR, rel. Ellen Gracie Northfleet, DJU de 29.11.2000, se,ao 2, p. 181. DA APROPRIA<;AO INDEBITA PREVIDENCIARIA 27 patrimonio do INSS. Inconcebfvel centrar a infra~ao penal no "regular recolhimento" do que e devido a citada autarquia. Todo delito pressupoe lesao ou perigo concreto de lesao ao bern juridico. Nao se pode confundir antinormatividade com antijuridicida- de material. Toda conduta que realiza (literalmente) o tipo legale antinor- mativa, mas nem toda conduta antinormativa e antijuridica em sentido material, o que implica uma concreta ofensa ao bern jurfdico. A antinor- matividade, em suma, e apenas urn dos mementos da antijuridicidade material. De qualquer modo, o injusto penal nao pode nela (antinorma- tividade) se esgotar, sob pena de se conceber ode lito como mero des valor da a~ao (Welzel), ignorando-se por completo o desvalor do resultado. A existencia de urn fato tfpico, segundo a modema concep~ao consti- tucional do Direito penal e do delito, requer: (a) subsun~ao formal da con- duta a letra da lei; (b) afeta<;ao do bemjurfdico protegido (resultado jurfdi- co); (c) que seja urn resultado relevante; (d) que seja urn resultado desvalio- so; (e) que esse resultado seja objetivamente imputdvel ao risco proibido criado pela conduta proibida; (f) que esse resultado jurfdico seja pessoal- mente atribufvel ou imputdvel (dolo ou culpa) ao agente, como obra sua? 0 risco muito serio de se encarar o delito de apropria<;ao indebita previdenciaria segundo os padroes da perspectiva puramente formalista classica (do seculo passado, isto e, do milenio fin do) eo de se confundir o ilfcito administrativo (nao pagar o debito) com o ilfcito penal (nao pagar o debito ofendendo o bern juridico-penal protegido ); de se confun- dir o devedor inadimpiente como devedor contumaz, malicioso, relapso que, podendo, de ma-fe deixa de cumprir sua obriga<;ao legal. A lei fala em apropria~ao indebita ( cf. o nomen iuris do crime), nao s6 em apro- pria<;ao previdenciaria (cf. infra n. 11, que trata da imputa~ao pessoal). Para bern poder discemir urn do outro, leia-se: o criminoso do ina- dimplente, o fundamental, em primeiro Iugar, e saber qual eo bemjur£di- co protegido no delito de apropria<;ao indebita previdenciaria. Vejamos: 2.4 Bern juridico protegido 0 bern juridico protegido no delito de apropria~ao indebita previ- denciaria possui natureza patrimonia/. 10 Tutela-se o patrim6nio, ou me- "' GOMES, Luiz Flavia. Teoria ... , op. cit., p. 3. oo) Cf., no mesmo senti do, MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes contra a previ- dencia social. Sao Paulo : Saraiva, 2000, p. 31. ~ "~~ "' ~ ~~, ----, ,..- ,. r "' ~ ,- ,-- ~- r ,- r- (" ( ( ' '- ( 28 CRIMES PREVIDENCIARIOS lhor, os interesses patrimoniais da previdencia social (do INSS, mais precisamente, que e a autarquia que recebe e administra a,s importancias recebidas)." 0 bemjurfdico, assim, e supraindividual. Eo patrimonio coletivo que esta tutelado diretamente, nao o patrimonio do trabalhador de quem foi feito o desconto. 12 Os delitos previdenciarios, em conse- qliencia, ja nao podem ser vistos desde a perspectiva individualista. 0 de lito de apropriaqao indebita previdenciaria sempre deve ocasionar, em conseqliencia, uma lesao patrimonial, que acaba afetando s6 secundaria- mente os interesses dos pr6prios segurados e a livre concorrencia das empresas (a empresa que, podendo, nao efetua o recolhimento das contribui<;6es acaba apoderando-se de algo que juridicamente nao !he pertence. Ganha, com isso, maior disponibilidade financeira para seus neg6cios). Nao se trata de considerar como bern juridico qualquer dever mo- ral de cumprimento das obrigaqoes tributarias ou previdenciarias. Tam- pouco cabe vislumbrar no de lito de apropria<;ao indebita uma simples desobedH!ncia a norma. 0 Direito penal nao existe para a tutela de val o- res morais em si. Como bern sublinha, de modo praticamente unilnime a doutrina espanhola, "Ia seguridad social aparece en el modemo Estado social y democratico de Derecho como un bien jurfdico autonomo, de caracter social, al que alude el art. 41 de Ia Constituci6n [v. art. 194 e especialmente o art. 201 da Constitui<;ao brasileira]. La lesion de este importante bien jurfdico noes solo, sin embargo, un ataque a Ia polftica social del Estado, sino tambien a Ia economia en su con junto y concre- tamente al potencial competitive de las empresas que cumplen sus obligaciones con Ia Seguridad Social, lo que justifica su tratamiento sis- tematico en este capitulo. No obstante lo cual, no se debe olvidar que son los derechos de los trabajadores, principales sostenedores y bcncticiarios del sistema, los que, en ultima instancia, se ven afectados por el incumplimiento de las obligaciones para con Ia Seguridad So- cial... La Seguridad Social tam bien tiene una doble funci6n, rec audatoria y de gasto; sin embargo, en los de!itos contra !a Seguridad Social... se '"' Cf., no sentido de que seria a Seguridade Social, MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes ... , op. cit., p. 31. "" BRAND ARIZ GARciA, Jose Angel. La protecci6n penal del patrimonio de Ia seguridad social. Revista ibero~americana de ciencias penais. (Coord.) Callegari et alii, ano I, n. I, Porto Alegre : CEIP, set.