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Poder de polícia e segurança nacional (*)
Hely Lopes Meirelles
SUMÁRIO: I – Considerações sobre o Estado e seus poderes. II – Os poderes administrativos.
III – O poder de polícia. IV – A segurança nacional. V – Meios de efetivação da segurança. 
VI – Considerações finais.
I - Considerações sobre o Estado e seus Poderes 
        O Estado, assim considerado a Nação politicamente organizada, é o conjunto orgânico do Território, Povo, Soberania e Governo. O Território é a base física do Estado; o Povo o seu elemento humano; a Soberania o seu substrato político; o Governo, o seu órgão diretivo. 
        O Estado, assim concebido, tem poderes para a sua organização, conservação, determinação de seus objetivos e consecução de seus fins. 
        «Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido» diz a nossa Constituição (art. 1º, § 1º). É o fundamento da Soberania Nacional haurida na vontade popular. 
        Todo poder estatal é poder político, mas convencionou-se denominar poder político somente aquele que se concentra e é exercido imediatamente pelos Poderes de Estado - Legislativo, Executivo e Judiciário - como órgãos governamentais dos Estados Democrático Modernos, e estabeleceu-se que os demais poderes, exercidos pelos órgãos da Administração Pública, são poderes administrativos, dentre os quais se insere o poder de polícia, que constitui um dos objetos desta exposição. 
        Poder é a capacidade de decidir e impor a decisão aos seus destinatários. Nesse sentido o poder se manifesta em todos os grupos e comunidades, desde a família, que se apóia no pátrio poder, até o Estado que se sustenta no poder político, emanado da vontade popular, que é o sustentáculo da Soberania Nacional. Assim, podemos conceituar a Soberania Nacional como o Poder Supremo de autodeterminação do Estado, nela compreendida a faculdade de livre organização, governo independente e defesa dos interesses nacionais. 
        Feitas essas considerações preliminares, passemos a apreciar os poderes administrativos do Estado, e em particular o poder de polícia, como um dos suportes da segurança nacional, na sua acepção mais ampla, abrangente da proteção do indivíduo, da sociedade, das instituições, do território, e dos demais interesses, bens e valores que cumpre ao Estado manter e preservar, segundo a ordem jurídica estabelecida pela Constituição e pelas leis vigentes no País, como emanação da Soberania Nacional. 
        É o que faremos a seguir, definindo o poder de polícia e delimitando o campo, o modo e a forma de seu exercício pela Administração, para, a final, conceituar a Segurança Nacional e indicar os fundamentos políticos que a justificam, e os instrumentos jurídicos de que dispõe o Estado para mantê-la a benefício do próprio Estado, da sociedade e dos cidadãos que a compõem. Dentre esses instrumentos, destacaremos o poder de polícia e examinaremos o seu relacionamento com a segurança. nacional, que constituem o objeto desta exposição. 
II - Os Poderes Administrativos 
      Para bem gerir os negócios públicos - já escrevemos em estudo anterior - o administrador público é armado de poderes administrativos (não confundir com poderes políticos), consentâneos e proporcionais aos encargos que lhe são atribuídos. Tais poderes são verdadeiros instrumentos de trabalho, indispensáveis à realização da tarefa administrativa. Daí a sua denominação de poderes instrumentais, diversamente dos poderes políticos que são orgânicos e estruturais, porque se relacionam diretamente com a organização do Estado e com a sua estrutura político-constitucional (cf. nosso «Direito Administrativo Brasileiro», 1966, pág. 62 e segs.). 
        Os poderes administrativos se apresentam sob modalidades diversas, segundo o modo e forma de sua utilização e os objetivos visados pela Administração. Dentro desse esquema, podem ser classificados, segundo a maior ou menor liberdade de utilização em poder vinculado e poder discricionário; segundo o seu fundamento ordinatório em poder hierárquico e poder disciplinar; segundo a sua finalidade normativa em poder regulamentar; segundo o seu objetivo de proteção à coletividade e ao interesse público em poder de polícia. 
        Neste tópico conceituaremos cada um desses poderes, para, no seguinte, analisarmos específica e amplamente o poder de polícia, dando-lhe o conceito e os limites de sua aplicação. 
        Poder vinculado é aquele que o direito positivo - a lei - confere ao administrador público para a prática de ato de sua competência, determinando, o conteúdo, o modo, o tempo e a forma de seu cometimento. Nesses atos, a lei sujeita a sua realização aos dados constantes de seu texto, vinculando o administrador à sua observância. Por isto se diz que este poder é vinculado ou regrado. Tal se dá quando a lei confere O poder de promover, indicando os requisitos a serem atendidos; o de nomear, sujeitando-o a aprovação em concurso; o de isentar de determinado tributo, atendidos certos requisitos; o de demitir, apurada a infração em processo regular, e assim por diante. 
