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Sociedade e cultura de consumo aspectos históricos

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Sociedade e cultura de consumo: aspectos históricos, simbólicos e culturais do
consumo moderno
Article · September 2015
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Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 163
Sociedade e cultura de consumo: aspectos históricos, 
simbólicos e culturais do consumo moderno1
Society and consumer culture: historical, symbolic and cultural aspects 
of modern consumption
José Aparecido Oliveira2
Maisa Sangy3
Resumo: Este trabalho visa recuperar, ainda de que de forma introdutória, as 
diferentes abordagens e perspectivas teóricas referentes ao fenômeno do consumo. 
O objetivo é balizar teoricamente um estudo quantitativo e qualitativo sobre o com-
portamento de consumidores em shopping centers da região metropolitana de Belo 
Horizonte, MG. Para tanto, partiu-se de breve revisão de literatura sobre os aspectos 
históricos, simbólicos, psíquicos e culturais ligados ao consumo moderno. Os resul-
tados demonstram o amplo leque de perspectivas teóricas ligadas ao consumo, que 
devem convergir com os resultados de estudos empíricos para melhor compreensão 
deste fenômeno.
Palavras-chave: consumo; consumo material; consumo experiencial; consumo 
compulsivo; consumo e cidadania.
Abstract: This paper aims to recover even that in an introductory way, the diffe-
rent approaches and theoretical perspectives regarding the consumption phenomenon. 
The goal is to theoretically mark out a quantitative and qualitative study on the beha-
vior of consumers in shopping centers in the metropolitan region of Belo Horizonte, 
MG. Therefore, it started with a brief literature review on the historical, symbolic, 
psychological and cultural aspects connected to the modern consumer. The results de-
monstrate the broad range of theoretical perspectives related to consumption, which 
must converge with the results of empirical studies to better understand this pheno-
menon.
1 Este artigo integra a pesquisa de campo “Consumo e autoestima: aspectos simbólicos, culturais e 
motivacionais do consumo moderno”, realizada com recursos do Centro Universitário Metodista Izabela 
Hendrix. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa – CAAE: 46304315.8.0000.5096.
2 Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo. Jornalista. Coordenador 
de Pesquisa e Iniciação Científica do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix. Coordenador do 
grupo de pesquisa ‘Consumo, autoimagem e autoestima: aspectos simbólicos, culturais e midiáticos do 
consumo moderno’. aparece@gmail.com.
3 Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Administração de 
Empresas com ênfase em Gestão de Recursos Humanos pela Fundação Getúlio Vargas, Graduada em Psicologia 
pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Gestora de polo educacional na Unicesumar, Docente 
no Instituto Educacional Logos. Integrante do grupo de pesquisa ‘Consumo, autoimagem e autoestima: 
aspectos simbólicos, culturais e midiáticos do consumo´. maisaguedes@gmail.com
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Keywords: consumption; material consumption; experiential consumption; compul-
sive consumption; consumption and citizenship.
Introdução
Emergem nos estudos sociais diferen-
tes abordagens que visam dar conta do fe-
nômeno do consumo, sobretudo a partir de 
sua importância como referencial concei-
tual para se entender diferentes fenômenos 
da contemporaneidade. Desde as contribu-
ições de Marx sobre a mudança do para-
digma no capitalismo de produção e mer-
cantilização para o capitalismo recente de 
consumo, até as variadas abordagens que 
marcam os últimos estudos como proces-
sos de comunicação e recepção de bens 
simbólicos (CANCLINI, 1996, p. 52), te-
mos ao menos um consenso para boa parte 
dos estudiosos: consumimos muito mais o 
capital simbólico – aquilo que o objeto re-
presenta – do que meramente objetos. Tal-
vez até uma inversão: o consumo do signo 
pelo objeto e o objeto pelo signo (PEZZI-
NI; CERVELLI, 2007, p. 37).
Uma vez que os bens capazes de 
tornar a vida mais feliz começam 
a se afastar dos domínios não-mo-
netários para o mercado de mer-
cadorias, não há como os deter; o 
movimento tende a desenvolver um 
impulso próprio e se torna autopro-
pulsor e autoacelerador, reduzindo 
ainda mais o suprimento de bens 
que, pela sua natureza, só podem 
ser produzidos pessoalmente e só 
podem florescer em ambientes de 
relações humanas intensas e íntimas 
(BAUMAN, 2009, p. 16).
A partir do acentuado crescimento e 
concentração da urbanização com a glo-
balização do capitalismo, o fenômeno do 
consumo ultrapassa as necessidades coti-
dianas por alimentação, energia, vestuá-
rio, saúde e moradia. Viver nas metrópo-
les exige não apenas bens essenciais, mas 
também produtos e serviços sem os quais 
a vida nas cidades se torna impossível. 
