Buscar

Rousseau e o Contrato Social - Livro Texto - Unidade II

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 99 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

36
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Unidade II
5 DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA DESIGUALDADE ENTRE 
OS HOMENS: PRIMEIRA PARTE
Muitos intérpretes afirmam que o Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre 
os Homens (ou Segundo Discurso) marca a passagem do Rousseau músico para o Rousseau filósofo. 
Se no Primeiro Discurso foi divulgada sua posição condenando as ciências e as artes, na segunda obra a 
crítica ganha mais fôlego e força, já que nela é descrita a queda do homem em sociedade.
Tal posição é, sem dúvida, herdeira do pensamento contratualista que o precedeu. O filósofo 
genebrino se preocupa com a necessidade de uma fundamentação legítima do Estado, da natureza 
do poder soberano, da dimensão da liberdade presente na condição civil e das formas do seu devido 
exercício – temas que estavam na agenda dos filósofos contratualistas.
Não à toa, Rousseau também se insere no movimento na medida em que busca uma fundamentação 
racional para a existência do Estado. Basta observar os diversos diálogos que o autor faz com Grotius, 
Hobbes, Locke e Pufendorf, entre outros.
Todavia, há também uma inversão em relação ao contratualismo. Isso porque já no Segundo Discurso 
fica claro que a ideia de estado de natureza não é utilizada para justificar um rol de direitos naturais.
Sobre o estado de natureza, explica Starobinski:
O estado de natureza é, pois, tão somente o postulado especulativo que 
uma história hipotética se confere, princípio sobre o qual a dedução poderá 
apoiar‑se, em busca de uma série de causas e de efeitos bem encadeados, 
para construir a explicação genética do mundo tal como ele se oferece aos 
nossos olhos (STAROBINSKI, 1991, p. 26).
Ao contrário, esse estado é considerado ponto de partida e chegada, pois é base da liberdade 
humana, e todo o esforço político se dá com o fim de retomá‑lo, ainda que artificialmente, em sociedade. 
Rousseau defende que o verdadeiro estado de natureza deve ser buscado mais aquém de todas as 
formas de socialização conhecidas: vale dizer, que o homem verdadeiramente natural, selvagem, deve 
ser procurado anteriormente a qualquer estágio de civilização.
É inevitável perceber a grande contribuição da filosofia de Rousseau para a formação do campo da 
etnologia. Em 1962, em celebração dos 250 anos de nascimento do filósofo, Lévi‑Strauss apresentou a 
conferência “Jean‑Jacques Rousseau, Fundador das Ciências do Homem”.
37
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
Rousseau não foi apenas um observador agudo da vida camponesa, um 
leitor apaixonado de livros de viagem, um analista avisado de costumes 
e crenças exóticos. Pode‑se afirmar, sem temer contestação, que ele 
concebeu, desejou e anunciou a etnologia, que ainda não existia, um século 
antes de seu surgimento, situando‑a imediatamente em seu lugar ao lado 
das ciências naturais e das ciências humanas já constituídas. E tinha até 
adivinhado como, em termos práticos – graças ao mecenato individual ou 
coletivo –, ela daria seus primeiros passos (LÉVI‑STRAUSS, 2013, p. 45).
Nessa perspectiva, o acordo não é firmado para legitimar a submissão dos membros do Estado a 
uma autoridade suprema. O contrato, em verdade, restaura a liberdade perdida e assegura uma posição 
de criador e de participante da vida política. Tal posição inova o contratualismo, colocando uma nova 
agenda para a Filosofia Política.
O Segundo Discurso descreve a gênese da sociedade e dos problemas advindos com o implemento da 
vida social, em especial o surgimento e a consolidação das desigualdades. Essa gênese encontra‑se em 
um estado de natureza em que os homens viveriam antes da instituição da sociedade política, e nesse 
ponto Rousseau se vincula bem à tradição contratualista. Não seria possível a análise das instituições 
políticas sem antes considerar as condições de sua formação.
Da mesma forma, a gênese aponta para um paradoxo: a formação da sociedade corrompe o homem, logo 
o esforço humano é se aproximar de alguma forma – mesmo que artificialmente – do estado de natureza.
Se a expansão da técnica teve como consequência o alargamento do 
progresso, do ponto de vista moral houve uma decadência. Esse é o grande 
paradoxo vivido pelo homem: a atualização de suas potencialidades requer 
o processo histórico, mas a entrada nele é, ao mesmo tempo, o abandono da 
sua condição natural e a sua consequente perversão [...]. Rousseau estabelece 
uma comparação entre o homem do homem, ser social e modificado pelo 
progresso dos tempos, e o homem natural ou originário e em plena sintonia 
com a ordem natural. É nesse descompasso que se originaram as misérias da 
humanidade (PISSARA, 2017, p. 25).
Na descrição apresentada no Discurso, Rousseau evita abordar o estado de natureza, tendo 
como modelo experiências concretas do Estado civil. Não há espaço para modelos observáveis de 
comportamentos habituais; logo, ele relativiza as descrições históricas, já que se trata de um mecanismo 
operativo no discurso rousseauísta. Trata‑se de raciocínios hipotéticos e condicionais, semelhantes aos 
que cientistas fazem sobre a formação do mundo.
A Filosofia Política, por exemplo, não deve se prender aos fatos com maior veemência do que o 
fazem as próprias ciências naturais. Pretende‑se, então, formular e buscar respostas para hipóteses 
explicativas. Destaca‑se aqui que as alusões históricas presentes no Discurso são mais imagens vívidas 
do que se pretende mostrar do que argumentos demonstrativos.
38
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Após essa breve apresentação, é possível passar à análise dos argumentos presentes no 
Segundo Discurso.
O Segundo Discurso surge como uma resposta à pergunta formulada pela academia de Dijon: 
“Qual a origem da desigualdade entre os homens e será ela permitida pela lei natural?” (ROUSSEAU, 
1999, p. 157). Segundo o comentador Paul Arbousse‑Bastide, nessa obra há duas fontes do discurso: “de 
um lado, Rousseau sofreu a influência da filosofia enciclopédica, e, de outro, a das ciências naturais e 
históricas” (1978, p. 203).
Seguindo a divisão que Bastide faz da obra, em seu Segundo Discurso Rousseau apresenta, na dedicatória, 
as razões morais, políticas e “providenciais” por meio de um efetivo elogio à República de Genebra.
Todos sabem com que sucesso a arte da prédica é cultivada em Genebra; 
porém, muito acostumados a ver dizer de uma maneira e agir de outra, 
poucas pessoas sabem até que ponto o espírito do cristianismo, a santidade 
dos costumes, a severidade consigo mesmo e a brandura para com o próximo 
reinam entre nossos ministros. Talvez caiba apenas à cidade de Genebra 
mostrar o exemplo edificante de uma tão perfeita união entre uma sociedade 
de teólogos e de letrados. É, em grande parte, em sua sabedoria e em sua 
moderação reconhecidas, é nesse seu zelo pela prosperidade do Estado que 
fundamento a esperança de sua tranquilidade eterna; e noto, com um prazer 
mesclado de espanto e de respeito, como eles têm horror das detestáveis 
máximas desses homens sagrados e bárbaros de quem a História fornece mais 
de um exemplo e que, para sustentar os pretensos direitos de Deus, ou seja, 
seus interesses, não eram nada avaros do sangue humano, pois se gabavam 
que o deles sempre seria respeitado (ROUSSEAU, 1999, p. 146).
Vale apontar que Rousseau narra a imagem de Genebra tal como um modelo ideal de sociedade civil, 
próxima do estado de natureza. Nessa dedicatória, afirma que na sua pátria há um respeito mútuo entre 
os cidadãos, que cultivam os melhores hábitos a ponto de justificar que o povo genebrino possuíaum 
único e mesmo interesse em promover a felicidade comum.
Ademais, o filósofo já antecipa a visão pretendida com o contrato social, um instrumento que 
garantisse o equilíbrio entre igualdade e liberdade, “um país onde o direito de legislação fosse comum a 
todos os cidadãos, pois quem melhor do que eles para saber em que condições lhes convém viver juntos 
numa mesma sociedade?” (p. 138).
A primeira parte do Discurso sobre a Origem da Desigualdade marca o esforço do filósofo em 
estabelecer o paradigma referencial da obra: o estado de natureza. Assim, a preocupação inicial é 
investigar o ponto de partida originário, para conseguir, posteriormente, realizar o exame da sociedade 
civil. Rousseau buscará no homem em sua condição natural a verdadeira essência, isto é, conhecer o real 
arquétipo do ser humano desprovido de qualquer artificialidade.
39
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
5.1 Prefácio do Discurso sobre a Desigualdade
Rousseau inicia o prefácio afirmando a difícil tarefa de realizar uma investigação sobre o homem. 
Para tanto, remonta à inscrição do templo de Delfos, sobre, conhecendo‑se a si mesmo, poder conhecer o 
universo e os deuses. Rousseau já justifica sua pesquisa pela gênese da sociedade por meio da necessidade 
de reconhecer a ignorância do conhecimento produzido pelas ciências e da necessidade da reflexão sobre 
o “outro”. Isso pode ser compreendido com base na indagação: como o homem chegará ao ponto de 
ver‑se tal como o formou a natureza, com todas as mudanças produzidas na sua constituição original 
pela sucessão do tempo e das coisas, e separar o que pertence à sua própria essência daquilo que as 
circunstâncias e seus progressos acrescentaram a seu estado primitivo ou nele mudaram?
Discutindo tal propósito, Lévi‑Strauss afirma a importância da operação sobre a reflexão sobre o “outro”.
