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Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA Autora: Mara Regina Zluhn 341.481 Z827e Zluhn, Mara Regina Educação em direitos humanos na educação básica / Mara Regina Zluhn. Indaial : Uniasselvi, 2013. 132 p. : il ISBN 978-85-7830-681-6 1. Direitos humanos. 2. Educação. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Profa. Célia Regina Appio Revisão Gramatical: Profa. Camila Thaisa alves Bona Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci Copyright © Editora UNIASSELVI 2013 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Sou Pedagoga, Especialista em Orientação Educacional e Mestre em Educação e Cultura. Já atuei na Educação Infantil, na Educação Básica, em Cursos de Graduação e Pós-Graduação, tecendo minha prática docente numa perspectiva interdisciplinar. Atualmente trabalho como docente no Ensino Superior, em Cursos de Especialização - lato sensu, em Formações e Capacitações docentes e sou Orientadora Educacional na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina. Minhas experiências na Educação Básica, relacionadas com as vivências no Ensino Superior, me possibilitam tecer uma extensa trama de reflexões acerca do processo educacional, porém, como Paulo Freire (1996) afirma, educador e educandos são sujeitos de um mesmo processo, se educam, se avaliam e crescem juntos. Assim, me considero uma eterna aprendiz e nessa condição, quero convidá-lo (a) para iniciarmos nossas reflexões acerca de um tema tão inquietante e necessário no nosso cotidiano escolar: direitos humanos, violência e avaliação escolar. Mara Regina Zluhn Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Direitos Humanos e Cidadania .............................................. 9 CAPÍTULO 2 Violências na Escola ............................................................ 57 CAPÍTULO 3 Avaliação da Aprendizagem Escolar................................ 105 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Quero desejar-lhe as boas vindas nesta nova disciplina, almejando que os conceitos aqui elaborados, as sínteses efetuadas e as reflexões realizadas possam contribuir para que as relações interpessoais e as vivências da escola sejam pautadas na paz, no respeito e na equidade. Neste momento da história, apesar de todas as evoluções científicas e tecnológicas, do aumento do nível de escolaridade das pessoas, do nosso país ter se desenvolvido significativamente nas questões econômicas, ainda convivemos com muitas situações de injustiça, miséria, discriminação e violência. Não podemos omitir que parte desses problemas atravessa os muros da escola e, com muita frequência, professores são ameaçados, alunos são espancados, escolas são destruídas. Talvez a escola, até bem pouco tempo atrás, fosse uma das últimas instituições sociais preservadas das ações violentas que permeiam o meio social. No entanto, os tempos mudaram, e assim como nas ruas, no trânsito, nas casas, o meio escolar passa a integrar as estatísticas de violência, deixando gestores, professores, pais e alunos preocupados e em busca de soluções para preservar esse ambiente, que tem, por excelência, o papel de educar. Muitos estudos e pesquisas destacam a importância da educação para favorecer a cultura da paz, da não violência e da solidariedade. Sabemos que muitos dos nossos alunos provêm de situações sociais e familiares adversas e caóticas, e que acabam por reproduzir na escola aquilo que vivem em seus lares. Na grande maioria das vezes, os pais estão distantes da vida escolar de seus filhos e a escola se vê só e incapaz de resolver todos os conflitos que a assolam. A Educação Básica em Direitos Humanos aparece como uma alternativa para que possamos buscar respostas para os inúmeros conflitos existentes no cotidiano das nossas unidades escolares. Embora a Declaração dos Direitos Humanos tenha sido aprovada em 1948, os estudos acerca dos seus encaminhamentos continuam mais atuais do que nunca, tendo em vista a premência de provocar discussões e estudos sobre a temática. Ao entender-se que a escola é o germe de modificação do indivíduo, que traz em si a essência dessa modificação, por meio das suas potencialidades, temos que colocá-lo no centro desse processo e pensar em uma educação que possa valorizá-lo, respeitá-lo em suas diferenças e mostrar que o seu futuro pode ser construído com base na cidadania. Nosso texto estará dividido em três capítulos: no primeiro faremos uma breve conceituação acerca dos direitos humanos, destacando alguns fundamentos da cidadania e da democracia, bem como das políticas sociais de proteção às crianças e adolescentes. No segundo capítulo iremos aprofundar as formas de violência presentes na sociedade, e de maneira mais peculiar aquelas presentes no cotidiano escolar, e no terceiro e último capítulo iremos discutir o papel da avaliação da aprendizagem na perspectiva da educação para os direitos humanos, apresentando os seus fundamentos teórico-práticos. Estou muito grata em poder compartilhar com você esses momentos de estudo e reflexão. Seja bem-vindo (a)! A autora. CAPÍTULO 1 Direitos Humanos e Cidadania A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Compreender alguns conceitos de educação em direitos humanos; 9 Conhecer os elementos básicos para a introdução dos estudos sobre direitos humanos, ressaltando o significado humano e social; 9 Reconhecer os marcos normativos estabelecidos pelas Políticas Públicas através dos diversos programas, projetos e agendas (Programas Nacional, Estaduais e Municipais de Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, as legislações de combate à discriminação racial e à tortura, bem como as recomendações das Conferências Nacionais de Direitos Humanos e Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos); 9 Direcionar a educação para o pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, na defesa do meio ambiente, dos outros seres vivos e da justiça social. 10 Educação em direitos humanos na educação básica 11 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Contextualização Caro (a) pós-graduando (a), neste primeiro capítulo abordaremos alguns conceitos referentes aos Direitos Humanos e cidadania, pois entendemos que a escola, enquanto uma das mais importantes organizações sociais, constrói, através das relações que se estabelecem no seu interior, inúmeros princípios concernentes a uma sociedade mais justa e igualitária. Em contrapartida, somos protagonistas de um cenário de violências, indisciplina e afrontamentos que deixam os (as) professores (as) perplexos (as), em busca de respostas para garantir uma prática pedagógica permeada por valores de respeito, de diálogo e de tolerância. Para pensarmos uma educação baseada nos Direitos Humanos, devemos iniciar falando em Cidadania e Integração Social. O que significa ser cidadão na sociedade brasileira? E no mundo globalizado, quando sabemos que a grande parte da população vive à margem dos benefícios vitais? E na sua escola, como se vive a cidadania? Para garantir a igualdade e a equidade entre os indivíduos, o Estado estabeleceu ao longo da história várias políticas sociais de proteção às crianças e adolescentes. De certa forma, as escolas se sentem reféns dessas legislações, nãoconseguindo, em muitos casos, estabelecer relações de parceria para enfrentar as suas dificuldades. Assim, faz-se necessário aprofundar essa temática, no sentido de buscar propostas e encaminhamentos que sustentem a prática pedagógica na busca de um espaço educativo que contribua para a construção de um presente mais solidário e de um futuro permeado por sonhos e valores de uma sociedade efetivamente mais justa e igualitária, numa ação conjunta de todos os órgãos sociais. Se considerarmos que a escola é um espaço de circulação de culturas, de diferenças, de singularidades, devemos garantir que os direitos humanos se transformem na base das nossas relações e que a falta de entendimento, a ausência de escuta do outro, a destruição, a morte amplamente divulgados pelos adultos e pela mídia se transformem em objeto de diálogo e reflexão, colocando o presente numa situação crítica, para que nossas crianças e adolescentes possam manter a esperança da solidariedade, da generosidade e da justiça social a partir de práticas diárias do meio escolar, pois entendemos que não basta ensinar os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é necessário vivenciá-los. 12 Educação em direitos humanos na educação básica Educação em Direitos Humanos: Fundamentos Teórico- Metodológicos Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto, que não se deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de fazer ler, mas de fazer pensar. (MONTESQUIEU, do Espírito das leis, livro Xi, capítulo XX) Vamos iniciar nossos estudos refletindo sobre o sempre atual tema dos Direitos Humanos e Cidadania: para uns esse assunto pode mostra-se útil e necessário, para outros pode parecer dispensável e supérfluo, depende da ótica que você vê. Antes de aprofundarmos nossa discussão, convido-o (a) para ler o seguinte texto : O FRIO PODE SER QUENTE? As coisas têm muitos jeitos de ser. Depende do jeito da gente ver. [...] Por que será que numa noite a lua é tão pequena e fininha e outra noite ela fica tão redonda e gordinha para depois ficar de novo daquele jeito estreitinha? Depende do quê? Depende do dia que a gente vê. Que comprido que é o rabo de uma vaca. Mas se uma mosca sentar lá em cima do focinho não adianta nem tentar. O rabo fica curtinho e só dá para abanar até o meio do caminho. Quem já se queimou num pedaço de gelo e sentiu muito frio depois de um banho quente, não pode se espantar do frio poder queimar e o quente também esfriar. 13 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Uma árvore é tão grande se a gente olha lá para cima. Mas do alto de uma montanha ela parece tão pequeninha. Grande ou pequena depende do quê? Depende de onde a gente vê. O domingo é tão curto, os outros dias duram tanto. Nas horas eles são iguais, a diferença deve estar naquilo que a gente faz. O amanhã de ontem é hoje, o hoje é o ontem de amanhã. Dentro dessa complicação, quem tem uma explicação? Dá até para imaginar se o amanhã nunca chega. E também para pensar hoje, ontem, amanhã depende do quê? Depende do jeito que você vê. Como será que pode uma colher cheia de doce parecer tão pouquinho que não dá nem para sentir? E cheia de remédio ficar tanto que não dá nem para engolir? O pouco pode ser muito. O quente pode ser frio. Será que tudo está no meio e não existe só o bonito ou só o feio? O comprido pode ser curto, o fino pode ser redondo. Parece mesmo que no fim o bom pode ser ruim. E neste caso por que não o ruim pode ser bom? Curto e comprido. Bom e ruim. Vazio e cheio. Bonito e feio. São jeitos das coisas ser. Depende do jeito da gente ver. Ver de um jeito agora e de outro depois. Ou, melhor ainda, ver na mesma hora os dois. Fonte: Masur (2009, apud CORBETTA, 2011, p.6) Muito bem.... podemos afirmar que o modo como compreendemos o mundo que nos cerca depende do modo como o vemos, das nossas histórias de vida, dos nossos valores, observações e experiências. Da mesma forma, o modo como percebemos a educação será definido a partir da tendência pedagógica que escolhemos para pautar nossa prática, das teorias que baseiam nossas opções teóricas e pedagógicas, dos recortes do conhecimento que fazemos para definir os conceitos científicos e as competências para o desenvolvimento de aprendizagens significativas, geradoras de novas aprendizagens e propiciadoras da formação do cidadão consciente e agente de mudanças. 