Segurança, mobilidade, comunicação, la-
zer, entretenimento, cultura, informação, 
dentre outros, são serviços indispensá-
veis para os que deixaram a vida no cam-
po para trabalhar ou estudar nas grandes 
cidades. Nos dias atuais, talvez isso nos 
permita falar que não haja mais socieda-
des sem consumo, tampouco consumo 
sem sociedade, o que faz parecer um argu-
mento tautológico a expressão “sociedade 
de consumo”, que nomeia o livro de Jean 
Baudrillard, publicado em 1970, emprega-
da por Bauman (2008, p. 19) ao se referir à 
reformulação das relações humanas a par-
tir das relações entre os consumidores e os 
objetos de consumo. Parece-nos, portanto, 
mais adequado falar atualmente em cul-
tura do consumo, na qual se imbrica uma 
lógica simbólica, revestida de um novo 
sistema de valores próprios da linguagem 
de mercado. 
A característica mais proeminente da 
sociedade de consumidores – ainda 
que cuidadosamente disfarçada e en-
coberta – é a transformação dos con-
sumidores em mercadorias; ou antes, 
sua dissolução no mar de mercadori-
as (BAUMAN, 2008, p. 20).
Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 165
O consumo ao longo da história
Do ponto de vista histórico, o consu-
mo não é um fenômeno novo ou, ao menos 
a relação com os objetos que demarcam 
aspectos como a constituição dos sujeitos, 
identidades e coletividades, a dimensão 
simbólica que extrapola o universo dos 
bens materiais e imateriais: os valores 
sociais, vínculos, distinções (BAUMAN, 
2008; CANCLINI, 1997). 
Apesar da antiga relação do ser huma-
no com os objetos, o fenômeno do consu-
mo parece ter tido algumas variações ao 
longo dos tempos. Da relação mágica do 
antigo talismã, nos últimos séculos o con-
sumo deixou de ser apenas uma relação de 
posses ou de segurança, para se configurar 
num meio de distinção ou reconhecimento 
(BAUMAN, 2009, p. 21), prestígio e hi-
erarquização social e mais modernamente 
em meio de lazer e apropriação cultural. 
Historicamente, é no período feudal 
que se inicia o consumo relacionado como 
meio de aquisição, segurança, manuten-
ção e/ou exibição do status social do clero 
e da nobreza, tidas como classes ociosas 
(VEBLEN apud TASCHNER, 2000, p. 
40). Nessa primeirafase, o consumo não 
possui nenhuma relação com o lazer, mas 
unicamente com os rituais de posse que 
demarcavam pertença a grupos sociais 
distintos. A posse de um grande volume 
de bens também poderia estar relaciona-
da com uma necessidade de segurança, 
uma vida imune aos caprichos do destino 
(BAUMAN, 2008, p. 42).
A partir do século XVI surgem novas 
mercadorias no cotidiano das pessoas, em 
decorrência da expansão do ocidente para 
o oriente, além do fenômeno da literatu-
ra romântica que eclode juntamente com 
a leitura silenciosa e a expansão da ideo-
logia individualista, fazendo surgir o con-
sumo individual em detrimento do consu-
mo familiar (BARBOSA, 2004, p. 19). A 
vida na Corte Real da Europa nos séculos 
XIV a XVII vai evidenciar, conforme a 
perspectiva de Elias (apud TASCHNER, 
2000, p. 41), a mudança para um padrão 
de consumo de prestígio, que advinha do 
privilégio de participar da vida na corte. 
Não tardaria então, sobretudo na Inglater-
ra do século XVI, para surgir o hábito de 
manter ou adquirir móveis envelhecidos, 
cujo brilho de pátina demonstrava riqueza 
antiga e ancestrais prestigiosos (McCRA-
KEN apud TASCHNER, 2000, p. 42). 
A popularização e democratização do 
consumo, que hodiernamente se transfor-
mou em uma cultura, teria início a partir 
do século XIX. Decorrente de maior renda 
e queda de preços em consequência da Re-
volução Industrial, surgem lojas de depar-
tamentos em Paris e Londres, seguindo-se 
para as cidades dos EUA e, no início do sé-
culo XX, nas cidades do Terceiro Mundo 
(TASCHNER, 2000, p. 43). Lojas como 
Bon Marché em Paris e Marble Dry Go-
ods em Nova York, foram elementos im-
portantes tanto na disseminação da moda 
como na democratização do consumo 
(BARBOSA, 2004, p. 27). Vitrines, cores, 
luzes, displays, corredores amplos e esca-
das rolantes inauguram a relação consumo 
e lazer, tão arraigada no presente com o 
fenômeno da publicidade, dos shopping 
centers e a recente experiência de consu-
mo atrelada ao fenômeno do mundo virtu-
al. Este lazer estaria justamente associado 
ao consumo realizado no tempo ocioso. 
Apesar de boa parte do consumo dos 
dias atuais estar ligado ao lazer e a uma 
conduta individual, sendo realizado nas 
horas livres, isso não significa que não 
deixou de existir nuances de distinção e 
hierarquização social, tal como ocorria no 
tempo da corte. Isso evidencia o caráter 
amplo que o fenômeno do consumo pos-
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sui, abarcando dimensões econômicas, 
culturais, simbólicas e sociais.
...ter e apresentar em público coisas 
que portam a marca e/ou logo certos 
e foram obtidas na loja certa é ba-
sicamente uma questão de adquirir 
e manter a posição social que eles 
detêm ou a que aspiram. A posição 
social nada significa a menos que 
tenha sido socialmente reconhecida 
– ou seja, a menos que a pessoa em 
questão seja aprovada pelo tipo cer-
to de “sociedade” (cada categoria 
de posição social tem seus próprios 
códigos jurídicos e seus próprios ju-
ízes) como um membro digno e le-
gítimo – como “um de nós” (BAU-
MAN, 2009, p. 21).