O pensamento de Rousseau brota, portanto, a partir de um duplo princípio, 
o da identificação a outrem e até ao mais “outrem” de todos os outrens, até 
um animal; e o da recusa da identificação a si mesmo, ou seja, a recusa de 
tudo o que pode tornar o eu “aceitável”. Essas duas atitudes se completam, 
e a segunda inclusive funda a primeira: na verdade, eu não sou “eu”, e sim o 
mais fraco, o mais humilde, dos “outros” (LÉVI‑STRAUSS, 2013, p. 51).
Tal como um etnólogo, Rousseau se propõe a promover um estudo sério do homem, de 
suas faculdades naturais e de seus desenvolvimentos sucessivos. Para tanto, depende de uma 
reorientação do espírito:
[…] a alma humana, alterada no seio da sociedade por mil causas 
incessantemente renascentes, pela aquisição de um grande número de 
conhecimentos e de erros, pelas mudanças ocorridas na constituição dos 
corpos e pelo choque contínuo das paixões, mudou, por assim dizer, de 
aparência a ponto de ficar quase irreconhecível (ROUSSEAU, 1999, p. 146).
Essa reorientação pode ser compreendida como um reconhecimento do homem social como o 
homem natural que toma consciência de si mesmo – o que permite identificar o homem como 
pertencente a um conjunto de semelhantes – e ao mesmo tempo marca as diferentes relações firmadas 
entre eles. Ainda, por detrás da reorientação, Rousseau justifica tal operação por meio do sentimento 
de comiseração, ou piedade (pitié), capaz de desnaturalizar os vícios do homem e reaproximá‑lo dos 
seus semelhantes diante das necessidades mais básicas.
A piedade, insiste Lévi‑Strauss, não é apenas a forma de identificação com 
a humanidade em geral: através dela, o homem redescobre a infraestrutura 
vital de sua existência. É sobre esta faculdade primordial que se virão 
desenhar, num jogo de oposições, os predicados que a ciência deve decifrar. 
O homem identifica‑se, de início, pela piedade, com a totalidade da vida, 
para distinguir‑se em seguida, no interior desse campo, do não humano 
(PRADO JR., 2008, p. 321).
40
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Percebe‑se, assim, que Rousseau não faz um mero inventário de observações da sociedade, separando 
o que há de original e de artificial na natureza atual do homem. Há, em verdade, uma transformação no 
ponto de vista do filósofo, que abdica de sua posição suprema e nega as suas diferenças em relação ao 
homem natural. Novamente Lévi‑Strauss é preciso: “eu não sou ‘eu’, e sim o mais fraco, o mais humilde, 
dos ‘outros’” (2013, p. 51).
Mesmo que Rousseau não esteja tratando de um estado de natureza histórico, isso não é um problema, 
já que a reorientação do espírito é uma condição metodológica para uma discussão que ultrapassa 
a questão da identificação histórica da desigualdade entre os homens. O interesse é compreender a 
definição do homem munido pelo sentimento da piedade. Logo, o comentador Arbousse‑Bastide afirma:
[...] o método empregado por ele [Rousseau] é psicológico; o estado de 
natureza, como o define aqui, é o homem, fazendo‑se abstração da vida 
social; o problema é, então, saber quais são, no homem, os elementos que 
derivam da constituição do indivíduo (1978, p. 28).
De modo esquemático, Rousseau se propõe a entender a sociedade por meio da reconstrução 
baseada em um fundamento: o homem natural fundou a sociedade. Seguindo o método de Rousseau, 
para alcançar o homem natural, com o qual se deve reconstruir a sociedade, impõe‑se isolar nele tudo 
o que existe de social.
Como exemplo da dificuldade de abdicação da posição suprema da filosofia e da necessidade de 
resgatar a compreensão da natureza via o sentimento da piedade, Rousseau aborda, no prefácio, o 
problema de definir o que é a lei natural para os filósofos modernos. A crítica rousseauísta alcança forma 
quando discute que essas explicações dependem da construção de estruturas metafísicas para justificar 
o que é direito natural de forma obscura e restrita para poucos.
Conhecendo tão mal a natureza e concordando tão pouco no sentido da palavra 
lei, seria bem difícil de convir numa boa definição da lei natural. Por isso todas 
as que se encontram nos livros, além do defeito de não serem uniformes, têm 
também o de serem tiradas de vários conhecimentos que os homens não 
possuem naturalmente, e vantagens cuja ideias eles só podem conceber depois 
de sair do estado de natureza. Começa‑se por buscar as regras em que, para 
utilidade comum, seria oportuno que os homens conviessem entre si; ademais, 
dá‑se o nome de lei natural à coleção dessas regras, sem outra prova além do 
bem que, segundo supõem, resultaria de sua prática universal. Esta é, por certo, 
uma maneira muito cômoda de compor definições e de explicar a natureza das 
coisas por conveniências quase arbitrárias (ROUSSEAU, 1999, p. 154).
Ato contínuo, Rousseau já explica que as verdadeiras leis da natureza precisam decorrer da 
compreensão imediata das operações mais simples da alma humana, a saber: o interesse em preservar 
o bem‑estar e a sobrevivência, além da repugnância natural a ver perecer ou sofrer qualquer vida, em 
especial a do homem. Tais leis, conhecidas como o amor de si e a piedade, são as bases para descrever o 
homem no estado de natureza.
41
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
Figura 5 – Nativo americano sentado à beira do Grand Canyon, Arizona
Por fim, nos últimos parágrafos do prefácio, Rousseau aborda a importância de conhecer o estado 
de natureza para compreender o mundo político.
[...] esse mesmo estudo do homem original, de suas verdadeiras necessidades 
e dos princípios fundamentais de seus deveres, representa ainda o único 
meio que se pode empregar para afastar essa multidão de dificuldades que 
se apresentam sobre a origemda desigualdade moral, sobre os verdadeiros 
fundamentos do corpo político, sobre os direitos recíprocos de seus 
membros e sobre inúmeras questões semelhantes, tão importantes quanto 
mal esclarecidas (p. 156).
5.2 Descrição do homem no estado de natureza
Rousseau inicia a obra com uma advertência, indicando que o tema central é o estudo do homem 
segundo a questão proposta pela Academia de Dijon. Na sequência, após a saudação aos examinadores, 
distingue dois tipos de desigualdade. Uma é natural, e a outra é convencional. Vejamos:
Concebo, na espécie humana, dois tipos de desigualdade: uma que chamo 
de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza e que consiste na 
diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do 
espírito e da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral ou 
política, porque depende de uma espécie de convenção e que é estabelecida 
ou, pelo menos, autorizada pelo consentimento dos homens (p. 159).
42
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Tal distinção já aponta para a diferença entre o plano natural e o social (ou convencional), na medida 
em que, no estado de natureza, não é possível, racionalmente, contrair as regras do amor de si e da 
piedade. Em contrapartida, por meio da convenção, é possível instituir privilégios em prejuízo de outros, 
além, é claro, de permitir a diferenciação autorizada entre os mais ricos, reverenciados e poderosos e 
os demais, excluídos de determinados círculos do poder. Ainda, Rousseau especifica o propósito do 
Discurso para o leitor, que é explicar a passagem do estado de natureza ao Estado civil.
Assinalar, no progresso das coisas, o momento em que, sucedendo o direito 
à violência, submeteu‑se a natureza à lei; explicar por que encadeamento de 
prodígios o forte pôde resolver‑se a servir do fraco, e o povo a comprar uma 
tranquilidade imaginária pelo preço de uma felicidade real (p. 160).
Para assinalar o ineditismo de sua abordagem, Rousseau apresenta uma crítica geral aos 
contratualistas, pois tais filósofos atribuem de forma equivocada as características do homem civil ao 
homem no estado de natureza. Diz o comentador Salinas Fortes:
[…] eles [contratualistas] não foram suficientemente radicais, e se detiveram 
a meio caminho na tentativa de reconstituir a condição pré‑social. 
Ao transportar para o homem primitivo atributos próprios do homem que 
vive em sociedade, embora pensando que desenham o retrato do homem 
natural, estão construindo uma projeção de si mesmos (1989, p. 44).
Em relação a Grotius, Rousseau afirma que este não hesitou em supor no homem no estado de 
natureza a noção do justo e do injusto. Em relação a Locke, o genebrino afirma que a ideia de que 
cada qual tem de conservar o que lhe pertence não é clara, já que não é possível indicar o conteúdo do 
pertencimento. Em relação a Hobbes, indica que esse já conferia de início ao mais forte a autoridade 
sobre o mais fraco, sem qualquer justificativa extraída da natureza.
Em verdade, o grande ponto para Rousseau é compreender que não se deve buscar os fatos para 
demonstrar o estado de natureza (pois até mesmo a Bíblia não fala deles) – equívoco compartilhado 
pelos contratualistas –, mas, sim, tratá‑lo como hipótese. Não à toa, afirma que vai buscar a história não 
nos livros, mas na natureza – quase como uma exortação naturalística.
Oh, homem, de qualquer terra que sejas, quaisquer que sejam tuas 
opiniões, escuta: eis tua história, tal como acreditei lê‑la, não nos livros 
de teus semelhantes, que são mentirosos, mas na natureza que jamais 
mente. Tudo o que vier dela será verdade; só haverá erro no que eu, sem 
querer, houver introduzido de meu. Os tempos de que vou falar são bem 
distantes; como mudaste daquilo que eras! (ROUSSEAU, 1999, p. 160).
Após essas advertências, Rousseau inicia propriamente a primeira parte do Segundo Discurso. 
Nessa parte, há uma evidente estrutura argumentativa, que pode ser assim esquematizada: homem 
natural do ponto de vista físico (anatomia), homem natural do ponto de vista metafísico (diferença 
entre o homem e o animal) e homem natural do ponto de vista moral.