-dez./2000, p. 202 e ss. - DA APROPRIA<;AO INDEBITA PREVIDENCIARIA 29 pretende 'tutelar de manera singular !a funci6n recaudatoria de Ia Tesorerfa de Ia Seguridad Social"'.IJ 0 que estii emjogo, portanto, e a fun<;ao arrecadadora da previden- cia social (seus interesses patrimoniais). As contribui<;6es sociais, como se sabe, servem para financiar a seguridade social (que com preen de a saUde, a previdencia social e a assistencia social), assim como para financiar programas sociais especfficos (auxilio desemprego, salario familia etc.). Mas isso nao pode significar que o bern jurfdico nos cri- mes previdenciarios possa ser concebido de modo tao amp1o, a ponto de se tomar inapreensfvel. 0 bern jurfdico deve sempre con tar com a carac- terfstica da perceptibilidade (aferrabilita ou Greifbar). 0 "equilfbrio economico e financeiro do sistema de seguridade social"" ou mesmo "o financiamento do sistema de previdencia social", em conseqliencia, nao pode ser o bern jurfdico tutelado. Sao, indiscuti- velmente, ratio legis, mas nao sao o objeto da tutela penal, que precisa ser mais especffico. Fosse tal equiUbrio ou ofinanciamento do sistema o bern jurfdico, somente uma conduta com grande repercussao poderia afeta-lo. Abrir-se-ia, com isso, urn enorme e incalculavel espaqo para a invoca<;ao do princfpio da insignificancia, e dizer, sea conduta nao che- gassea tangenciar globalmente o equilibria da seguridade social nao poderia ser censurada como criminosa. Em suma: o objeto da tutela penal, nos crimes previdenciarios, esgota-se numa rela<;ao puramente patrimonial. E crime existe quando a "func;ao arrecadadora da~ previdencia social" resulta antijuridicamente afetada (lesada). Considere-se que o crime e de apropriaqao indebita, e nao de apropria<;ao previdenciaria. Se considerarmos que para cada des- pesa deve haver uma receita, nao hii duvida de que todas as estimativas de receita feitas pelo Poder Publico devem ser concretizadas. Na medida em que resultam frustradas essas expectativas arrecadadoras, isto e, na mesma proporc;ao ( e s6 nessa proporc;ao) em que a func;ao arrecadadora sofre uma afetac;ao (uma efetiva lesao), pode-se vislumbrar a configura- c;ao de urn deli to previdenciario. 15 "" MUNOZ CONDE, Francisco. Derecho penal-PE. 11. ed. Valencia: Tirant lo blanch, 1996, p. 909. 041 Cf., nesse sentido, BALERA. Wagner, Apropria<;Uo ind6bita previdenci3.ria. 9." Simp6sio nacional/08 de direito Tributario. Sao Paulo: lOB, 2000, p. 25. "" BRANDARIZ GARcfA, Jose Angel. La protecci6n .. ., op. cit., p. 212. I 30 CRIMES PREVIDENCIARIOS 2.5 Resultado jurfdico relevante e desvalioso 0 crime de apropria9ao indebita previdenci<iria nao e um crime de perigo, mas sim de lesao. Mais precisamente, de lesao aos interesses patrimoniais da previdencia. Segundo a velha classifica9ao (do tempo do Direito penal formalista), e um crime material (nao formal, muito menos de mera conduta). E, ademais, como veremos, crime comissivo de conduta mista, nao puramente omissivo. 2.6 Momento consumativo e tentativa Consuma-se, portanto, quando resulta con creta e efetivamente afe- tada a "fun9ao arrecadadora da previdencia social", e dizer, quando os interesses patrimoniais da previdencia resultam tangenciados. Na lin- guagem chissica dir-se-ia: quando se da a apropriariio daquilo que e devido a previdencia ou daquilo que a previdencia reembolsou e nao foi pago a quem de direito. A consuma9ao se da como "ato de apropriariio, sendo irrelevante indagar se o agente conseguiu efetivamente, ou nao, o ilfcito proveito visado" .16 Nao interessa se o sujeito enriqueceu ou nao com aquilo que deveria ter repassado. 