14 Educação em direitos humanos na educação básica Diante de todos esses fatores, qual o seu olhar diante de uma proposta de educação baseada nos direitos humanos na educação básica? Quais óculos você irá escolher para analisar essa temática? Serão uns óculos bem escuros, para combinar com todas as obscuridades da questão, ou serão uns óculos coloridos, que representem as possibilidades e questionamentos? Figura 1 - Qual o seu olhar? Fonte: Disponível em: <http://migre.me/byumN>. Acesso em: 30 jun. 2012 Antes de prosseguirmos, convido-o (a) a fazer uma viagem pelo tempo. Você reconhece algumas das figuras abaixo: Figura 2 - Equipamentos eletrônicos do passado Fonte: Disponível em: <http://migre.me/byuQT>. Acesso em: 03 jul. 2012 15 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Qual foi sua reação: riso, saudade, curiosidade? Se você nasceu nas décadas de 60 / 70 deve estar cheio de lembranças e se você for mais jovem, deverá estar rindo desses objetos de “museu”. Como nossos alunos do século XXI reagiriam se fossem postos à frente desses equipamentos? Saberiam manuseá-los? Demonstrariam interesse em vê- los em funcionamento? E se fizéssemos uma breve seleção dos equipamentos tecnológicos presentes no cotidiano de muitos deles, quais seriam? Figura 3 - Equipamentos eletrônicos da atualidade Fonte: Disponível em: <http://migre.me/bzwii>. Acesso em: 03 jul. 2012. São muitas opções, não é? E dentro de pouco tempo, quais serão as novas tecnologias que estarão disponíveis? Quais as novas frentes de trabalho que existirão? Quais as competências que serão exigidas pelo mercado de trabalho? E assim poderíamos listar muitos questionamentos que nos assolam diante da complexidade e velocidade do desenvolvimento científico e tecnológico. Estamos diante de um novo contexto social e de um novo aluno, que é bombardeado em seu dia a dia por novidades tecnológicas, apelos consumistas, cenas de violência exacerbadas e que absorvem todas essas informações de forma imediata, refletindo-as em sua forma de ser, de entender e de se relacionar com as pessoas e o mundo a sua volta. Assim, junto com as tecnologias, diversas outras modificações estão presentes no nosso cotidiano, trazidos pelos ventos da modernidade: imediatismo, consumismo, superficialidade das relações, excesso de tarefas, jornada de trabalho ampliada, entre tantas outras que poderíamos elencar. 16 Educação em direitos humanos na educação básica Como educadores, temos que ter conhecimento da realidade sociocultural da nossa clientela, suas contradições, conflitos, necessidades e desafios. A partir do momento em que conhecemos a realidade da comunidade onde a escola está inserida, podemos desenvolver o respeito às características e as diferenças individuais, desenvolvendo a habilidade de nos relacionarmos de forma mais humana e solidária, trabalhar cooperativamente e em função dos interesses e necessidades dos alunos, pois não podemos imaginar um projeto de educação em direitos humanos único e inflexível, que deva ser aplicado uniformemente nas diferentes realidades sociais brasileiras. Vamos voltar ao texto de abertura desse capítulo: o frio pode ser quente? As coisas têm muitos jeitos de ser. Depende do jeito da gente ver [...]. Qual a escola que você vê: um ambiente repleto de problemas, com pessoas descontentes e insatisfeitas, com defasagens salariais, pais ausentes, dificuldades de aprendizagem, falta de recursos materiais, instalações físicas inadequadas? Ou você a enxerga como possibilidade para modificar a vida de muitas crianças e jovens, transformando-se em umcaminho de mudança social e cultural? Para pensarmos uma escola democrática e cidadã, temos que ir muito além de uma prática pedagógica engessada e baseada no formalismo, onde predominam as tarefas de planejar, executar e avaliar os conteúdos de ensino. A escola atual tem mostrado diariamente que não está mais dando conta dos desafios da contemporaneidade, por isso somos chamados a repensá-la. Gostaria de chamá-lo (a), inicialmente, para resgatarmos um documento que foi elaborado em 1948 e cujas prerrogativas ainda mantêm-se válidas, atuais e desafiadoras. Você sabe do que se trata? Nessa década sabemos que se deflagrou a Segunda Guerra Mundial, foram estabelecidas a ONU, a OTAN, o FMI, o Banco Mundial, foi criado o primeiro computador e em 10 de dezembro de 1948 foi aprovada, pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Trata-se de um documento muito comentado, citado e noticiado. Porém, quero lhe fazer uma pergunta: você já fez a sua leitura? Como educador, que tal conhecê-lo na íntegra? Lembre-se de que estamos trabalhando na ótica de construir novos olhares para a realidade escolar, por isso, vamos colocar uns “óculos 3D” e tentar visualizar o cotidiano escolar no interior de cada artigo que segue? 17 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Você pode acessar o documento em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ ddh_bib_inter_universal.htm Figura 4- Declaração Universal dos Direitos Humanos Fonte: Disponível em: <http://migre.me/bzxh7>. Acesso em: 06 ago. 2012. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm 18 Educação em direitos humanos na educação básica Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo VI Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei. Artigo VII Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. Artigo VIII Toda pessoa tem direito a receber dos tributos nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei. Artigo IX Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado. Artigo X Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele. 19 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso. Artigo XII Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. Artigo XIII 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar. Artigo XIV 1.Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Artigo XV 1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade. 20 Educação em direitos humanos na educação básica Artigo XVI 1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. Artigo XVII 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2.Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. Artigo XVIII Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular. Artigo XIX Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo XX 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação. Artigo XXI 1. Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 21 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 2. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto. Artigo XXII Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. Artigo XXIV Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas. Artigo XXV 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúdee bem estar, inclusive 22 Educação em direitos humanos na educação básica alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. Artigo XXVI 1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. Artigo XXVII 1. Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo científico e de seus benefícios. 2. Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual seja autor. Artigo XXVIII Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. 23 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Artigo XXIV 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. Artigo XXX Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos. Fonte: Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 06 ago. 2012. Temos que considerar que o documento é datado, por isso não dá conta de algumas especificidades da atualidade, como por exemplo as questões da sustentabilidade, do papel da mulher no mundo contemporâneo, do desenvolvimento acelerado das tecnologias, deixando um contingente de mão- de-obra excedente, o direito a diversidade cultural e as diferenças, entre outros. Porém, como aponta Alencar (1998, p. 28): [...] é preciso conhecer os direitos humanos não como um dogma, como um conjunto de artigos prontos, acabados, definitivos. A Declaração cinquentenária é muito boa, merece ser lida, conhecida, vivida e cumprida, mas tem lacunas – resultantes da época em que foi escrita, de sua temporalidade. Por isso, celebrar e valorizar a Declaração Universal dos Direitos Humanos [...] é entender que ela precisa ser acrescida, complementada, aperfeiçoada. Além de cumprida, é óbvio. 24 Educação em direitos humanos na educação básica Devemos refletir, porém, que ao longo da história da humanidade nem sempre houve a preocupação com o bem estar, igualdade e segurança dos povos. De acordo com Alencar (1998, p.21): A noção de direitos humanos está diretamente ligada ao contexto de cada época. Quando não havia escrita e a fala humana ainda se estruturava com sons guturais, primais, os ‘direitos humanos’ eram inexistentes como conceito e como prática: a luta pela sobrevivência era bruta, dura, e favorecia os mais fortes. E assim foi durante séculos. Alguns acontecimentos marcaram a história e entre muitas transitoriedades, avançou-se no reconhecimento da humanização. Podemos citar o cristianismo, com o seu princípio de amor ao próximo, a luta da burguesia contra os senhores feudais e a aristocracia absolutista, a Revolução Francesa de 1789, que pregava a igualdade, liberdade e fraternidade entre os homens, as Constituições Nacionais que foram elaboradas nos diversos países do planeta e as diversas legislações complementares que surgiram para garantir a paz entre os povos. Desta forma, diversos fatores são responsáveis pelo estabelecimento dos direitos humanos em diferentes momentos da história da humanidade, entre eles fatores sociais, históricos, filosóficos, econômicos, que por sua vez estão em constante processo de modificação, de acordo com as exigências e aprimoramento intelectual e cultural da sociedade. Neste sentido, Bobbio (1992, p.24) afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”. O QUE É EDUCAÇÃO EM DIRETOS HUMANOS? Segundo Tavares (2007, p.488), a educação em diretos humanos por sua vez, é o que possibilita sensibilizar e conscientizar as pessoas para a importância do respeito ao ser humano, apresentando-se na atualidade, como uma ferramenta fundamental na construção da formação cidadã, assim como na afirmação de tais direitos. Sua finalidade é a de atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões a fim de contribuir com o desenvolvimento de sua condição de cidadão e cidadã, ativos na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres e na fomentação de sua humanidade. As questões da sustentabilidade, do papel da mulher no mundo contemporâneo, do desenvolvimento acelerado das tecnologias, deixando um contingente de mão-de-obra excedente, o direito a diversidade cultural e as diferenças, entre outros. Bobbio (1992, p.24) afirma que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”. 