43
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
O verdadeiro estado originário é apresentado por meio do retrato da vida pacífica e feliz de um 
homem robusto, vigoroso, submetido somente às necessidades elementares em um meio caracterizado 
segundo uma uniformidade e uma abundância natural. O estado de natureza é, enfim, um estado de 
equilíbrio entre os homens, pressupõe uma situação de suficiência perfeita, em que os sujeitos não 
necessitam transformar o mundo para poder satisfazer suas vontades, e, desse modo, o autor afasta 
qualquer possibilidade de união ou até mesmo de combate entre os semelhantes.
Bom selvagem
MetafísicoMoral
Físico
Figura 6 – Bom selvagem
Na sequência exploramos cada argumento apresentado por Rousseau no seu livro.
5.3 Aspecto físico
Em oposição à descrição aristotélica, Rousseau afirma que não procura compreender o estado natural 
do homem. Em primeiro lugar, não tratará da evolução biológica: “eu o suporei conformado em todos 
os tempos como o vejo hoje” (p. 163). Em segundo lugar, também não cuidará de dons sobrenaturais; 
Rousseau abordará o homem na condição de pura natureza.
Vejo um animal menos forte do que uns, menos ágil do que outros, 
mas, em conjunto, organizado de modo mais vantajoso do que todos os 
demais. Vejo‑o fartando‑se sob um carvalho, refrigerando‑se no primeiro 
riacho, encontrando seu leito ao pé da mesma árvore que lhe forneceu o 
repasto e, assim, satisfazendo todas as suas necessidades (p. 164).
Diferentemente de outras leituras que atribuem ao estado de natureza uma situação de escassez, 
o filósofo genebrino pressupõe uma abundância natural, que permitia um equilíbrio entre os homens. 
A simples natureza era capaz de dar subsistência ao homem, assim como aos demais animais. Vivendo 
na natureza, “os homens adquirem um temperamento robusto e quase inalterável” (p. 164). O bom 
44
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
selvagem vive com todo o vigor possível. Vive apenas com a força do seu corpo, sem máquinas ou outras 
invenções e, mesmo assim, é bem mais forte e capaz que o homem civilizado.
 Lembrete
O estado de natureza em Rousseau é descrito como uma situação 
hipotética de equilíbrio e paz.
O homem selvagem, na natureza, conhece seus poderes em relação aos dos animais e não os teme. 
Vive na selva em segurança e sem inconvenientes. Vive praticamente nu. Uma interessante comparação 
entre o guerreiro espartano belo e bom e o homem na natureza é apresentada pelo autor.
A natureza trata‑as precisamente como a lei de Esparta tratava os filhos dos 
cidadãos; torna fortes e robustas as que são bem constituídas e faz perecer 
todas as outras, sendo nisso diferente de nossas sociedades, nas quais o 
Estado, tornando os filhos onerosos para os pais, mata‑os indistintamente 
antes do nascimento (p. 165).
Importante caracterização do guerreiro grego belo e bom é apresentada pela filósofa Marilena Chaui:
Essas famílias [da Grécia Antiga], valendo‑se dos dois grandes poetas 
gregos, Homero e Hesíodo, criaram um padrão de educação, próprio dos 
aristocratas. Esse padrão afirmava que o homem ideal ou perfeito era o 
guerreiro belo e bom. Belo: seu corpo era formado pela ginástica, pela 
dança e pelos jogos de guerra, imitando os heróis da guerra de Troia 
(Aquiles, Heitor, Ájax, Ulisses). Bom: seu espírito era formado escutando 
Homero e Hesíodo, aprendendo as virtudes admiradas pelos deuses e 
praticadaspelos heróis, a principal delas sendo a coragem diante da 
morte, na guerra. A virtude era a Arete (excelência e superioridade), 
própria dos melhores, os aristoi (CHAUI, 2000, p. 42).
Rousseau também descreve o corpo do homem selvagem. Trata‑se do único instrumento que 
carrega consigo mesmo, dotado de força e agilidade e capaz de assegurar a sobrevivência na natureza. 
Nesse momento afirma “[c]olocai um urso ou um lobo em luta com um selvagem robusto, ágil, 
corajoso como são todos eles, armado de pedras e de um bom bastão, e vereis que o perigo será no 
mínimo recíproco” (ROUSSEAU, 1999, p. 166).
O filósofo apresenta, então, os inimigos que o homem selvagem possui no estado de natureza. 
Além dos animais, “são as enfermidades naturais, a infância, a velhice e doenças de toda espécie” 
(p. 167). As doenças, para o autor, são males mais próprios à vida em sociedade. Em relação à 
infância e à velhice, o homem as compartilha com os animais.
45
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
Porém, na natureza a mãe tem maiores condições de cuidar dos seus filhos, fazendo‑o com extrema 
facilidade. E na velhice a necessidade de alimentos diminui. A doença é, como já visto, oriunda da vida 
social. Nossos sofrimentos e perturbações “são, todos, indícios funestos de que a maioria de nossos 
males é obra nossa e que teríamos evitado quase todos se tivéssemos conservado a maneira simples, 
uniforme e solitária de viver prescrita pela natureza” (p. 167). Acrescenta ainda: “se ela [a natureza] nos 
destinou a sermos sãos, ouso quase assegurar que o estado de reflexão é um estado contrário à natureza 
e que o homem que medita é um animal depravado” (p.169). A história das doenças humanas segue a 
história das sociedades. “Evitemos, pois, confundir o homem selvagem com os homens que temos diante 
dos olhos” (p. 169).
Subjacente a essa descrição, prevalece uma crítica à ideia de domesticação do homem pela 
civilização. Obviamente, diferentes técnicas e conhecimentos justificam essa domesticação, que 
torna os homens fracos, temerosos e rastejantes; além disso, introduz a desigualdade em relação 
ao tratamento, o que torna o processo de degeneração veloz. 
Diferente é o caso da natureza, que, segundo Rousseau, trata o homem e os demais animais de 
forma igual. Com os animais ocorre a mesma coisa: se domesticados, tornam‑se frágeis e suscetíveis 
a enfermidades. E “acontece o mesmo com o próprio homem. Torna‑se sociável e escravo, torna‑se 
fraco, medroso e subserviente, e sua maneira de viver, frouxa e afeminada, acaba por debilitar ao 
mesmo tempo sua força e sua coragem” (p. 167).
Vivendo, então, sem preocupações, ao homem natural só importa a sua conservação. Destaca‑se 
que sua vida é solitária e suas atividades principais são as de ataque (para conseguir uma presa) e 
de defesa (para não se tornar ele próprio uma presa de outro animal). Alguns dos seus sentidos não 
são bem desenvolvidos em termos de delicadeza: é o caso do paladar. Já os sentidos necessários 
para a defesa, como a visão, a audição e o olfato são extremamente potentes. São assim os animais 
e os homens selvagens. Cabe ressaltar, também, o gosto de dormir: “[s]ozinho, ocioso, e sempre 
próximo do perigo, o homem selvagem deve gostar de dormir e ter o sono leve como o dos animais 
que, pensando pouco, dormem, por assim dizer, todo o tempo em que não estão pensando” (p. 171).
O ponto final dessa descrição física do homem na natureza é compreender que ele vive em equilíbrio 
e consegue exercer suas faculdades para o propósito da sobrevivência. Logo, não há espaço para 
desigualdades materiais, na medida em que não há escassez de recursos nem falta de aptidão física para 
a realização dos interesses, sobretudo se consideramos que ele vive de forma isolada e não possui tantas 
exigências para além da sua preservação individual.
Assim, conforme os termos da definição do homem no estado de natureza, percebemos que o 
homem se delimita como um ser capaz de uma possibilidade quase infinita de realização de tudo que 
o circunda; não existiria nenhum obstáculo natural capaz de impedir o pleno desenvolvimento de suas 
potencialidades; o homem é o sujeito capaz da perfectibilidade. Somente o homem conseguiria, então, 
alterar seu entorno e agir quando as circunstâncias do meio externo o exigissem, ou seja, a espécie 
humana seria a única apta à dominação da faculdade de aperfeiçoamento.
46
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
 Observação
Tal característica, de o homem conseguir alterar seu entorno e agir 
quando necessário, permite, aos olhos de Rousseau, distinguir a espécie 
humana das demais. Para ele, não se trata de uma diferença em termos 
de racionalidade ou princípio da liberdade; a diferença entre o homem e o 
animal é a perfectibilidade.
Mas, afinal, por que o homem é naturalmente bom no estado de natureza? Não seria uma possibilidade, 
ante a faculdade da perfectibilidade, encaminhar‑se para uma degradação humana no próprio estado de 
natureza? Rousseau afasta essa hipótese ao analisar o homem natural nas suas perspectivas metafísica 
e moral. Essas perspectivas distinguem o homem dos outros animais.
5.4 Aspecto metafísico
Rousseau rompe com certa tradição ao descrever o aspecto metafísico, pois não diferencia o homem 
dos demais animais pela racionalidade, mas, sim, por outros elementos. Adotando uma perspectiva 
cartesiana, tanto os homens como os animais são máquinas e sujeitos de conhecimento e ação. Em 
relação às ideias, Rousseau defende que os animais também as possuem. Dessa feita, a diferença em 
relação aos homens não seria de qualidade, mas apenas de quantidade.
A própria intuição sensível ou empírica justifica essa mitigação da racionalidade, quando admitimos 
que ela é o conhecimento direto e imediato das qualidades sensíveis dos objetos materiais que todos 
os animais possuem. Diz o filósofo genebrino: “todo animal tem ideias, uma vez que tem sentidos; 
chega a combinar suas ideias até certo ponto, e o homem, a esse respeito, só difere do animal na 
intensidade” (p. 173).
