Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
34 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 Dra. Márcia Cristina Paiva O papel fisiológico da insulina e dos hormônios contrarregulatórios na homeostase glicêmica Physiological role of insulin and counterregulatory hormones on glycemic homeostasis. Resumo A homeostase glicêmica é um estado metabólico imprescindível para a sobrevivência do ser humano. Alguns tecidos, como o sistema nervoso central, necessitam de um aporte glicêmico contínuo para manter suas funções. Níveis glicêmicos fisiológicos são alcançados através de uma atuação orquestrada entre diversos órgãos e sistemas que atuam em resposta a um conjunto de mecanismos de detecção da glicemia sanguínea altamente desenvolvidos. O pâncreas exócrino, por exemplo, é altamente vascularizado, e as paredes dos capilares são dez vezes mais fenestradas do que as das células endoteliais presentes no pâncreas endócrino. Isto garante uma grande capacidade de troca de substâncias entre o órgão e o sangue, o que permite a rápida detecção de componentes secretagogos de insulina na corrente sanguínea e a rápida liberação do hormônio após a ingesta alimentar. A síntese e a secreção de insulina na corrente sanguínea são processos altamente desenvolvidos, capazes de reestabelecer a homeostase glicêmica rapidamente após uma refeição. Assim como a insulina é indispensável no processo de manutenção da glicemia pós-prandial, outros hormônios também atuam regulando a homeostase em períodos prolongados de jejum. Considerando a complexidade dos mecanismos expostos, o presente trabalho teve por objetivo revisar as vias de síntese, sinalização e ação da insulina, bem como o papel fisiológico de hormônios contrarregulatórios participantes do processo de homeostase glicêmica. Palavras-chave: homeostase glicêmica, glicose, insulina, glucagon, adrenalina, cortisol, hormônio do crescimento Abstract Glucose homeostasis is an essential metabolic state for human survival. Some tissues, such as the central nervous system, require a continuous glycemic intake to maintain their functions. Physiological glucose levels are achieved through an orchestrated action between various organs and systems that operate in response to a set of highly developed mechanisms of blood glucose detection. The exocrine pancreas, for example, is highly vascularized and the capillary walls are ten times more fenestrated than endothelial cells in the endocrine pancreas. This ensures a large capacity for exchange of substances between the blood and the endocrine organ, which allows rapid detection of components of insulin secretagogues in the bloodstream and rapid hormone release after food intake. The synthesis and secretion of insulin in the bloodstream is a highly developed process, able to rapidly restore glucose homeostasis after a meal. The same way insulin is essential in the process of maintenance of postprandial glycemia, other hormones also act regulating homeostasis in prolonged fasting. Considering the complexity of the mechanisms exposed, the present study aimed to review the process of synthesis, signaling and insulin action, as well as the physiological role of counterregulatory hormones participants of glucose homeostasis process. Keywords: glucose homeostasis, glucose, insulin, glucagon, catecholamines, cortisol, growth hormone 35 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 O papel fisiológico da insulina e dos hormônios contrarregulatórios na homeostase glicêmica A Introdução A glicose é a maior fonte de energia para todas as células dos mamíferos. Em particular, o sistema nervoso central (SNC) requer um suprimento contínuo de glicose para garantir sua demanda de energia e manter a homeostase metabólica. Para tanto, mecanismos fisiológicos multifacetados foram selecionados durante a evolução dos mamíferos para ajustar e manter a glicemia sanguínea dentro de faixas