25 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Diante da história da humanidade e de seus diversos momentos, a educação em direitos humanos sempre se mostrou necessária e relevante. Podemos buscar em Tavares (2007, p.488) o seu conceito: A educação em diretos humanos por sua vez, é o que possibilita sensibilizar e conscientizar as pessoas para a importância do respeito ao ser humano, apresentando- se, na atualidade, como uma ferramenta fundamental na construção da formação cidadã, assim como na afirmação da tais direitos.[...] A finalidade maior da EDH, portanto é a de atuar na formação da pessoa em todas as suas dimensões a fim de contribuir ao desenvolvimento de sua condição de cidadão e cidadã, ativos na luta por seus direitos, no cumprimento de seus deveres e na fomentação de sua humanidade. Se você quiser aprofundar essa temática, não deixe de ler o livro a “A era dos extremos- o breve século XX”, de Eric Hobsbawn. O autor divide a história do século XX em três “eras”, vale a pena conferir. HOBSBAWN,E. A era dos extremos: o breve século XX. 1914- 1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Atividade de Estudos: 1) Qual a sua impressão sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos? Após 64 anos, a declaração se mantém atual? Em nossas escolas vivemos situações cotidianas que se refletem nesse documento? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 26 Educação em direitos humanos na educação básica Cidadania, Integração Social e Democracia A escola não pode ser considerada somente como transmissora de conteúdos, mas como local privilegiado de aprendizagens e vivências cidadãs e democráticas, e quando falamos na defesa, na efetivação e na universalização dos direitos humanos, precisamos considerar os seres humanos/ nossos alunos, enquanto seres sociais, inseridos em uma organização social, onde devem ser asseguradas as condições para que ele se desenvolva e tenha condições de viver com dignidade, igualdade e justiça. No entanto, temos que ressaltar que o conceito de igualdade não significa que todos tenham de ter as mesmas características físicas, intelectuais ou psicológicas, tampouco os mesmos hábitos e costumes. Este conceito está imbuído das diferenças culturais entre os povos, pois, mesmo tratando-se de pessoas diferentes, continuam iguais como seres humanos, apresentando as mesmas necessidades e faculdades essenciais a todos. Dallari (2004, p.15) afirma: O respeito pela dignidade humana deve existir sempre, em todos os lugares e de maneira igual para todos. O crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à custa de ofensas à dignidade de seres humanos [...]. Comparato (2007) faz uma importante reflexão acerca da autonomia do ser humano, destacando que o mesmo deve ser considerado como um fim em si e não como um meio para determinar a consecução de um objetivo. O autor afirma (2007, p. 22): “[...] todo homem tem dignidade e não preço, como as coisas. A humanidade como espécie, e cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não tem equivalente, não pode ser trocado por alguma coisa”. Considerando então que o homem não pode pensar somente em si e que os seus fins devem também considerar os fins dos outros, ele torna- se eminentemente social e precisa dos seus pares para viver. A fragilidade humana está diretamente relacionada com a necessidade da solidariedade. Com exceção de alguns eremitas e pessoas que optam pela clausura, estamos diariamente nos relacionando com inúmeras pessoas, ligados a elas por nossas necessidades materiais (alimentos, roupas, remédios, educação etc.). Porém, também necessitamos de comunicação intelectual, afetiva e espiritual, pois, o amor, o afeto, a fé, a esperança e mais uma extensa lista de necessidades compõem essa maravilhosa e complexa criatura: a figura humana. O respeito pela dignidade humana deve existir sempre, em todos os lugares e de maneira igual para todos. 27 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Como você define as formas atuais de relações interpessoais? Houve alguma alteração na forma das pessoas se relacionarem? Há uma característica da pós–modernidade que destaca o isolamento e a individualidade do ser humano. Hoje, vemos inúmeras situações em que as pessoas estão “on line” durante 24 horas do dia, utilizando-se dos mais diversos recursos tecnológicos para manter-se em conexão com sua extensa rede de amigos virtuais. Há locais em que as pessoas entram, sentam-se em uma mesa, ligam seus computadores e permanecem por longo tempo navegando em seu mundo paralelo, enquanto nas mesas ao lado a cena se repete. Casais que saem para se divertir, mas não se esquecem de verificar seus aparelhos a cada minuto, a fim de detectar novas mensagens ou manter-se atualizados acerca das últimas informações. Jovens que quando se encontram de fato, não conseguem estabelecer diálogos, pois seu repertório linguístico está empobrecido. Bem, embora estejamos vivendo um momento de transição nas relações sociais, os direitos humanos continuam mais indispensáveis do que nunca, pois devido ao vertiginoso desenvolvimento dos centros urbanos e seus índices populacionais, as regras de convivência são fundamentais e precisam ser cada vez mais especializadas, para dar conta de tamanha diversidade. Bobbio nos ajuda a pensar essa transitoriedade quando afirma: [...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 1992, p.5). Imagine a sua cidade, o seu bairro, o seu edifício sem um regulamento que disciplinasse as ações dos seus usuários? Teríamos uma nova versão da Torre de Babel, não é? Toda regra é importante, porque ela define o que uma pessoa pode ou não fazer, porém é importante que ela venha respaldada por um princípio, que é o que explica os motivos, as razões de determinada regra existir. Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 1992, p.5). 28 Educação em direitos humanos na educação básica Assim, a escola também conta com suas normatizações: é obrigatório o uso do uniforme, o aluno poderá contestar, dizendo que não quer usar o uniforme porque é feio, a cor é horrorosa, o modelo é ultrapassado. Porém, temos que argumentar com os princípios que sustentam essa regra: o uso do uniforme é obrigatório por uma questão de segurança (todos são capazes de identificar um aluno da escola X, o que facilita o reconhecimento e a segurança dos mesmos no caminho da escola. A escola parte do princípio da igualdade, assim, todos devem vir uniformizados, a fim de não haver destaque de um ou outro aluno. Com os diversos apelos de ordem sexual, manter a discrição da vestimenta é fundamental no ambiente escolar e assim por diante). O aluno passará a cumprir a regra porque entendeu o seu significado e não somente pela exigência estabelecida. Dallari (2004, p. 30) afirma, em relação a um conjunto sistemático e harmonioso de regras: Desde a Antiguidade, especialmente na Grécia, vem sendo procurada a ordem mais conveniente para a convivência humana. Aristóteles observou que a sociedade pode ser governada por um só indivíduo, por um grupo de indivíduos ou por muitos, considerando essa última forma, que está mais próxima da moderna concepção de democracia, a mais justa e conveniente. Diante dessas regulamentações e das reflexões que fizemos até aqui, podemos concluir que todos os segmentos da sociedade acabam sendo imbuídos de uma função social, não somente o Estado, mas também a família, a igreja, a mídia, as ONG’s precisam revestir-se de uma consciência ética coletiva, buscando o consenso através do diálogo como forma de promover e valorizar os direitos numa perspectiva que valorize as singularidades e as diferenças. Atividade de Estudos: 1) No seu curso de graduação você estudou sobre a função social da sua escola? Tente relembrar esses conceitos e os articule com os princípios que compõem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. É possível fazer essa relação? Em sua opinião, a escola consegue executar o que está previsto na sua função social? 29 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Pesquise no PPP e veja se esta questão foi contemplada. Caso não haja referência ao tema, leve essa discussão para a próxima reunião pedagógica. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Depois de compreender a realidade escolar em que está inserido, você considerou que a escola precisa ser vivida em bases democráticas e para isso precisa reconhecer e valorizar a diversidade, a pluralidade e o multiculturalismo previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, não perdendo de vista a sua principal finalidade, que é a elaboração de novos conhecimentos. Para isso, a garantia de uma gestão participativa, através dos órgãos colegiados, da elaboração coletiva do PPP, da manutenção dos canais de diálogo, constitui-se em importantes caminhos de democratização e de efetivação da função social da escola, que tem como maior objetivo formar e não segregar. 30 Educação em direitos humanos na educação básica Muito bem, caro(a) pós-graduando (a), se temos uma sociedade organizada por meio de códigos, regulamentações e leis baseados nos direitos fundamentais da pessoa humana, conjugando-se aspectos individuais e sociais inerentes a cada ser, estaremos favorecendo o desenvolvimento da cidadania, que é um dos fundamentos da democracia. Segundo o sociólogo Herbert de Souza (Betinho) (apud OLIVEIRA, 2008, p. 89): [...] cidadão é um indivíduo que tem consciência dos seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Tudo o que acontece no mundo acontece comigo. Então eu preciso participar das decisões que interferem na minha vida. Um cidadão com um sentimento ético forte e consciente da cidadania não deixa passar nada, não abre mão desse poder de participação [....]. É importante sabermos que a noção de cidadania é anterior à Idade Moderna, ela teve suas origens na Grécia e em Roma antigas. Com a queda do Império Romano (476 d.C.) desapareceu o conceito de cidadania na Europa. Na Idade Média, não havia cidadãos. Os senhores feudais tinham servos da gleba (feudo), as cidades tinham burgueses, a igreja comungantes e o rei vassalos e súditos. Com a Revolução Americana (1776) e a Francesa (1789), o conceito de cidadania voltou a ocupar um lugar central na vida política. A partir de então, ampliou-se e aprofundou-se cada vez mais o seu conceito, até agregar todos os indivíduos das sociedades democráticas modernas. Você se considera um cidadão? Consegue expressar suas ideias livremente? Você devolve um produto com defeito e recebe o dinheiro de volta? Vive a sua opção sexual sem sofrer discriminação? Por outro lado, respeita as leis de trânsito, não joga papel na rua, desliga o celular durante uma reunião? E você, como educador (a), consegue viver a cidadania na sala de aula, exercitando os princípios da igualdade e equidade com seus alunos (as)? Fica atento (a) para mobilizar comportamentos solidários, pois considera que os princípios da ética e da moral são mais facilmente incorporados quando vivenciados, discutidos e refletidos no dia-a-dia? E as políticas públicas de valorização do magistério, têm destinado a devida importância ao reconhecimento social e financeiro do professor? Cidadão é um indivíduo que tem consciência dos seus direitos e deveres e participa ativamente de todas as questões da sociedade. Na Idade Média, não havia cidadãos. Os senhores feudais tinham servos da gleba (feudo), as cidades tinham burgueses, a igreja comungantes e o rei vassalos e súditos. 