        Poder discricionário é o que o direito concede ao administrador público de modo explícito ou implícito, para a prática de certos atos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade ou conteúdo. À luz desse conceito, convém desde logo esclarecer que poder discricionário não se confunde com poder arbitrário. Discricionariedade e arbítrio são atitudes inteiramente distintas: discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos em lei; arbitrariedade é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário - quando autorizado pelo direito - é legítimo e válido; ato arbitrário é sempre e sempre ilegítimo e inválido. Daí a advertência de Jèze: «Il ne faut pas confondre pouvoir discrétionnaire e pouvoir arbitraire» («Droit Administratif», 1914, 1/371). Mais uma vez insistimos nessa distinção para que o administrador público, nem sempre familiarizado com os conceitos jurídicos, não converta a discrição em arbítrio, como também não se arreceie de usar plenamente do poder discricionário que lhe for atribuído. 
        Poder hierárquico é o de que o Executivo dispõe para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos e serviços, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro. A hierarquia é a relação de subordinação entre os vários órgãos do Executivo, com a gradação de autoridade de cada um. A hierarquia é privativa das funções administrativas, pois não há hierarquia nas funções judiciárias e legislativas: o que há é gradação de instâncias no Judiciário e distribuição normativa entre os Legislativos. O poder hierárquico tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito Interno da Administração. Do poder hierárquico decorrem as faculdades implícitas de dar ordens, fiscalizar, delegar, avocar, rever e punir . 
        Poder disciplinar é a faculdade de reprimir as infrações funcionais do subordinado, no âmbito interno da Administração ou Corporação. O poder disciplinar é correlato com o poder hierárquico, mas com ele não se confunde. O poder hierárquico permite a distribuição e escalonamento das funções; o poder disciplinar autoriza a verificação do desempenho das funções e a responsabilização do agente pelas infrações cometidas. Não se confunda também, o poder disciplinar da Administração, com o poder punitivo do Estado, realizado através da Justiça Criminal (comum ou militar). O poder disciplinar é exercido em benefício do serviço; o poder punitivo do Estado é exercido em defesa da sociedade. A punição criminal é de natureza judicial. 
        Poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes do Executivo federal, estadual e municipal (e somente eles) de explicar a lei para a sua correta execução, ou de expedir normas autônomas sobre matéria de sua competência, sempre através de decreto. Daí os decretos regulamentares e os decretos independentes ou autônomos. O poder regulamentar é inerente e privativodo Chefe do Executivo (Constituição da República, art. 81, n. III) .O que não se contém no poder regulamentar é a faculdade de substituir a lei naquilo que é reserva da lei, isto é, que só por lei pode ser provido. Os regulamentos são sempre atos administrativos, quer sejam normativos (regulamentos gerais) ou individuais (decretos de provimentos de cargos, de punição, e outros individualizados). 
III - Poder de Polícia 
        Poder de polícia é a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em geral, para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. 
        Em linguagem menos técnica podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para deter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado (em sentido amplo: União, Estados e Municípios) detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social e à segurança nacional.
        Desde já convém distinguir a polícia administrativa, que é a que conceituamos acima, da polícia judiciária, que não é objeto deste estudo. Mas deixemos claro, que a polícia administrativa é a que incide sobre bens, direitos ou atividades, ao passo que a polícia judiciária incide sobre as pessoas. Assim poder de polícia judiciária é privativa dos órgãos auxiliares da Justiça (Ministério Público e Polícia em geral) enquanto que o poder de polícia administrativa se difunde por todos os órgãos administrativos, de todos os Poderes e entidades públicas. Exemplificando: quando a autoridade apreende uma carta de motorista por infração de trânsito, pratica ato de polícia administrativa; quando prende o motorista por infração penal, pratica ato de polícia judiciária. 
        No dizer de Cooley, «O poder de polícia («police power»), em seu sentido amplo, compreende um sistema total de regulamentação interna, pelo qual o Estado busca não só preservar a ordem pública, senão também estabelecer para a vida de relações dos cidadãos aquelas regras de boa conduta e de boa vizinhança que se supõem necessárias para evitar conflito de direitos e para garantir a cada um o gozo ininterrupto de seu. próprio 'direito, até onde for razoavelmente compatível com o direitos dos demais» («Treatise on the Constitucional Limitation), 1903, pág. 829). 
        Entre nós, o Prof. Caio Tácito, explica que «o poder de polícia é, em suma o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais» «O Poder de Polícia e seus Limites» in RDA, vol. 27/1 e segs.). 
        O que todos os publicistas assinalam uniformemente é o poder que tem Administração Pública de ditar e executar medidas restritivas do direito individual em beneficio do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado. Esse poder é inerente a toda Administração e se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios. 
        Essa conceituação doutrinária já passou para a nossa legislação, valendo citar o Código Tributário Nacional, que, em seu art. 78, em texto amplo e explicativo dispõe: «Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a 'Prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos».
