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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/290993267 Sociedade e cultura de consumo: aspectos históricos, simbólicos e culturais do consumo moderno Article · September 2015 CITATIONS 0 READS 529 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Consumo e formação de novas identidades na teledramaturgia brasileira View project Science and Law View project Jose Aparecido Oliveira Izabela Hendrix Methodist Institute 34 PUBLICATIONS 17 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Jose Aparecido Oliveira on 18 January 2016. The user has requested enhancement of the downloaded file. Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 163 Sociedade e cultura de consumo: aspectos históricos, simbólicos e culturais do consumo moderno1 Society and consumer culture: historical, symbolic and cultural aspects of modern consumption José Aparecido Oliveira2 Maisa Sangy3 Resumo: Este trabalho visa recuperar, ainda de que de forma introdutória, as diferentes abordagens e perspectivas teóricas referentes ao fenômeno do consumo. O objetivo é balizar teoricamente um estudo quantitativo e qualitativo sobre o com- portamento de consumidores em shopping centers da região metropolitana de Belo Horizonte, MG. Para tanto, partiu-se de breve revisão de literatura sobre os aspectos históricos, simbólicos, psíquicos e culturais ligados ao consumo moderno. Os resul- tados demonstram o amplo leque de perspectivas teóricas ligadas ao consumo, que devem convergir com os resultados de estudos empíricos para melhor compreensão deste fenômeno. Palavras-chave: consumo; consumo material; consumo experiencial; consumo compulsivo; consumo e cidadania. Abstract: This paper aims to recover even that in an introductory way, the diffe- rent approaches and theoretical perspectives regarding the consumption phenomenon. The goal is to theoretically mark out a quantitative and qualitative study on the beha- vior of consumers in shopping centers in the metropolitan region of Belo Horizonte, MG. Therefore, it started with a brief literature review on the historical, symbolic, psychological and cultural aspects connected to the modern consumer. The results de- monstrate the broad range of theoretical perspectives related to consumption, which must converge with the results of empirical studies to better understand this pheno- menon. 1 Este artigo integra a pesquisa de campo “Consumo e autoestima: aspectos simbólicos, culturais e motivacionais do consumo moderno”, realizada com recursos do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CAAE: 46304315.8.0000.5096. 2 Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Jornalista. Coordenador de Pesquisa e Iniciação Científica do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Coordenador do grupo de pesquisa ‘Consumo, autoimagem e autoestima: aspectos simbólicos, culturais e midiáticos do consumo moderno’. aparece@gmail.com. 3 Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Administração de Empresas com ênfase em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas, Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Gestora de polo educacional na Unicesumar, Docente no Instituto Educacional Logos. Integrante do grupo de pesquisa ‘Consumo, autoimagem e autoestima: aspectos simbólicos, culturais e midiáticos do consumo´. maisaguedes@gmail.com 164 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 Keywords: consumption; material consumption; experiential consumption; compul- sive consumption; consumption and citizenship. Introdução Emergem nos estudos sociais diferen- tes abordagens que visam dar conta do fe- nômeno do consumo, sobretudo a partir de sua importância como referencial concei- tual para se entender diferentes fenômenos da contemporaneidade. Desde as contribu- ições de Marx sobre a mudança do para- digma no capitalismo de produção e mer- cantilização para o capitalismo recente de consumo, até as variadas abordagens que marcam os últimos estudos como proces- sos de comunicação e recepção de bens simbólicos (CANCLINI, 1996, p. 52), te- mos ao menos um consenso para boa parte dos estudiosos: consumimos muito mais o capital simbólico – aquilo que o objeto re- presenta – do que meramente objetos. Tal- vez até uma inversão: o consumo do signo pelo objeto e o objeto pelo signo (PEZZI- NI; CERVELLI, 2007, p. 37). Uma vez que os bens capazes de tornar a vida mais feliz começam a se afastar dos domínios não-mo- netários para o mercado de mer- cadorias, não há como os deter; o movimento tende a desenvolver um impulso próprio e se torna autopro- pulsor e autoacelerador, reduzindo ainda mais o suprimento de bens que, pela sua natureza, só podem ser produzidos pessoalmente e só podem florescer em ambientes de relações