Consumo, cultura e simbolismo
A antiga relação do ser humano com 
os objetos, considerados sagrados ou não, 
aos quais atribuía valor ou deles se utili-
zava para demarcar pertença, não nos per-
mite concordar com o caráter autoevidente 
de algumas formulações que insistem que 
fenômeno do consumo da era moderna 
seja algo novo, como se os objetos não 
produzissem também no passado siste-
mas de hierarquização ou distinção social, 
como bem observou Pierre Bordieu, para 
quem o conceito de campo foi entendido 
como um espaço de produção de relações 
sociais objetivas, “um microcosmo da luta 
simbólica entre as classes” (BORDIEU, 
1998). 
É Baudrillard (2006; 2008) quem tra-
balha a nova gama de significados e lin-
guagem dos objetos dentro da atual cultura 
de consumo, que faz com que os mesmos 
se tornem mercadoria-fetiche além de sua 
condição primeira como resultantes do 
processo de produção capitalista. Deslo-
cados de sua antiga relação com o mundo 
burguês, em que os objetos demarcavam 
uma posição social distinta na sociedade, 
os objetos de consumo agora se situam em 
uma nova relação com os indivíduos, que 
se empenham muito mais em consumir 
bens e serviços, e não mais em acumular, 
como se fazia no passado para buscar se-
gurança econômico-financeira ou acentuar 
classe. Os objetos deixam de estar ligados 
a uma função ou necessidade porque cor-
respondem a outra coisa, ou melhor, são 
agora signos e são consumidos por aquilo 
que simbolizam para o indivíduo e a soci-
edade, em detrimento de sua função espe-
cífica.
Não se trata pois dos objetos defini-
dos segundo sua função, ou segundo 
as classes em que se poderia subdi-
vidi-los para comodidade de análi-
se, mas dos processos pelos quais as 
pessoas entram em relação com eles 
e da sistemática das condutas e das 
relações humanas que disso resulta. 
(BAUDRILLARD, 2006, p. 11).
Comprar um bem seria o mesmo então 
que manipular um objeto-signo, tal como 
na relação mágica dos povos primitivos 
que acreditavam domesticar o sagrado por 
meio da manipulação dos objetos. Portar 
um bem de consumo tem o mesmo sen-
tido simbólico-cultural que os povos pri-
mitivos experimentavam. Há um poder 
mágico e onipotente para os que ostentam 
os bens de consumo da era moderna, pois 
adentraram um novo espaço que transcen-
de a esfera dos demais mortais. Baudril-
lard acentua o caráter coletivo e simbólico 
deste consumo ao perceber que “nenhum 
desejo, nem mesmo o sexual, subsiste sem 
a mediação de um imaginário coletivo” 
(BAUDRILLARD, 2008). 
Transformou-se a relação do consu-
midor ao objeto: já não se refere a 
tal objeto na sua utilidade específi-
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ca, mas ao conjunto de objetos na 
sua significação total [...]. O anún-
cio publicitário, a firma produtora 
e a marca, que desempenha aqui 
papel essencial, impõem a visão 
coerente, coletiva, de uma espécie 
de totalidade quase indissociável, 
de cadeia que deixa aparecer como 
série organizada de objetos simples 
e se manifesta como encadeamento 
de significantes, na medida em que 
se significam um ao outro como 
superobjeto mais complexo e arras-
tando o consumidor para uma série 
de motivações mais complexas. 
Descobre-se que os objetos jamais 
se oferecem ao consumo em desor-
dem absoluta (BAUDRILLARD, 
2006, p. 26).
Se não há então uma necessidade da 
função de um objeto, o consumo, como 
atividade sistemática de manipulação de 
signos, passa a se caracterizar por uma 
condição de insaciedade, pois os objetos 
são agora signos que possuem sentido 
apenas em sua relação abstrata com outros 
objetos signos, sem relação concreta com 
as pessoas.
O consumo, em aguda oposição às 
formas de vida precedentes, asso-
cia a felicidade não tanto à satis-
fação de necessidades (como suas 
“versões oficiais” tendem a deixar 
implícito), mas a um volume e uma 
intensidade de desejos sempre cres-
centes, o que por sua vez implica o 
uso imediato e a rápida substituição 
dos objetos destinados a satisfazê-la 
(BAUMAN, 2008, p. 44).
 
Mas se não compramos objetos, o que 
compramos? Os objetos de consumo sim-
bolizam o quê? Compramos a sensação 
de bem-estar, de felicidade, de pertença a 
um determinado grupo, de uma pretensa 
individualidade ou liberdade de escolha 
quando, na verdade, compramos padrõ-
es comumente compartilhados. Logo, os 
produtos e serviços expressam um estilo 
de vida e um conjunto de valores, “que 
dão tanto ao consumidor quanto ao bem 
de consumo uma sólida identidade social 
no interior de um universo significativo” 
(SLATER, 2002, p. 144).Formas de consumo: entre o prazer 
e a dor
Está no senso comum e principalmen-
te na publicidade a associação entre con-
sumo e uma vida de felicidade e prazer. Há 
até um valor excessivo na busca de posses 
e bens materiais, bem como do consumo 
de serviços, em detrimento até mesmo 
da saúde e dos relacionamentos, com se-
veros prejuízos pessoais e financeiros no 
médio e longo prazo. O consumo seria 
então, fonte de prazer ou de sofrimento? 