31 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Milton Santos (1997) denomina algumas dessas questões como situações de marginalidade dos direitos de cidadanias mutiladas. Segundo ele, cidadão é o indivíduo que tem a capacidade de entender o mundo, a sua situação no mundo e de compreender os seus direitos para poder reivindicá-los. Bem, caro (a) educador (a), como viver a democracia e a cidadania no cotidiano escolar? Uma das respostas possíveis está na transversalização dessas temáticas com os conteúdos previstos no seu planejamento, permitindo a aderência dos mesmos a todas as esferas da vida do aluno, evitando o entendimento de que somente na sala de aula e na escola, mediante a supervisão da professora, o mesmo precise apresentar um comportamento adequado ao seu papel de cidadão, revestidos de direitos e deveres. Sabemos que no Brasil ainda temos avanços e recuos, progressos e retrocessos quanto à implantação dos direitos de cidadania e democracia, devido a uma herança histórica que estabelece distinções, discriminações e preconceitos, não só no plano material, mas também cultural, social, de raça, sexo e idade. O princípio de que todos são iguais perante a lei não suprime os problemas sociais que ainda vivemos em nosso país. Muitos desses problemas se refletem diretamente na ação pedagógica da escola, pois os filhos vivem e sofrem as mazelas causadas pelo desemprego, falta de moradia, falta de alimentação, entre tantas outras dificuldades. A escola é parte integrante da sociedade e não consegue viver apartada dela, seus muros não conseguem impedir o reflexo das desigualdades, violências e tragédias. Por isso, precisamos conhecer a comunidade na qual a escola está inserida (quem são esses homens e mulheres que vivem aqui? Qual sua formação? Qual seu emprego? Seu nível salarial? Suas ambições e sonhos?). Somente a partir desse perfil poderemos adequar nossa prática pedagógica para atender as suas necessidades e especificidades, já que os conhecimentos construídos na escola devem contribuir para a formação do aluno cidadão que está previsto no Projeto Político Pedagógico. Paulo Freire (1983, p. 22) nos ajuda a pensar sob essa ótica quando diz: “A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele”. Conhecer e discutir a realidade da comunidade na qual a escola está inserida é importante, porém temos que ter o cuidado para não cair num esvaziamento pedagógico, fazendo recortes de conhecimento e cultura que são essenciais para o nosso aluno (a), pois deve ser dada a ele (a) a oportunidade de conhecer e saber muito mais do que as coisas do seu meio. Eliot (1947, apud FORQUIN, 1993, p.32) considera que: 32 Educação em direitos humanos na educação básica [...] na nossa precipitação por querer que todos estudem, reduzimos nossos níveis de exigência e abandonamos cada vez mais o estudo destas matérias que servem para transmitir os elementos fundamentais de nossa cultura – ou ao menos parte da cultura que é transmissível escolarmente [...]. Assim, temos que considerar que estamos vivendo um momento de reestruturações e reavaliações culturais e sociais, de mutações importantes nas experiências coletivas (o Brasil é atualmente a 8ª economia mundial). Temos que adequar nossa prática pedagógica, dando ênfase aos conteúdos historicamente construídos pela humanidade e retirando extratos, para fins didáticos, de uma educação que expresse as verdades humanas e seus dilemas fundamentais, com vistas para a implantação de uma escola democrática e cidadã, já que nas sociedades contemporâneas a escola é o principal lugar de estruturação de concepções de mundoe da consciência social, de consolidação de valores, da formação para a cidadania, de constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento das práticas pedagógicas. De acordo com o Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2004), para atingir esse objetivo, a educação básica deve incorporar o incentivo a estudos e pesquisas sobre as violações de direitos humanos no sistema de ensino (conflitos, violências e discriminações, dentre outros temas); e desenvolver ações fundamentadas em princípios de convivência para que se construa uma escola livre de preconceitos, violência, abuso sexual, intimidação e punição corporal, incluindo procedimentos para a resolução de conflitos e modos de lidar com a violência e perseguições/intimidações entre os estudantes. É na escola que se formam valores, atitudes e práticas de respeito aos direitos humanos e, neste contexto, a educação para diversidade é fundamental. Quero convidá-lo para um momento de descontração e, para isso, vamos assistir ao vídeo “Representação social dos direitos humanos”, que tem como ponto de partida o olhar de um taxista que acredita que «os direitos humanos só servem para ajudar os bandidos». O programa mostra as origens históricas deste pensamento e como a informação pode mudar esta visão. Advogados, professores e sociólogos contam como a Declaração dos Direitos Humanos foi criada e explicam sua importância para a humanidade. A educação básica deve incorporar o incentivo a estudos e pesquisas sobre as violações de direitos humanos no sistema de ensino (conflitos, violências e discriminações, dentre outros temas); e desenvolver ações fundamentadas em princípios de convivência para que se construa uma escola livre de preconceitos, violência, abuso sexual, intimidação e punição corporal, incluindo procedimentos para a resolução de conflitos e modos de lidar com a violência e perseguições/ intimidações entre os estudantes. 33 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Acesse o seguinte endereço eletrônico: http://univesptv. cmais.com.br/etica-valores-e-cidadania/evc-representacao-social- dos-direitos-humanos. Políticas Sociais de Proteção às Crianças e Adolescentes Só se educa em direitos humanos quem se humaniza e só é possível investir completamente na humanização a partir de uma conduta humanizada. Ricardo Ballestreri Figura 5 - Crianças e adolescentes do século XXI Fonte: Disponível em: <http://migre.me/bzBJ5>. Acesso em: 1 jul. 2012. São inúmeras as modificações percebidas nas crianças e adolescentes de hoje. Com frequência, os adultos afirmam que elas já “nascem falando” e vão desenvolvendo uma compreensão fantástica acerca das coisas que as cercam, porém está cada vez mais complexo educá-las, pois facilmente elas tornam-se indisciplinadas e sem limites. Os (as) professores (as), por sua vez, afirmam que sentem saudades daquela escola do passado, na qual os alunos eram disciplinados e respeitavam ordenadamente as regras estabelecidas. http://univesptv.cmais.com.br/etica-valores-e-cidadania/evc-representacao-social-dos-direitos-humanos http://univesptv.cmais.com.br/etica-valores-e-cidadania/evc-representacao-social-dos-direitos-humanos http://univesptv.cmais.com.br/etica-valores-e-cidadania/evc-representacao-social-dos-direitos-humanos http://migre.me/bzBJ5 34 Educação em direitos humanos na educação básica Mas podemos aqui fazer um questionamento: as crianças eram obedientes por acreditarem e concordarem com os valores educativos da época, ou obedeciam por medo e coação? Com o avanço da ciência, das pesquisas e da tecnologia, passou-se a conhecer muito melhor o desenvolvimento infantil e vários elementos foram substituindo a forma de educar, muito diferentes da submissão, da disciplina e do formalismo de tempos passados. Por outro lado, novas políticas públicas foram implantadas para dar conta de todas as modificações da infância e adolescência, exigindo que os paradigmas educacionais também estejam em constante processo de análise, a fim de atender as especificidades dessa nova geração. Não podemos acreditar que, diante de tantos avanços em todas as áreas do conhecimento, tenhamos regredido no nosso papel de educar, o que talvez esteja faltando é um certo equilíbrio entre as coisas boas do passado e os ranços que devem ser descartados, para dar lugar a novas possibilidade de ver e viver o mundo. Esse nosso saudosismo acaba mascarando uma série de barbáries que eram cometidas contra as crianças e adolescentes no passado. Basta fazer um breve retrospecto na história para lembrar-nos da forma como as crianças eram tratadas por seus pais e professores. As escolas eram regidas por severos códigos de conduta e, ao menor sinal de transgressão, os castigos eram aplicados (orelha de burro, palmatória, cheirar parede, ajoelhar no milho, cadeira do pensamento, humilhações etc.). Você já se perguntou sobre os efeitos desses atos? Eles são capazes de educar as crianças para uma relação humana de respeito e solidariedade? Atualmente, as diversas políticas públicas e legislações tentam resguardar as crianças e adolescentes das violações dos seus direitos, porém muitos ainda vivem em um mundo cercado de violência, maus-tratos, exclusões e privações e acabam reproduzindo no contexto escolar comportamentos da sua vida social e familiar. De acordo com Martins (2011, p. 20-21), podemos citar o conjunto de ordenamentos legais que constituem as políticas de educação, prevenção, atenção e atendimento às violências, para que você possa conhecer todos os recursos que a escola pode contar para lidar com as situações de conflito no seu cotidiano: 35 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Quadro 1 - Ordenamentos legais que constituem as políticas de educação, prevenção, atenção e atendimento às violências Declaração Universal dos Direitos Humanos Declaração Universal dos Direitos da Criança Constituição Federal de 1988 Constituição do Estado de Santa Catarina Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/ LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 Programa Nacional de Direitos Humanos/ PNDH-3, instituído pelo Decreto Presidencial nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009 Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos (2004) Plano Nacional de Direitos Humanos / PNEDH ( 2009) Lei Estadual nº 14.651/2009, que institui o programa de combate ao Bullying Resolução nº4/2010, que define as diretrizes curriculares nacionais gerais para a Educação Básica Resolução nº 7/2010, que fixa as diretrizes curriculares nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006/ Lei Maria da Penha Lei nº 11.525, de 25 de setembro de 2007, que inclui o conteúdo dos direitos das crianças e dos adolescentes na Lei nº 9394/96/LDB Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais/LGBT 2009 Plano Nacional de Educação/PNE 2011 a 2020 Fonte: Martins (2011, p. 20-21). Considerando as políticas públicas de atendimento à criança e ao adolescente, devemos ter um olhar sobre seu processo evolutivo. Iniciaremos com a Constituição da República Federativa do Brasil (SANTOS, 1990, p.07), em seu Capítulo I, Art. 5º, que afirma: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Já o tratamento mostra-se diferenciado aos direitos das crianças e adolescentes. A Constituição Brasileira seguiu a tendência da Convenção dos Direitos das Crianças (aprovada pela Assembleia das Nações Unidas em 1989), que estabelece: 