rigorosas1. Um nível normal de glicose sanguínea, abaixo de 100mg/dL, é rigidamente mantido e alcançado pelo equilíbrio entre a taxa de captação de glicose por todos os tecidos e a taxa de síntese hepática e renal2,3. Após uma refeição, um aumento rápido na quantidade de glicose sanguínea estimula a secreção de insulina, resultando em um aumento temporário de sua concentração no sangue, conhecido como hiperinsulinemia4. O aumento das concentrações de insulina e glicose sanguíneas coordenadamente inibe a produção de glicose pelo fígado e facilita a captação de glicose pelos tecidos sensíveis à insulina5,6. Nos hepatócitos e células β–pancreáticas a glicose é transportada para o compartimento intracelular através do transportador de glicose 2 (GLUT- 2) obedecendo um gradiente de concentração (do meio mais concentrado para o menos concentrado). Os tecidos muscular e adiposo utilizam o transportador de glicose 4 (GLUT-4) para translocar a glicose para o meio intracelular em resposta ao estímulo da insulina7. No indivíduo saudável, portanto, o balanço entre a produção de glicose e sua utilização é precisamente controlado por mecanismos hormonais afinados que buscam alcançar as necessidades metabólicas do organismo8. Além do importante papel da insulina na homeostase glicêmica, a ação de substâncias como o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio do crescimento (GH) é determinante para o adequado metabolismo glicêmico e garante o aproveitamento da glicose pelos tecidos periféricos9. Dado à complexidade da teia dos mecanismos hormonais desse processo, este trabalho teve por objetivo revisar as vias de síntese, sinalização e ação da insulina, bem como o papel fisiológico de hormônios contrarregulatórios participantes do processo de homeostase glicêmica. Pâncreas O pâncreas humano exerce um papel fundamental nos sistemas digestório e endócrino10. Como glândula endócrina, produz diversos hormônios envolvidos na manutenção da homeostase metabólica, tais como: insulina, glucagon, polipeptídeo pancreático e somatostatina. Além disso, exerce função exócrina, secretando enzimas digestivas contendo suco pancreático, o qual é responsável pela digestão e absorção de nutrientes dentro do intestino delgado11. A região do pâncreas que possui a função endócrina consiste de aproximadamente um milhão de aglomerados de células conhecidos como ilhotas de Langerhans (IL)12. A maioria das células endócrinas das IL são células secretoras de insulina (células β); as demais secretam glucagon (células α) e somatostatina (células δ)10. As IL são altamente vascularizadas, e a densidade da rede capilar ao seu redor é aproximadamente cinco vezes maior do que no tecido exócrino, o que garante o contato da célula endócrina com a rede de capilares13. Além disso, a parede dos capilares é composta por uma camada de células endoteliais que apresenta alta permeabilidade. Esses capilares são dez vezes mais fenestrados do que os das células endoteliais presentes no pâncreas endócrino14, o que garante uma grande capacidade de troca de substâncias entre o órgão endócrino e o sangue, além de permitir a rápida distribuição do hormônio secretado nas ilhotas pelo corpo10. Insulina A insulina é um hormônio polipeptídico cujo principal papel fisiológico é controlar a homeostase glicêmica por meio do estímulo à captação de glicose nos tecidos sensíveis à insulina (músculo esquelético e tecido adiposo) e da inibição da liberação de glicose pelo fígado15. Esse hormônio consiste de duas cadeias polipeptídicas: a cadeia α, com 21 resíduos de aminoácidos, ligada por duas pontes de dissulfetos à cadeia β, constituída de 30 resíduos de aminoácidos7,16.A estrutura monomérica tridimensional da insulina foi descoberta em 192617; mais de 40 anos depois, a estrutura do hexâmero de insulina, contendo zinco, foi decifrada18. Hoje sabe-se que a insulina armazenada nas células β está empacotada em grânulos densos