A Psicologia, enquanto área das Ciências 
Humanas, também se ocupa de pesquisas 
acerca da relação entre o consumo e a saú-
de psicológica. 
Neste sentido, há aspectos positivos e 
também negativos nesta relação. Dentre 
os positivos, destaca-se o consumo expe-
riencial, aquele que traz experiências de 
prazer (VAN BOVEN, 2005). Essa noção 
seria uma alternativa interessante que con-
trapõe boa parte das teorias e pesquisas 
sobre consumo, excessivamente focados 
no aspecto negativo do consumo, ou seja, 
nas patologias como o consumo com-
pulsivo. Conhecido também como trans-
torno do comprar compulsivo (FABER e 
O’GUINN, 1992), caracteriza o compor-
tamento crônico e repetitivo de realizar 
compras. Não se pretende aqui minimizar 
a importância de tais temas. Todavia, é 
preciso ampliar o olhar e fugir do senso 
comum que vê o ato de consumir apenas 
como materialismo fútil ou doentio, prin-
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cipalmente porque cada vez mais é per-
ceptível a associação que as pessoas fazem 
do consumo com experiências agradáveis, 
enriquecedoras e prazerosas.
Segundo Torres (2012), enxergar o 
consumidor como aquele que pensa ape-
nas de forma lógica e racional ao adquirir 
determinado bem ou produto pode negli-
genciar aspectos relevantes como buscar o 
prazer, significados, gratificações e benefí-
cios emocionais no contexto do consumo. 
Tal perspectiva permite-nos vislumbrar 
ainda mais o interesse pelo conhecimento 
dos processos psicológicos e sociais que 
afetam o comportamento do consumidor. 
Consumo experiencial 
Quanto ao aspecto positivo, um dos 
temas recentes de investigação refere-se 
à relação do bem-estar subjetivo e formas 
de consumo. O bem-estar subjetivo é um 
campo de estudo da Psicologia da Saú-
de4 no qual se investiga a avaliação que 
as pessoas fazem de suas próprias vidas. 
Integra as dimensões de afeto positivo, 
afeto negativo e satisfação com a vida. 
Um nível alto de bem-estar subjetivo só é 
possível através da satisfação com a vida 
e um número maior de emoções positivas 
do que negativas (DIENER, 1984). Diener 
argumenta que a satisfação com a vida é 
composta por vários domínios, dentre eles 
o financeiro. Portanto, as implicações que 
os recursos financeiros e bens materiais 
trazem na satisfação geral com a vida do 
4 A Psicologia da Saúde é um dos campos da 
Psicologia, que tem por objetivo investigar 
e discutir temas relacionados à promoção 
da saúde, à prevenção e ao tratamento de 
doenças. Ela oferece contribuições tanto 
para o desenvolvimento de estilos e hábitos 
saudáveis das pessoas, quanto para a mudança 
de comportamento de risco favorável ao 
desenvolvimento de doenças (RIBEIRO, 2007). 
indivíduo também devem ser incluídas 
quando se pensa no bem-estar subjetivo. 
Ao investigar as relações entre consu-
mo, aspirações de consumo e bem-estar, 
Van Boven (2005) propõe uma visão al-
ternativa do consumo: a perspectiva expe-
riencial. Para ele o consumo experiencial 
pode elevar os níveis de bem-estar subje-
tivo nos consumidores quando compara-
dos ao consumo de bens materiais. Para 
Featherstone (2007 apud TORRES, 2012, 
p.20), os prazeres emocionais, os sonhos 
e os desejos que invocam o imaginário do 
consumidor, e que geram bem-estar e pra-
zer, fazem parte dos pilares da cultura do 
consumo pós-moderno. 
Consumo experiencial (compras expe-
rienciais) é aquele feito cuja intenção prin-
cipal do indivíduo é adquirir uma experi-
ência, mediante um evento ou uma série 
de eventos em que ele se encontra, viven-
cia completamente ou consome. As com-
pras experienciais são intangíveis e finitas 
no tempo (NICOLAO, IRWIN, GOOD-
MAN, 2009; VAN BOVEN, 2005). Como 
exemplos de compras experienciais, tem-
-se o consumo da diversão, cultura ou la-
zer, isto é, experiências de entretenimento 
ou culturais como hobbies, jogos, assistir 
shows, praticar esportes, apreciação estéti-
ca, assistir a um filme, entre outras (PINE, 
GILMORE, 1998). Este tipo de consumo, 
se considerado pelo indivíduo como uma 
experiência positiva, pode-lhe propiciar 
prazer, felicidade e outras emoções posi-
tivas que serão lembradas posteriormente 
como uma experiência gratificante.