Sobre a intuição sensível como forma de explicação do mundo, sustenta a professora Marilena Chaui:
A intuição sensível ou empírica é psicológica, isto é, refere‑se aos estados 
do sujeito do conhecimento enquanto um ser corporal e psíquico individual 
– sensações, lembranças, imagens, sentimentos, desejos e percepções 
são exclusivamente pessoais. Assim, a marca da intuição empírica é sua 
singularidade: por um lado, está ligada à singularidade do objeto intuído 
(ao “isto” oferecido à sensação e à percepção) e, por outro, está ligada 
à singularidade do sujeito que intui (aos “meus” estados psíquicos, às 
“minhas” experiências). A intuição empírica não capta o objeto em sua 
universalidade e a experiência intuitiva não é transferível para um outro 
objeto (CHAUI, 2000, p. 78).
Ambos, homens e animais, têm sentidos e conseguem ter ideias. A diferença entre homens e animais 
é que os primeiros possuem liberdade. O animal não é capaz, nunca, de desviar‑se da regra, ao passo que 
47
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
o homem consegue (normalmente para seu prejuízo) afastar‑se dela. O princípio da liberdade é, assim, 
apresentado por Rousseau: “um escolhe ou rejeita por instinto, e o outro, por um ato de liberdade; é por 
isso que o animal não pode afastar‑se da regra que lhe é prescrita” (ROUSSEAU, 1999, p. 172).
Todavia, a liberdade não é sinônimo de desregramento, pois o homem concorre na natureza com 
outros animais e a ausência de limites pode prejudicá‑lo, “[a] liberdade é umafaca de dois gumes: ao 
mesmo tempo que revela nossa superioridade e espiritualidade, é o princípio de nossos desregramentos” 
(SALINAS FORTES, 1989, p. 55).
Outra diferença é a possibilidade de aperfeiçoamento (ou perfectibilidade). O animal, uma vez 
que tem seu desenvolvimento físico completado, não mais se altera. O homem, ao contrário, pode 
continuar desenvolvendo‑se – “é a faculdade de aperfeiçoar‑se” (ROUSSEAU, 1999, p. 173). Mas pode 
também degenerar. Logo, a ideia de perfectibilidade se refere à disposição de o homem escolher e 
alterar seu destino quando as circunstâncias externas assim exigirem, diante das mudanças do meio 
externo. Mas esta faculdade também permite ao homem se desviar de suas necessidades básicas e se 
afastar do estado de natureza.
Pergunta, então, Rousseau: “por que só o homem é suscetível de tornar‑se imbecil?” (p. 174). Justamente 
“pela sua atividade [das paixões] que nossa razão se aperfeiçoa” (p. 175). A relação aqui é entre paixão e razão 
– mais uma vez, Descartes. Rousseau considera que as faculdades intelectuais superiores são originadas das 
inferiores. “O homem selvagem, privado de toda espécie de luzes, só experimenta as paixões desta última 
espécie, não ultrapassando, pois, seus desejos a suas necessidades físicas” (p. 176). É a paixão que engendra a 
razão (e não o contrário). E mais: “os únicos bens que conhece no universo são a alimentação, uma fêmea e 
o repouso; os únicos males que teme, a dor e a fome” (p. 176).
Assim como os animais, o homem selvagem ainda não sabe o que é a morte. Ele vive para o presente, 
sem ter noção de futuro. Não tem a necessidade de desenvolver o raciocínio. Rousseau claramente reforça, 
aqui, sua crítica ao desenvolvimento das ciências e das artes como fonte para o desregramento humano.
Ainda nessa parte do livro, Rousseau discute a gênese da linguagem. A princípio, o homem não 
precisa desenvolver a linguagem. Ao argumentar a favor de que não existiria a linguagem na vida 
selvagem, Rousseau mostra que ela não poderia ser criada na simples natureza e, se criada, que 
não poderia ser estabelecida. A primeira língua foi, pois, o “grito da natureza”. A seguir, primeiro os 
gestos, depois as articulações da voz. Na sequência, o filósofo genebrino descreve como a linguagem 
foi, pouco a pouco, se desenvolvendo. Nomes próprios, sujeitos, verbos, adjetivos, preposições. 
Nesse ínterim, afirma a dificuldade com a operação das ideias abstratas em razão de sua representação 
por palavras e conclui pela dificuldade em precisar o desenvolvimento das línguas em relação ao 
desenvolvimento da sociedade.
A partir da discussão da linguagem, Rousseau elabora uma crítica à noção de que haveria uma 
sociabilidade natural. A miséria é muito maior na vida social do que na natural.
À nossa volta, quase que só vemos pessoas que se queixam de sua existência, 
várias até que dela se privam quando lhes é possível, e o conjunto das leis 
divinas e humanas mal basta para deter tal desordem. Pergunto se um dia 
48
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
ouviu‑se dizer que um selvagem em liberdade tenha somente pensado em 
queixar‑se da vida e em provocar a própria morte. Que se julgue, pois, com 
menos orgulho de que lado está a verdadeira miséria (p. 186).
5.5 Aspecto moral
Por aspecto moral, devem‑se entender as motivações das ações práticas do homem na natureza, em 
especial as paixões primitivas. Logo de início, ao abordar o tema da moral, Rousseau tece uma crítica a 
Hobbes. Os homens não são maus por natureza, é “a tranquilidade das paixões e a ignorância do vício 
que os impedem de agir mal” (p. 187).
Não vamos, sobretudo, concluir com Hobbes que, por não ter a menor ideia 
da bondade, o homem seja naturalmente mau; que seja vicioso por não 
conhecer a virtude; que sempre recuse aos seus semelhantes favores que 
não crê dever‑lhes; nem que, em virtude do direito, que se atribui com razão 
às coisas de que necessita, imagina loucamente ser o único proprietário de 
todo o universo (p. 188).
O homem natural pode conservar‑se sem prejudicar os demais. É neste contexto que, para Rousseau, 
ganha importância a ideia de piedade (pitié), virtude que existe no estado de natureza, inclusive entre 
os animais. A professora Maria Constança Pissara explica o ponto.
Pela pitié cada um se põe no lugar do outro, em sendo um sentimento inato, 
cada homem o recebeu na mesma porção, nem mais nem menos, o que 
lhe permite a capacidade de moderação do amor de si na direção do outro. 
Este, natural aos corações, é fundamental à manutenção da vida, e as 
necessidades com que nela nos deparamos são alcançadas pelo desejo que nos 
move para os objetos em busca da satisfação daquelas. A não convergência 
dos desejos e das necessidades resulta na corrupção presente no estado 
de sociedade, pois não é mais o equilíbrio originário que nos move, mas a 
imaginação fantasiosa de novas necessidades. [...] A pitié não se ensina nem 
é aprendida, mas desperta para a alteridade, para um outro semelhante ao 
mesmo com o qual se identifica e no qual se reconhece. Esse foi o verdadeiro 
fundamento da moralidade: os homens só se reuniram em sociedade porque 
se reconheceram como semelhantes (PISSARA, 2017, p. 32).
É nesse contexto também que Rousseau apresenta uma crítica ao teatro da época. Para o filósofo, 
a força da piedade é tamanha que, mesmo diante dos costumes mais depravados, muitos acabavam 
chorando em espetáculos: “como o sanguinário Sila, tão sensível aos males que não havia causado, ou 
aquele Alexandre de Feras, que não ousava assistir à representação de nenhuma tragédia” (1999, p. 191).
O filósofo genebrino aproxima a ideia da piedade natural da moral, inclusive indicando a derivação 
de outros sentimentos, como a generosidade, a clemência e a humanidade, entre outros. Em alguma 
medida, a piedade serve como base para a formação do senso moral do homem na natureza, daí sustentar 
49
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
que existem valores no estado de natureza – o que não depende da instituição da sociedade civil, mas 
das experiências como parte de nossa vida intersubjetiva.
Nesse momento, Rousseau cita o filósofo holandês Bernard Mandeville, crítico dos sistemas morais, 
sustentando a importância de paixões egoístas como orgulho e vaidade, que poderiam conduzir a ações 
benevolentes. Logo, “é evidente que essa identificação [entre o animal espectador e o animal sofredor] 
deve ser infinitamente mais íntima no estado de natureza do que no estado de raciocínio” (p. 191).
 Saiba mais
Bernard Mandeville (1670‑1733) foi um médico holandês que se 
estabeleceu em Londres, na Grã‑Bretanha. Em 1705, ele publicou um 
poema chamado “The Grumbling Hive”, ou “Knaves Turned Honest”, que 
foi republicado em 1714 sob o título pelo qual é agora famoso na história 
das ideias sociais e econômicas: A Fábula das Abelhas: ou Vícios Privados, 
Benefícios Públicos.
Nesse trabalho, Mandeville desafiou algumas ideias relativas à 
moralidade social e à ética religiosa, a saber: a conduta egoística de 
defender os interesses próprios por parte do indivíduo é muitas vezes 
moralmente errada e potencialmente “pecaminosa”. Ao contrário dessa 
posição, Mandeville argumentou que foi precisamente pelo fato de os 
homens perseguirem seus próprios interesses materiais – incluindo a 
“ganância” e o prazer humano – que todas as melhorias na sociedade 
aconteceram. Você pode ter contato com as ideias de Mandeville lendo 
diretamente sua obra, indicada a seguir.
MANDEVILLE, B. A fábula das abelhas: ou vícios privados, benefícios 
públicos. São Paulo: Unesp, 2018.