36 Educação em direitos humanos na educação básica A obrigatoriedade dos Estados em assegurarem a toda criança sujeita à jurisdição, sem discriminação de qualquer tipo, independentede raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra origem nacional, étnica, ou social, posição econômica, impedimentos físicos, nascimento ou qualquer outra condição da criança, seus pais ou representantes legais, os direitos nela previstos (MORAES, 2003, p.55). Um marco histórico para a promoção de justiça social às crianças e jovens brasileiros foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL. Acesso em 2 ago. 2012), Lei nº 8.069, de 1990, que trouxe muitos avanços e direitos como, por exemplo: “o direito de toda criança brasileira à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (Art.4). Figura 6 – Estatuto da criança e do adolescente Fonte: Disponível em: <http://migre.me/bzE2S>. Acesso em: 17 ago. 2012. Vamos conhecer a Lei? Acesse: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Na década de 1980, que antecede a promulgação do ECA, houve um movimento internacional para estudar, revisar e ampliar códigos referentes aos direitos da criança. No Brasil não foi diferente, e por meio de uma intensa mobilização social, que envolveu a sociedade civil, profissionais das mais diversas áreas, estudantes, ativistas, entre outros, que contribuíram para pensar esse momento histórico em relação aos direitos das crianças, implantou-se esse novo paradigma na construção de uma política pública para crianças e adolescentes. http://migre.me/bzE2S 37 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Fonseca; Terto Junior; Alves (2004, p. 106) assinalam que: Fala-se tanto nos ‘direitos das crianças’ a partir do ECA. Será que foi a primeira vez na história que surgiu essa noção? [...] Parece que muitas pessoas acreditam na força mágica das palavras – como se o mero fato de falar da criança enquanto ‘sujeito de direitos’ pudesse trazer uma mudança revolucionária na vida dos jovens brasileiros. Aprender que tais conceitos existem no mínimo desde o início do século passado, traria, pelo contrário, a realização de que existe uma vasta gama de interpretações possíveis desses conceitos, e que suas consequências dependem antes de tudo da particular filosofia política que subjaz em determinado momento. Vejam que o conceito acima remete a uma importante reflexão: antes do ECA havia uma série de outras regulamentações, que ao longo do tempo foram se esgotando e necessitando de novas versões e ampliações. Deste modo, o ECA é fruto de uma trajetória histórica e procura transpor as contradições e conflitos existentes nas relações humanas. Desta feita, segundo Bazílio & Kramer (2003), o Estatuto da Criança e do Adolescente introduziu mudanças significativas em relação à legislação anterior, o chamado Código de Menores, instituído em 1979. Crianças e adolescentes passam então a ser considerados cidadãos, com direitos pessoais e sociais garantidos, desafiando os governos municipais a implementarem políticas públicas, especialmente dirigidas a esse segmento. No Brasil, definitivamente substituiu-se o termo “menor” por “criança e adolescente”, já que menor traz a ideia de uma pessoa sem direitos. Esta palavra foi banida do vocabulário de quem defende os direitos da infância, a fim de evitar relembrar o direito penal do menor e toda a carga discriminatória negativa, por quase sempre se referir a crianças e adolescentes autores de atos infracionais. Com o reordenamento político do país e a ampliação dos espaços de discussão sobre os direitos da população brasileira, foi posta em cheque a legislação dirigida à infância e juventude, conhecida como Código de Menores. Tratava-se de um conjunto de leis que tinha a atenção dirigida apenas sobre uma parcela da população infanto- juvenil, justamente aquela oriunda das camadas mais desfavorecidas do país. O sentido geral desse código era disciplinar condutas para crianças e adolescentes pobres, que vivessem em condições precárias (os chamados “carentes”) e aqueles que fossem reconhecidos pela transgressão às normas sociais (os “infratores”). Conhecida como “Doutrina da Situação Irregular”, servia para discriminar e segregar crianças e adolescentes já estigmatizados por suas condições de pobreza (GRANDINO, Biblioteca Digital. Acesso em: 20 jul. 2012 ). 38 Educação em direitos humanos na educação básica Bazílio (2003, p. 30) lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente propõe a transformação de dois grandes eixos de atendimento/educação de crianças e adolescentes: [...] um primeiro grupo de ações denominadas “medidas protetivas”, o qual busca resgatar ou dar oportunidade de correção de trajetória de vida, priorizando aquisição de direitos básicos que foram violados – realizadas em grande parte por conselhos tutelares. O segundo eixo descreve um conjunto de procedimentos denominados ‘medidas socioeducativas’, de acordo com os quais o adolescente em conflito com a lei (anteriormente denominado de autor de ato infracional) teria possibilidade de reorganizar sua existência numa dinâmica prioritariamente educativa. Ao ser promulgado, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a criação de Conselhos Tutelares e de Direitos, órgãos destinados a garantir a execução do que é preconizado pela lei. De acordo com dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos (BRASIL, 2007. Acesso em 20 jul. 2012): [...] mais de 90% dos municípios brasileiros já contam com CMDCA’s e Conselhos Tutelares. O cenário é favorável, quando se analisa a implementação desses órgãos no País. Mas, quando se avalia a atuação dessas instâncias, em termos de infraestrutura e competência técnica, a precariedade ainda é grande. Mesmo com a implantação dos Conselhos Tutelares em todos os municípios brasileiros, existem, contudo, muitos problemas a serem sanados. Os avanços dos conselhos continuam sendo impedidos por culturas técnicas e administrativas que mantêm práticas ultrapassadas. A falta de estrutura física, a ausência de capacitações e/ou qualidade dos treinamentos oferecidos, as questões referentes à representação política dos conselheiros, a ausência das redes de proteção (o que impede o devido encaminhamento do caso), a burocracia, o corporativismo, o clientelismo e o fisiologismo seguem impedindo a participação e a transparência que o novo direito da infância e da juventude exige. Também o acesso aos recursos financeiros é um entrave importante para a implantação das políticas necessárias (VIEIRA, 2012). Percorrendo a linha do tempo no que se refere à temática dos Direitos da Criança e do Adolescente, em 2006 houve a aprovação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e do Sistema Nacional Socioeducativo (Sinase). De acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (BRASIL, 2007. Acesso em 20 jul. 2012), os dois documentos buscam solução para direitos garantidos pelo Estatuto, mas que ainda encontram dificuldades para sua efetivação. 39 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Apesar dos inúmeros avanços, estudos mostram que apenas 10% do Estatuto têm sido implementado e cumprido nesses últimos anos, tendo em vista os inúmeros problemas sociais e educacionais que necessitam ser combatidos, o que nos permite dizer que o ECA ainda passa por um lento processo de assimilação pela sociedade e pelo Estado. Diante das várias críticas que se mantêm sobre o ECA, a mais comum de todas refere-se à opinião de que a lei trouxe um afrouxamento dos deveres destinados às crianças e adolescentes, fazendo uma apologia aos seus direitos. Grandino (Biblioteca Digital. Acesso em: 20 jul. 2012) contrapõe: A leitura atenta da lei permite compreender que ali não estão artigos que fragilizam a autoridade dos adultos em relação às crianças e adolescentes, mas que o empenho necessário para garantir seus dispositivos está no interior das instituições que trabalham com essa população: a família, a escola, as organizações sociais e oficiais, entre outras. Trata-sede poder consolidar os modos condizentes aos contextos democráticos, de participação, reconhecimento de todos como sujeitos de direitos e, principalmente, de fortalecimento das instâncias de mediação. Mais ainda, trata-se de fortalecer os adultos, que carregam pesadas responsabilidades em relação aos mais novos, sem serem reconhecidos, no mais das vezes, como sujeitos de direitos também. Digiácomo (Biblioteca Digital. Acesso em 20 jul. 2012) faz sua análise da seguinte maneira: Os pais que se mostrarem omissos no cumprimento de tal DEVER, estarão sujeitos a duras sanções, previstas no próprio Estatuto e legislação correlata, sempre lembrando que cabe a cada um de nós impedir que crianças e adolescentes tenham ameaçado ou violado seu DIREITO À EDUCAÇÃO, que compreende o DIREITO A RECEBER LIMITES de seus pais ou responsável, que no entanto não podem abusar dos meios de correção e disciplina, sob pena de incorrer no crime de maus-tratos, previsto no Código Penal (que é de 1940). As críticas ao Estatuto da Criança e Adolescente, na maioria das vezes, surgem pelo desconhecimento da lei e pela falta de preparo das pessoas em garantir a sua aplicação. [...] também se enganam aqueles que pensam ter o Estatuto de qualquer modo interferido no relacionamento pai-filho, no sentido de impedir este de exercer sua autoridade em relação aquele. Longe disso, o Estatuto, sempre com respaldo na Constituição Federal, REAFIRMA o DEVER dos pais em EDUCAR seus filhos, o que evidentemente extrapola os conteúdos curriculares das escolas e abrange o “pleno 40 Educação em direitos humanos na educação básica desenvolvimento da pessoa” e “seu preparo para o exercício da cidadania” (art. 205 da C.F.), estando aí incluído o ESTABELECIMENTO DE LIMITES e o ensino de lições elementares de CIDADANIA e relacionamento interpessoal, o que compreende o respeito às leis e ao próximo. (DIGIÁCOMO). Desta feita, a família e a escola devem ter muita clareza do seu papel educativo, ambos devem resgatar sua autoridade, estabelecer limites e sustentar regras e princípios que regem as relações sociais, a fim de que possam ter uma convivência mais harmoniosa, capaz de levar a resolução dos conflitos. Diante das citações acima, fica claro que a família não pode eximir-se da sua função educativa, repassando para a escola e para os Conselhos Tutelares a responsabilidade de educar seus filhos. No senso comum, criou-se a ideia de que os pais não podem mais exercer autoridade sobre os seus filhos, não podem fazer exigências, impor regras, estabelecer limites, a ponto de que alguns afirmam: “Não sei mais o que fazer com meu filho! A escola tem que dar um jeito, senão vou entregá-lo para o Conselho Tutelar”. Vimos que a lei é bem clara quando afirma que a família não pode omitir- se do seu papel educativo, sob pena de ser punida pelo próprio Estatuto da Criança e do Adolescente. Desta forma, podemos refletir que respeito, disciplina e limites se constroem e não se impõem. Se desde pequeno o bebê não mantém a convivência com seus pais, não cria vínculos com os mesmos. Ao crescer, vai buscar na televisão, no vídeo-game, no computador e nos amigos suprir a ausência dos pais, que estão sempre envolvidos em seus crescentes compromissos profissionais, em sua jornada de trabalho ampliada e nos demais acontecimentos sociais e culturais. Ao tornarem-se adolescentes, muitos pais não conhecem seus filhos: não sabem das suas preferências, das suas ansiedades, dos seus problemas, dos seus sonhos. Há casos em que vão se dar conta de uma situação de conflito somente quando são chamados pela escola e ficam atônitos dizendo: “Mas lá em casa ele é um anjo”. Os pais precisam reconhecer que a sua ausência não pode ser preenchida com presentes, breves passeios ao Shopping ou com concessões inadequadas. A verdadeira educação se inicia desde o nascimento, com o acompanhamento constante das diversas etapas de evolução da criança, para que possa se estabelecer uma relação de reciprocidade e respeito, e acima de tudo, que a família possa estar unida para enfrentar todos os desafios que a vida lhe impõe. A participação das famílias se estende ao cotidiano escolar, pois a escola não pode ser responsabilizada, sozinha, por educar as crianças e adolescentes, já que estes são papéis complementares. 