0 tipo penal nao exige esse enri- quecimento ou o locupletamentoY Mas exige a apropria9ao. E mais: requer que a apropria9ao seja indebita (indevida, antijuridica) (cf. n. 2.11 infra, imputa9ao pessoal). No caso especffico da apropria9ao indebita previdenciaria, como regra geral, o exato momento consumativo tera de ser considerado o da expira9ao do prazo legal ( ou convencional) para repassar ou recolher a contribui9ao devida ou pagar o beneffcio devido a segurado e reembol- sado a empresa pela previdencia social, desde que presente, nesse mo- menta, um especial animus rem sibi habendi, que nao significa, como ja salientamos, enriquecimento ou aumento patrimonial, senao a conscien- cia inequfvoca de que deveria ter repassado certa quantia para a previ- dencia e nao repassou, apesar de ter condigoes para fazer is so. Sabia que tinha de repassar e nao repassou. Podia repassar e nao repassou. Isso "" HUNG RIA, Nelson e FRAGOSO, Helena. Comentarios ao C6digo Penal. v. VII, 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 143. "" JESUS, Damasio E. de. C6digo Penal anotado. Ed. de 2001 (no prelo), Sao Paulo : Saraiva. I I DA APROPRIAt;:AO INDEBITA PREVIDENCIARIA 31 significa, como veremos mais detalhadamente logo abaixo, apropria9ao previdenciaria.18 A tentativa e possfvel sempre que a apropria91io encerra um iter, is to e, quando a decisao de se apropriar do que e devido a previdencia e perceptive! exteriormente e nao se consuma por circunstancias alheias a vontade do agente. 2.7 Significado do ato de apropria~ao indebita Apropriar-se, em sentido classico, significa fazer sua uma coisa alheia, algo que nao !he pertence. Em outras palavras, atuar como dono sobre algo que nao lhe pertence. No delito de apropria9ao, de qualquer modo, a caracterfstica fundamental e que a apropria9ao sucede a posse ou detenriio da co is a. De infcio nao existe o animus delinquendi: o agente recebe ou passa a deter a coisa ( o valor) licitamente, cumprindo disposi- 96es legais. Essa sua posse ou deten9ao, ainda que s6 contabil, entretanto, e precaria ou temporana. Tudo isso significa, na apropria9ao indebita previdenciana, que, dentro dos prazos legais, deve o obrigado transferir o valor que detem, ainda que s6 contabilmente, a quem e seu legftimo destinatano. Da-se a apropriar;iio justamente no memento posterior em que o sujeito "muda o titulo da posse ou deten9ao da coisa, passando a dispor deJa [ ou a permanecer em posse deJa], depois de vencido o prazo legal, ut dominus. Cessa de possuir alieno nominee faz entrar a coisa no seu patrim6nio, ou dispoe deJa como se fora o dono, isto e, com o prop6sito de nao restituf-la, ou de nao !he dar o destino a que estava obrigado, ou sabendo que nao mais poderia faze-lo". 19 Argumenta-se que no ambito previdenciario seria impossfvel a conduta de apropria9ao: "a parcela que o agente tern obriga9ao de reco- lher ou descontar e posteriormente repassar a previdencia social, no pla- no do concreto, e destacada por meio de uma opera<;:ao meramente contabil e portanto fictfcia, nao havendo qualquer transferencia real de patrim6nio. Assim, tal verba, nao tendo safdo do patrim6nio do sujeito, "'' Sobre a desnecessidade do animus especial: MONTEIRO, Antonio Lopes. Crimes ... , op. cit., p. 37. "" HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Heleno. Comentdrios ... , op. cit., p. 135. ., /"'' ~ /' --- ~--, .-- -~ ~ I I 32 CRIMES PREVlDENCIAR!OS portanto, sendo de sua propriedade, posse ou dominio legitime, e im- passive! de ser apropriada, ja que nao se apropria de algo que se possui".20 Com a devida venia, s6 se pode apropriar de algo que se possui (ainda que contabilmente). Sem posse precedente nao existe apropria- qao, no senti do juridico-penal. A falta de transferencia real de patrimo- nio, ademais, nao significa ausencia de lesao ao bern juridico, que e normativa (nao natural). 0 conceito de bemjuridico tambem e normative. Nao se pode confundir o bern juridico com o seu substrata empirico. Uma coisa e a propriedade (ou o patrimonio), outra distinta e o bern material que configura seu substrata. Ademais, uma operaqao contabil, uma vez realizada, e algo que pertence a realidade (nao e uma ficqao). Quem contabiliza urn desconto da previdencia e depois nao repassa, sa- bendo dis so e podendo fazer isso, se apropria do que devia ter recolhido. Agora, uma coisa e a apropriaqao, outra distinta e a apropriaqao in- debita. A falta de recolhimento ou o ato de nao repassar o que e devido a previdencia, par si s6, tao-somente revela uma apropriaqao. lndaga-se: e quando ela sera indevida ( criminosa)? Sera indevida quando afetar antiju- ridicamente o bern jurfdico protegido. E isso nao se da com a simples omissao, como veremos em seguida (cf. n. 2.11 infra, imputagao pessoal). 2.8 Crimes comissivos de conduta mista Todos os delitos de apropriagao indebita previdenci§.ria contempla- dos no art. 168-A e seu § 1.0 sao delitos comissivos de conduta mista.21 A doutrina refere-se, em geral, aos delitos omissivos de conduta mista12 (em que ha ac;ao e omissao ). A a<;ao e a omissao, efetivamente, aparecem, ""' AMARAL, Leonardo Coelho do. Reflexoes acerda das causas especiais de extin~ao da punibilidade ... www.direitocriminal.eom.br/Doutrina nacional, 26.11.2000. (21 l Em senti do contrUrio, afirmando que se trata de deli to omissivo puro e formal, MONTEIRO, Antonio Lopes, Crimes ... , op. cit., p. 34. '"' JESUS, Damasio E. de. Direito penal-PG. 22. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1999, p. 193,que afirma: "denominarn-se crimes de conduta mista os omissivos pr6prios que possuem fase inicial positiva. Ha uma avao inicial e uma omis- sao final. Ex.: apropria<;ao de coisa achada- art. 169, pan\grafo unico, III, do CP. Aos delitos de conduta mista tambem fazem referenda COBO DEL ROSALNIVES ANT6N. Derecho penal ... , op. cit., p. 409; ANTOLISEL Manuale di diritto penale. 14. ed. Milano: Giuffre, 1997, p. 257. DA APROPRlA<;:AO lNDEBITA PREVIDENCIARIA 33 de vez em quando, dentro do mesmo delito. Se se trata, entretanto, de delito comissivo ou omissivo e uma questao que deve ser aferida tendo em conta o bern jurfdico protegido e a norma penal. Na apropriaqao indebita previdenci§.ria em primeiro lugar temos urn comportamento ativo (comissivo), atipico (porque realizado sem dolo), que consiste em "recolher as contribuig6es dos contribuintes" ou "descontar a contribuic;ao de pagamento efetuado" ou "inseri-la nas des- pesas contabeis ou custos" ou "receber o reembolso da previdencia social". Depois ad vern urn comportamento omissivo: deixar de repassar au deixar de recolher ou deixar de pagar. A<;ao no principia e omissao no momenta sucessivo: tipos de conduta mista. Mas par que sao crimes comissivos (de conduta mista) e nao omissivos? Porque a norma principal ( e final) nao e impositiva ( ou manda- mental) de uma conduta para salvar o bern juridico protegido (patrim6- nio publico ou coletivo da previdencia). Pelo contrario, ela visa a proibir a atividade de se apropriar indevidamente de val ores que devem ser trans- feridos para a previdencia social ou para o segurado. E uma nonna proibitiva, nao mandamental, leiacse: e proibido apropriar-se indevidamente (do que nao lhe pertence etc.). 0 fato de nao repassar ou nao recolher (a contribuigao) ou nao pagar ( o beneficia) no prazo legale tao-somente o meio de realizagao da conduta tipica descrita na lei penal. Isso significa apropriar-se, porem, nao se sabe ainda se devida ou indevidamente. Nao se pode confundir o sentido da norma penal (e proibido apropriar-se indevidamente daquilo que e de,·ido a previdencia) com a forma de realizagao da conduta ( deixar de recolher, deixar de repassar etc.). Nissa reside a grande diferenc;a entre o velho Direito penal (formalista, literal, desvalor da aqao) eo novo Direito penal (material, garantista, que ve 0 que esta atras da literalidade, e dizer, 0 que esta na norma ou no sentido da norma, o que ela quer proteger). 0 que esta incriminado, como meta final da norma ou meta optata, nao eo fato (exclusive) de deixar de repassar, deixar de recolher ou deixar de pagar. Nao e, em suma, o mero ato de apropriar-se. Essas condutas, isoladamente consideradas, configuram uma mera infrac;ao civil ou administrativa (tributaria). A simples negativa de restituic;ao da coisa (no caso: da contribuic;aoou do beneficia) ou a mera omissao de emprego ao fim determinado nao significa automaticamente o delito de apropriaqao. Signiftca uma apropriagao, mas nao ode/ito de apropria- ,ao, que exige alga mais: que tal apropria<;ao seja indevida. I~ 34 CRIMES PREV!DENC!AR!OS Segundo ch\ssica ligao de Nelson Hungria,23 "notadamente quando a coisa continua em poder do agente [ e o que se da com a contribui~ao ou beneffcio previdenciario], ou nao tenba sido por ele alienada ou con- sumida, cum pre ter em atengao que a simples negativa de restituigao ou omissao de emprego ao tim determinado nao significa, ainda que contra jus, necessaria e irremissivelmente, apropriagao indebita: para que esta se apresente, e indispensavel que a negativa ou omissao seja precedida ou acompanhada de circunstancias que inequivocamente revelem o arbitrano animus rem sibi habendi, ou que nao haja, de todo, qualquer fundamento legal ou motivo razoavel para a recusa ou omissao. A simples mora em restituir, ou a &imples desfdia no omitir, nao e apropriagao". 0 crime resulta configurado, portanto, nao com a simples omissao (que isoladamente enfocada e materia administrativa), senao como dei- xar de transferir, com animus especial (de se apropriar indevidamente), o valor recolhido ou descontado ou contabilizado ou reembolsado. Esse animus especial, de qualquer modo, nao eo de enriquecer-se. Significa exclusivamente: consciencia de que tinha de repassar a contribui~ao e possibilidade inequfvoca de repassa-la. 0 empregador podia cumprir sua obrigagao e nao cumpriu. Nesse caso, deixa de ser urn inadimplente, para se transformar num criminoso. Mas entre os dois extremos ha uma longa distii.ncia ( cf. ainda n. 2.11 infra, imputaqao pessoal). 