O consumo experiencial do lazer (fé-
rias, concertos, jantares, etc.) é conside-
rado por Scitovski (1976 apud TORRES, 
2012, p.45) como uma das variáveis de 
maior impacto positivo na felicidade do 
indivíduo, pois geralmente advém de in-
terações sociais positivas. Já Bourgeon-
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-Renault et al. (2006), ao descrever sobre 
o consumo experiencial de arte-cultura, 
baseados nos conceitos de esteticismo e 
simbolismo, argumentam que as motiva-
ções com relação a este tipo de consumo 
são principalmente intrínsecas, com peso 
simbólico e afetivo, próprio das expe-
riências. Desta forma, os componentes 
emocionais estão fortemente presentes no 
consumo experiencial. 
Quando se adquire algo visando ape-
nas à satisfação de necessidades ligadas 
diretamente à funcionalidade deste bem 
ou produto, é o mesmo que usufruir da 
finalidade intrínseca pela qual este foi 
originalmente criado. Contudo, consumir 
buscando o prazer emocional é ultrapassar 
os benefícios funcionais de algum produ-
to. Assim, verifica-se no atual contexto de 
consumo a valorização da imagem, a força 
do simbolismo e as experiências sensoria-
is entre os indivíduos, o que diferencia do 
consumo visto apenas em sua perspectiva 
utilitarista (BRAGAGLIA, 2010). 
Consumo material 
Consumo material (compras materiais) 
é aquele feito cuja principal finalidade do 
indivíduo é adquirir um bem material ou 
objeto tangível que possa ser transportado 
de um lugar ao outro, que dure dias, anos, 
que ocupe um lugar físico e seja mantido 
em posse (NICOLAO et al., 2009; VAN 
BOVEN, 2005). Roupas, eletroeletrôni-
cos, imóveis, automóveis são exemplos de 
bens materiais. 
Entretanto, o consumo de bens ma-
teriais também pode ser visto sob a ótica 
experiencial, uma vez que a experiência 
com produtos é um termo que se destina a 
todas possíveis experiências consideradas 
afetivas que abrangem a interação indiví-
duo-produto, (RUSSO; HEKKERT, 2008, 
apud TORRES, 2012, p. 48). Mas é im-
portante sinalizar a distinção entre os dois 
conceitos. O consumo material está alicer-
çado em valores utilitários, representa o 
desejo do consumidor em obter um bem 
que lhe proporcione benefício funcional 
ou prático. Está ligado à funcionalidade 
do produto e sua capacidade em atender 
as necessidades do consumo utilitário. Já 
o conceito de consumo experiencial está 
pautado em valores baseados na busca 
pelo prazer, isto é, o consumidor procu-
ra experiências pelo anseio de vivenciar 
emoções. Portanto, o consumo material 
pode apenas satisfazer pela função e utili-
dade, porém é mais difícil de proporcionar 
emoção ou sentimento de bem-estar sub-
jetivo ao indivíduo (ZILLES, 2006). Van 
Boven (2005) adverte que o indivíduo é 
quem decide por si mesmo se suas com-
pras são experienciais ou materiais. Por 
exemplo, uma bicicleta, pode ser definida 
por uma pessoa como uma compra expe-
riencial (passear), ou por outra como uma 
posse material (trabalhar). 
Resultados de um estudo realizado por 
Van Boven e Gilovich (2003), cujoobjeti-
vo foi construir e validar a Escala de Bem-
-estar subjetivo nos tipos de consumo ex-
periencial e material, mostraram que 57% 
dos participantes sentiram-se mais felizes 
com as compras experienciais do que as 
aquisições materiais (utilitárias). Dados 
semelhantes vieram do estudo de Torres 
(2012). As médias de felicidade no consu-
mo experiencial foram significativamen-
te maiores do que no consumo material, 
o que corrobora o consumo experiencial 
como uma alternativa significativa para o 
bem-estar.
Destarte, tanto o consumo materi-
al quanto o experiencial demonstram-se 
importantes no cotidiano das pessoas. O 
consumo, quando realizado de forma equi-
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librada, tendo em vista benefícios para a 
saúde física, mental e social, mesmo nas 
duas possibilidades (material e experien-
cial) pode trazer benefícios ao indivíduo. 
Todavia, há outras formas de consumo, 
consideradas patológicas e prejudicia-
is, sobretudo quando o indivíduo perde o 
controle sobre seus atos de compra. 
Consumo compulsivo 
Os primeiros registros de distúrbios do 
comprar compulsivo surgiram no início do 
século XIX. Entretanto, o estudo científi-
co se consolidou de forma significativa ao 
final da década de 1980 (MAGEE, 1994). 
No começo do século XX, o transtorno 
do comprar compulsivo (TCC) foi descri-
to pela primeira vez como uma síndrome 
psiquiátrica. Sua classificação continua 
incerta e os pesquisadores discutem uma 
possível correlação com transtornos do 
humor, transtorno obsessivo-compulsivo e 
transtorno do impulso. Alguns estudiosos 
consideram o TCC como um transtorno de 
dependência, agrupando-o aos transtornos 
do uso de álcool e drogas (TAVARES, et. 
al., 2008). 