41 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Desta maneira, a participação das famílias se estende ao cotidiano escolar, pois a escola não pode ser responsabilizada, sozinha, por educar as crianças e adolescentes, já que estes são papéis complementares. Não podemos continuar com o dedo indicador apontado, buscando culpados para a indisciplina, a violência e o baixo rendimento escolar. Cada segmento deve responsabilizar-se por suas obrigações e, se cada um cumprir o seu papel, todos poderão caminhar juntos, como parceiros, na tarefa de educar nossos futuros cidadãos. Para aprofundarmos a discussão da participação da família na escola, sugiro que você assista ao vídeo “Família & Educação”, disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.youtube. com/watch?v=3NJEp3M1Jjo. Atividade de Estudos: 1) A relação entre escola e família está muito fragilizada. Os pais, na sua maioria, estão ausentes e omissos da vida escolar dos filhos. A escola, por sua vez, sente-se sozinha e incapaz de exercer tantos papeis e enfrentar conflitos de todas as ordens. Convido (a) a acessar os sites da Escola de Pais e da Escola Virtual para Pais e pensar em uma ação que possa contribuir com o acompanhamento dos pais na vida escolar de seus filhos. http://escolavirtualparapais.com.br/ava/ http://www.escoladepais.org.br/index.php/sobre-a-epb Boa leitura! __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ http://www.youtube.com/watch?v=3NJEp3M1Jjo http://www.youtube.com/watch?v=3NJEp3M1Jjo http://escolavirtualparapais.com.br/ava/ http://www.escoladepais.org.br/index.php/sobre-a-epb 42 Educação em direitos humanos na educação básica __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Direitos Humanos e Educação: Abordagem Interdisciplinar e Multidimensional Figura 7- Educação em direitos humanos Fonte: Disponível em: <http://migre.me/bzEEU>. Acesso em: 01 jul. 2012. A educação em direitos humanos se configurou de forma mais estruturada no Brasil a partir da segunda metade da década de 80, junto ao processo de (re)democratização do país. Neste contexto, o reconhecimento e a afirmação dos direitos humanos emergiram como importantes instrumentos para a construção de uma cidadania ativa. Atualmente vivemos sob o paradoxo de popularizar e universalizar os direitos humanos frente às cotidianas e sangrentas violações que assistimos ao vivo na mídia e que são amplamente exploradas por A educação em direitos humanos se configurou de forma mais estruturada no Brasil a partir da segunda metade da década de 80, junto ao processo de (re) democratização do país. http://migre.me/bzEEU 43 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 todos os meios de comunicação, naturalizando-as e mostrando quão frágeis se constituem os mecanismos que zelam pela efetivação dos direitos. Desta forma, a escola e seus atores necessitam pensar sobre essa realidade social repletade fragilidades, que precisam ser expostas e refletidas, a fim de que possamos implantar projetos e programas que nos coloquem no lugar do outro, estendam pontes entre as milhares de ilhas egocêntricas, que nos permitam visualizar para além da nossa geografia individual. No entanto, esse ideal só será alcançado quando todos os agentes pedagógicos (escolas, igrejas, Ong’s, Estado, empresas privadas, movimentos sociais, entre outros) sejam capazes de pensar em uma pedagogia para os direitos humanos. A partir dessa necessidade, surge a seguinte pergunta: como implementar uma proposta educativa para os direitos humanos na Educação Básica? Que metodologia adotar? Quem pode colaborar? Como envolver as pessoas? Primeiramente, vamos analisar o percurso histórico da trajetória de implantação de uma educação em direitos humanos, por isso, passaremos a uma breve revisão dos principais documentos normativos que permearam esse movimento O grande divisor de águas foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), já abordada anteriormente, que, em seu artigo XXVI, trata especificamente do direito à educação. Na sequência, a Conferência Mundial de Direitos Humanos, proclamada em Viena, no ano de 1993, define o objetivo da paz mundial pela educação, bem como destaca a importância de treinamentos e capacitações para atuar nessa área. Solicita a todos os Estados e instituições que incluam os direitos humanos, o direito humanitário, a democracia e o Estado de Direito como matérias dos currículos de todas as instituições de ensino dos setores formal e informal. A Constituição da República de 1988 discutiu o tema sob a mesma ótica, definindo em seu Art. 205. “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). 44 Educação em direitos humanos na educação básica A Lei nº 9.394/1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL,1996) também trouxe algumas referências que ligam-se à educação em direitos humanos. Em seu art. 1º, o termo educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Com relação aos princípios, finalidades da educação e dever de educar, a LDB (BRASIL,1996) define em seus art. 3º, IV, X, XI): a) respeito à liberdade e apreço pela tolerância; b) valorização da experiência extra-escolar; c) vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. Dando continuidade, podemos destacar o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – PNEDH, que traça diversos programas para a promoção da educação em direitos humanos. Esse é um importante marco regulatório para a efetivação de uma prática pedagógica focada nos direitos humanos. Esta nova perspectiva educacional de interpretação dos fenômenos sociais, culturais e políticos proposta é um estímulo à configuração de sociedades democráticas abertas, pautadas em uma nova consciência capaz de compreender a condição do mundo humano, definindo novos caminhos para a construção da cidadania. Este processo resgata as duas esferas do ser humano: o conhecimento racional, empírico e técnico de um lado, e o simbólico, poético, mágico e mítico de outro. É no entrelaçamento destas duas dimensões que a educação para a cidadania encontra seu ancoradouro e sua potencialidade em relação ao futuro (BRASIL, 2003, p.12). O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos apresentou meios de concretização da educação em direitos humanos, possibilitando o início de um trabalho sistemático e institucionalizado para possibilitar e promover uma educação voltada para a promoção da igualdade, da justiça, da solidariedade, da cooperação, da tolerância e da paz. O PNEDH apresenta, inicialmente, seus objetivos e linhas gerais de ação para, em seguida, distribuir as metas e ações propostas em cinco eixos: educação básica; educação superior; educação não-formal; educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança e educação e mídia. O documento aponta os seguintes princípios para a Educação Básica: • a educação básica, como um primeiro momento do processo educativo ao longo de toda a vida, é um direito social inalienável da pessoa humana e dos grupos socioculturais; 45 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 • a educação básica exige a promoção de políticas públicas que garantam a sua qualidade; • a construção de uma cultura de direitos humanos é de especial importância em todos os espaços sociais. A escola tem um papel fundamental na construção dessa cultura, contribuindo na formação de sujeitos de direito, mentalidades e identidades individuais e coletivas; • a educação em direitos humanos, sobretudo no âmbito escolar, deve ser concebida de forma articulada ao combate do racismo, sexismo, discriminação social, cultural, religiosa e outras formas de discriminação presentes na sociedade brasileira; • a promoção da educação intercultural e de diálogo inter-religioso constitui componente inerente à educação em direitos humanos; • a educação em direitos humanos deve ser um dos eixos norteadores da educação básica e permear todo o currículo, não devendo ser reduzida à disciplina ou à área curricular específica (BRASIL, 2003, p.17). Diante da importância do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, vamos passar a analisar algumas das suas linhas de ação: Quadro 2 – Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos – linhas de ação Universalizar o acesso e a permanência das crianças e adolescentes na escola com equidade e qualidade. Estimular experiências de interação da escola com a comunidade que contribuam na formação da cidadania democrática. Apoiar e incentivar as diversas formas de acesso e inclusão aos estudantes com necessidades educacionais especiais. Inserir, efetivamente, a leitura e a discussão do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei nº 8.242/91) nos projetos pedagógicos a serem elaborados nas escolas. Desenvolver projetos culturais e educativos de luta contra a discriminação racial, de gênero e outras formas de intolerância. Apoiar e incentivar a inserção das questões do meio ambiente no currículo escolar. Trabalhar questões relativas aos direitos humanos e temas sociais nos processos de formação continuada de educadores, tendo como referência fundamental as práticas educativas presentes no cotidiano escolar. A educação em direitos humanos deve ser um dos eixos norteadores da educação básica e permear todo o currículo, não devendo ser reduzida à disciplina ou à área curricular específica 46 Educação em direitos humanos na educação básica Promover e produzir materiais pedagógicos orientados para educação em direitos humanos, assim como sua difusão e implementação. Incentivar programas e projetos pedagógicos, junto aos sistemas de ensino, que busquem combater a violência doméstica com crianças, adolescentes, jovens e adultos. Apoiar e incentivar a produção e manifestação cultural dos jovens. Garantir a formação inicial e continuada aos profissionais da educação básica na perspectiva dos direitos humanos. Promover experiências de formação dos estudantes como agentes promotores de direitos humanos. Introduzir a perspectiva da educação em direitos humanos como componente da formação inicial dos educadores. Fonte: PNEDH (BRASIL, 2003, p.18). Acesse o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos no endereço eletrônico abaixo: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_co ntent&view=article&id=14772%3Aeducacao- em-direitos-humanos&catid=194%3Asecad- educacao-continuada&Itemid=640 . A questão que surge quando refletimos sobre esse tema é muito comum: será realmente possível pensarmos em uma educação paraos direitos humanos em uma sociedade tão dividida, individualista e pautada nos princípios capitalistas? Talvez um dos caminhos possa ser reconhecido através das recomendações de Paulo Freire (1978), quando diz que a educação em direitos humanos deve ser dialógica, levando à colaboração, organização, síntese cultural e reconstrução do conhecimento. Considerando que essa abordagem corrobore para o desenvolvimento da justiça e da paz, uma pessoa só pode reconhecer seus próprios direitos a partir do momento em que consegue perceber os direitos dos outros e, então, terá de considerar que os pobres, excluídos, desempregados, entre outras categorias, não são passíveis de intolerância e discriminação. 