humanas intensas e íntimas (BAUMAN, 2009, p. 16). A partir do acentuado crescimento e concentração da urbanização com a glo- balização do capitalismo, o fenômeno do consumo ultrapassa as necessidades coti- dianas por alimentação, energia, vestuá- rio, saúde e moradia. Viver nas metrópo- les exige não apenas bens essenciais, mas também produtos e serviços sem os quais a vida nas cidades se torna impossível. Segurança, mobilidade, comunicação, la- zer, entretenimento, cultura, informação, dentre outros, são serviços indispensá- veis para os que deixaram a vida no cam- po para trabalhar ou estudar nas grandes cidades. Nos dias atuais, talvez isso nos permita falar que não haja mais socieda- des sem consumo, tampouco consumo sem sociedade, o que faz parecer um argu- mento tautológico a expressão “sociedade de consumo”, que nomeia o livro de Jean Baudrillard, publicado em 1970, emprega- da por Bauman (2008, p. 19) ao se referir à reformulação das relações humanas a par- tir das relações entre os consumidores e os objetos de consumo. Parece-nos, portanto, mais adequado falar atualmente em cul- tura do consumo, na qual se imbrica uma lógica simbólica, revestida de um novo sistema de valores próprios da linguagem de mercado. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e en- coberta – é a transformação dos con- sumidores em mercadorias; ou antes, sua dissolução no mar de mercadori- as (BAUMAN, 2008, p. 20). Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 165 O consumo ao longo da história Do ponto de vista histórico, o consu- mo não é um fenômeno novo ou, ao menos a relação com os objetos que demarcam aspectos como a constituição dos sujeitos, identidades e coletividades, a dimensão simbólica que extrapola o universo dos bens materiais e imateriais: os valores sociais, vínculos, distinções (BAUMAN, 2008; CANCLINI, 1997). Apesar da antiga relação do ser huma- no com os objetos, o fenômeno do consu- mo parece ter tido algumas variações ao longo dos tempos. Da relação mágica do antigo talismã, nos últimos séculos o con- sumo deixou de ser apenas uma relação de posses ou de segurança, para se configurar num meio de distinção ou reconhecimento (BAUMAN, 2009, p. 21), prestígio e hi- erarquização social e mais modernamente em meio de lazer e apropriação cultural. Historicamente, é no período feudal que se inicia o consumo relacionado como meio de aquisição, segurança, manuten- ção e/ou exibição do status social do clero e da nobreza, tidas como classes ociosas (VEBLEN apud TASCHNER, 2000, p. 40). Nessa primeirafase, o consumo não possui nenhuma relação com o lazer, mas unicamente com os rituais de posse que demarcavam pertença a grupos sociais distintos. A posse de um grande volume de bens também poderia estar relaciona- da com uma necessidade de segurança, uma vida imune aos caprichos do destino (BAUMAN, 2008, p. 42). A partir do século XVI surgem novas mercadorias no cotidiano das pessoas, em decorrência da expansão do ocidente para o oriente, além do fenômeno da literatu- ra romântica que eclode juntamente com a leitura silenciosa e a expansão da ideo- logia individualista, fazendo surgir o con- sumo individual em detrimento do consu- mo familiar (BARBOSA, 2004, p. 19). A vida na Corte Real da Europa nos séculos XIV a XVII vai evidenciar, conforme a perspectiva de Elias (apud TASCHNER, 2000, p. 41), a mudança para um padrão de consumo de prestígio, que advinha do privilégio de participar da vida na corte. Não tardaria então, sobretudo na Inglater- ra do século XVI, para surgir o hábito de manter ou adquirir móveis envelhecidos, cujo brilho de pátina demonstrava riqueza antiga e ancestrais prestigiosos (McCRA- KEN apud TASCHNER, 2000, p. 42). A popularização e democratização do consumo, que hodiernamente se transfor- mou em uma cultura, teria início a partir do século XIX. Decorrente de maior renda e queda de preços em consequência da Re- volução Industrial, surgem lojas de depar- tamentos em Paris e Londres, seguindo-se para as cidades dos EUA e, no início do sé- culo XX, nas cidades do Terceiro Mundo (TASCHNER, 2000, p. 43). Lojas como Bon Marché em Paris e Marble Dry Go- ods em Nova York, foram elementos im- portantes tanto na disseminação da moda como na democratização do consumo (BARBOSA, 2004, p. 27). Vitrines, cores, luzes, displays, corredores amplos e esca- das rolantes inauguram a relação consumo e lazer, tão arraigada no presente com o fenômeno da publicidade, dos shopping centers e a recente experiência de consu- mo atrelada ao fenômeno do mundo virtu- al. Este lazer estaria justamente associado ao consumo realizado no tempo ocioso. Apesar de boa parte do consumo dos dias atuais estar ligado ao lazer e a uma conduta individual, sendo realizado nas horas livres, isso não significa que não