agrupados de hexâmeros cristalinos de insulina insolúvel. A forma hexamérica da insulina consiste de seis moléculas de peptídeos de insulina organizadas em três dímeros19. Conforme a concentração 36 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 Dra. Márcia Cristina Paiva de insulina aumenta, os monômeros tendem a formar dímeros que, na presença de zinco e pH favorável, se juntam em conformações de ordem superior, chamadas hexâmeros20. Uma vez que os hexâmeros são secretados das células β e se difundem no sangue por meio do gradiente de concentração, uma combinação de repulsão eletrostática e redução no gradiente de concentração de insulina favorece sua dissociação na forma monomérica19. Estes monômeros são a forma ativa da insulina, enquanto os hexâmeros são sua forma de armazenamento21. Biossíntese de insulina A insulina secretada contém 51 aminoácidos com um peso molecular de 5.8kDa. Porém, o gene da insulina codifica 110 aminoácidos precursores, conhecidos como pré-pró-insulina. Assim como outras proteínas secretadas, a pré-pró-insulina contém, na terminação N, um peptídeo sinalizador hidrofóbico, também chamado de sequência sinalizadora, que interage com as partículas de reconhecimento de sinal (SRP) das ribonucleoproteínas citosólicas22. As SRPs facilitam a translocação da pré-pró-insulina através da membrana do retículo endoplasmático rugoso (RER) para o lúmen23,24. Esse processo ocorre através do canal condutor de peptídeo, onde a sequência sinalizadora é clivada da pré- pró-insulina por uma peptidase, formando a pró- insulina25. A pró-insulina, então, se submete a dobragem e formação de três pontes de dissulfetos, ainda no RER26. Após a maturação da conformação tridimensional, a insulina dobrada é transportada para o complexo de Golgi (CG), onde a pró- insulina imatura entra nas vesículas secretórias e é clivada em insulina e peptídeo-C (figura 1). A insulina e o peptídeo-C são armazenados nesses grânulos junto com o peptídeo amilina e outros produtos das células β, menos abundantes27. A insulina é, então, liberada na circulação sanguínea por exocitose. A secreção desse hormônio é regulada pelos níveis de concentração de glicose no plasma7. Figura 1. Sequência da biossíntese de insulina até sua forma ativa. Fonte: Kaufman28. s s s s s s N-terminal C-terminal C-terminal cadeia A N-terminal N-terminal C-terminal cadeia B cadeia B cadeia A Peptídeo C Peptídeo C Local de clivagem que inclui resíduo de lisina (necessário para clivagem) Sequência sinalizadora Local de clivagem Pré-pró-insulina Pró-insulina Insulina C-terminal N-terminal Sequência sinalizadora Local de clivagem cadeia B cadeia A Peptídeo C ss s s s s s s s s s s 37 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 O papel fisiológico da insulina e dos hormônios contrarregulatórios na homeostase glicêmica Figura 2. Sequência de sinalização para secreção de insulina. Secreção de insulina As células β-pancreáticas respondem a diversos nutrientes na circulação sanguínea. A glicose é, evolutivamente, o primeiro estímulo para a liberação de insulina porque é o principal componente alimentar e pode ser acumulada imediatamente depois da ingesta. As células β-pancreáticas não contêm receptores de membrana para glicose, mas estão equipadas com diversos dispositivos de detecção que percebem sua elevação sérica. O GLUT-2, constitutivamente expresso nas células β, são os primeiros sensores de glicose encontrados. Esse transportador é o único expresso na membrana das células β e realiza o processo através de difusão facilitada. Também está presente em outros tecidos, como fígado, rins e intestino. Diferente do GLUT-4, presente no músculo e nos adipócitos, a mobilização do GLUT-2 na membrana plasmática é insulino- independente, garantindo alto influxo de glicose para a célula21. Depois de entrar na célula β, a glicose é fosforilada pela enzima limitadora de velocidade glicoquinase, um subtipo