        Razão e Fundamento do Poder de Polícia - A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na Constituição e nas normas de ordem pública, que, a cada passo deferem expressa ou implicitamente faculdades para a autoridade pública fiscalizar, controlar e restringir o uso de bens ou o exercício de direitos e atividades individuais em benefício da coletividade. Sem muito pesquisar, deparamos na vigente Constituição da República claras limitações às liberdades pessoais (art. 153, §§ 5º e 6º); à manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa (art. 153, § 8º); ao direito de propriedade (art. 153, § 22) ; ao exercício das profissões (art. 153, § 23) ; ao direito de reunião (art. 153, § 27) aos direitos políticos (art. 154) , à liberdade de comércio (art. 160). Por igual, o código Civil condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, proibindo o abuso (art. 160) , e, no que concerne ao direito de construir, além de sua normalidade, condiciona-o ao respeito, aos regulamentos urbanos e ao direito dos vizinhos (arts. 554, 572 e 578). Leis outras como o Código de Águas, o Código de Mineração, o Código Florestal, o Código de Caça e Pesca cominam idênticas restrições, visando sempre a proteção dos interesses gerais da comunidade contra os abusos do direito individual. 
        A cada restrição de direito individual - expressa ou implícita em norma legal - corresponde equivalente poder de polícia administrativa à Administração Pública, para torná-la efetiva e fazê-la obedecida. Isto porque esse poder se embasa, como já vimos, no interesse superior da coletividade em relação ao direito particular do indivíduo que a compõe. 
        O regime de liberdades públicas em que vivemos assegura o uso normal dos direitos individuais, mas não autoriza o abuso, nem permite o exercício antisocial desses direitos. As liberdades admitem limitações e os direitos pedem condicionalmente ao bem-estar social. Essas restrições ficam a cargo da polícia administrativa. Mas, sob a invocação do poder de polícia não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição.
        Objeto e Fina1idade do Poder de Polícia - O objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou por em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito a Administração pode condicionar o exercício de ,direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a vizinhança ou a coletividade em geral, ou contrariem a ordem constitucional estabelecida ou se oponham aos objetivos permanentes da Nação. 
        Desde que a conduta do indivíduo ou da empresa tenha repercussões prejudiciais à comunidade ou ao Estado, sujeita-se ao poder de polícia preventivo ou repressivo. 
        A finalidade do poder de polícia, como já assinalamos precedentemente, é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram não só os valores materiais como também o patrimônio moral e espiritual do povo, expresso na tradição, nas instituições e nas aspirações nacionais da maioria que sustenta o regime político adotado e consagrado na Constituição e na ordem jurídica vigente. Desde que ocorra um interesse público relevante, justifica-se o exercício do poder de polícia da Administração para a contenção de atividades particulares anti-sociais ou prejudiciais à segurança nacional.
        Extensão e Limites do Poder de polícia - A extensão do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, a censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações, a segurança das construções e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até à segurança nacional em particular. Daí, encontramos nos Estados modernos, a polícia de costumes, a polícia sanitária, a policia das águas e da atmosfera, a polícia florestal, a polícia rodoviária, a policia de trânsito, a polícia das construções, a polícia dos meiosde comunicação e divulgação, a polícia política e social, a polícia da economia popular, e outras que atuam sobre as atividades individuais que afetam ou possam afetar os superiores interesses da coletividade, a que incumbe o Estado velar e proteger. Onde houver interesse relevante da comunidade ou da Nação, deve haver, correlatamente, igual poder de policia para a proteção desse interesse público. É a regra sem exceção. 
        Com a ampliação do campo de incidência do poder de polícia, que se iniciou com a necessidade de proteger os habitantes das cidades romanas - «polis», gerando o termo «politia», que nos deu o vernáculo polícia - chegamos hoje a utilizar esse poder para a preservação da segurança nacional, que é em última análise, a situação de tranqüilidade e garantia que o Estado oferece ao indivíduo e à coletividade, para a consecução dos objetivos do cidadão e da Nação em geral. 
        Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais dos indivíduos assegurados na Constituição da República (art. 153). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados democráticos como o nosso inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Em nossos dias e no nosso País predomina a idéia da relatividade dos direitos, porque, como bem adverte Ripert, «o direito do indivíduo não pode ser absoluto, visto que absolutismo é sinônimo de soberania. Não sendo o homem soberano na sociedade, o seu direito é, por conseqüência, simplesmente relativo» («O Regime Democrático e o Direito Civil Moderno», Ed. Saraiva, 1937, pág. 233). 
        Essa sujeição do direito individual aos interesses coletivos ficou bem marcada na Constituição de 1946, que condicionava o uso do direito de propriedade ao bem-estar social (art. 147), e cujo princípio foi reproduzido na vigente Constituição da República, ao estabelecer que a ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base dentre outros fatores, na «função social da propriedade» (art. 160, n. III) , que é a reprodução da afirmativa de Duguit de que «a propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza» («Las Transformaciones Generales del Derecho Privado», Ed. Posada, 1931, pág. 37).
        Através de restrições impostas às atividades do indivíduo, que afetem a coletividade, cada cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade e o Estado lhe retribui em segurança ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos, propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para efetivar essas restrições individuais em favor da coletividade, o Estado se utiliza desse poder discricionário, que é o poder de polícia administrativa. Tratando-se de um poder discricionário, a norma legal que o confere, não minudeia o modo e as condições da prática do ato de policia. Esses aspectos são confiados ao prudente critério do administrador público. Mas se a autoridade ultrapassar o permitido em lei, incidirá em abuso de poder, corrigível por via judicial. O ato de polícia, como ato administrativo que é, fica sempre sujeito à invalidação pelo Poder Judiciário, quando praticado com excesso ou desvio de poder. 