47 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Continuando a reflexão sobre a metodologia adequada à Educação em Direitos Humanos inspirada na obra de Paulo Freire, Alencar (1998, p. 54) afirma que: [...] ela considera o educando como centro do processo educativo e, indutiva, vai da prática à teoria para retornar e melhor qualificar a prática. Parte de casos concretos e utiliza recursos como casos, pesquisas, desenhos [....] e, sobretudo, valoriza a narrativa oral e existencial dos educandos. Ela se direciona do local para o internacional; do pessoal ao social; do detalhe ao geral; do fato ao princípio; do biográfico ao histórico. O educador não educa, ajuda a educar e, ao fazê- lo, predispõe a reeducação. E todo o processo educativo tem como ponto de partida e de chegada a ação dos sujeitos educados (educandos e educadores) na transformação da realidade em que se inserem. Nesta perspectiva, as propostas pedagógicas que propõem a cultura da paz, do respeito e da equidade entre os seres humanos devem ser implantadas inter e transdisciplinarmente, integrando os planejamentos de todas as disciplinas, de forma que associe esses valores ao cotidiano da sala de aula, imbricados nos objetivos conceituais, procedimentais e atitudinais de cada disciplina. Veja, caro (a) pós-graduando (a), podemos buscar também em Vygotsky (apud OLIVEIRA, 1997) elementos para pensar a educação em direitos humanos, pois ele relaciona o desenvolvimento cognitivo do (a) aluno (a) ao contexto social e cultural no qual ocorre. Dessa forma, os processos mentais superiores (pensamento, linguagem, comportamento volitivo, atenção consciente, memória voluntária etc.) têm origem nos processos sociais, assim, não é por meio do desenvolvimento cognitivo que o indivíduo se torna capaz de socializar, é na socialização que se dá o desenvolvimento dos processos mentais superiores. Neste processo, o professor exerce o papel de mediador (VYGOTSKY apud OLIVEIRA, 1997) favorecendo a construção / reconstrução do conhecimento, dos significados que são transmitidos pelo grupo cultural, através das reflexões das práticas sociais e da utilização de instrumentos, signos e linguagens empregados para interpretar o mundo e tornar o aluno mais independente. Cabe ao professor estabelecer conexões entre os conceitos científicos e o cotidiano, respaldado nos princípios dos direitos humanos, mediando o conhecimento num processo de descoberta, produção, troca e cooperação. Na perspectiva de um programa educativo que valorize o cumprimento dos Direitos Humanos, as situações de conflito no meio escolar devem ser explicitadas, vividas e superadas de forma democrática, através da discussão, do diálogo e do acordo. É importante que haja possibilidade de expressão das diferenças e que a vivência democrática favoreça a pluralidade. Fagherazzi (2002, apud ZLUHAN, 2012) afirma que a vivência democrática supõe a “con-vivência”, a sensibilização 48 Educação em direitos humanos na educação básica para valores voltados para a igualdade de direitos e oportunidades. É importante percebermos que, na nossa atividade cotidiana, vivemos numa rede de relações que nos torna dependentes uns dos outros. Já Sacristán e Gomes (1998 apud ZLUHAN, 2012) afirmam que certas unidades de ensino reproduzem e transmitem alguns valores vivenciados na sociedade, tais como o individualismo, a competitividade, a falta de solidariedade, a desigualdade “natural” de resultados, em função de capacidades e esforços individuais. Diante disso, devemos compreender os conhecimentos, as capacidades, as disposições dos alunos frente às diversas situações no cenário social, a fim de poder socializar às novas gerações a atenção e o respeito pela diversidade. Delors (2003) afirma que a escola deve ir além das preocupações com o conhecimento e que a educação para o século XXI deve estar alicerçada em quatro pilares, conforme apresentamos a seguir: • aprender a conhecer - adquirir os instrumentos da compreensão; • aprender a fazer - para poder agir sobre o meio; • aprender a viver juntos - participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; • aprender a ser - via essencial que integra as três precedentes. Você deve estar pensando: que bom seria se eu, como educador(a), conseguisse atuar nessa ótica em sala de aula, porém no dia a dia nos deparamos com uma complexa realidade: muitos de nossos alunos convivem com dramas sociais e familiares, são tratados com hostilidade, são rejeitados pelas famílias, se sentem solitários ou então cansados pelo acúmulo de responsabilidades e tarefas que precisam executar e demonstram seus problemas através do comportamento inadequado na escola. Portanto, a simples menção a essas temáticas não garantem que os conceitos são apreendidos e que haverá modificação de comportamento. Portanto, o ensino não termina quando o conteúdo é recebido, mas é o começo do cultivo de uma mente, de forma que o que foi semeado crescerá. Para que haja aprendizagem, é necessário que haja atividade mental, isto é, aprender é agir, pensar e refletir. É fundamental ajudar o aluno a incorporar os novos conhecimentos de forma ativa, compreensiva e construtiva, promovendo as suas capacidades cognoscitivas, que são as suas energias mentais, ativadas e Toda aprendizagem é pessoal, “ninguém aprende pelo outro”. 49 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 desenvolvidas no processo de ensino (exercitação dos sentidos: a observação, a percepção, a compreensão, a generalização, o raciocínio, a memória, a linguagem, a motivação), que vão se desenvolvendo ao longo do processo. Resumindo: toda aprendizagem é pessoal, “ninguém aprende pelo outro”. Quais recortes do conhecimento a escola deve fazer para definir os conceitos científicos e as competências para o desenvolvimento de atividades de aprendizagem significativas, geradoras de novas aprendizagens e propiciadoras da formação do cidadão consciente e agente de mudanças? Machado (2006, p.81) afirma: [...] mais do que dar a matéria, mais do que “transmitir conhecimento”, ao professor compete, precipuamente, despertar o interesse dos alunos, fazê-los querer, desejar, ter vontade, em outras palavras, estimular e semear projetos. Toda matéria, todo conhecimento é pretexto. O que vale efetivamente são as metas que perseguimos, os valores que nos guiam [...]. Para dar conta desta tarefa, Tavares (Biblioteca digital. Acesso em 07 ago. 2012) afirma que é necessário a elaboração de um saber docente sobre os direitos humanos, que se constitui com a relação entre o saber curricular (refere- se à flexibilidade do currículo para agregar as questões referentes aos direitos humanos), o saber pedagógico (trata-se das estratégias e recursos que serão utilizados para transversalizar os conteúdos da disciplina com os temas dos direitos humanos) e o saber experiencial (que trata da vivência dos valores em todos os espaços escolares). Para que a educação em direitos humanos se concretize, (TAVARES, 2012) o educador não pode permanecer no seu papel de mero transmissor de conteúdos, de executor de seu plano, mas deve assumir alguns procedimentos no seu fazer pedagógico, de modo que: 1. acredite no que faz, pois sem a convicção de que o respeito aos direitoshumanos é fundamental para todos, não é possível despertar os mesmos sentimentos nos demais; 2. eduque com o exemplo, porque de nada adianta ter um discurso desconectado da prática ou ser incoerente, exigindo aos demais determinadas atitudes que a própria pessoa não cumpre; 50 Educação em direitos humanos na educação básica 3. desenvolva uma consciência crítica com relação à realidade e um compromisso como as transformações sociais, já que os propósitos deste tipo de educação é a de formar sujeitos ativos que lutam pelo respeito aos direitos de todos. Nesse sentido, é fundamental que o educador tenha oportunidade de participar de cursos de formação inicial e continuada voltados para a difusão dos ideais e valores dos direitos humanos, da democracia e da cidadania como eixos norteadores de toda e qualquer prática escolar. É importante ressaltar que de nada adianta a escola preocupar-se com uma educação em direitos humanos, com a formação dos docentes, se ela não vive cotidianamente práticas democráticas e cidadãs com os alunos, pais e comunidade em geral, por isso, as instituições escolares necessitam refletir sobre seus pressupostos pedagógicos, para superar práticas tradicionais de educação, pautadas na obediência e no medo, para elaborar uma nova cultura, que significa criar, influenciar, compartilhar e consolidar mentalidades, costumes e atitudes, hábitos e comportamentos baseados nos princípios dos direitos humanos, não através da imposição desses valores, mas por meios democráticos de construção e participação que busquem possibilitar a experiência desses direitos. Por meio da articulação dessas experiências, destaca-se a possibilidade de desenvolver uma percepção emancipadora e transformadora da realidade, sendo possível sensibilizar, indignar-se, atuar e comprometer-se frente às práticas sociais. Continuando nosso estudo sobre a efetivação de uma educação em direitos humanos na educação básica, (MAGENDZO, 2006, apud TAVARES, 2012) lista alguns princípios relacionados com os aspectos conceituais de dita prática. 