da hexoquinase. Essa enzima está expressa em somente quatro tipos de células dos mamíferos: células hepáticas, células β-pancreáticas, enterócitos e neurônios sensíveis à glicose29. A glicoquinase não é inibida pelo seu produto, a glicose-6-fosfato29, o que garante sua atividade contínua e intensa em momentos de altas concentrações séricas de glicose. Dessa forma, a enzima glicoquinase aparece como principal recurso limitador de velocidade nas células β para síntese de insulina. Ao final da via glicolítica, o piruvato é oxidado por meio do ciclo do ácido tricarboxílico (TCA) na mitocôndria, para produzir ATP. Em outros tecidos, o piruvato pode ser convertido em lactato pela enzima piruvato desidrogenase, porém, como as células β não possuem esta enzima, o piruvato é, principalmente, metabolizado a acetil-coA e oxidado a ATP. A oxidação do piruvato por meio do TCA na mitocôndria é a principal via de sinalização acoplada aos canais de potássio sensíveis ao ATP (KATP). O aumento da razão ATP/ ADP intracelular leva a fechamento dos canais KATP, despolarização da membrana plasmática, abertura dos canais de Ca2+ voltagem-dependentes, influxo de Ca2+ e futura ativação da exocitose dos grânulos de insulina na corrente sanguínea21 (figura 2). Fonte: Fu et al.21 A secreção de insulina demonstra um padrão bifásico, ou seja, quando a glicose plasmática atinge aproximadamente 126mg/dL a secreção de insulina sobe a 1.4nmol/min. Esta fase intensa glutamato Glicose Grânulo de insulina GLUT2 Glicoquinase Ca2+ Ca2+ Ca2+ Ca2+ Ca2+Ca 2+ canal de Ca2+ PKC DHAP Gly3P P DAG Pituvato acil-CoA de cadeia longa FFA NAD+ ATP/ADPTCA OAA acetil CoA alfa-KGglutamato desidrogenase leucina glutamato glutamina glutaminase canal KATP 38 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 Dra. Márcia Cristina Paiva Figura 3. Via de sinalização da insulina. dura aproximadamente 10 minutos e é seguida pela fase de sustentabilidade, que possui uma taxa de secreção insulínica menor e mais prolongada21. Apesar de o aumento do Ca2+ ser o sinal prioritário para a exocitose da insulina, outros mecanismos também desempenham papéis no processo. Por volta de 50 anos atrás foi descoberto que uma carga glicêmica oral provoca uma secreção insulínica maior do que a carga glicêmica intravenosa. A secreção insulínica potencializada pela ingestão oral de glicose se deve à ativação de polipeptídeo inibitório gástrico (GIP) e peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP-1), hormônios incretínicos secretados pelas células enteroendócrinas K e L, respectivamente, em decorrência da ingestão de glicose30. Via de sinalização da insulina O primeiro passo para a ativação da via de sinalização da insulina é a ligação da insulina com o seu receptor de membrana, o receptor de insulina (IR). O IR é um complexo heterotetramérico de duas subunidades: subunidade α e subunidade β. Possui um domínio transmembrana e uma parte intracelular. A ligação com a subunidade α do IR induz uma rápida mudança na conformaçãodo receptor, estimulando a atividade intrínseca da tirosina quinase da subunidade β, resultando em sua autofosforilação em resíduos de tirosina na região intracelular da subunidade β31. Como resultado dessa autofosforilação, o IR torna-se cataliticamente ativo e promove a fosforilação da tirosina em uma variedade de proteínas celulares, incluindo as proteínas dos substratos dos receptores de insulina (IRS)7. As proteínas IRSs são os maiores alvos fisiológicos dos receptores de insulina quinase ativados. Seis isoformas de IRS foram identificadas até o momento. No músculo esquelético e no tecido adiposo o IRS1 é a isoforma que media a sinalização da insulina. Na sequência, as IRSs ativam uma molécula chave para a cascata de sinalização da insulina, a fosfoinositol-3- fosfato (PI3K). A PI3K é uma quinase lipídica que fosforila a posição 3D do anel de inositol, resultando na geração de 3-fosfoinositóis (PI-3P, PI-3,4P2 e PI3,4,5P3)32. Seguindo a ativação do PI3K, o PI3,4,5P3 é gerado do substrato PI-3,4P2. PI3,4,5P3 se liga a uma proteína chamada proteína quinase dependente de 3-fosfoinositol 1 (PDK1). A PDK1 ativada dispara alvos a jusantes como as proteínas quinase B (PKB/Akt)33. A Akt tem um papel central e importante na absorção de glicose estimulada pela insulina, pois ela é o maior alvo da atividade da PI3K, diretamente associada à sinalização da insulina com a translocação do GLUT-4 de seu compartimento intracelular para a membrana plasmática, com o objetivo de captar glicose extracelular34,35 (figura 3). Fonte: Mohd-Radzman et al.34 Membrana celular Grupo fosfato Citoplasma GLUT4GLUT4 GLUT4GLUT4GLUT4 GLUT4 ADP ADP ADP ADP ADP ADP ADP ATP PKB/Akt PDK PDK PI3K PI3K IRS1 Y SY X Y X β αIR GlicoseInsulina PIP2 PIP2 PIP3 39 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 O papel fisiológico da insulina e dos hormônios contrarregulatórios na homeostase glicêmica Figura 4. Modelo integrativo de detecção de hipoglicemia. Fonte: McCrimmon et al.37 Sensores de glicose na região periférica Iníco da Hipoglicemia ↓ glicose Sensores de glicose no rombencéfalo A GI GI Sinalização da Hipoglicemia Contra-regulação da glicose Sensores de glicose em outras regiões do prosencéfalo AVMH A GE GE Pâncreas ↓Insulina ↑glucagon Adrenal ↑Catecolaminas / cort Fígado ↑Produção de glicose Rins ↑Produção de glicose Tecido adipose ↑Lipólise Músculo ↓Captação de glicose periférica Resposta contrarregulatória Sob circunstâncias normais, a concentração da glicemia plasmática é mantida dentro de limites rígidos (72-144 mg/dL) em indivíduos saudáveis. Isso é resultado de um fino balanço entre o influxo de glicose (fornecimento exógeno de glicose e produção endógena de glicose) e efluxo de glicose (utilização de glicose por tecidos sensíveis à insu- lina, como músculo e tecido adiposo, e tecidos não sensíveis à glicose, como o cérebro, particularmen- te)36. Em indivíduos não diabéticos, a hipoglicemia inicia uma resposta contrarregulatória clássica de feedback negativo, na qual a queda da glicose leva a uma série de sintomas neuro-humorais e com- portamentais destinados a reestabelecer os níveis de glicose37. Para garantir a homeostase glicêmica, passos chave na resposta contrarregulatória ativam mecanismos que atuam basicamente em três pon- tos do metabolismo: a) na supressão da secreção endógena de insulina; b) no estímulo à produção endógena de glicose; c) na limitação da utilização periférica de glicose37. A liberação de substâncias como glucagon, adrenalina, cortisol e GH depende da detecção dos níveis reduzidos de glicose pelos neurônios e células sensíveis à glicose localizados em regiões discretas do SNC e periferia1. Os sensores de glicose periféricos, além dos localizados nas células β-pancreáticas, têm sido encontrados no intestino, na veia porta e nas carótidas38. No SNC, o hipotálamo ventromedial (VMH) é uma região particularmente importante na detecção de hipoglicemia. Nessa região exis- tem os neurônios excitados pela glicose (GE), que aumentam sua atividade quando a glicose sérica aumenta, e os neurônios inibidos pela glicose (GI), que aumentam sua atividade quando a glicose sérica cai39. Num modelo integrativo de detecção de hipoglicemia, os níveis baixos de glicemia plasmática são detectados por células e neurônios sensíveis à insulina presentes no cérebro e tecidos periféricos. No VMH, neurônios GE e GI, bem como astrócitos, se comunicam e interagem com vias de sinalização eferentes que iniciam uma resposta contrarregulatória de estímulo à produção de glucagon, adrenalina, GH e cortisol, reduzindo a captação de glicose pelos tecidos periféricos e aumentando sua produção endógena (figura 4). De uma perspectiva evolucionária, parece provável que este mecanismo tenha se desenvolvido para garantir um adequado aporte de combustível para o cérebro durante períodos prolongados de fome por causa da capacidade limitada do cérebro em estocar energia em depósitos como glicogênio e gordura37. 