2.9 Realiza<;iio formal das condutas tfpicas (tipo objetivo) Prime ira: "Art. 168-A. Deixar de repassar ii previdencia social as contribuiroes recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena reclusao, de 2 (do is) a 5 (cinco) anos, e multa." A conduta omissiva contemplada no art. 168-A do CP24 consiste em dei.xar de repassar a previdencia social (leia-se: ao INSS) as contri- buig5es recolhidas dos contribuintes. E a figura-padrao do deli to de apro- priagao inctebita previdenciaria.25 Isso significa deixar de encaminhar, de remeter, de transferir ao 6rgao competente o valor recebido. Se, de "" HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Heleno. Comentarios ... , op. cit., p. 135. " 4 ' Sobre as formas de realizayao formal do deli to de·apropriayao indebita previ- denciaria, JESUS, Damasio E. de, C6digo penal anotado. Ed. de 2001 (no prelo), Sao Paulo: Saraiva. "" TEIXEIRA, Francisco Dias. Crime contra ... , op. cit., p. 4. DAAPROPR!A<;:AO INDEBITA PREV!DENC!ARIA 35 outro !ado, comprovadamente paga o valor que deve ser repassado, nao ha crime. 0 pagamento pode dar-se de varias formas: (a) quitagao a vista; (b) parcelamento; (c) interveniencia; (d) dagao em pagamento; (e) compensaqao; (f) deposito judicial; (g) anistia etc.26 Como vimos, entretanto, nao se trata de um crime omissivo, por- que o que se protege nao eo mero cumprimento do dever fiscal ou tribu- tano ( ou convencional) de repassar o que se arrecada em nome do INSS no prazo e na forma legal ou convencional. Nao e esse o bern jurfdico protegido. Alias, nenhuma norma penal pode existir para a simples tutela de deveres fiscais que sao, antes de tudo, deveres morais. 0 Direito penal nao tem por missao a protegao da moral em si mesma. Tampouco a tutela de deveres fiscais. Pensar de modo diferente significaria violar flagrantemente o princfpio da exclusiva proteqao de hens jurfdicos e da interven~ao mfnima. A norma que emana do texto legal previsto no art. 168-A orienta-se, claramente, a tutela do patrimonio (da previdencia), que e o bem jurfdico que deve ser afetado concretamente, para que se possa falar em delito. No tipo penal em questao, como bern remarcou AntOnio Glaucius de Morais?' "enquadra-se todo aquele que tenha por obrigagao recolhi- men to de contribuigao social em nome da previdencia social, v.g., o agente financeiro que nao repassa os val ores arrecadados no prazo estabelecido". A posse ou detengao da coisa (isto e, do objeto material do crime), que sao as contribuiq5es sociais, e requisite expresso do tipo, que fala em contribui~oes recolhidas dos contribuintes .28 Se o agente que tern a obriga~ao legal ou convencional de repassar a previdencia social as con- tribuig5es nao as tiver previamente recebido (recolhido) (leia-se: se nao tern a posse ou detengao da coisa), nao pode nunca cometer o delito de apropriagao.29 Nao existe apropriarao, em sentido tecnico, daquilo que "" MARTINEZ, Wladimir Novaes. A apropria<;ao indebita previdenciaria na Lei 9. 983/00. Repert6rio lOB de Jurisprudencia, 1.' quinzena de janeiro de 200 I, cad. 3, p. 23. (27l MORAIS, Antonio G. Lei de crimes da previdencia social. Revista Virtual da Consultoria Jur[dica/MPAS, http://www.previdenciasocial.gov.br. (2&lSabre o conceito de contribui~Oes sociais, MARTINEZ, Wladimir Novaes. Op. cit., p. 20. "" MARTINEZ, Wladimir Novaes. A apropria<;ao ... , op. cit., p. 20. I I - I 1/ l r·- 1 ·~ ~ ~ ~ ~ /'' 36 CRIMES PREV!DENC!fi.RIOS nao se tern disponibilidade. 30 0 que caracteriza a apropria9ao indebita e a inversao do titulo da posse, e nao a frau de (que e tfpica do estelionato) ou a subtraqao clandestina (tfpica do furto). 0 repasse deve ocorrer "no prazo e forma legal ou convencional", que e requisite normative do tipo. Impoe-se sempre o exame de cada caso concreto para verificar se a omissao do repasse violou ou nao a forma eo prazo legal ou convencional (contratual). Sujeito ativo do delito somente pode ser quem tern a especffica obriga9ao legal ou convencional de repassar a previdencia social as con- tribui96es Ga) recolhidas dos contribuintes. Exige-se do sujeito ativo uma especial qualidade, qual seja, a de estar vinculado a obrigaqao de repassar as contribuiqoes de que tern a posse ou deten9ao. So responde pelo delito, como autor, quem tern o domfnio da situa9ao fatica que acaba de ser descrita e depois se apropria do numen1rio que deveria ter repassado. Sujeito passivo e a previdencia social (INSS). Pena: reclusao, de 2 (dais) a 5 (cinco) anos, e multa." Arao penal: publica incondicionada (CP, art. 182). Segunda: "§ 1.0 · Nas mesmas penas incorre quem deixar de: I- recolher, no prazo legal, contribuirao ou outra importancia destinada a previdencia social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do publico." 