Os conceitos concernentes ao compor-
tamento de compras compulsivas ainda se 
mostram bastante fragmentados, o que tor-
na difícil sua delimitação. São diversos os 
termos encontrados na literatura: compul-
sive buying, addictive buying, compulsive 
shopping, compulsive spending (VELU-
DO-DE-OLIVEIRA, et. al., 2004). São 
temas relevantes de pesquisa nos campos 
da Psiquiatria, Psicologia e Marketing 
(KWAK; ZINKHAN; CRASK, 2003 apud 
VELUDO-DE-OLIVEIRA et al., 2004, 
p.7). 
A compra compulsiva pode ser defini-
da como um comportamento de comprar 
de forma crônica e repetitiva que é difícil 
de ser interrompido, causando danos ao 
indivíduo, em resposta a eventos ou sen-
timentos negativos (FABER; O’GUINN, 
1992). Segundo Sheth, Mittal e Newman 
(2001 apud VELUDO-DE-OLIVEIRA et 
al., 2004, p.4), a compra compulsiva abar-
ca pessoas que estão sempre comprando 
coisas além da necessidade, que talvez 
nunca usem, quase sempre em grandes 
quantidades, chegando a se endividar. 
Para Rook e Fisher (1995), a compra com-
pulsiva é a tendência do consumidor em 
comprar sem refletir, de forma imediata, 
impulsiva5 [...], estimulado pela facilidade 
de se obter o objeto desejado. O consumi-
dor é atraído emocionalmente e absorvido 
pela promessa de recompensa imediata. 
Para Tavares et al. (2008), é impor-
tante marcar a diferença entre as compras 
normais e as descontroladas. Tal distin-
ção não é feita baseada no nível de renda 
e recurso financeiro investido em deter-
minada compra, mas na extensão da pre-
ocupação, no nível de angústia pessoal 
e no desenvolvimento de consequências 
adversas. 
Roberts (1998) classifica os fatores 
que colaboram para a ocorrência da com-
pra compulsiva em três campos: 1) influ-
ências psicológicas, incluindo autoestima, 
percepção do status social e fantasias; 
2) influências familiares, as famílias que 
possuem este transtorno podem influenci-
ar os membros mais jovens; 3) influências 
sociológicas envolve a pressão dos pares, 
propaganda, frequência de compras, uso e 
acessibilidade do cartão de crédito. 
Em relação às motivações que levam 
ao comprar compulsivamente, Desarbo e 
Edward (1996 apud VELUDO-DE-OLI-
5 Baseado em Puri (1996) entende-se que o traço 
de impulsividade é uma tendência do indivíduo 
em agir de forma impensada, imediata e 
irracional em seu cotidiano, inclusive em seus 
hábitos de consumo (MONTEIRO, 2006, p. 68).
Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 171
VEIRA et al., 2004, p.6) salientam que a 
depressão, ansiedade, frustração e auto-
estima afetam o comprador compulsivo. 
Tais estados podem ser investigados tan-
to como motivações quanto como conse-
quências de tal comportamento. 
Resultados do estudo realizado por 
Miltenberger et al. (2003) evidenciaram 
que os antecedentes mais comuns às com-
pulsões de comprar em um grupo de pes-
soas com TCC foram emoções negativas 
tais como raiva, ansiedade, tédio e pensa-
mentos autocríticos. Já euforia e alívio das 
emoções negativas mostraram-se as con-
sequências mais comuns. Segundo Lejoy-
eux et al. (1996) para algumas pessoas, as 
compras compulsivas podem ser utiliza-
das como um mecanismo compensatório 
para os sentimentos depressivos. Já Faber 
e O’Guinn (1992) afirmam que a partir do 
momento em que uma pessoa reconhece 
que possui baixa autoestima e vê no ato de 
comprar um meio de expressar sua raiva 
e agressividade, bem como uma forma de 
tentar escapar da monotonia do seu dia-a-
-dia, há grande probabilidade de tal ato 
tornar-se compulsivo. 
Desta forma, são necessários estudos 
interdisciplinares que possam adequada-
mente investigar não só a relação de preju-
ízo emocional do ato de comprar compul-
sivo, mas também das possibilidades de 
bem-estar subjetivo que estão subjacentes 
nas experiências de consumo, sobretudo 
quando o consumo, seja ela material ou 
experiencial, esteja diretamente ligado a 
benefícios simbólicos e emocionais para o 
consumidor. Tal perspectiva alerta para a 
necessidade de observar e pesquisar o fe-
nômeno do consumo, principalmente nas 
sociedades laicas e plurais, cuja cultura do 
consumo, atrelada ao lazer, demonstra-se 
significativa para a maioria das pessoas 
concentradas nos grandes centros urbanos.
Consumo, cidadania e responsabili-
dade
Abordagens mais recentes procuram 
fugir das perspectivas moralistas e/ou psi-
cológicas que acreditam que o consumo 
transforme os indivíduos em consumido-
res infantilizados ou deslumbrados pelo 
prazer de comprar, atentando para a raci-
onalidade econômica dentro de um ciclo 
de produção e reprodução social. Pesqui-
sadores como Canclini, Manuel Castels e 
Pierre Bordieu salientam o consumo como 
prática de apropriação dos produtos soci-
ais, lugar de diferenciação social, sistema 
de integração e comunicação de sentidos, 
cenário de objetivação de desejos e ritu-
al cuja lógica assume diferentes sentidos 
para diferentes grupos e atores sociais 
(ROMANO, 1998, p. 72).