deixou de existir nuances de distinção e hierarquização social, tal como ocorria no tempo da corte. Isso evidencia o caráter amplo que o fenômeno do consumo pos- 166 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 sui, abarcando dimensões econômicas, culturais, simbólicas e sociais. ...ter e apresentar em público coisas que portam a marca e/ou logo certos e foram obtidas na loja certa é ba- sicamente uma questão de adquirir e manter a posição social que eles detêm ou a que aspiram. A posição social nada significa a menos que tenha sido socialmente reconhecida – ou seja, a menos que a pessoa em questão seja aprovada pelo tipo cer- to de “sociedade” (cada categoria de posição social tem seus próprios códigos jurídicos e seus próprios ju- ízes) como um membro digno e le- gítimo – como “um de nós” (BAU- MAN, 2009, p. 21). Consumo, cultura e simbolismo A antiga relação do ser humano com os objetos, considerados sagrados ou não, aos quais atribuía valor ou deles se utili- zava para demarcar pertença, não nos per- mite concordar com o caráter autoevidente de algumas formulações que insistem que fenômeno do consumo da era moderna seja algo novo, como se os objetos não produzissem também no passado siste- mas de hierarquização ou distinção social, como bem observou Pierre Bordieu, para quem o conceito de campo foi entendido como um espaço de produção de relações sociais objetivas, “um microcosmo da luta simbólica entre as classes” (BORDIEU, 1998). É Baudrillard (2006; 2008) quem tra- balha a nova gama de significados e lin- guagem dos objetos dentro da atual cultura de consumo, que faz com que os mesmos se tornem mercadoria-fetiche além de sua condição primeira como resultantes do processo de produção capitalista. Deslo- cados de sua antiga relação com o mundo burguês, em que os objetos demarcavam uma posição social distinta na sociedade, os objetos de consumo agora se situam em uma nova relação com os indivíduos, que se empenham muito mais em consumir bens e serviços, e não mais em acumular, como se fazia no passado para buscar se- gurança econômico-financeira ou acentuar classe. Os objetos deixam de estar ligados a uma função ou necessidade porque cor- respondem a outra coisa, ou melhor, são agora signos e são consumidos por aquilo que simbolizam para o indivíduo e a soci- edade, em detrimento de sua função espe- cífica. Não se trata pois dos objetos defini- dos segundo sua função, ou segundo as classes em que se poderia subdi- vidi-los para comodidade de análi- se, mas dos processos pelos quais as pessoas entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das relações humanas que disso resulta. (BAUDRILLARD, 2006, p. 11). Comprar um bem seria o mesmo então que manipular um objeto-signo, tal como na relação mágica dos povos primitivos que acreditavam domesticar o sagrado por meio da manipulação dos objetos. Portar um bem de consumo tem o mesmo sen- tido simbólico-cultural que os povos pri- mitivos experimentavam. Há um poder mágico e onipotente para os que ostentam os bens de consumo da era moderna, pois adentraram um novo espaço que transcen- de a esfera dos demais mortais. Baudril- lard acentua o caráter coletivo e simbólico deste consumo ao perceber que “nenhum desejo, nem mesmo o sexual, subsiste sem a mediação de um imaginário coletivo” (BAUDRILLARD, 2008). Transformou-se a relação do consu- midor ao objeto: já não se refere a tal objeto na sua utilidade específi- Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 167 ca, mas ao conjunto de objetos na sua significação total [...]. O anún- cio publicitário, a firma produtora e a marca, que desempenha aqui papel essencial, impõem a visão coerente, coletiva, de uma espécie de totalidade quase indissociável, de cadeia que deixa aparecer como série organizada de objetos simples e se manifesta como encadeamento de significantes, na medida em que se significam um ao outro como superobjeto mais complexo e arras- tando o consumidor para uma série de motivações mais complexas. Descobre-se que os objetos jamais se oferecem ao consumo em desor- dem absoluta (BAUDRILLARD, 2006, p. 26). Se não há então uma necessidade da função de um objeto, o consumo, como atividade sistemática de manipulação de signos, passa a se caracterizar por uma condição de insaciedade, pois os objetos são agora signos que possuem sentido apenas em sua relação abstrata com outros objetos signos, sem relação concreta com as pessoas. O consumo, em aguda oposição às formas de vida precedentes, asso- cia a felicidade não tanto à satis- fação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar implícito), mas a um volume e uma intensidade de desejos sempre cres- centes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição dos objetos destinados a satisfazê-la (BAUMAN, 2008, p. 44). Mas