0 texto legal transcrito, com varios ajustes, tern correspondencia com a reda9ao do art. 95, d, que e a seguinte: "deixar de recolher, na epoca propria, contribuiqao ou outra importancia devida a Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do publico". Esse tipo penal, por sua vez, quase que repetia o que ja constava do art. 2.0 , inc. II, da Lei 8.137/90 ["deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribui9ao social, descontado ou cobrado, na qualidade do sujeito pas- siva de obriga9ao e que deveria recolher aos cofres publicos"]. " 0 ' "Nao haven do comprova<;ao [ainda que contabil] da posse do dinheiro que se alega descontado, fica afastada a figura da apropria<;ao indebita, presente, quando muito, mera infra<;ao de natureza fiscal" (TRF 1." Regiao, AC 92.01.24184-2-MG, rei. Fernando Gon<;alves). '"' Sobre a execu<;ao da multa: e da responsabilidade da Procuradoria da Fazenda Publica. MARTINEZ, Wladimir Novaes. A apropria<;ao ... , op. cit., p. 20 e SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. www.direitocriminal.com.br. DAAPROPRIA<;:AO !NDEB!TA PREV!DENCIARIA 37 0 diploma jurfdico por ultimo citado (art. 2.0 , II, da Lei 8.137/90) continua em vigor. Logo, tendo em vista o disposto no § 1.0 , I, do art. 168-A, do CP, temos de concluir pela existencia de urn concurso apa- rente de leis penais, que se resolve pelo principia da especialidade: lex especialis derogat lex generalis. Sendo assim, no que conceme a apro- priaqao indevida das contribuiq6es ou outras importancias destinadas a previdencia social, rege a norma especial do CP ora em discussao. 0 disposto no art. 2.0 , II, da Lei 8.137/90 e uma regra geral. A nova pena prevista para o de lito especffico ora em considera9ao (§ 1.0 , I, do art. 168-A) e menorque a anterior, como vimos. Logo, nesse particular, trata-se de lei nova mais benefica e retroativa. 0 crime consiste em "deixar de recolher, no prazo legal, contribui- qao ou outra importancia destinada a previdencia social..:'. Cuida-se de conduta omissiva que eo meio para se alcan9ar a apropri~ao indevida (que e crime comissivo). 0 requisite normative "prazo legal" vern con- templado na legislaqao previdenciaria (Lei 8.212/91, art. 30, e Decreta 3.048/99). A locu9ao "contribui9ao ou outra importancia", que exprime o objeto material do deli to (coisa sabre a qual recai a conduta do agente), na esteira do magisterio de Juary Silva,32 gera perplexidade no interprete: "em sede previdenciaria o termo 'contribuiqao' e a unica exa9ao passi- ve! de ser devida em rela9ao a previdencia, e, portanto, so ela pode ser retida, see quando arrecadada de terceiros". A posse ou detenqao da coisa, que e antecedente logico e indispen- savel do deli to de apropria9ao, esta presente no tipo legal: " ... contribui- qao ... que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do publico". Sem a posse precedente, is to e, sem ter havido "desconto" anterior, nao ha que se falar no delito de apropriaqao. No dispositive em apre<;o nao se pune, como se ve, o nao pagamento da contribui9ao que e devida pelo sujeito ativo em razao das suas atividades. Nao se incriminou o nao pagamento da parte que e devida pelo empresario ou responsavel fiscaVprevidenciario. 0 que esta em jogo e aquila que ele descontou de pagamento efetuado a segurados (empregados, por exemplo), a terceiros ou arrecadada do publico. Algo que se descontou do alheio, nao algo que e da propria responsabi!idade do agente. "" SILVA, Juary. Elementos de direito penal tribruirio, Sao Paulo: Saraiva, 1998, p. 241. , 38 CRIMES PREYIDENCIARIOS Trata-se de de lito material, que se consuma quando o agente inverte · 0 titulo da posse e man tern sob seu poder o objeto material ou. pratica ato I de dono (ut dominus), deixando de recolher o valor devido no prazo legal. Sujeito ativo e exclusivamente quem tern o dever jurfdico de reco-lher o valor da contribui<;ao descontada. Exige-se do sujeito ativo essa qualidade especial. Sujeitos passivos: o poder publico ( erario publico) e I os segurados. Sao requisites normativos do tipo: contribui<;ao ou outra importii.ncia destinada a previdencia social (v. art. 11 da Lei 8.212/91). Terceira: "Deixar de: II- recolher contribuiroes devidas a previ- dencia social que tenham integrado despesas contdbeis ou custos rela- tivos a venda de produtos ou a prestaqao de serviqos. Ja nao se trata, agora, de deixar de recolher aquila que se descon- tou de outras pessoas, seniio de deixar de recolher o que "tenha integrado despesas contabeis ou custos relativos