O homem que raciocina, tal como o filósofo, é aquele que se afastado sentimento original de 
piedade, que liga a humanidade. A piedade é, portanto, o sentimento natural que permite a preservação 
da espécie, “ela, no estado de natureza, ocupa o lugar das leis, dos costumes e da virtude, com a vantagem 
de ninguém se sentir tentado a desobedecer à sua doce voz” (p. 192). Ela inspira os homens à seguinte 
máxima: “Alcança teu bem com o menor mal possível para outrem” (p. 191). Só a razão não basta para 
a conservação da humanidade.
Nessa situação, as disputas entre homens não seriam muito perigosas. Mas há ainda outra paixão, 
que pode ser bem perigosa: o amor. Rousseau faz, aqui, uma distinção entre amor moral e amor físico. 
O amor físico é o que leva à cópula. O amor moral é o que conduz ao amor físico, tendo um objeto 
específico de preferência. Para Rousseau, o amor moral é “um sentimento artificial, nascido do costume 
da sociedade” (p. 192). Ele se deve a noções de mérito e de beleza, as quais são impossíveis para um 
50
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
selvagem. O selvagem contenta‑se com qualquer parceiro. Com isso, ele sofre menos e disputa menos 
com seus semelhantes. Em relação às disputas dos animais pelas fêmeas, que ocorrem em algumas 
espécies, devem‑se distinguir tais espécies da espécie humana.
Nada vincula um indivíduo de um sexo a outro a não ser o puro impulso 
momentâneo que, uma vez satisfeito, leva novamente cada qual para seu 
lado e restitui o isolamento anterior. É só com o desenvolvimento dos 
vínculos sociais que esse sentimento, refinado, será acompanhado de 
preferência e exclusividade e estará na origem de um vínculo constante. 
Mas é também somente com a passagem para a sociedade que ele 
adquirirá uma extraordinária intensidade, constituindo‑se também 
na ocasião para tensões e conflitos inteiramente ignorados até então 
(SALINAS FORTES, 1989, p. 58).
Ainda, meditando sobre as operações mais simples da alma, Rousseau afirma a existência de 
um instinto de autoconservação, o que assegura a sobrevivência do homem natural. O filósofo se 
refere à ideia de amor de si: “o amor de si move o homem na busca daquilo que é necessário à sua 
conservação de acordo com a ordem natural estabelecida, ou seja, todo o movimento de atração 
e de repugnância é determinado pelo instinto e não por uma exclusão deliberada de outrem” 
(PISSARA, 2017, p. 29). Não havia, portanto, nem espaço para educação nem progresso no estado 
de natureza. A atuação moral do homem se baseava no amor de si e na piedade natural.
Pelo exposto, Rousseau pode concluir que no estado natural a desigualdade entre os homens não 
tinha um papel relevante. As diferenças entre os homens “são unicamente obra do hábito e dos vários 
gêneros de vida que os homens adotam em sociedade” (ROUSSEAU, 1999, p. 199). Essas diferenças são 
tanto as físicas como as espirituais e devem‑se mais à maneira como o homem foi criado que à sua 
constituição natural. O mando e a obediência não são próprios do estado natural: não há como um 
homem subjugar outro na condição de simples natureza.
Assim, a possibilidade de cogitar uma degradação será somente viável em termos exteriores à pessoa 
do homem natural, afinal, como visto, a lei natural não autoriza a desigualdade entre os homens. Não 
há espaço para o desenvolvimento de vícios e virtudes num estado de natureza fechado e a‑histórico.
Na conclusão da primeira parte, ele retoma o que já fez e aponta o que fará na segunda parte do 
Discurso: analisar as sucessivas etapas pelas quais os homens saíram do estado de natureza e foram 
parar no Estado Social.
Depois de haver provado que a desigualdade é apenas perceptível no estado 
de natureza, e que nele sua influência é quase nula, resta‑me mostrar sua 
origem e seus progressos nos desenvolvimentos sucessivos do espírito 
humano. Depois de haver mostrado que a perfectibilidade, as virtudes sociais 
e as outras faculdades que o homem natural recebera potencialmente nunca 
poderiam desenvolver‑se por si sós, que para tanto necessitavam do concurso 
fortuito de várias causas estranhas, que poderiam jamais nascer, e sem as 
51
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
quais ele teria permanecido eternamente em sua condição primitiva, resta‑me 
considerar e relacionar os diferentes acasos que puderam aperfeiçoar a razão 
humana ao deteriorar a espécie, tornar mau um ser ao torná‑lo sociável e, de 
uma época tão recuada, trazer afinal o homem e o mundo ao ponto em que 
os vemos (ROUSSEAU, 1999, p. 200).
6 DISCURSO SOBRE A ORIGEM E OS FUNDAMENTOS DA DESIGUALDADE ENTRE 
OS HOMENS: SEGUNDA PARTE 
A segunda parte do Discurso trata da história e da dinâmica das relações humanas, narrando a 
degeneração do homem em sociedade.
Rousseau estabelece, nessa parte da obra, a origem da desigualdade entre os homens ao introduzir o 
movimento do processo de transformação. Tal movimento, por meio da ação da perfectibilidade, afasta 
o homem de sua condição originária. O homem civilizado é um ser desnaturado, opondo‑se ao mundo 
a seu redor e a ele próprio enquanto produto de si mesmo.
O momento inicial foi a instituição da propriedade privada. Diz Rousseau: “O verdadeiro fundador 
da sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou‑se de dizer “isto é meu” e 
encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá‑lo” (p. 203).
Todavia, a ideia de propriedade não nasceu repentinamente; ela foi evoluindo, fazendo progressos. 
Rousseau se propõe, então, a acompanhar essa evolução. Após tratar das características do homem 
selvagem na condição pura de natureza na primeira parte do Discurso, o autor apresenta, então, 
os estágios pelos quais a humanidade passou em seu desenvolvimento. A cada novo estágio, a 
desigualdade aumenta.
Para poder entender o comportamento crítico, é preciso encaminhar a trajetória linear da história 
irreversível da decadência e da corrupção progressiva que se desenvolve em termos conjecturais. 
Devemos lembrar que Rousseau procura avaliar as causas e os efeitos dos fatos para poder determinar 
as alterações ocorridas conforme uma ordem necessária de acontecimentos. O ponto de partida 
será o estado de natureza histórico, momento marcado pela perturbação do estado de equilíbrio 
anteriormente retratado. A alteração despertará a prática dos efetivos exercícios das potencialidades 
dos homens. Serão os novos obstáculos dos acasos catastróficos que os obrigarão a arranjar novas 
ferramentas e meios para superar as dificuldades impostas. Assim, os homens começarão a desenvolver 
uma espécie de reflexão maquinal, bem como darão início às primeiras associações livres, tendo em 
vista a necessidade de superar as barreiras de maneira conjunta.
Por essa razão, o autor poderá constatar que, a partir dos primeiros avanços do fazer instrumental 
e da reflexão, se inicia de maneira incipiente um certo processo de individuação específico do sujeito 
que marcará definitivamente, na última etapa da trajetória, a queda do homem consigo mesmo. 
Tradicionalmente é possível distinguir cinco fases: o comentado estado de natureza histórico, a 
Idade de Ouro, o primeiro progresso da desigualdade (ricos e pobres), o segundo (governantes) e o 
último (despotismo).
52
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Propriedade
Ricos e pobres
Governantes
Despotismo
Idade de OuroEstado de natureza histórico Estado de guerra
Figura 7 – Dinâmica do Segundo Discurso
6.1 Estado de natureza histórico
Rousseau começa retomando a situação do homem na natureza. O primeiro sentimento do homem foi 
o de sua existência, sua primeira preocupaçãoa de sua conservação. As produções da terra forneciam‑lhe 
todos os socorros necessários, o instinto levou‑o a utilizar‑se deles. Os instintos dominavam: o pacto 
entre homem e mulher era puramente animal e suficiente apenas para o acasalamento.
A seguir, descreve as razões pelas quais os homens foram instados a abandonar tal situação: “Mas logo 
surgiram dificuldades e impôs‑se aprender a vencê‑las” (p. 204). As primeiras dificuldades decorreram 
da convivência com os animais. Os homens foram forçados, com isso, a aperfeiçoar suas armas. Tiveram 
também início as primeiras disputas entre os homens. Percebe‑se, ademais, que não há mais solidão nem 
o equilíbrio do estado de natureza. Salinas Fortes, comentando essa passagem, se refere ao estado de 
natureza histórico (que não deve ser confundido com o da primeira parte).
Surgidas então as primeiras dificuldades, o indivíduo deve recorrer à própria 
iniciativa ou exercitar sua criatividade para aprender a vencê‑las. A altura 
das árvores, por exemplo, ou a concorrência dos outros animais, levou‑o a 
exercícios corporais. As condições climáticas – os longos invernos ou os longos 
verões – levaram‑no a uma nova indústria: alguns inventaram a pesca, e 
outros, em condições diferentes, a caça (SALINAS FORTES, 1989, p. 60).
Com o rápido aumento do número de indivíduos, eles acabaram se espalhando pelo mundo 
todo. Para se adaptar aos diferentes climas, acabaram aprimorando atividades para sua subsistência, 
como a pesca e a caça. Também passaram a se vestir e a usar o fogo. “À medida que aumentou o 
gênero humano, os trabalhos se multiplicaram com os homens” (ROUSSEAU, 1999, p. 204). Com esses 
desenvolvimentos, os homens perceberam a existência de relações (de grandeza, força, semelhança etc.). 
Com isso, consideraram‑se diferentes dos demais animais e descobriram ainda que os demais homens 
também pensam e agem.