        Atributos do Poder de Polícia - O poder de polícia tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, e tais são, a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade. 
        A discricionariedade, como já vimos. se traduz na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste particular e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais, e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. Por exemplo, se a lei permite a apreensão de mercadorias deterioradas e a sua inutilização pela autoridade sanitária, esta pode apreender e inutilizar os gêneros imprestáveis para a alimentação, sem nenhuma interferência de outro poder, inclusive do Judiciário, mas se a autoridade é incompetente para a prática do ato, ou se o praticou arbitrariamente sem prévia comprovação da imprestabilidade dos gêneros para sua destinação, ou se interdita o estabelecimento fora dos casos legais a sua conduta poderá ser impedida ou invalidada pela Justiça. No uso da liberdade legal de valoração das atividades policiadas e na graduação das sanções aplicáveis aos infratores é que reside a discricionariedade do poder de polícia.
        A auto-executoriedade, ou seja, a faculdade de a Administração decidir e de executar diretamente a sua decisão através do ato de polícia, sem intervenção do .Judiciário é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de poIícia administrativa, necessárias à Contenção da atividade anti-social, que ela visa a obstar. Nem seria possível condicionar os atos de polícia à aprovação prévia de qualquer outro órgão ou Poder estranho à Administração. Se o particular se sentir agravado em seus direitos, sim, poderá reclamar pela via adequada, ao Judiciário, que só intervirá «a posteriori» para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação da indenização que for cabível. O que o princípio da auto-executoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria administração, independentemente de mandado judicial. Assim, por exemplo, quando a Prefeitura encontra uma edificação irregular ou oferecendo perigo à coletividade, ela embarga diretamente a obra e promove a sua demolição, se for o caso, por determinação própria, sem necessidade de ordem judicial para essa interdição e demolição. 
        A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para o seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-lo efetivo, e essa coerção também independe da autorização judicial. É a própria Administração que determina, e faz executar as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do exercício do poder de polícia. 
        Sanções do Poder de Polícia - O poder de polícia seria inane e ineficiente se não fosse coercitivo e não estivesse aparelhado de sanções para os casos de desobediência à ordem da autoridade competente. 
        As sanções do poder de polícia, como elementos de coação e intimidação, principiam geralmente com a multa, e se escalonam em penalidades mais graves como a interdição de atividade, o fechamento de estabelecimento, a demolição de construção, o embargo administrativo de obra, a destruição de objetos, a inutilização de gêneros, a proibição de fabricação ou comércio de certos produtos; a vedação de localização de indústrias ou de comércio em determinadas zonas; a proibição da exibição de filmes e espetáculos ou a divulgação de textos, e de tudo o mais que houver de ser impedido em defesa da moral e da saúde pública, da segurança interna e da segurança nacional. 
        Estas sanções, em virtude do princípio da auto-executoriedade do ato de polícia, são impostas e executadas pela própria Administração em procedimentos administrativos sumários e compatíveis com as exigências do interesse público. O que se requer é a legalidade da sanção e a sua proporcionalidade à infração cometida ou ao dano que a atividade policiada e punida causaà coletividade ou ao próprio Estado. As sanções do poder de polícia são aplicáveis aos atos ou condutas individuais que, embora sem constituir crime contra a segurança nacional, sejam nocivas ou prejudiciais à segurança nacional, como é o caso do abuso de liberdade da imprensa, nela compreendida a comunicação de massa, escrita, falada, filmada ou televisionada. como veremos adiante. 
IV - A Segurança Nacional 
        O conceito de segurança nacional é novo e pouco difundido em doutrina, não obstante a Constituição da República e as leis mais recentes a ela referirem com freqüência. Há, assim uma conceituação legal e uma conceituação doutrinária que passaremos analisar.
        Conceituacão Legal - A Constituição da República (Emenda Constitucion nº 1, de 1969) alude várias vezes a segurança nacional, mas em nenhum dispositivo nos fornece o seu conceito, contentando-se em declarar que toda pessoa natural ou jurídica, é responsável por ela, nos limites definidos em lei (art. 86) e em esclarecer que Conselho de Segurança Nacional é o órgão incumbido da formulação e execução da política de segurança nacional (art. 87), indicando a composição desse órgão (art. 88) e sua competência (art. 89). 
        Somente o decreto-lei n. 898, de 29.8.1969, que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social, assim a conceitua: «Art. 2º A segurança nacional é a garantia da consecução dos objetivos nacionais contra antagonismos, tanto internos como externos. Art. 3º A segurança nacional compreende, essencialmente medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva».
        Ambos os conceitos não satisfazem. São indicações pragmáticas, mais de objetivos a atingir que de caracterização conceitual da nova instituição. O ar 3° acima transcrito chega a empregar impropriamente o verbo «compreende», quando o correto seria «admite», porque na verdade a segurança nacional não «compreende medidas», mas apenas «admite», «utiliza» ou «adota» medidas de prevenção e repressão às atividades que visa conter ou coibir. O art. 2º, conquanto indique o conteúdo da segurança nacional é excessivamente vago, e omisso nas suas demais características. 