a venda de produtos ou a presta- <;ao de servi<;os". A ratio legis e a seguinte: no prec;o final do produto ou do servi<;o ja esta embutido (ou poderia estar) o valor das contribui<;5es devidas. Sen do assim, se sao contabilizadas e depois nao sao repassadas para o INSS, ha a apropria<;ao desse "custo". A analise dogmatica da fatispecie, como sublinha Juary Silva,33 "nao enseja maior dificuldade; o que decerto nao e facil e a prova do ilicito, que constitui onus do 6rgao acusat6rio, que teni de evidenciar o nao-recolhimento do valor das contribui<;oes sociais, entrosado com a 'venda de produtos ou servi<;os' ["venda de produtos ou a presta<;ao de servi<;os"], desde que tal valor haja integrado 'custos ou despesas con- tabeis', em conexao com a aludida venda, circunstancias, como de pronto se dessume, dependentes do exame da contabilidade do obrigado, sendo despicienda, em principia, a prova oral". Cuida-se de crime material, que se consuma nao como simples nao recolhimento da contribui<;ao devida, senao com a efetiva apropria<;ao daquilo que foi contabilizado e nao recolhido. 0 exato momenta da apro- pria<;ao sera o do transcurso do prazo de recolhimento da contribui<;ao. Sujeito ativo: quem tern a obrigac;ao legal de recolher a contribui<;ao em favor do INSS. Sujeitos passivos: o poder publico (enirio publico) e segurados. Varios sao os requisites normativos do tipo: "contribui<;5es devi- das a previdencia social" ( v. Lei 8.212/91, art. 11 ); que tenham "integrado "" SILVA, Juary. Op. cit., p. 245. 1 DA APROPRIA<;:AO INDEBITA PREVIDENCIARIA 39 despesas contabeis oucustos" (refere-se a contabilidade da empresa ou ao sistema de registros de dados da empresa); relativos a "venda de pro- dutos ou a presta<;iio de servi<;os". Se o contribuinte nao man tern conta- bilidade regular ou registros das suas opera<;5es, nao podera cometer o delito em questao. Pode configurar o delito de sonega<;ao de contribui- <;iio prevideuciaria, previsto no art. 337-A do CP. Se os valores apropriados estao todos escriturados, convem com muita cautela examinar a questao do dolo do agente. De outro !ado, caberia aqui uma eventual discussao sobre a constitucionalidade do diploma legal, porque, no fun do, o que esta criminalizado e uma especie de prisao por divida (confessada e escriturada). Se o Fisco conta com todos os dados aptos para a cobran<;a da divida, seria proporcional o usa do castigo penal? Ademais: quem nao mantem nenhuma escritura<;ao podera come- ter o deli to de sonega<;iio de contribui<;ao previdenciaria (art. 337-A). E, nesse caso, extingue-se a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribui<;5es, importancias e valores e presta as informa<;5es devidas a previdencia social (§ 1.0 do art. 337-A). Ora, quem escriturou tudo corretamente e apenas nao recolhe o que e devido, esta na mesma ou ate mesmo em melhor situa<;ao que aquele que nao escriturou e s6 depois confessou. Teria o inciso II, ora em discussao, contemplado urn fato tipico que se identifica com uma causa de extin- <;iio da punibilidade? Quarta: "Deixar de: l!l-pagar benejfcio devido a segurado, quan- do as respectivas cotas ou valores jd tiverem sido reembolsados a em- presa pela previdencia social". Isso ocorre, por exemplo, como salario-familia, que e um benefi- ciodevido ao segurado (ao empregado). Quando as respectivas colas ou val ores ja tiverem sido reembolsados a empresa pela previdencia social, nao pode aquela apropriar-se desse valor reembolsado. Sujeito ativo: quem tern a obriga<;ao legal de pagar o beneficia. Sujeito passivo: espe- cialmente o segurado. 0 momenta consumativo do delito exige que o responsavel "deixe de pagar" o beneficia devido, para dele se apropriar deliberadamente. E preciso, portanto, aguardar o transcurso do prazo legal para se efetivar o pagamento. 0 delito, ademais, pressupoe o desembolso pela previdencia social. Nissa consiste a posse ou deten<;ao da coisa, e dizer, do beneficia. Se o valor ainda niio foi reembolsado, nao ba o deli to de apropriac;ao. !