É nesse momento histórico, guiado pela perfectibilidade, que Rousseau narra o progresso 
técnico com a construção de materiais que facilitavam a sobrevivência diante das diferenças dos 
terrenos e dos climas.
Ao longo do mar e dos rios, inventaram a linha e o anzol e tornaram‑se pescadores 
e ictiógrafos. Na floresta, construíram arcos e flechas e tornaram‑se caçadores e 
guerreiros. Nos países frios, cobriram‑se de peles dos animais que haviam matado. 
53
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
O trovão, um vulcão ou algum feliz acaso fez que conhecessem o fogo, novo 
recurso contra o rigor do inverno: aprenderam a conservar esse elemento, depois 
a reproduzi‑lo e, enfim, a preparar nele as carnes que antes devoravam cruas 
(ROUSSEAU, 1999, p. 205).
Diante do progresso técnico, Rousseau afirma que os homens desenvolveram uma prudência 
maquinal e aplicada por meio da repetição e, ao mesmo tempo, desenvolveram uma consciência diante 
das experiências observadas na natureza. Ainda, o autor narra o desenvolvimento de armadilhas e formas 
de ganhar os combates com maior facilidade. Daí a compreensão da dimensão do tempo, também, ter 
sido importante, já que “tornou‑se o tempo o senhor de alguns e o flagelo dos outros” (p. 205).
Simultaneamente, o homem no estado de natureza histórico começou a estabelecer relações com 
outros homens diante da consciência do outro. Têm início os primeiros compromissos. Para defender seu 
próprio bem‑estar, os homens acabam associando‑se uns aos outros. Inicialmente tais compromissos 
vinculavam‑se apenas ao tempo presente. Eram uniões em bandos ou em associações livres. 
Rousseau afirma que, nesse período, era possível compreender a importância dos compromissos mútuos 
em que ambas as partes se beneficiavam e conseguiam tirar proveitos.
Quando se tratava de pegar um cervo, cada qual bem percebia que para tanto 
deveria permanecer fielmente em seu posto; porém, se uma lebre viesse a 
passar ao alcance de um deles, não há dúvida de que ele a perseguiria sem 
escrúpulos e que, tendo atingido a sua presa, muito pouco se lhe dava faltar 
a dos companheiros (p. 207).
A linguagem também se desenvolve nessa época, mesmo que rudimentarmente: “Gritos inarticulados, 
muitos gestos e alguns ruídos imitativos compuseram durante muito tempo a língua universal” (p. 207).
Ponto interessante é compreender a fonte para essa descrição apresentada por Rousseau. 
Comenta Pedro Paulo Pimenta, fazendo uma referência à obra de Levi‑Strauss:
Rousseau pensa, por certo, na grande história, registrada nos livros, 
consagrada pela tradição; e quanto a um povo que parece alheio às 
transformações da história, ou parece se encontrar à margem desta? 
Rousseau nunca esteve entre os selvagens, e Lévi‑Strauss, que conviveu com 
eles, extraiu dessa experiência uma preciosa lição. O que o selvagem tem a 
ensinar ao homem civilizado é, em certo sentido, algo que este já sabe, uma 
verdade por assim dizer latente, de que agora ele poderá tomar consciência. 
E qual seria essa verdade? De acordo com Lévi‑Strauss, o que o Discurso 
sobre a Desigualdade oferece é bem menos e bem mais que uma teoria da 
sociedade; é uma teoria da sociedade mínima, teoria essa que Lévi‑Strauss 
só descobre nesse livro após a dura e reveladora experiência de viver entre os 
Nambiquara, no interior do Mato Grosso (PIMENTA, 2014 p. 4).
54
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
 Lembrete
O estado de natureza descrito na primeira parte do Segundo Discurso 
não se confunde com o estado de natureza histórico, apresentado na 
segunda parte da obra.
6.2 Idade de Ouro
O progresso do espírito foi conduzindo ao progresso da indústria, fase que ficou conhecida como a 
Idade de Ouro (em relação ao desenvolvimento técnico e antes da confirmação da desigualdade social). 
Tratava‑se de um momento intermediário em relação a avanços e degenerações.
Embora os homens houvessem ficado menos tolerantes e a piedade natural 
já houvesse sofrido certa alteração, esse período do desenvolvimento das 
faculdades humanas, mantendo‑se no exato meio‑termo entre a indolência 
do estado primitivo e a petulante atividade de nosso amor‑próprio, deve ter 
sido a época mais feliz e duradoura (ROUSSEAU, 1999, p. 212).
Para Rousseau, quanto mais se esclarecia o espírito, mais se aperfeiçoava a indústria. Tratava‑se de uma 
época de revolução: “uma primeira revolução que formou o estabelecimento e a distinção das famílias e 
que introduziu uma espécie de propriedade, da qual nasceram talvez muitas brigas e combates” (p. 208).
Figura 8 – Modelo da indústria de borracha na selva, Museu Público de Milwaukee
55
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
A partir dos primeiros desenvolvimentos, surgem as habitações, choupanas ou cabanas. Sua descoberta 
é bastante importante, por uma série de razões. Ela possibilita a formação da família (que é o primeiro 
tipo de sociedade), o aparecimento da propriedade (dado que é mais fácil construir uma cabana do que 
brigar com outros homens para obter uma) e o aprimoramento da condição psicológica do homem (com 
o surgimento dos amores conjugal e paternal). Surge então a busca por comodidades.
Nesse novo estado, numa vida simples e solitária, com necessidades muito 
limitadas e os instrumentos que tinham inventado para satisfazê‑las, 
os homens, gozando de um lazer bem maior, empregaram‑no na 
obtenção de inúmeras espécies de comodidades desconhecidas por seus 
antepassados (p. 209).
Mas, no fim das contas, tais comodidades acabaram por enfraquecer o gênero humano, pois o 
deixaram mais dependente e mais fraco de corpo e de espírito. A linguagem também se desenvolve, na 
sequência das mudançasna terra, que levam os homens a separar‑se em grupos.
Separados em grupos, começam as relações de vizinhança. Sentidos e sentimentos também 
aparecem: amor sentimental, beleza, ciúme. As artes também têm início, com cantos e danças. O valor 
que os outros lhe atribuem começa a ser importante para o homem. “Aquele que cantava ou dançava 
melhor, o mais belo, o mais forte, o mais astuto ou o mais eloquente, passou a ser o mais considerado, e 
foi esse o primeiro passo tanto para a desigualdade como para o vício” (p. 213). Nascem então a vaidade, 
a vergonha, o desprezo e a inveja. Os homens tornam‑se cruéis e sanguinários.
É essa fase de desenvolvimento da humanidade a “verdadeira juventude do mundo”. Aqui, o homem 
já não é mais primitivo, mas também não foi ainda corrompido pela sociedade. Aparecem as primeiras 
desigualdades civis e as obrigações públicas. Abundam vinganças e disputas. Os costumes começam a 
ser regulados e os infratores são punidos. De modo geral, pode‑se dizer que a crueldade já está inscrita 
na humanidade a ponto de, novamente, criticar Hobbes.
Observando quão distantes tais povos já estavam do primeiro estado de natureza 
é que vários estudiosos se precipitaram em concluir que o homem é naturalmente 
cruel e que é necessária a polícia para amansá‑lo, quando nada é tão manso como 
ele em seu estado primitivo, quando colocado pela natureza em igual distância 
da estupidez dos brutos e das luzes funestas do homem civil e limitado tanto 
pelo instinto como pela razão a proteger‑se do mal que o ameaça, é contido pela 
piedade natural de fazer ele próprio mal a alguém, sem a isso ser levado por nada, 
mesmo depois de tê‑lo recebido (p. 212).
6.3 Propriedade
A propriedade é descrita por Rousseau com base na dependência entre os homens. Para o filósofo, 
trata‑se de uma consciência da acumulação: “desde que percebeu que era útil a um só ter provisões para 
dois, desapareceu a igualdade” (p. 213). É nesse contexto que relata a segunda importante revolução: a 
da metalurgia e da agricultura.
56
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
O ferro e o trigo civilizaram os homens, desvinculando‑os do estado de natureza. Tais atividades 
permitiram fortalecer os mercados e as relações de troca. Aliás, a própria ideia de terra se modifica, já 
que, agora, precisa ser cultivada. Para ser cultivada, ela deve ser dividida. Temos aqui o nascimento do 
direito de propriedade: o proprietário é aquele que desfruta de uma posse contínua de determinada 
faixa de terra. Em relação a esse assunto, temos o argumento de Rousseau: “Da cultura de terras resultou 
necessariamente a sua partilha e, da propriedade, uma vez reconhecida, as primeiras regras de justiça, 
pois, para dar a cada um o que é seu, é preciso que cada um possua alguma coisa” (p. 215).
A desigualdade natural, inexpressiva de início, torna‑se, então, relevante para a cumulação 
de riquezas.
Assim, a desigualdade natural insensivelmente se desenvolve junto 
com a desigualdade de combinação, e as diferenças entre os homens, 
desenvolvidas pelas diferenças das circunstâncias, se tornam mais sensíveis, 
mais permanentes em seus efeitos e, em idêntica proporção, começam a 
influir na sorte dos particulares (p. 216).
Os mais aptos são capazes de trabalhar mais e, com isso, tornam‑se mais ricos que os demais. 
São desdobramentos da invenção da propriedade, ainda, o desenvolvimento das artes, das riquezas 
e das línguas. É “uma nova ordem de coisas” (p. 217).
Com isso tudo, temos enfim o desaparecimento da igualdade natural. O trabalho torna‑se cada vez 
mais importante. O homem vira um escravo – tanto de suas necessidades como de seus semelhantes.