        Conceituacão Doutrinária - A conceituação doutrinária de segurança nacional vem basicamente de estudos da Escola Superior de Guerra, através de seus dirigentes e do seu Corpo Permanente de Professores. O inegável é que essa doutrina é uma formulação das Forças Armadas, consideradas pela Constituição da República «essenciais à execução da polícia de segurança nacional» e destinadas «à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem» (art. 91). Se assim é, devemos ouvir inicialmente os mais categorizados representantes das Forças Armadas que já definiram, conceituaram ou explicaram a segurança nacional. 
        Iniciemos pela palavra de um ilustrado ex-Comandante da própria Escola Superior de Guerra, o General-de-Exército, Augusto Fragoso, que assim se pronunciou sobre o tema: «Nos estudos doutrinários sedimentou-se bem o entendimento, não mais sujeito a controvérsias, de que segurança e desenvolvimento ou desenvolvimento e segurança são noções fortemente integradas entre si, intimamente entrosadas e interligadas - sobrepostas mesmo em largas porções dos respectivos campos - Integrantes ambas da Política Nacional, que pode ser admitida até também una e indivisível, tal como admitimos que sejam a Estratégia e o Poder Nacional» («A Escola Superior de Guerra», exposição feita ao empresariado de São Paulo, em dezembro de 1970, publicada in «Problemas Brasileiros», n. 88, pág. 19 e segs.). Outro culto representante das Forças Armadas, o Gen. Golbery do Couto e Silva, afirma que «no amplo quadro da Política Nacional, o Desenvolvimento e a Segurança intimamente se entrosam, reciprocamente se condicionam e acentuadamente se interdependem, chegando mesmo, por vezes, a se confundir numa faixa de recobrimento» (in «Planeja- mento Estratégico»). 
        Ainda recentemente, o ilustre Gen. Carlos de Meira Mattos, que em sucessivos estudos vem divulgando a doutrina da Revolução de 64, reafirmou a necessidade do desenvolvimento para sustentação do nosso regime e consecução dos objetivos nacionais, nestes termos: «O desenvolvimento pela via democrática é o compromisso mais sério da Revolução no presente estágio de processo revolucionário brasileiro. Implantado o desenvolvimento pela via democrática estaremos consolidando a única democracia autêntica e legítima, porque assentada na prosperidade e no bem-estar da população. Não se conhece no mundo nenhuma verdadeira democracia que coexista com a pobreza, a fome e a ignorância». E rematou com esta oportuna advertência de segurança nacional: Quanto maior a Nação, maiores as aspirações e necessidades, e maior o Poder necessário a conduzi-la» («Revolução Democracia e Poder», in «O Estado de S. Paulo»; de 9.4.1972, pág. 27). Na mesma linha, sustenta o Cel. Antônio Lepiane, em substancioso estudo que: «Ao realizar a Política de Desenvolvimento a Nação necessita, paralelamente, que seja mantido um grau adequado de garantia para propiciar o bem-estar coletivo. Esse grau adequado de garantia é a segurança naciona1» («O que é a Segurança Naciona1», São Paulo 1968, pág. 4) e logo adverte que «no campo doutrinário não se afigura fácil definir, com precisão e rigorismo, o que realmente segurança significa, aquilo em que consiste, o que abarca e em que implica» (in ob. e loc. cits.). 
        Entre os juristas, o tema tem merecido algumas especulações doutrinárias mas sem precisar as características e conteúdo da segurança nacional. O Prof. Caio Tácito, num repasse histórico sobre a segurança nacional nos idos de 1962, demarcou o campo de sua atuação, numa apreciação analítica em que demonstra tratar-se de uma situação de defesa dos interesses nacionais, e nos aponta os seus objetivos nestes termos: «Se a ordem social contemporânea é, por natureza, instável e evolutiva, exige, para o seu desenvolvimento pacífico, um conjunto de fatores permanentes, que representam, a nosso ver os objetivos da segurança nacional a saber: a) defesa da integridade territorial; b) preservação da soberania nacional; c) manutenção da ordem pública; d) estabilidade das instituições políticas; e) equilíbrio econômico; f) equilíbrio socia1» («A Segurança Nacional no Direito Brasileiro», in RDA 1962, vol. 69/19 e segs.). 
        O Prof. Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, em erudito estudo, informa-nos que: «A razão política da segurança nacional reside na verdade de que os acontecimentos externos influem nas sociedades nacionais e nos indivíduos, tornando precárias certas linhas de defesa que mantêm certas nações soberanas e independentes», passando a justificar a autodefesa dos Estados modernos através das medidas de segurança de seu povo e de suas instituições, mas em nenhum ponto conceitua a segurança nacional, limitando-se a caracterizar a segurança interna, como um dos «direitos do Estado» para a preservação das instituições quando ameaçadas por inimigos internos ou externos («A Segurança Interna nas Cartas Constitucionais do Brasil», in RDP, 1969, vol. 10/25 e segs. ) . 