\ ~, ,- ~-,. n ·~ /-. ~ ~ ~ ~- /' 40 CRIMES PREVIDENCIARIOS 2.10 Nexo de causalidade/imputa~ao objetiva Urn outro requisite do fato tipico consiste em vincular o resultado jurfdico (lesao ao bern jurfdico, no caso) ao ambito do risco proibido criado pela conduta.34 Ja se salientou que os vanos delitos de apropria- ~ao indebita previdenchiria constituem delitos comissivos de conduta mista: a~ao no principia (ato de assumir a posse ou deten~ao da coisa) e omissao posterior ( deixar de repassar, de recolher ou de pagar, com in- ten~ao clara de apropria~ao ), iluminada par uma especial inten9ao (de se apropriar daquilo que nao lhe pertence = apropria9ao indevida). Na parte omissiva dos varios de!itos cabe destacar que ela nao se constitui unica e exclusivamente da inat;iio (que corresponde a uma in- fra9ao a norma de co man do), senao tam berne, sobretudo, da real possi- bilidade ou capacidade de agir:35 "nao se pode obrigar ninguem a agir [a repassar, a recolher a contribui9ao ou a pagar o beneffcio] sem que tenha a possibilidade pessoal de faze-lo". Evidentemente, "se o sujeito nao possui dinheiro, nao se amite de pagar o debito; se nao sabe realizar certa atividade, em face de seu desconhecimento ou deficiencia de for- ma9ao, nao pode ser obrigado a assumi-Ia pessoalmente; se nao detem a inforrna9ao, porque esta seen contra inacessivel, ou na posse de terceiro desconhecido ou de alguem que se recusa a fornece-la, nao se amite de presta-la".36 Em suma, quem deixou de repassar ou recolher a contribui~ao previdenciana ou mesmo quem nao pagou ao segurado o beneficia re- embolsado somente responde pelo delito de apropria~ao se podia agir de modo diferente, isto e, se tinha real possibilidade de realizaro repas- se ou o recolhimento ou o pagamento. A inexigibilidade de conduta diversa, que e examinada no ambito da culpabilidade como capacidade do agente de comportar-se de acordo com a motiva~ao de respeito ao bern juridico protegido, aqui no ambito da tipicidade omissiva significa '"' JESUS, Damasio E. de. Imputat;iio objetiva. Sao Paulo: Saraiva, 2000, p. 37, 125 e ss. em TAVARES. Juarez. As controvhsias ern torno dos crimes omissivos. Rio de Janeiro: Institute Latino-Americano de Coopera<;ao Penal, 1996, p. 75. Na jurisprudencia, TRF 2.' Regiao, rei. Rogerio V. de Carvalho, DJU de 03.10.2000, Se<;ao 2, p. 90. "" TAVARES, Juarez. As controversias ... , op. cit., p. 76. DAAPROPRIA<;:AO INDEB!TA PREVIDENCIARIA 41 "real possibilidade de realizar o comando normativo" (que imp5e uma conduta comissiva). Alem dos do is requisites mencionados (ina~ao e possibilidade real de atua~ao), recorde-se que todo delito omissivo possui uma terceira exigencia que e a sitllGI;iJo tipica omissiva.31 De qualquer modo, quem nao tern real possibilidade de realizar a a~ao determinada pela lei penal nao cria urn risco proibido de lesao ao bemjurfdico. Em outras palavras: a lesao ocorre (apropria~ao do nume- nirio em razao do nao repasse ou do nao recolhimento da contribui~ao ou do nao pagarnento do beneficia), mas nao deriva de urn risco proibido criado pela conduta, senao de uma situa~ao anormal, inusitada ou ines- perada, de real impossibilidade de se cumprir o mandamento legal. Con- seqiientemente, nao M fa to tipico quando presente "urn motivo razoavel para a omissao". Uma vez comprovada inequivocamente a total indisponibilidade ou dificuldade financeira da empresa, vern a juris pruden cia admitindo a absolvi~ao do agente por "inexigibilidade de conduta diversa" (causa supralegal de exclusao da culpabilidade ou, mais precisamente, causa de exclusao da tipicidade do crime omissivo ). TRF 2.a REGIAO- APELA<;AO CRIMINAL 0018221/RJ 99.02.3269 (DJU 09.11.2000, SE<;Ao 2, p. 56) RELATOR: JlTIZ CRUZ NETTO APELANTE: "-IT.'-lSTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE ALBERTO DE OLIVEIRA MIRANDA ADVOGADO: LILIAN ROSEMARY WEEKS APELANfE: MARIO ROBERTO NUNES LOPES APELANTE: JOSE ALBERTO DE OLIVEIRA MIRANDA ADVOGADO: LILIAN ROSEMARY WEEKS APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PENAL. CONTRIBUit;:OES PREVIDENCIARIAS -ART. 95, ALINEA "D", §§ 1.0 E3.C,DALEI8.212/91-NAORECOLHIMENTO -CAUSA SUPRALEGAL DE EXCLUSAO DA CULPABILIDADE- "'' MIR PUIG, Santiago. Derecho penal-PC. 5. ed. Barcelona, 1998, p. 303. 42 CRIMES PREV!DENCIAR!OS OCORRENCIA - INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA - DIRETOR-EMPREGADO - AUSENCIA DE ELEMENTOS PRO- BATORIOS A INDICAR A PARTICIPA<;:AO DELE DO DELITO - ABSOLVI<;:Ao QUE SE IMPOE. I - Verifica-se dos elementos de prova constantes dos autos que a empresa, a epoca do levantamento feito pelo fiscal de contribuic;oes previdenciario, estava em atraso como pagamento dos salanos dos seus empregados ha cerca de 2 ou 3 meses, sen do obvio que nao dispunha de dinheiro, o que a impedia de recolher as contribuis;oes previdenciarias pois o perfododo debito apurado vai de dezembro de 1992 a abril de 1993 - meses imediatamente anteriores aquele em que foi feito o 1evantamento. II- Amplamente demonstrada, pois, a absoluta indisponibi1idade financeira da empresa, pelo que imp6e o reconhecimento da ocorrencia de causa supra! ega! de exclusii.o da culpabilidade, aplicando-se, na hipo- tese, o princfpio da inexigibilidade de conduta diversa. III- E de se absolver que, ao tempo do nao-recolhimento, era dire- tor- empregado da empresa,
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