Nesse ponto, uma oposição interessante pode ser traçada com Locke, pois Rousseau sustenta que 
a propriedade não resulta do trabalho, mas da acumulação. Daí é possível a usurpação, apropriar‑se de 
coisas além do seu trabalho. A diferença entre rico e pobre se instala.
O pobre, para não morrer de fome, acaba tendo que roubar ou aceitar que sua subsistência seja feita 
pelo rico. “Daí começaram a nascer, segundo os vários caracteres de uns e de outros, a dominação e 
a servidão, ou a violência e os roubos” (p. 219). Em razão disso, “seguiu‑se à rompida igualdade a pior 
desordem” (p. 219). Ricos e pobres colocaram‑se em situação antagônica e as disputas se iniciam na 
narrativa rousseauísta.
São essas transformações, consequência da apropriação privada dos meios de 
produção e dos frutos do trabalho, que exigirão e conduzirão inevitavelmente 
ao ingresso propriamente dito na sociedade civil. Esse momento de transição 
é caracterizado por Rousseau em termos próximos aos de Hobbes, como 
um “estado de guerra” generalizado, que ameaça a própria sobrevivência 
da humanidade. Com a instituição da propriedade privada e consequente 
desigualdade, cria‑se entre ricos e pobres um estado permanente de desavença 
e uma verdadeira “luta de classes”. Rousseau não utilizou essa expressão 
(SALINAS FORTES, 1989, p. 65).
57
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
As regras de justiça firmadas não conseguem mais organizar e estabelecer a concórdia, ao contrário, 
acabam afirmando o poder do dominador sobre o dominado. A situação é da dependência universal, 
um estado de guerra próximo da descrição hobbesiana: a desconfiança se generaliza, concorrência 
e rivalidade. De um lado disputa de interesses e, do outro, a realização de desejos a qualquer custo. 
A necessidade de um pacto como princípio da conservação de forças seria a solução? O pacto de 
associação e, consequentemente, a custódia de uma autoridade pública (pacto de governo) instituindo 
a sociedade civil seria suficiente?
A instituição de um governo legítimo sob a égide de um discurso fraudulento cria a possibilidade da 
constituição de uma ordem social, mas que, ao mesmo tempo, legitima a manutenção da propriedade 
privada, transpõe o estado de guerra para outro plano das relações entre os corpos políticos, fornece 
elementos para a intensificação das desigualdades entre fortes e fracos e, sobretudo, cria a possibilidade 
da imposição do poder arbitrário, instaurando uma relação de senhor e escravo. De tal forma que a 
desigualdade se concretiza em todas as suas esferas de atuação na vida humana. Seria o fim da história?
Ninguém é capaz de ser livre na sociedade civil; todos estão presos a um meio, submetidos à 
dependência do próximo, bem como ao seu julgamento. O ser humano não consegue mais viver 
a experiência do real; aparenta viver. E, nesse sentido, o percurso da degradação do conteúdo 
moral simultâneo ao progresso técnico da civilização descrita por Rousseau chega ao seu ponto 
máximo. Nada faz mais diferença que a desigualdade por si só, afinal todos são iguais, ou melhor, 
nada são na exata medida de suas respectivas aparências. O problema agora é outro: como libertar 
o homem civil da sua própria usurpação, usurpação tanto interna quanto externa? Constitui‑se 
o início de uma busca no interior da filosofia política de Rousseau.
6.4 Estado de guerra
O estado de guerra em Rousseau antecede a instituição da sociedade. Em razão da propriedade e das 
distinções baseadas em riquezas, a desordem se estabelece. Inclusive, Rousseau vincula algumas paixões 
como importantes veículos para diminuir a piedade natural. Diz ele: “as paixões desenfreadas de todos, 
ao abafarem a piedade natural e a voz ainda fraca da justiça, tornaram os homens avaros, ambiciosos e 
maus” (ROUSSEAU, 1999, p. 219).
Os homens perceberam que essa situação de guerra e calamidade lhes era desvantajosa. E era 
especialmente para os ricos, que tinham muito mais a perder que os pobres. O que se fez então?
O rico, forçado pela necessidade,acabou concebendo o projeto que foi o mais 
excogitado que até então passou pelo espírito humano. Tal projeto consistiu 
em empregar em seu favor as próprias forças daqueles que o atacavam, 
fazer de seus adversários seus defensores, inspirar‑lhes outras máximas e 
dar‑lhes outras instituições que lhe fossem tão favoráveis quanto lhe era 
contrário o direito natural (p. 221).
Os ricos então facilmente conseguiram convencer os pobres a se unirem a eles. “Todos correram ao 
encontro de seus grilhões” (p. 222). O pacto em questão não se refere às bases indicadas no Contrato 
58
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Social, mas apenas uma forma de instituir a sociedade na narrativa do Segundo Discurso e que não é 
capaz de evitar a degeneração do homem. Como a sociedade foi formada?
Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis, que deram novos entraves 
ao fraco e novas forças ao rico, destruíram irremediavelmente a liberdade 
natural, fixaram para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, fizeram 
de uma usurpação sagaz um direito irrevogável e, para lucro de alguns 
ambiciosos, daí por diante sujeitaram todo o gênero humano ao trabalho à 
servidão e à miséria (p. 222).
Todavia, a formação social não conseguiu atender às necessidades para as quais foi criada. 
Sustenta o autor que o governo inicial não teve uma forma constante e regular. A ausência de uma 
filosofia e de experiência só deixava perceber os inconvenientes presentes, e só se pensava em remediar 
os outros à medida que se apresentavam. Rousseau sustenta que, apesar dos trabalhos dos mais sábios 
legisladores, o estado político permaneceu sempre imperfeito, porque era quase obra do acaso, e, mesmo 
diante dos defeitos, nunca conseguiram corrigir os vícios de constituição.
A sociedade, a princípio, constituiu‑se somente de algumas convenções 
gerais que todos os particulares se comprometeram a observar e das quais 
a comunidade se tornou fiadora perante cada um deles. Foi necessário que 
a experiência demonstrasse como uma tal constituição era fraca (p. 225).
Foi necessário, assim, que “se delegasse a magistrados o cuidado de fazer observar as deliberações 
do povo” (p. 225). Ademais, uma segunda desigualdade é descrita por Rousseau: o estabelecimento de 
governantes (e magistrados).
Portanto, já existindo e funcionando plenamente, a sociedade, para ser bem administrada, cria outra 
figura além do governante: o magistrado. Com o surgimento das magistraturas, aparece uma segunda 
grande desigualdade (além da existente entre ricos e pobres): a desigualdade entre os fracos e os 
poderosos. Tendo o primeiro pacto (aquele que une os homens formando a sociedade) sido insuficiente, 
fez‑se necessário um segundo pacto. É o pacto pelo qual a sociedade se organiza em um governo. 
Destaca‑se, aqui, outra diferença em relação a Hobbes: não é mais um pacto entre todos para formar 
um soberano; é um pacto entre todos, imposto pelos ricos, para formar a sociedade, e outro pacto, entre 
a sociedade, para formar o governo organizado. Os magistrados aparecem, então, para garantir que as 
deliberações públicas sejam cumpridas.
Nesse momento, Rousseau faz uma crítica aos outros teóricos políticos que trataram da questão. 
Para ele, é inconcebível: 1) a defesa de uma tendência para a servidão; 2) a noção de que o poder político 
seja uma extensão do poder paterno; e 3) a noção de que o homem pode alienar sua liberdade ao firmar 
o contrato que dá início à vida política. A liberdade, portanto, não pode ser alienada.
Temos, nesse estágio da formação do governo, um Estado firmado ainda por um pacto social. É um 
contrato entre o povo e seus chefes. Não há ainda despotismo ou arbitrariedade. Nas palavras de Rousseau:
59
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
[...] limito‑me, seguindo a opinião comum, a considerar aqui o estabelecimento 
do corpo político como um verdadeiro contrato entre o povo e os chefes que 
escolhe, contrato pelo qual as duas partes se obrigam à observância das leis 
nele estipuladas e que formam os liames de sua união (p. 230).
É o tipo de instituição da sociedade, com seu variável grau de desigualdade, que ocasiona os 
diferentes tipos de regime de governo. “As várias formas de governo têm sua origem nas diferenças 
mais ou menos profundas encontradas entre os particulares por ocasião da instituição” (p. 231). 
Rousseau enfatiza aqui as consequências e os problemas da instituição de um governo ilegítimo, 
corrupto e que defende interesses particulares.
A sociedade vai se desenvolvendo até encontrar a terceira grande forma de desigualdade: a 
desigualdade entre senhor e escravo. Ela ocorre quando o poder legítimo, fundado numa convenção, 
é abandonado em prol do governo arbitrário. Ele tem origem justamente nos diferentes tipos de 
desigualdade (a natural, a de poder, a de nobreza e a riqueza), que acabam atuando como causa 
de desenvolvimento da humanidade. Mas o desenvolvimento não é tomado aqui apenas no seu 
aspecto positivo. Os males também se desenvolvem. Chega‑se, dessa forma, ao último estágio de 
degeneração do gênero humano.
Se seguirmos o processo da desigualdade nessas diferentes revoluções, 
verificaremos ter constituído seu primeiro termo o estabelecimento da 
lei e do direito de propriedade; a instituição da magistratura, o segundo; 
sendo o terceiro e último a transformação do poder legítimo em poder 
arbitrário (p. 235).
É uma retomada do que foi dito, uma síntese das passagens da humanidade em seus graus evolutivos:
Assim, o estado de rico e pobre foi autorizado pela primeira época; o de 
poderoso e de fraco pela segunda; e, pela terceira, o de senhor e escravo, 
que é o último grau da desigualdade e o termo em que todos os outros se 
resolvem, até que novas revoluções dissolvam completamente o governo ou 
o aproximem da instituição legítima (p. 235).