se não compramos objetos, o que compramos? Os objetos de consumo sim- bolizam o quê? Compramos a sensação de bem-estar, de felicidade, de pertença a um determinado grupo, de uma pretensa individualidade ou liberdade de escolha quando, na verdade, compramos padrõ- es comumente compartilhados. Logo, os produtos e serviços expressam um estilo de vida e um conjunto de valores, “que dão tanto ao consumidor quanto ao bem de consumo uma sólida identidade social no interior de um universo significativo” (SLATER, 2002, p. 144).Formas de consumo: entre o prazer e a dor Está no senso comum e principalmen- te na publicidade a associação entre con- sumo e uma vida de felicidade e prazer. Há até um valor excessivo na busca de posses e bens materiais, bem como do consumo de serviços, em detrimento até mesmo da saúde e dos relacionamentos, com se- veros prejuízos pessoais e financeiros no médio e longo prazo. O consumo seria então, fonte de prazer ou de sofrimento? A Psicologia, enquanto área das Ciências Humanas, também se ocupa de pesquisas acerca da relação entre o consumo e a saú- de psicológica. Neste sentido, há aspectos positivos e também negativos nesta relação. Dentre os positivos, destaca-se o consumo expe- riencial, aquele que traz experiências de prazer (VAN BOVEN, 2005). Essa noção seria uma alternativa interessante que con- trapõe boa parte das teorias e pesquisas sobre consumo, excessivamente focados no aspecto negativo do consumo, ou seja, nas patologias como o consumo com- pulsivo. Conhecido também como trans- torno do comprar compulsivo (FABER e O’GUINN, 1992), caracteriza o compor- tamento crônico e repetitivo de realizar compras. Não se pretende aqui minimizar a importância de tais temas. Todavia, é preciso ampliar o olhar e fugir do senso comum que vê o ato de consumir apenas como materialismo fútil ou doentio, prin- 168 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 cipalmente porque cada vez mais é per- ceptível a associação que as pessoas fazem do consumo com experiências agradáveis, enriquecedoras e prazerosas. Segundo Torres (2012), enxergar o consumidor como aquele que pensa ape- nas de forma lógica e racional ao adquirir determinado bem ou produto pode negli- genciar aspectos relevantes como buscar o prazer, significados, gratificações e benefí- cios emocionais no contexto do consumo. Tal perspectiva permite-nos vislumbrar ainda mais o interesse pelo conhecimento dos processos psicológicos e sociais que afetam o comportamento do consumidor. Consumo experiencial Quanto ao aspecto positivo, um dos temas recentes de investigação refere-se à relação do bem-estar subjetivo e formas de consumo. O bem-estar subjetivo é um campo de estudo da Psicologia da Saú- de4 no qual se investiga a avaliação que as pessoas fazem de suas próprias vidas. Integra as dimensões de afeto positivo, afeto negativo e satisfação com a vida. Um nível alto de bem-estar subjetivo só é possível através da satisfação com a vida e um número maior de emoções positivas do que negativas (DIENER, 1984). Diener argumenta que a satisfação com a vida é composta por vários domínios, dentre eles o financeiro. Portanto, as implicações que os recursos financeiros e bens materiais trazem na satisfação geral com a vida do 4 A Psicologia da Saúde é um dos campos da Psicologia, que tem por objetivo investigar e discutir temas relacionados à promoção da saúde, à prevenção e ao tratamento de doenças. Ela oferece contribuições tanto para o desenvolvimento de estilos e hábitos saudáveis das pessoas, quanto para a mudança de comportamento de risco favorável ao desenvolvimento de doenças (RIBEIRO, 2007). indivíduo também devem ser incluídas quando se pensa no bem-estar subjetivo. Ao investigar as relações entre consu- mo, aspirações de consumo e bem-estar, Van Boven (2005) propõe uma visão al- ternativa do consumo: a perspectiva expe- riencial. Para ele o consumo experiencial pode elevar os níveis de bem-estar subje- tivo nos consumidores quando compara- dos ao consumo de bens materiais. Para Featherstone (2007 apud TORRES, 2012, p.20), os prazeres emocionais, os sonhos e os desejos que invocam o imaginário do consumidor, e que geram bem-estar e pra- zer, fazem parte dos pilares da cultura do consumo pós-moderno. Consumo experiencial (compras expe- rienciais) é aquele feito cuja intenção prin- cipal do indivíduo é adquirir uma experi- ência, mediante um evento ou uma série de eventos em que ele se encontra, viven- cia completamente ou consome. As com- pras experienciais são intangíveis e finitas no tempo (NICOLAO, IRWIN, GOOD- MAN, 2009; VAN BOVEN, 2005). Como exemplos de compras experienciais, tem- -se o consumo da diversão, cultura ou la- zer, isto é, experiências de entretenimento ou culturais como hobbies, jogos, assistir shows, praticar