        Em recente monografia, o Prof. Mário Pessoa discorre longamente sobre «o direito da segurança nacional», conceituando-a como «a completa funcionalidade das coisas essenciais que se prendem direta ou indiretamente à Coletividade Humana, por esta preservada através do seu respectivo Estado. Baseia-se na valorização da eficiência. É a conceituação do autor («O Direito da Segurança Naciona1», Biblioteca do Exército e Revista dos Tribunais, 1971, pág. 99). Com o devido respeito a esse autor, permitimo-nos discordar do seu conceito porque a segurança nacional não é em si mesma «a completa funcionalidade das coisas essenciais», admitindo-se quando muito, que ela visa a propiciar essa «completa funcionalidade» a que o ilustre professor alude.Não nos parece também que o fundamento da segurança nacional seja a «valorização da eficiência», mas sim o interesse nacional na preservação de pessoas, bens, instituições ou política que o Estado se dispunha a tutelar para atingir os objetivos presentes ou futuros da Nação. 
        Mas não só a doutrina tem-se esforçado por definir a segurança nacional, como também a jurisprudência, na esteira desta decisão do STF, que assim a conceituou: «Segurança nacional envolve toda a matéria pertinente à defesa da integridade do território, independência, sobrevivência e paz do País, suas instituições e valores materiais ou morais contra ameaças externas e internas, sejam elas atuais e imediatas, ou ainda em estado potencial próximo ou remoto» (recurso extraordinário n. 62.739, julgado em 23.8.1967, in RDP, vol. 5/223). Conceituação analítica, plenamente satisfatória, quando Indica o campo de incidência da segurança nacional.
        Porém, correta e completa conceituação se nos afigura a elaborada pela Escola Superior de Guerra, segundo a qual: Segurança nacional é o grau relativo de garantia que, através de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, o Estado proporciona, em determinada época, à Nação que jurisdiciona, para a consecução ou manutenção dos objetivos nacionais, a despeito dos antagonismos ou pressões existentes ou potenciais. 
        Realmente, temos para nós que: Segurança nacional é a situação de garantia, individual, social e institucional que o Estado assegura a toda a Nação, para a perene tranqüilidade de seu povo, pleno exercício dos direitos e realização dos objetivos nacionais, dentro da ordem jurídica vigente. É a permanente e total vigilância do Estado sobre o seu território, para garantia de seu povo, de seu regime político e de suas instituições. 
V - Meios de Efetivação da Segurança Nacional 
        Conceituada a segurança nacional, vejamos quais são os seus meios de efetivação, ou seja, os órgãos e as normas legais de que dispõe o Estado para dar à Nação as garantias prometidas na Constituição. 
        Órgãos da Segurança Nacional - São órgãos específicos da segurança nacional: as Forças Armadas (Constituição da República. arts. 90 e 91),o Conselho de Segurança Nacional (Constituição da República, art. 87 e decreto-lei n. 1.135, de 1970); o Serviço Nacional de Informações (lei n. 4.341, de 1964, e decreto n. 55.194, de 1964); as Divisões de Segurança e Informações dos Ministérios (decreto-lei n. 200, de 1967, art. 29, n. III) e a Comissão Geral de Investigações (decretos-leis n. 359, de 1968, e 446, de 1969). Além destes órgãos específicos de segurança nacional, há os órgãos policiais -civis e militares - que prestam colaboração em todos os assuntos e ações de interesse da segurança nacional, em decorrência. de suas atribuições gerais de policia.
        Normas de Segurança Nacional - Como normas de segurança nacional temos as leis de ordem pública, dentre as quais merece destaque a Lei de Segurança Nacional (decreto-lei n. 898, de 1969); a Lei Imprensa (lei n. 5.250, de 1967) ; a lei de Banimento (ato institucional n. 13, de 1969), a Lei que proíbe o exercício do magistério pelos que sofrem sanções com fundamentos em atos Institucionais (ato complementar n. 75, de 1969; a Lei de Expulsão de Estrangeiros ( decreto-lei n. 941, 1969, arts. 73 a 86) ; As Leis de Seqüestro e confisco de Bens (decreto-lei n. 3.240, de 1941; lei n. 3.164, de 1957 e decreto-lei n. 502, 1969); a Lei de Contrabando de Aeronaves (decreto-lei n. 975, de 1969); a Lei contra a Subversão nas Escolas (Decreto-lei n. 477, de 1969) ; a norma que proíbe greve nos serviços públicos essenciais (Constituição da República, art. 162); a Lei contra Entorpecentes (lei n. 5.726, de 1971), as normas para salvaguarda de assuntos sigilosos (decreto n. 60.417, de 1967) e outras mais. 
        Com esses órgãos e instrumentos normativos, o Estado fica habilitado a exercer o seu poder de polícia em defesa do cidadão, da comunidade, das instituições e do interesse geral da Nação, o que constitui o objetivo final da segurança nacional. 