O último estágio é o retrato do horror: guerras, opressão, impostos, duelos, luxo. O direito que existe 
é apenas o direito do mais forte. A moralidade é convertida na simples obediência mediante temor. 
Inexistem as virtudes e os bens.
É do seio dessa desordem e dessas revoluções que o despotismo, elevando 
aos poucos sua horrenda cabeça e devorando tudo o que percebesse 
de bom e de sadio em todas as partes do Estado, conseguiria por fim, 
esmagar sob seus pés as leis e o povo, e estabelecer‑se entre as ruínas 
da República (p. 237).
60
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
Esse estado torna qualquer revolução legítima, pois não se apoia em ordem alguma. “É este o último grau 
da desigualdade, o ponto extremo que fecha o círculo e toca o ponto de que partimos” (p. 238).
Figura 9 – Padres de antílope cantando na dança da cobra Kisi Moki
Após descrever o estado de guerra, Rousseau chega então à conclusão. Para o filósofo, como 
demonstrado, a desigualdade não pode ser considerada legítima com base na natureza. A alma e as 
paixões humanas alteraram‑se no curso dos tempos, levando à transformação da natureza. O homem 
natural desapareceu. Ele, que não conhecia o trabalho e a escravidão, desapareceu para dar lugar ao 
homem social, aquele que vive para o trabalho e para a escravidão.
Conclui‑se desta exposição que a desigualdade, sendo quase nula no estado 
de natureza, extrai sua força e seu crescimento do desenvolvimento de nossas 
faculdades e dos progressos do espírito humano e torna‑se enfim estável e 
legítima pelo estabelecimento da propriedade e das leis. Conclui‑se ainda que a 
desigualdade moral, autorizada unicamente pelo direito positivo, é contrária ao 
direito natural todas asvezes em que não coexiste, na mesma proporção, com 
a desigualdade física; distinção que determina suficientemente o que se deve 
pensar a esse respeito da espécie de desigualdade que reina entre todos os povos 
policiados, já que é claramente contra a lei da natureza. Seja qual for a maneira 
por que a definimos, uma criança mandar num velho, um imbecil conduzir um 
homem sábio e um punhado de gente regurgitar de superfluidades enquanto a 
multidão esfaimada carece do necessário (p. 243).
Muitos intérpretes, para além da genealogia apresentada, afirmam que Rousseau apresenta 
uma teoria da sociedade e uma visão histórica dos seus paradoxos constitutivos: simultaneamente, 
constatam‑se os progressos sociais (progresso técnico e intelectual) e o aumento da desigualdade 
(degeneração moral).
61
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
7 CONTRATO SOCIAL
7.1 Visão geral
A conclusão do Segundo Discurso é, em verdade, o início da reflexão apresentada no Contrato Social. 
Afinal de contas, como assegurar a liberdade do homem civil?
Embora se tenha constatado a operação por meio de paradoxos em Rousseau, o filósofo é ciente 
da impossibilidade do retorno ao estado de natureza. A liberdade civil não pode ser idêntica à liberdade 
natural. Como visto, a tese de Rousseau, de que o homem é por natureza bom, é sustentada por motivos 
etnológicos, mas, historicamente, não é admitida pelo autor. O desafio é, então, saber: como regenerar o 
homem civil? A aposta indicada é por meio da ação política e de um contrato social entre os homens.
Tal apresentação é feita em um pequeno tratado intitulado Contrato Social, obra que deveria 
pertencer a um livro mais extenso sobre instituições políticas e que nunca foi concluído pelo filósofo 
genebrino.
Desde sua publicação, este tratado foi alvo de muita repulsa (proibido em Paris e queimado em 
Genebra), mas também foi base de orientação filosófica para movimentos revolucionários no mundo.
O livro, proibido na França, condenado em Genebra, difundiu‑se lentamente. 
Foi julgado difícil. A chegada da Revolução fez com que o lessem: falaram 
muito dele, e às vezes nele se inspiraram, como, por exemplo, Robespierre 
e Saint‑Just. Para homens às voltas com a ação política urgente, ele 
estava um pouco afastado dos fatos. É preciso sobretudo assinalar o culto 
extraordinário prestado a Jean‑Jacques após sua morte. Transformaram o 
autor de Contrato Social em mito e em símbolo estimulante da reconstrução 
política (BURGELIN, 1999, p. xxi)
O texto está organizado em quatro partes – que Rousseau chamou de livros – cada qual com uma 
série de capítulos. Interessante perceber que, tal como no Segundo Discurso, Rousseau também parte 
aqui de um problema concreto: indagar se pode existir, na ordem civil, alguma regra de administração 
legítima e segura, tomando os homens como são e as leis como podem ser.
Para tanto, no Livro I são apresentados os princípios fundantes da ordem civil, e nos livros subsequentes 
são pormenorizadas as aplicações desses princípios e o funcionamento do corpo político.
Uma pergunta inicial importante é saber se Rousseau está idealizando tal ordem ou se admite a sua 
aplicação como base para ação na sociedade. Luiz Roberto Salinas Fortes responde com precisão.
Não se trata de ver em termos ideais como seria uma sociedade 
concebida segundo a justiça, mas de conciliá‑la com o plano do 
interesse, sabendo‑se que os homens, tais como são, governam‑se pelo 
princípio da utilidade ou do amor de si. Não se trata de conceber uma 
62
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
Unidade II
sociedade apenas segundo os imperativos do “dever ser” ou da moral 
pura, mas uma sociedade humanamente viável, que sintetiza de maneira 
harmoniosa as exigências da justiça com as exigências materiais do bem 
viver (SALINAS FORTES, 1989, p. 80).
Obviamente Rousseau aposta na educação do cidadão, capaz de regenerar e equilibrar liberdade e 
igualdade. O que está subjacente é a ideia da ação política dos homens e da responsabilidade política de 
cada um pelos seus atos, além da ponderação dos desdobramentos da vida política na sociedade.
Nesse sentido, retomando lições já destacadas em autores como Maquiavel, a preocupação de 
Rousseau se refere aos problemas reais da sociedade, admitindo uma outra história possível. Não é o 
caso de admitir como final o pessimismo da degeneração narrada no Segundo Discurso.
Na sequência, cada capítulo do Contrato Social é apresentado em detalhes.
7.2 Livro I do Contrato Social
O Livro I, organizado em nove capítulos, aborda, logo de início, o objeto de sua investigação: se 
é possível existir na ordem civil alguma regra de administração legítima e segura, considerando os 
homens tais como são e as leis tais como devem ser.
Sua investigação se preocupa em localizar uma administração legítima e segura, não se tratando, 
portanto, do exame de uma ordem civil qualquer, mas de uma ordem civil legítima, respeitando os 
limites fixados por lei, bem como um equilíbrio entre justiça e utilidade.
Ainda no início de sua apresentação, Rousseau esclarece ao leitor sua posição de investigação, 
afirmando que não se trata de uma visão do princípio ou do legislador, mas de um indivíduo preocupado 
com o exercício da cidadania e os rumos do seu país. “Todas as vezes que medito sobre os governos, 
sinto‑me feliz por encontrar sempre, em minhas reflexões, novos motivos para amar o meu país!” 
(ROUSSEAU, 2006, p. 7)
Exemplo de aplicação
Com o esclarecimento da visão relacionada à cidadania no início do Contrato Social, compare a 
posição de Rousseau com a de Nicolau Maquiavel em O Príncipe. A mudança de perspectiva na narrativa 
transforma o desenvolvimento da Filosofia Política?
O início do capítulo I do Livro I se consagrou na história da Filosofia Política: “o homem nasceu livre 
e por toda parte ele está agrilhoado” (ROUSSEAU, 2006, p. 9). Aqui o autor sintetiza a ideia desenvolvida 
no Segundo Discurso e já situa o começo da sua investigação, pois seu interesse está em saber resolver 
esse problema.
A princípio, Rousseau questiona a solução por meio da força e sugere resgatar a liberdade perdida, 
porém uma liberdade civil e jamais natural, baseada nas convenções. Diz ele: “a ordem social é um 
63
Re
vi
sã
o:
 T
al
ita
 -
 D
ia
gr
am
aç
ão
: J
ef
fe
rs
on
 -
 0
5/
11
/1
8
ROUSSEAU E O CONTRATO SOCIAL
direito sagrado, que serve de base para todos os demais. Tal direito, entretanto, não advém da natureza; 
funda‑se, pois, em convenções. Trata‑se de saber quais são essas convenções” (p. 9).
Tal ponto justifica sua inclusão no rol dos pensadores contratualistas – aqueles que defendem que a 
instituição do Estado civil depende de um pacto social entre os membros. Rousseau rejeita o fundamento 
da ordem política na natureza, a favor da convenção humana. Saber quais são as convenções é o objeto 
do livro. Antes disso, ele vai explicar melhor o que colocou; trata‑se de um inventário histórico tal como 
já apresentado no Segundo Discurso.
7.2.1 Família e Estado
No capítulo II do Livro I, Rousseau defende que a família é o primeiro modelo das sociedades políticas. 
No texto faz um paralelo em relação ao Estado, tendo como principal ponto indicar que todos nascem 
iguais e livres, só alienando sua liberdade em proveito próprio. Nesse sentido, tanto a família como o 
Estado dependem de convenção para se manter.
A seguir temos a comparação apresentada pelo filósofo.
Quadro 3 – Comparação entre família e Estado
Família Estado
Pai Chefe
Filho Povo
Amor do pai pelos filhos Prazer de comandar
Rousseau retoma pontos já apresentados no Segundo

Continue navegando