esportes, apreciação estéti- ca, assistir a um filme, entre outras (PINE, GILMORE, 1998). Este tipo de consumo, se considerado pelo indivíduo como uma experiência positiva, pode-lhe propiciar prazer, felicidade e outras emoções posi- tivas que serão lembradas posteriormente como uma experiência gratificante. O consumo experiencial do lazer (fé- rias, concertos, jantares, etc.) é conside- rado por Scitovski (1976 apud TORRES, 2012, p.45) como uma das variáveis de maior impacto positivo na felicidade do indivíduo, pois geralmente advém de in- terações sociais positivas. Já Bourgeon- Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 169 -Renault et al. (2006), ao descrever sobre o consumo experiencial de arte-cultura, baseados nos conceitos de esteticismo e simbolismo, argumentam que as motiva- ções com relação a este tipo de consumo são principalmente intrínsecas, com peso simbólico e afetivo, próprio das expe- riências. Desta forma, os componentes emocionais estão fortemente presentes no consumo experiencial. Quando se adquire algo visando ape- nas à satisfação de necessidades ligadas diretamente à funcionalidade deste bem ou produto, é o mesmo que usufruir da finalidade intrínseca pela qual este foi originalmente criado. Contudo, consumir buscando o prazer emocional é ultrapassar os benefícios funcionais de algum produ- to. Assim, verifica-se no atual contexto de consumo a valorização da imagem, a força do simbolismo e as experiências sensoria- is entre os indivíduos, o que diferencia do consumo visto apenas em sua perspectiva utilitarista (BRAGAGLIA, 2010). Consumo material Consumo material (compras materiais) é aquele feito cuja principal finalidade do indivíduo é adquirir um bem material ou objeto tangível que possa ser transportado de um lugar ao outro, que dure dias, anos, que ocupe um lugar físico e seja mantido em posse (NICOLAO et al., 2009; VAN BOVEN, 2005). Roupas, eletroeletrôni- cos, imóveis, automóveis são exemplos de bens materiais. Entretanto, o consumo de bens ma- teriais também pode ser visto sob a ótica experiencial, uma vez que a experiência com produtos é um termo que se destina a todas possíveis experiências consideradas afetivas que abrangem a interação indiví- duo-produto, (RUSSO; HEKKERT, 2008, apud TORRES, 2012, p. 48). Mas é im- portante sinalizar a distinção entre os dois conceitos. O consumo material está alicer- çado em valores utilitários, representa o desejo do consumidor em obter um bem que lhe proporcione benefício funcional ou prático. Está ligado à funcionalidade do produto e sua capacidade em atender as necessidades do consumo utilitário. Já o conceito de consumo experiencial está pautado em valores baseados na busca pelo prazer, isto é, o consumidor procu- ra experiências pelo anseio de vivenciar emoções. Portanto, o consumo material pode apenas satisfazer pela função e utili- dade, porém é mais difícil de proporcionar emoção ou sentimento de bem-estar sub- jetivo ao indivíduo (ZILLES, 2006). Van Boven (2005) adverte que o indivíduo é quem decide por si mesmo se suas com- pras são experienciais ou materiais. Por exemplo, uma bicicleta, pode ser definida por uma pessoa como uma compra expe- riencial (passear), ou por outra como uma posse material (trabalhar). Resultados de um estudo realizado por Van Boven e Gilovich (2003), cujoobjeti- vo foi construir e validar a Escala de Bem- -estar subjetivo nos tipos de consumo ex- periencial e material, mostraram que 57% dos participantes sentiram-se mais felizes com as compras experienciais do que as aquisições materiais (utilitárias). Dados semelhantes vieram do estudo de Torres (2012). As médias de felicidade no consu- mo experiencial foram significativamen- te maiores do que no consumo material, o que corrobora o consumo experiencial como uma alternativa significativa para o bem-estar. Destarte, tanto o consumo materi- al quanto o experiencial demonstram-se importantes no cotidiano das pessoas. O consumo, quando realizado de forma equi- 170 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 librada, tendo em vista benefícios para a saúde física, mental e social, mesmo nas duas possibilidades (material e experien- cial) pode trazer benefícios ao indivíduo. Todavia, há outras formas de consumo, consideradas patológicas e prejudicia- is, sobretudo quando o indivíduo perde o controle sobre seus atos de compra. Consumo compulsivo Os primeiros registros de distúrbios do comprar compulsivo surgiram no início do século XIX. Entretanto, o estudo científi- co se consolidou de forma significativa ao final da década de 1980 (MAGEE, 1994). No começo do século XX, o transtorno do comprar compulsivo (TCC) foi descri- to pela primeira vez como uma síndrome psiquiátrica. Sua classificação continua incerta e os pesquisadores discutem