40 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 Dra. Márcia Cristina Paiva Hormônios contrarregulatórios Com um sistema contrarregulatório intacto, uma queda na glicemia plasmática resulta em defesas fisiológicas chave contra a redução das concentrações de glicose sanguíneas: 1) queda na secreção de insulina pelas células β-pancreáticas; 2) aumento na secreção de glucagon pelas células α-pancreáticas; 3) aumento da secreção adrenomedular de epinefrina. Isso também leva à percepção de sintomas de hipoglicemia que estimulam ingesta imediata de carboidratos6. Hormônios contrarregulatórios de ação rápida A resposta inicial para prevenir a queda nas concentrações sanguíneas de glicose é a redução na secreção de insulina, que inicia ainda quando as concentrações de glicose estão dentro da variação fisiológica, aproximadamente 80mg/ dL40. O glucagon é liberado quando esses níveis caem levemente abaixo da variação fisiológica, aproximadamente 68mg/dL41. O glucagon é o principal hormônio contrarregulatório de ação rápida na hipoglicemia, e a razão insulina glucagon da veia porta é o maior determinante da produção hepática de glicose37. A maquinaria celular que controla a secreção de glucagon pelas células α-pancreáticas é surpreendentemente similar àquela que regula a secreção de insulina pelas células β-pancreáticas. Os grânulos secretórios de glucagon, como aqueles que contêm insulina, existem no que pode ser funcionalmente definido como reserva liberável de glucagon. Como na secreção de insulina, a liberação de glucagon por exocitose é desencadeada pela entrada de Ca2+ através dos canais de Ca2+ voltagem dependentes42. O glucagon age nos receptores acoplados à proteína G das células do fígado aumentando a produção de glicose. Por si só, o glucagon é um grande estimulante da glicogenólise hepática; no entanto, em conjunto com outros hormônios contrarregulatórios rápidos, como a epinefrina, que mobiliza lactato, aminoácidos e glicerol para o fígado, o glucagon também estimula a gliconeogênese, bem como oxidação hepática de ácidos graxos e cetogênese43,44. Conjuntamente com a liberação de glucagon e aproximadamente entre os mesmos níveis plasmáticos de glicose, ocorre a liberação de epinefrina, que age nos receptores β-adrenérgicos de múltiplos órgãos para efetivar um aumento mais sustentável nas concentrações de glicoseplasmática. A epinefrina aumenta a glicogenólise e a gliconeogênese no fígado, reduz a secreção de insulina enquanto aumenta a liberação de glucagon no pâncreas, reduz a utilização e captação de glicose pelos tecidos periféricos, aumenta a glicólise no músculo e a lipólise nos adipócitos45. Hormônios contrarregulatórios de ação lenta GH e cortisol contribuem para a contrarregulação da glicose deslocando o metabolismo de tecidos não neurais para outras vias que não a da utilização da glicose. O cortisol ativa a utilização de gordura, gliconeogênese e cetogênese. Por outro lado, o GH aumenta a lipólise, a oxidação de ácidos graxos e induz a resistência à insulina46. A secreção de cortisol é ativada pela liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), que é modulado pelo hormônio liberador de corticotrofina (CRH), secretado pelas células corticotróficas da glândula pituitária. No córtex adrenal, o ACTH estimula a síntese de cortisol. A hipoglicemia também pode estimular a síntese de GH. Este hormônio é diretamente liberado pela adeno-hipófise e é primariamente estimulado pelo hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH)47. Esses dois hormônios não têm um papel imediato na recuperação de uma hipoglicemia aguda, porém possuem papel mais proeminente em hipoglicemias prolongadas44. Considerações finais Em resumo, a fisiologia do equilíbrio glicêmico é um processo complexo e bem coordenado. É essencial conhecer os mecanismos fisiológicos envolvidos na maquinaria hormonal do indivíduo saudável, para que a busca por estratégias nutricionais na manutenção ou recuperação no indivíduo doente seja coerente e precisa. Com isso, conclui-se que o passo seguinte ao término deste 41 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 O papel fisiológico da insulina e dos hormônios contrarregulatórios na homeostase glicêmica Referências 1. VERBERNE, A.J.; SABETGHADAM, A.; KORIM, W.S. Neural pathways that control the glucose counterregulatory response. Front Neurosci; 26 (8): 38, 2014. 