O consumo é o conjunto de pro-
cessos socioculturais em que se re-
alizam a apropriação e os usos dos 
produtos. Esta caracterização ajuda 
a enxergar os atos pelos quais con-
sumimos como algo mais do que 
simples exercícios de gostos, capri-
chos e compras irrefletidas, segundo 
os julgamentos moralistas, ou atitu-
des individuais, tal como costumam 
ser explorados pelas pesquisas de 
mercado (CANCLINI, 1996, p. 53).
A noção de que os consumidores pos-
sam ter papel ativo em suas escolhas raci-
onais tem sido apropriada pelos recentes 
discursos de sustentabilidade, consumo 
consciente e responsabilidade social. Essa 
retórica faz parte de uma estratégia para 
fomentar nos indivíduos responsabilida-
des como estímulo a solidariedade, con-
sumo sustentável, justiça social e proteção 
ao meio ambiente, devido à negligência 
das responsabilidades próprias do Estado 
e um esforço para consolidar a desregula-
172 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825
mentaçãodo mercado e das práticas em-
presariais (MAZETTI, 2012, p. 108). 
Não há dúvidas da responsabilidade 
e exigências que se levantam com uma 
massa de consumidores sempre crescen-
te que passam a adentrar o seleto grupo 
de pessoas que podem consumir e, com 
isso, limitar os recursos naturais do pla-
neta. Talvez seja por isso que haja algum 
efeito em produzirem-se campanhas de 
consumo consciente ou na medida em 
que se percebe a possibilidade de escolha 
de uma massa cada vez crescente de con-
sumidores ávidos em adentrar espaços 
antes ocupados por privilegiados setores 
da sociedade. 
Michel de Certeau é outro pesqui-
sador que aposta nas “táticas de resis-
tência” (2009), numa espécie de contra-
ponto à lógica determinante do processo 
capitalista consubstanciada na linguagem 
publicitária (2009, p. 92). Essa resistên-
cia consistiria em apropriações discretas 
nas práticas dos consumidores, que se 
apropriam dos discursos da publicidade 
invertendo a forma como são usados os 
produtos da indústria cultural consumi-
dos, numa espécie de “vulgarização” ou 
“degradação” do conteúdo pretensamente 
difundido pelas elites. 
Essa relação dialógica que se opera 
tanto ao nível discursivo do capital sim-
bólico dos bens e produtos consumidos, 
quanto no significado simbólico dos ob-
jetos de consumo, parece demonstrar o 
quão precisa avançar a pesquisa sobre o 
fenômeno do consumo. Para além de ver 
o consumo como manipulação de objetos 
mágicos, totem sagrado que concede sta-
tus ao portador, a própria lógica de insa-
tisfação do gozo e do caráter fugaz dos 
objetos consumidos remete para novas 
relações e apropriações simbólicas nas 
práticas de consumo.
Esta tensão simbólica também está 
presente no pensamento de Canclini, ao 
afirmar que “consumir é participar de 
um cenário de disputas por aquilo que a 
sociedade produz e pelos modos de usá-
-lo (p. 54). Como espaço de interação, os 
produtores lutam não apenas para seduzir 
os consumidores, mas também para jus-
tificar-se racionalmente. O consumo não 
seria uma conduta impulsiva e irracional, 
uma vez que demarca seu domínio sim-
bólico em que o consumidor distingue-
-se no interior de seu grupo ou diante de 
grupos diferentes, o que caracterizaria, na 
visão do autor, não apenas conflito, mas 
também interação e comunicação entre os 
membros da comunidade. 
Mas se há alguma espécie de resis-
tência/interação ao consumo, como ela 
poderia ser reconhecida? Certeau utiliza 
como exemplo a religião popular e o sin-
cretismo religioso dos povos indígenas e 
dos afrodescendentes colonizados como 
subversões silenciosas contra a hierar-
quia e a ordem estabelecidas (2009, p. 
74; 89). Se não se pode fugir ao poder, 
pode-se contestá-lo mediante outros usos 
e práticas de seus conteúdos. 
O simbolismo da relação de consu-
mo fica ainda mais nítido quando se per-
cebe a associação entre o consumo mo-
derno e as novas formas e possibilidades 
de exercício da cidadania. Decorrente da 
degradação das instituições sociais e da 
política, em que as formas de participa-
ção popular enfraqueceram-se e a pre-
sença do Estado não é suficiente para a 
garantia mínima de direitos, o consumo 
moderno tem sido apropriado pelas mas-
sas como uma possibilidade não apenas 
de ascensão social, mas, sobretudo de 
pertença a classes sociais em que os di-
reitos fundamentais passam a ser nitida-
mente observáveis.
Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825 173
Em sociedades em que a concentração 
de renda e as desigualdades são gritantes, 
e que o acesso aos direitos fundamentais 
só pode se efetivar mediante o competente 
ajuizamento do Estado – a um considerá-
vel custo do operador do direito ou com o 
auxílio de suborno – a posse de bens sem-
pre foi um indicativo de “cidadania”. Uma 
rápida análise da população carcerária e 
dos usuários do sistema de saúde revela a 
dicotomia cidadãos-consumidores x des-
possuídos. Sendo assim, portar um apare-
lho celular de última geração, uma roupa 
de grife, um automóvel novo ou morar 
em um bairro de classe média indica cla-
ramente que este indivíduo emergiu para 
uma condição de cidadania que só o con-
sumo garante nessas sociedades.