uma possível correlação com transtornos do humor, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno do impulso. Alguns estudiosos consideram o TCC como um transtorno de dependência, agrupando-o aos transtornos do uso de álcool e drogas (TAVARES, et. al., 2008). Os conceitos concernentes ao compor- tamento de compras compulsivas ainda se mostram bastante fragmentados, o que tor- na difícil sua delimitação. São diversos os termos encontrados na literatura: compul- sive buying, addictive buying, compulsive shopping, compulsive spending (VELU- DO-DE-OLIVEIRA, et. al., 2004). São temas relevantes de pesquisa nos campos da Psiquiatria, Psicologia e Marketing (KWAK; ZINKHAN; CRASK, 2003 apud VELUDO-DE-OLIVEIRA et al., 2004, p.7). A compra compulsiva pode ser defini- da como um comportamento de comprar de forma crônica e repetitiva que é difícil de ser interrompido, causando danos ao indivíduo, em resposta a eventos ou sen- timentos negativos (FABER; O’GUINN, 1992). Segundo Sheth, Mittal e Newman (2001 apud VELUDO-DE-OLIVEIRA et al., 2004, p.4), a compra compulsiva abar- ca pessoas que estão sempre comprando coisas além da necessidade, que talvez nunca usem, quase sempre em grandes quantidades, chegando a se endividar. Para Rook e Fisher (1995), a compra com- pulsiva é a tendência do consumidor em comprar sem refletir, de forma imediata, impulsiva5 [...], estimulado pela facilidade de se obter o objeto desejado. O consumi- dor é atraído emocionalmente e absorvido pela promessa de recompensa imediata. Para Tavares et al. (2008), é impor- tante marcar a diferença entre as compras normais e as descontroladas. Tal distin- ção não é feita baseada no nível de renda e recurso financeiro investido em deter- minada compra, mas na extensão da pre- ocupação, no nível de angústia pessoal e no desenvolvimento de consequências adversas. Roberts (1998) classifica os fatores que colaboram para a ocorrência da com- pra compulsiva em três campos: 1) influ- ências psicológicas, incluindo autoestima, percepção do status social e fantasias; 2) influências familiares, as famílias que possuem este transtorno podem influenci- ar os membros mais jovens; 3) influências sociológicas envolve a pressão dos pares, propaganda, frequência de compras, uso e acessibilidade do cartão de crédito. Em relação às motivações que levam ao comprar compulsivamente, Desarbo e Edward (1996 apud VELUDO-DE-OLI- 5 Baseado em Puri (1996) entende-se que o traço de impulsividade é uma tendência do indivíduo em agir de forma impensada, imediata e irracional em seu cotidiano, inclusive em seus hábitos de consumo (MONTEIRO, 2006, p. 68). Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 171 VEIRA et al., 2004, p.6) salientam que a depressão, ansiedade, frustração e auto- estima afetam o comprador compulsivo. Tais estados podem ser investigados tan- to como motivações quanto como conse- quências de tal comportamento. Resultados do estudo realizado por Miltenberger et al. (2003) evidenciaram que os antecedentes mais comuns às com- pulsões de comprar em um grupo de pes- soas com TCC foram emoções negativas tais como raiva, ansiedade, tédio e pensa- mentos autocríticos. Já euforia e alívio das emoções negativas mostraram-se as con- sequências mais comuns. Segundo Lejoy- eux et al. (1996) para algumas pessoas, as compras compulsivas podem ser utiliza- das como um mecanismo compensatório para os sentimentos depressivos. Já Faber e O’Guinn (1992) afirmam que a partir do momento em que uma pessoa reconhece que possui baixa autoestima e vê no ato de comprar um meio de expressar sua raiva e agressividade, bem como uma forma de tentar escapar da monotonia do seu dia-a- -dia, há grande probabilidade de tal ato tornar-se compulsivo. Desta forma, são necessários estudos interdisciplinares que possam adequada- mente investigar não só a relação de preju- ízo emocional do ato de comprar compul- sivo, mas também das possibilidades de bem-estar subjetivo que estão subjacentes nas experiências de consumo, sobretudo quando o consumo, seja ela material ou experiencial, esteja diretamente ligado a benefícios simbólicos e emocionais para o consumidor. Tal perspectiva alerta para a necessidade de observar e pesquisar o fe- nômeno do consumo, principalmente nas sociedades laicas e plurais, cuja cultura do consumo, atrelada ao lazer, demonstra-se significativa para a maioria das pessoas concentradas nos grandes centros urbanos. Consumo, cidadania e responsabili- dade Abordagens mais recentes procuram fugir das perspectivas moralistas e/ou psi- cológicas que acreditam que o consumo transforme os indivíduos em consumido- res infantilizados ou deslumbrados pelo prazer de comprar, atentando para a raci- onalidade econômica dentro de um ciclo de produção e reprodução social. Pesqui- sadores