2. KLOVER, P.J.; MOONEY, R.A. Hepatocytes: critical for glucose homeostasis. Int J Biochem Cell Biol; 36 (5): 753-8, 2004. 3. GERICH, J.E.; MEYER, C.; WOERLE, H.J. et al. Renal gluconeogenesis: its importance in human glucose homeostasis. Diabetes Care; 24 (2): 382-91, 2001. 4. DEFRONZO, R.A.; FERRANNINI, E. Regulation of hepatic glucose metabolism in humans. Diabetes Metab Rev; 3 (2): 415-59, 1987. 5. GERICH, J.E. Control of glycaemia. Baillieres Clin Endocrinol Metab; 7 (3): 551-86, 1993. 6. SPRAGUE, J.E.; ARBELÁEZ, A.M. Glucose counterregulatory responses to hypoglycemia. Pediatr Endocrinol Rev; 9 (1): 463- 73; quiz 474-5, 2011. 7. HASSAN, H.R.; BOURRON, O.; HAJDUCH, E. Defect of insulin signal in peripheral tissues: Important role of ceramide. World J Diabetes; 15; 5 (3): 244-57, 2014. 8. XIU, F.; STANOJCIC, M.; DIAO, L. et al. Stress hyperglycemia, insulin treatment, and innate immune cells. Int J Endocrinol; 2014: 486403, 2014. 9. YAN, L. J. Pathogenesis of chronic hyperglycemia: from reductive stress to oxidative stress. J Diabetes Res; 2014: 137919, 2014. 10. CAO, Z.; WANG, X. The endocrine role between β cells and intra-islet endothelial cells [Review]. Endocr J; 61 (7): 647-54, 2014. 11. WANG, X.; MELOCHE, M.; VERCHERE, C. B. et al. Improving islet engraftment by gene therapy. J Transplant; 2011: 594851, 2011. 12. LEONI, L. ROMAN, B. B. MR imaging of pancreatic islets: tracking isolation, transplantation and function. Curr Pharm Des; 16 (14): 1582-94, 2010. 13. KONSTANTINOVA, I.; LAMMERT, E. Microvascular development: learning from pancreatic islets. Bioessays; 26 (10): 1069- 75, 2004. 14. OLSSON, R; CARLSSON, P.O. The pancreatic islet endothelial cell: emerging roles in islet function and disease. Int J Biochem Cell Biol; 38 (5-6): 710-4, 2006. 15. KAHN, B.B.; FLIER, J.S. Obesity and insulin resistance. J Clin Invest; 106 (4): 473-81, 2000. 16. FU, Z.; GILBERT, E.R.; LIU, D. Regulation of insulin synthesis and secretion and pancreatic Beta-cell dysfunction in diabetes. Curr Diabetes Rev; 9 (1): 25-53, 2013. 17. ABEL, J.J. Crystalline Insulin. Proc Natl Acad Sci U S A; 12 (2): 132-6, 1926. 18. BLUNDELL, T.L.; CUTFIELD, J.F.; DODSON, E.J. et al. The crystal structure of rhombohedral 2-zinc insulin. Cold Spring Harb Symp Quant Biol; 36: 233-41, 1972. 19. PITTMAN, I.; PHILIPSON, L.; STEINER, D. Insulin biosynthesis, secretion, structure, and structure-activity relationships. Disponível em: http://diabetesmanager.pbworks.com/w/page/17680216/Insulin%20Biosynthesis,%20Secretion,%20 Structure,%20and%20Structure-Activity%20Relationships. Acesso em: 10/08/2014. 20. SMITH, G.D.; PANGBORN, W.A.; BLESSING, R.H. The structure of T6 human insulin at 1.0 A resolution. Acta Crystallogr D Biol Crystallogr; 59 (Pt 3): 474-82, 2003. 21. FU, Z.; GILBERT, E. R.; LIU, D. Regulation of Insulin Synthesis and Secretion and Pancreatic Beta-Cell Dysfunction in Diabetes. Curr Diabetes Rev; 9 (1): 25-53, 2013. 22. EGEA, P.F.; STROUD, R.M.; WALTER, P. Targeting proteins to membranes: structure of the signal recognition particle. Curr Opin Struct Biol; 15 (2): 213-20, 2005. 23. CHAN, S.J.; KEIM, P.; STEINER, D.F. Cell-free synthesis of rat preproinsulins: characterization and partial amino acid sequence trabalho poderá ser uma revisão das estratégias nutricionais e fitoterápicas que estimulem ou inibam pontos estratégicos da síntese e secreção de insulina e hormônios contrarregulatórios, na busca da manutenção destes processos e consequente garantia da homeostase glicêmica. 