Apesar de favorável ao consumo, tal 
perspectiva não recebe apoio daqueles 
que acreditam na existência de um dis-
curso montado pelas classes dominantes 
e incorporado, através de um processo de 
negociação e de legitimação, pelos dema-
is setores sociais, o que realça o processo 
de objetificação da sociedade – Ao invés 
de um direito, a cidadania transformou-se 
em objeto (LYRA, 2001), escamoteando 
o aprofundamento do fosso entre os mais 
privilegiados e os emergentes “meros con-
sumidores”.
Não se trata, então, de que as classes 
sociais estejam substituindo seus direitos 
de cidadania e participação política pelo 
direito ao consumo, até porque esses di-
reitos nunca existiram, nem mesmo após a 
Constituição de 1988 no Brasil, reconheci-
da pela universalidade de suas premissas. 
Também não é o descrédito nas instituiçõ-
es políticas, porque estas sempre estive-
ram alinhadas às elites. No Brasil, direitos 
sempre estiveram associados ao poder fi-
nanceiro de quem os pleiteia. A saída mais 
corrente às esferas populares foi desenvol-
ver outras formas de participação próprias 
da esfera privada, como o consumo, num 
espaço de voz para o consumidor. 
Homens e mulheres percebem que 
muitas das perguntas próprias dos 
cidadãos – a que lugar pertenço e 
que direitos isso me dá, como posso 
me informar, quem representa meus 
interesses – recebem suas respostas 
mais através do consumo privado 
de bens e dos meios de comunica-
ção de massa do que nas regras abs-
tratas da democracia ou da partici-
pação coletiva em espaços públicos 
(CANCLINI, 1996, p. 37). 
Considerações finais
As interpretações e perspectivas a 
respeito do consumo moderno, divergen-
tes quanto ao aspecto emancipatório ou 
focados dentro de uma crítica moral, de-
monstram o quanto esse tema carece ainda 
de mais estudos e reflexão, sobretudo de 
estudos empíricos. Concordamos que boa 
parte da crítica moral (BAUDRILLARD, 
2008; BAUMAN, 2008), embora acerta-
da no caráter fluido, hedonista e indivi-
dualista da cultura de consumo, peca por 
não perceber a evolução do fenômeno do 
consumo, que deixou de ser uma de uma 
atividade familiar na sociedade de corte, 
para se transformar em uma atividade in-
dividual na sociedade atual, expressão dos 
valores das sociedades individualistas - o 
direito de escolha (BARBOSA, 2004, p. 
24). Há também o problema de não enxer-
gar, adequadamente, as possibilidades de 
realização pessoal que ocorrem nas práti-
cas de consumo experiencial, voltadas a 
produzir bem-estar nos indivíduos.
Recuperar estas possibilidades do pra-
zer experiencial e/ou cultural de consumir, 
alinhando-a a noção de cidadania do con-
sumo nas sociedades em desenvolvimen-
174 Políticas e Saúde Coletiva – Belo Horizonte – v. 1. nº 2, setembro 2015 – ISSN 2359-5825
to, nos parece mais plausível porque pare-
ce demonstrar o consumo atual mais como 
um fenômeno de massificação, populari-
zação e democratização, antes restrito a 
uma parcela muito restrita e nobre da soci-
edade nos séculos anteriores, do que uma 
visão moralista que vê o consumo como 
algo hedonista e individualista. E isso só 
será possível com pesquisas de campo, ca-
pazes de articular o poder da teoria com a 
capacidade da observação atenta dos fenô-
menos que cercam as práticas de consumo 
atual.
A moda, que caracteriza o consumo 
moderno, ao contrário da pátina, é 
um mecanismo social expressivo 
de uma temporalidade de curta du-
ração, pela valorização do novo e 
do individual... Como tal ela rejei-
ta o poder imemorial da tradição (a 
pátina) em favor da celebração dopresente social, do mundo da vida 
cotidiana, do aqui e do agora. Sua 
referência não são os antepassados, 
mas os contemporâneos (BARBO-
SA, 2004, p. 24).
Em especial no Brasil, a crítica moral 
do consumo não cai com a recente ascen-
são das classes mais humildes passaram a 
ter condições e acesso, até porque parece 
ressoar o “horror à mobilidade” (DAMAT-
TA, 1994). Talvez a melhor inferência para 
se perceber essas relações esteja na coluna 
de Danuza Leão, a respeito das possibili-
dades de mudança de classe social.
...já se foi o tempo em que ir a Paris 
era só para alguns; hoje, ninguém 
quer ouvir o relato da subida do 
Nilo, do passeio de balão pelo de-
serto ou ver as fotos da viagem – e 
se for o vídeo, pior ainda – de quem 
foi às muralhas da China. Ir à Nova 
York ver os musicais da Broadway 
já teve sua graça, mas, por R$ 50 
mensais, o porteiro do prédio tam-
bém pode ir, então qual a graça? 
(LEÃO, 2012).
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