        O Direito e o Dever de Autodefesa do Estado - A segurança nacional, na sua conceituação global, pode ser afetada pelas mais diversas atividades ou atuações do indivíduo ou de grupos. que consciente ou inconscientemente pratiquem atos ou incitem condutas prejudiciais ou adversas ao regime político-constitucional estabelecido e aos objetivos e aspirações nacionais. São condutas subversivas ou antinacionais, que merecem a contenção do Estado e a punição de seus autores em preservação dos direitos fundamentais dos cidadãos e dos superiores interesses da comunidade e da Nação. 
        A defesa da Pátria, a preservação das instituições, a proteção do cidadão e da coletividade é direito e dever do Estado. Nenhuma Nação pode sobreviver com independência, se não lhe for reconhecida a prerrogativa de defender, com o Poder e pela força, se necessária, o seu território, o seu povo, o seu regime político e o seu sistema constitucional, contra a violência das minorias inconformadas e o ataque das ideologias contrárias à ordem jurídica vigente.
        Nisto é que reside, basicamente, a Soberania de uma Nação. O Poder instituído tem o direito-dever da autodefesa. É o controle social do Poder de que nos fala Loewenstein, nestes termos. «En la sociedad estatal, el Poder Político aparece como el ejercício de un efectivo control social de los detentadores deI Poder sobre los destinatários del Poder» (Carl Loewenstein, «Teoría de la Constitución», tradução Ariel, Barcelona, 1965, pág. 27) . 
        Essa autodefesa do Estado não afronta os direitos individuais, nem descaracteriza a democracia, quando exercida nos limites da Constituição e das leis, em benefício dos próprios indivíduos, da coletividade e da Nação na busca incessante de seus objetivos presentes e futuros. 
        Já o disse com mais autoridade o nosso eminente Ministro da Justiça, Prof. Alfredo Buzaid, nas comemorações do sexto aniversário da Revolução de Março de 64, que: «O verdadeiro fim do Estado, segundo a concepção tomista, é a realização do bem comum. Ora, o bem comum é o fim tanto do povo quanto do indivíduo», mas para a preservação desse bem comum, o Estado há de usar do seu poder para a defesa do que a maioria instituiu como o regime político e jurídico de sua preferência, num dado momento histórico, pelo que o mesmo jurista conclui que «ninguém pode admitir uma liberdade individual que gere o desassossego coletivo, uma liberdade terrorista que infunda o pânico na sociedade, uma liberdade de facínoras que assaltam a economia alheia, matam guardas, roubam metralhadoras e desafiam a autoridade constituída» («Rumos Políticos da Revolução Brasileira», 1970, págs. 29 e 41). 
        Diante dessa realidade, é direito e dever do Estado, prevenir e reprimir toda conduta atentatória da segurança nacional, no sentido global em que está conceituada. 
        Além das atividades subversivas caracterizadas pelo emprego da violência para a tomada do Poder, outras existem que podem influir na opinião pública e afetar a segurança nacional, tal como a divulgação de idéias e noticiários tendenciosos, por todos e quaisquer meios de comunicação falada, escrita, ou expressa na imagem, pela imprensa, pelos filmes, pelo rádio ou pela televisão, as quais, por isso mesmo ficam sujeitas ao controle do Estado, através do poder de polícia. 
        Essas limitações à imprensa são perfeitamente compreensíveis e de adoção universal, valendo invocar, na Inglaterra, o «Public Order Act», de 1936, que condiciona a manifestação do pensamento ao respeito às instituições e à tranqüilidade pública e, nos Estados Unidos, a denominada Lei de Sedição, "de 1940, que coarcta atividades e manifestações prejudiciais ao regime e ao Estado, para só citar normas restritivas de duas nações tradicionalmente democráticas, visto que nas Constituições de quase todos os Estados Modernos já se encontram limitações, não só à manifestação do pensamentocomo a outras atividades particulares que possam afetar a segurança nacional.
        Entre nós, no que tange à liberdade de pensamento merece lembrada a garantia constitucional da comunicação (art. 153, § 8º), com a restrição que se lhe segue de que haverá censura de diversões e espetáculos públicos e que não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceito de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes. Com base nesse preceito constitucional foi recentemente expedido o decreto-lei n. 1.077, de 1971, que declara intoleráveis as publicações e exteriorizações que contenham obscenidade ou pornografia atentatória da moral e dos bons costumes. 
        Não se nega - nem deve o Estado Democrático negar - liberdade à imprensa, para que ela informe o povo, critique os erros do Governo e oriente a opinião pública quanto aos direitos e deveres do cidadão, e debata os grandes temas da atualidade. Mas essa liberdade não pode ser ilimitada, porque descamba para a licença e a distorção. Daí a justa observação do saudoso Min. Nélson Hungria, de que: «A liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação do pensamento; mas como todo direito tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios» - ao que nós acrescentamos - e no interesse nacional. «Em quase todo o mundo civilizado, a imprensa, pela relevância dos interesses que se entrechocam com o da liberdade das idéias e opiniões, tem sido objeto de regulamentação especial» («Comentários ao Código Penal», 1943, vol. VI/261). 