42 Re vi st a Br as ile ir a de N ut ri çã o Cl ín ic a Fu nc io na l - a no 1 4, n º 61 , 20 14 Dra. Márcia Cristina Paiva determination. Proc Natl Acad Sci U S A; 73 (6): 1964-8, 1976. 24. LOMEDICO, P.T.; CHAN, S.J.; STEINER, D.F. et al. Immunological and chemical characterization of bovine preproinsulin. J Biol Chem; 252 (22):7971–8, 1977. 25. PATZELT, C.; LABRECQUE, A.D.; DUGUID, J.R. et al. Detection and kinetic behavior of preproinsulin in pancreatic islets. Proc Natl Acad Sci USA; 75 (3): 1260-4, 1978. 26. HUANG, X.F.; ARVAN, P. Intracellular transport of proinsulin in pancreatic beta-cells. Structural maturation probed by disulfide accessibility. J Biol Chem; 270 (35): 20417-23, 1995. 27. NISHI, M.; SANKE, T.; NAGAMATSU, S. et al. Islet amyloid polypeptide. A new beta cell secretory product related to islet amyloid deposits. J Biol Chem; 265 (8): 4173-6, 1990. 28. KAUFMAN, R.J. Beta-cell failure, stress, and type 2 diabetes. N Engl J Med; 365 (20): 1931-3, 2011. 29. SUCKALE, J.; SOLIMENA, M. Pancreas islets in metabolic signaling--focus on the beta-cell. Front Biosci; 13: 7156-71, 2008. 30. CHARLES, M.A.; FANSKA, R.; SCHMID, F.G. et al. Adenosine 3′,5′-monophosphate in pancreatic islets: glucose-induced insulin release. Science; 179 (73): 569-71, 1973. 31. WHITE, M.F. The insulin signalling system and the IRS proteins. Diabetologia; 40 (Suppl 2): S2-17, 1997. 32. VANHAESEBROECK, B.; ALESSI, D.R. The PI3K-PDK1 connection: more than just a road to PKB. Biochem J; 346 (Pt 3): 561- 576, 2000. 33. COHEN, P.; ALESSI, D.R.; CROSS, D.A. PDK1, one of the missing links in insulin signal transduction? FEBS Lett; 410: 3-10, 1997. 34. MOHD-RADZMAN, N.H.; ISMAIL, W.I.; ADAM, Z. et al. Potential Roles of Stevia rebaudiana Bertoni in Abrogating Insulin Resistance and Diabetes: A Review. Evid Based Complement Alternat Med; 2013: 718049, 2013. 35. LIZCANO, J.M.; ALESSI, D.R. The insulin signalling pathway. Curr Biol; 12 (7):R236-8, 2002. 36. CRYER, P.E. Glucose counterregulation: prevention and correction of hypoglycemia in humans. Am J Physiol; 264 (2 Pt 1): E149-55, 1993. 37. MCCRIMMON, R.J.; SHERWIN, R.S. Hypoglycemia in type 1 diabetes. Diabetes; 59 (10): 2333-9, 2010. 38. MCCRIMMON, R. The mechanisms that underlie glucose sensing during hypoglycaemia in diabetes. Diabet Med; 25: 513- 522, 2008. 39. ROUTH, V.H. Glucose-sensing neurons: are they physiologically relevant? Physiol Behav; 76: 403-413; 2002. 40. FANELLI, C.; PAMPANELLI, S.; EPIFANO, L. et al. Relative roles of insulin and hypoglycaemia on induction of neuroendocrine responses to, symptoms of, and deterioration of cognitive function in hypoglycaemia in male and female humans. Diabetologia; 37: 797-807, 1994. 41. MITRAKOU, A.; RYAN, C.; VENEMAN, T. et al. Hierarchy of glycemic thresholds for counterregulatory hormone secretion, symptoms, and cerebral dysfunction. Am J Physiol; 60: E67-E74, 1991. 42. GAISANO, H.Y.; MACDONALD, P.E.; VRANIC, M. Glucagon secretion and signaling in the development of diabetes. Front Physiol; 3: 349, 2012. 43. CRYER, P.E. Minireview: Glucagon in the pathogenesis of hypoglycemia and hyperglycemia in diabetes. Endocrinology; 153 (3): 1039-48, 2012. 44. TESFAYE, N.; SEAQUIST, E.R. Neuroendocrine responses to hypoglycemia. Ann N Y Acad Sci; 1212: 12-28, 2010. 45. CRYER, P.E. Hypoglycemia: the limiting factor in the management of IDDM. Diabetes; 43: 1378-1389, 1994. 46. SCHWARTZ, N.S.; CLUTTER, W.E.; SHAH, S.D. et al. Glycemic thresh- olds for activation of glucose counterregulatory systems are higher than the threshold for symptoms. J Clin Invest; 79: 777-781, 1987. 47. ROTH, J.; GLICK, S.M.; YALOW, R.S. et al. Hypoglycemia: a potent stimulus to secretion of growth hormone. Science; 140: 987-988, 1963.
Compartilhar