como Canclini, Manuel Castels e Pierre Bordieu salientam o consumo como prática de apropriação dos produtos soci- ais, lugar de diferenciação social, sistema de integração e comunicação de sentidos, cenário de objetivação de desejos e ritu- al cuja lógica assume diferentes sentidos para diferentes grupos e atores sociais (ROMANO, 1998, p. 72). O consumo é o conjunto de pro- cessos socioculturais em que se re- alizam a apropriação e os usos dos produtos. Esta caracterização ajuda a enxergar os atos pelos quais con- sumimos como algo mais do que simples exercícios de gostos, capri- chos e compras irrefletidas, segundo os julgamentos moralistas, ou atitu- des individuais, tal como costumam ser explorados pelas pesquisas de mercado (CANCLINI, 1996, p. 53). A noção de que os consumidores pos- sam ter papel ativo em suas escolhas raci- onais tem sido apropriada pelos recentes discursos de sustentabilidade, consumo consciente e responsabilidade social. Essa retórica faz parte de uma estratégia para fomentar nos indivíduos responsabilida- des como estímulo a solidariedade, con- sumo sustentável, justiça social e proteção ao meio ambiente, devido à negligência das responsabilidades próprias do Estado e um esforço para consolidar a desregula- 172 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 mentaçãodo mercado e das práticas em- presariais (MAZETTI, 2012, p. 108). Não há dúvidas da responsabilidade e exigências que se levantam com uma massa de consumidores sempre crescen- te que passam a adentrar o seleto grupo de pessoas que podem consumir e, com isso, limitar os recursos naturais do pla- neta. Talvez seja por isso que haja algum efeito em produzirem-se campanhas de consumo consciente ou na medida em que se percebe a possibilidade de escolha de uma massa cada vez crescente de con- sumidores ávidos em adentrar espaços antes ocupados por privilegiados setores da sociedade. Michel de Certeau é outro pesqui- sador que aposta nas “táticas de resis- tência” (2009), numa espécie de contra- ponto à lógica determinante do processo capitalista consubstanciada na linguagem publicitária (2009, p. 92). Essa resistên- cia consistiria em apropriações discretas nas práticas dos consumidores, que se apropriam dos discursos da publicidade invertendo a forma como são usados os produtos da indústria cultural consumi- dos, numa espécie de “vulgarização” ou “degradação” do conteúdo pretensamente difundido pelas elites. Essa relação dialógica que se opera tanto ao nível discursivo do capital sim- bólico dos bens e produtos consumidos, quanto no significado simbólico dos ob- jetos de consumo, parece demonstrar o quão precisa avançar a pesquisa sobre o fenômeno do consumo. Para além de ver o consumo como manipulação de objetos mágicos, totem sagrado que concede sta- tus ao portador, a própria lógica de insa- tisfação do gozo e do caráter fugaz dos objetos consumidos remete para novas relações e apropriações simbólicas nas práticas de consumo. Esta tensão simbólica também está presente no pensamento de Canclini, ao afirmar que “consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá- -lo (p. 54). Como espaço de interação, os produtores lutam não apenas para seduzir os consumidores, mas também para jus- tificar-se racionalmente. O consumo não seria uma conduta impulsiva e irracional, uma vez que demarca seu domínio sim- bólico em que o consumidor distingue- -se no interior de seu grupo ou diante de grupos diferentes, o que caracterizaria, na visão do autor, não apenas conflito, mas também interação e comunicação entre os membros da comunidade. Mas se há alguma espécie de resis- tência/interação ao consumo, como ela poderia ser reconhecida? Certeau utiliza como exemplo a religião popular e o sin- cretismo religioso dos povos indígenas e dos afrodescendentes colonizados como subversões silenciosas contra a hierar- quia e a ordem estabelecidas (2009, p. 74; 89). Se não se pode fugir ao poder, pode-se contestá-lo mediante outros usos e práticas de seus conteúdos. O simbolismo da relação de consu- mo fica ainda mais nítido quando se per- cebe a associação entre o consumo mo- derno e as novas formas e possibilidades de exercício da cidadania. Decorrente da degradação das instituições sociais e da política, em que as formas de participa- ção popular enfraqueceram-se e a pre- sença do Estado não é suficiente para a garantia mínima de direitos, o consumo moderno tem sido apropriado pelas mas- sas como uma possibilidade não apenas de ascensão social, mas, sobretudo de pertença a classes sociais em que os di- reitos fundamentais passam a ser nitida- mente observáveis. Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 173 Em sociedades em que a concentração de renda e as desigualdades são gritantes, e que o acesso aos direitos fundamentais só pode se efetivar mediante o competente ajuizamento do Estado – a um considerá- vel custo do operador do direito ou com o auxílio de suborno – a posse de bens sem- pre foi um indicativo de “cidadania”. Uma rápida análise da população carcerária e dos usuários do sistema de saúde revela a dicotomia cidadãos-consumidores x des- possuídos. Sendo assim, portar um apare- lho celular de última geração, uma roupa de grife, um automóvel novo ou morar em um bairro de classe média indica cla- ramente que este indivíduo emergiu para uma condição de cidadania que só o con- sumo garante nessas sociedades. Apesar de favorável ao consumo, tal perspectiva não recebe apoio daqueles que acreditam na existência de um dis- curso montado pelas classes dominantes e incorporado, através de um processo de negociação e de legitimação, pelos dema- is setores sociais, o que realça o processo de objetificação da sociedade – Ao invés de um direito, a cidadania transformou-se em objeto (LYRA, 2001), escamoteando o aprofundamento do fosso entre os mais privilegiados e os emergentes “meros con- sumidores”. Não se trata, então, de que as classes sociais estejam substituindo seus direitos de cidadania e participação política pelo direito ao consumo, até porque esses di- reitos nunca existiram, nem mesmo após a Constituição de 1988 no Brasil, reconheci- da pela universalidade de suas premissas. Também não é o descrédito nas instituiçõ- es políticas, porque estas sempre estive- ram alinhadas às elites. No Brasil, direitos sempre estiveram associados ao poder fi- nanceiro de quem os pleiteia. A saída mais corrente às esferas populares foi desenvol- ver outras formas de participação próprias da esfera privada, como o consumo, num espaço de voz para o consumidor. Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem suas respostas mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunica- ção de massa do que nas regras abs- tratas da democracia ou da partici- pação coletiva em espaços públicos (CANCLINI, 1996, p. 37). Considerações finais As interpretações e perspectivas a respeito do consumo moderno, divergen- tes quanto ao aspecto emancipatório ou focados dentro de uma crítica moral, de- monstram o quanto esse tema carece ainda de mais estudos e reflexão, sobretudo de estudos empíricos. Concordamos que boa parte da crítica moral (BAUDRILLARD, 2008; BAUMAN, 2008), embora acerta- da no caráter fluido, hedonista e indivi- dualista da cultura de consumo, peca por não perceber a evolução do fenômeno do consumo, que deixou de ser uma de uma atividade familiar na sociedade de corte, para se transformar em uma atividade in- dividual na sociedade atual, expressão dos valores das sociedades individualistas - o direito de escolha (BARBOSA, 2004, p. 24). Há também o problema de não enxer- gar, adequadamente, as possibilidades de realização pessoal que ocorrem nas práti- cas de consumo experiencial, voltadas a produzir bem-estar nos indivíduos. Recuperar estas possibilidades do pra- zer experiencial e/ou cultural de consumir, alinhando-a a noção de cidadania do con- sumo nas sociedades em desenvolvimen- 174 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 to, nos parece mais plausível porque pare- ce demonstrar o consumo atual mais como um fenômeno de massificação, populari- zação e democratização, antes restrito a uma parcela muito restrita e nobre da soci- edade nos séculos anteriores, do que uma visão moralista que vê o consumo como algo hedonista e individualista. E isso só será possível com pesquisas de campo, ca- pazes de articular o poder da teoria com a capacidade da observação atenta dos fenô- menos que cercam as práticas de consumo atual. A moda, que caracteriza o consumo moderno, ao contrário da pátina, é um mecanismo social expressivo de uma temporalidade de curta du- ração, pela valorização do novo e do individual... Como tal ela rejei- ta o poder imemorial da tradição (a pátina) em favor da celebração dopresente social, do mundo da vida cotidiana, do aqui e do agora. Sua referência não são os antepassados, mas os contemporâneos (BARBO- SA, 2004, p. 24). Em especial no Brasil, a crítica moral do consumo não cai com a recente ascen- são das classes mais humildes passaram a ter condições e acesso, até porque parece ressoar o “horror à mobilidade” (DAMAT- TA, 1994). Talvez a melhor inferência para se perceber essas relações esteja na coluna de Danuza Leão, a respeito das possibili- dades de mudança de classe social. ...já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo de- serto ou ver as fotos da viagem – e se for o vídeo, pior ainda – de quem foi às muralhas da China. Ir à Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio tam- bém pode ir, então qual a graça? 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