        Dentro dessa idéia e para esses fins é que foi promulgada a nossa vigente Lei de Imprensa (lei n. 5.250, de 1967), que regulamenta a manifestação pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer. Essa lei ao mesmo tempo que garante a liberdade de imprensa delimita o âmbito dessa liberdade e, define os delitos específicos dessa atividade e estabelece as sanções coibidoras dos abusos. É um instrumento de segurança nacional, como os demais que restringem a liberdade individual em benefícios da coletividade e dos interesses superiores da Nação, que não podem ficar expostos e indefesos diante dos ataques diretos da subversão ou dos efeitos solapadores da imprensa quando dirigida contra a ordem interna e a paz social. Com base nessa norma legal delimitadora das atividades da comunicação e da divulgação é que Estado exerce o seu poder de polícia administrativa e judiciária, para conter os abusos e punir os responsáveis. 
        Mas não só nesse setor, como em qualquer outro em que se pratique atividades anti-sociais ou antinacionais tem o Estado o poder e o dever de acionar o seu mecanismo de polícia administrativa ou judiciária para conter os excessos da liberdade individual e aplicar as penalidades legais aos que atentem contra a Nação, a coletividade e o próprio indivíduo como membro da comunidade estatal. 
        Assim é no campo dos espetáculo públicos, em que se justifica a censura e outras medidas de polícia administrativa, preventivas ou repressivas, para impedir ou coibir a divulgação da idéia ou da imagem atentatória da moral ou incitadora da desordem que afeta a segurança nacional. 
        Assim é nas reuniões públicas em que o calor do debate pode gerar polêmica e esta degenerar em conflito social perturbador da ordem interna. 
        Assim é nas greves nos serviços públicos e atividades essenciais à comunidade, em que a sua paralisação ou atraso no atendimento da população pode provocar danos irreparáveis e reação popular de conseqüências imprevisíveis, pelo que se impõe a adoção de providências de polícia administrativa e judiciária, com a intervenção do Estado para restabelecer a normalidade em prol da segurança nacional. 
        Assim é, enfim, em todas as ações ou omissões individuais ou coletivas de repercussão na ordem interna, na paz social, na saúde pública, na economia popular e no bem-estar da comunidade. Ocorrendo perturbação em qualquer desses setores há interesse público no seu restabelecimento, o que justifica e requer o emprego do Poder Nacional através do poder de polícia administrativa ou judiciária como medida assecu- ratória ou restauradora da normalidade na vida da Nação, que é o objetivo último da segurança nacional. 
VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS 
        Do exposto se conclui que o conceito atual de segurança nacional é amplo e abrangente de todos os setores e atividades que se desenvolvem no Território Nacional, e está intimamente ligado ao desenvolvimento integrado da Nação. 
        Segurança Nacional e Desenvolvimento são dois termos da mesma equação. Em suas origens a idéia de segurança nacional confundia-se e restringia-se à de Defesa Nacional; hoje, ampliou-se o conceito de defesa territorial e institucionaI à preservação da ordem jurídica, da ordem política da ordem econômica e da ordem social. Todas as forças da Nação estão empenhadas na segurança nacional, daí porque a Constituição vigente, além de atribuir às Forças Armadas a principal responsabilidade peIa segurança nacional (art. 91) , estendeu-a também a todo cidadão e empresa que atuem no território brasileiro (art. 86) porque todos participam e auferem suas vantagens. 
        Esse conceito globalizante de segurança nacional nos foi dado magistralmente pelo saudoso Marechal e Presidente Castello Branco, em aula magna proferida nesta mesma Escola Superior de Guerra, onde disse: «A noção de segurança (nacional) é mais abrangente. Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna: além disso, o conceito de segurança, muito mais explicitamente que o de defesa, toma em linha de conta a agressão interna, corporificada na infiltração e subversão ideológica, até mesmo nos movimentos de guerrilha, formas hoje mais prováveis de conflito que a agressão externa» (Aula inaugural dos Cursos da ESG, em 13.3.1967). 
        Realmente, a moderna segurança nacional, visa precipuamente a assegura a ordem interna e a paz social, através não só de medidas de força, como, e principalmente, de providências de natureza política, econômica e social, que propiciem o desenvolvimento, gerador do bem-estar individual e da tranqüilidade coletiva. É a segurança com desenvolvimento e democracia, ou seja, o emprego de todos os recursos do Estado para o atingimento dos objetivos e aspirações nacionais, recursos esses que compõe o Poder Nacional, que a ESG define como «a expressão integrada de meios de toda ordem de que dispõe efetivamente a Nação, numa época considerada, para promover a consecução ou manutenção dos objetivos nacionais». 
        Esse Poder Nacional combinado com o respeito à ordem jurídica vigente e aos direitos individuais é que caracteriza o regime democrático, como um sistema de equilíbrio entre as prerrogativas do cidadão e os interesses sociais da coletividade, que a Nação tem o dever de tutelar, para o pleno desenvolvimento a que todos aspiramos. 
(*) Conferência proferida na Escola Superior de Guerra, em 24 de maio de 1972. 
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FONTE:
MEIRELLES, Hely Lopes. Poder de polícia e segurança nacional. Revista dos Tribunais, v. 61, n 445, p. 287 – 298, nov. 1972.
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