1. O primeiro deles é o princípio da integração, que defende que os temas e conteúdos de direitos humanos fazem parte integral dos conteúdos e atividades do currículo e dos programas de estudo; 2. O segundo é o princípio da recorrência, onde o aprendizado em direitos humanos é obtido na medida em que é praticado uma e outra vez em circunstâncias diferentes e variadas; 3. O princípio seguinte é o da coerência, pois o êxito do aprendizado é reforçado quando se cria um ambiente propício para seu desenvolvimento. A coerência entre o que se diz e o que se faz é parte importante neste ambiente; 4. O quarto princípio é o da vida cotidiana. Como a EDH está estreitamente 51 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 vinculada com a multiplicidade de situações da vida cotidiana, é importante que o educador resgate essas situações e momentos em que os direitos humanos estão em jogo; 5. O princípio da construção coletiva do conhecimento aparece como o quinto, e vem enfatizar a importância de que as pessoas analisem, grupalmente, a informação recebida sobre direitos humanos e deixem de ser meros receptores passivos e se tornem produtores de conhecimento; 6. O último princípio é o da apropriação. Através dele, a pessoa se apropria do discurso recebido e o recria, ou seja, reelabora as várias mensagens e as traduz num discurso próprio, do qual toma plena consciência e que orienta as atuações da sua vida. Candau (1999, p.18) aponta outra estratégia metodológica que pode ser utilizada na educação em direitos humanos: a oficina pedagógica. Uma estratégia metodológica é privilegiada: a oficina pedagógica, como espaço de construção coletiva de um saber, de análise da realidade, de confrontação e intercâmbio de experiências, de exercício concreto dos direitos humanos. A atividade, a participação, a socialização da palavra, a vivência de situações concretas através de sociodramas, a análise de acontecimentos, a leitura e discussão de textos, a realização de vídeo- debates, o trabalho com diferentes expressões da cultura popular etc, são elementos presentes na dinâmica das oficinas. O desenvolvimento das oficinas, em geral, se dá através dos seguintes momentos básicos: aproximação da realidade / sensibilização, aprofundamento / reflexão, construção coletiva e conclusão / compromisso. Para cada um desses momentos é necessário prever uma dinâmica adequada para cada situação específica, sempre tendo-se presente a experiência de vida dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Nesta linha, (CANDAU, 1999) prossegue dizendo que a escola pode privilegiar a discussão de temas como o desemprego, violência estrutural, saúde, educação, distribuição da terra, concentração de renda, dívida externa e dívida social, pluralidade cultural, segurança social, ecologia, entre tantos outros. Do ponto de vista pedagógico, admite a transversalidade, mas privilegia a interdisciplinaridade e enfatiza “temas geradores”. Trabalha as dimensões sociocultural, afetiva, experiencial e estrutural do processo educativo na perspectiva da pedagogia crítica e assume do ponto de vista psicopedagógico um construtivismo sociocultural. A atividade, a participação, a socialização da palavra, a vivência de situações concretas através de sociodramas, a análise de acontecimentos, a leitura e discussão de textos, a realização de vídeo-debates, o trabalho com diferentes expressões da cultura popular etc, são elementos presentes na dinâmica das oficinas. 52 Educação em direitos humanos na educação básica Entretanto, temos que considerar que a educação em direitos humanos não pode resumir-se a padronizações didáticas, temáticas ou metodológicas, mas na comunhão em torno de certos princípios e objetivos que não se limitem a serem somente temas geradores de aula, mas que constituam-se em eixos norteadores de toda prática escolar e princípios inspiradores de ações educativas. Diante da complexidade dessa temática, temos que ter presente que educar em direitos humanos não é uma tarefa que se esgota ao final do ano letivo, ou que permite após um bimestre fazer avaliações, atribuir notas e passar para o conteúdo seguinte, pelo contrário, consiste em um trabalho contínuo e permanente, que deverá ser constantemente retomado, superando os modelos e prescrições tradicionais de organização curricular, de métodos, de prática docente, permitindo o trânsito do diálogo, do respeito às diferenças e da autonomia. E então? Curto e comprido. Bom e ruim. Vazio e cheio. Bonito e feio. São jeitos das coisas ser. Depende do jeito da gente ver... Atividade de Estudos: 1) Estudamos que a Educação em Direitos Humanos requer uma metodologia, com a seleção e organização dos conteúdos e atividades, materiais e recursos didáticos, que sejam condizentes com a finalidade de um processo educativo em direitos humanos. Agora você deverá pensar em uma temática em direitos humanos que você queira realizar em sua escola. Defina as etapas elencadas abaixo e mãos à obra. Socialize sua produção com os demais professores da escola e, quem sabe, sua iniciativa não se transformará no início de uma exitosa experiência? PROJETO EM DIREITOS HUMANOS 1. Tema 2. Alunos 3. Ações 4. Estratégias 5. Materiais 6. Recursos 7. Cronograma 8. Avaliação 53 Direitos Humanos e CidadaniaCapítulo 1 Algumas Considerações Caro(a) pós graduando(a)... Ao longo deste capítulo, vimos que o Brasil está passando por um momento de transição e modernização e que as práticas educacionais, alicerçadas no conservadorismo e na tradição, precisam ser direcionadas para novos paradigmas, que não podem prescindir da inclusão dos direitos humanos, inseridos no currículo escolar de forma inter e transdisciplinar. Estudamos as políticas sociais de proteção às crianças e adolescentes e percebemos os avanços que tivemos em relação à garantia dos seus direitos,porém sabemos que ainda existem muitas lacunas para que se efetivem os princípios da doutrina de proteção integral. Por outro lado, ouve-se um clamor de muitos educadores pela volta ao passado, com alunos obedientes, silenciosos e disciplinados, acusando o ECA de ter retirado da família e da escola a autoridade necessária para educar. Dissemina-se também a ideia de que o ECA teria garantido somente os direitos à população infanto-juvenil, sem prever os seus deveres. Bem, caro educador (a), não podemos retroceder no tempo, tampouco aceitar que esses “mitos” ganhem força, pois, se consideramos as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, que se encontram em processo de desenvolvimento, sabemos que os mesmos necessitam de orientação e isso não significa abolir a disciplina escolar do processo pedagógico ou legitimar o descompromisso com as normas escolares, mas sim conceber a escola como um lugar privilegiado de construção da cidadania. Vários outros documentos incluem temas como direitos humanos, cidadania, democracia nos currículos escolares, porém, temos muitos desafios pela frente e não podemos prescindir de reescrever a história educacional baseada nos princípios dos direitos humanos, despertando a consciência da cidadania plena e da transformação social. Progredir é crescer eticamente e muitas vezes reescrever os códigos de conduta que foram construídos pela humanidade, a fim de adequá- los à realidade contemporânea, por isso, a escola cumpre um importante papel de tornar-se um meio de edificar um mundo melhor, instrumentalizando as pessoas para agirem com solidariedade e fraternidade frente aos desafios da vida. Não estamos sozinhos nesta caminhada: cada homem, mulher, pessoa, cidadão e professor tem seu papel a cumprir, a fim de que a educação em direitos humanos não se confine aos gabinetes e em extensos documentos sem se concretizar no cotidiano escolar. 54 Educação em direitos humanos na educação básica Muitas vezes nos sentimos sozinhos diante desse grande desafio, pois as famílias estão cada vez mais distantes da escola, a mídia destaca de forma veemente a violência e as transgressões dos valores essenciais da humanidade, as políticas públicas se parecem insuficientes para garantir a execução de projetos e programas que valorizem a cidadania e a paz. Enfim, são tantos os contrastes e diferenças que permeiam os muros escolares que por vezes nos sentimos enfraquecidos e desesperançados na nossa tarefa de colaborar para a construção de um mundo mais humano e mais justo. Porém, como já afirmamos ao longo do texto: a escola, por muitas vezes, constitui-se na única oportunidade de os alunos construírem atitudes, saberes, comportamentos e compromissos que levem ao exercício da cidadania. É importante registrarmos também que, em se tratando de educação, as ações têm um peso muito maior do que os discursos e as informações, assim a escola precisa continuamente revisar suas práticas e princípios a fim de garantir a vivência dos ideais e valores da cidadania, baseada na concretude de seus desafios cotidianos e na discussão constante dos seus compromissos para com a educação em direitos humanos. Referências ALENCAR, c. (Org.). Direitos mais humanos. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. BASÍLIO, L. C.; KRAMER, S. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003. BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 1990. 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Á medida que nossas crianças e jovens são fruto de uma sociedade com abissais diferenças entre as classes, crescentemente insensível aos problemas que assolam o outro, incapaz de envolver-se com a solidariedade e o bem-estar alheio, a escola, enquanto espaço de coletividade, passa a ser uma extensão da sociedade que a compõem e irá, inevitavelmente, viver todos esses conflitos que estão postos, por meio dasdesordens que afligem, amedrontam e desmotivam professores e demais profissionais da educação. Abissais: relativo ao abismo; tudo o que é imenso (MICHAELLIS, 2008, p.4). Iremos analisar a violência em sua trajetória histórica, pois é fundamental entender que, para formular melhores respostas de atendimento à criança e ao adolescente na contemporaneidade, temos que ter um olhar que revisite a história, analisando as mudanças gradativas de comportamentos e de valoração moral que permitiram que novos modelos emergissem. Os avanços que tivemos até aqui não afloraram gratuitamente; são frutos de movimento sociais, de eventos, de acontecimentos históricos importantes, de uma lenta e profunda mudança em termos de valores morais e comportamentais nos últimos trinta anos, mas que vêm sendo forjados por séculos. Iremos examinar também as diferentes violências presentes no cotidiano infantil e juvenil, pois, apesar de que em 1990 o Brasil promulgou uma das mais completas legislações mundiais no que se refere aos direitos e deveres da população infanto-juvenil, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a análise de entidades especializadas dizem que apenas 10% do Estatuto tem sido implementado e cumprido nesses últimos anos. Isto porque fazer com que a lei saia do papel e se torne realidade exige muita vontade do poder público, além de investimentos em políticas públicas de saúde, educação, esporte, cultura e lazer de qualidade, como também em modificações culturais e novos paradigmas educacionais. As diversas violências que se gestam na sociedade e que por vezes se legitimam na escola, através da sua hierarquia, seus ritos, do currículo, das 60 Educação em direitos humanos na educação básica avaliações, precisam ser conhecidas e discutidas, estabelecendo-se prioridades na atenção, educação, prevenção e atendimento das mesmas no interior dos espaços escolares. É no dia-a-dia da escola que ocorrem atos de desrespeito, injustiças, desacatos, destruição, agressividade, bullying, entre outros tantos comportamentos que interferem diretamente no projeto pedagógico da unidade escolar, bem como na forma de ser professor. Pensar em propostas de superação destas violências requer o estudo e a relação da teoria e da prática, que possibilitem intervenções pedagógicas efetivas, articulando-as com outros órgãos de atendimento à infância e adolescência, pois só assim poderemos transpor nosso olhar de julgamento, de culpa, de acusação, à sociedade, à família, ao governo e sairmos da nossa condição de vítimas, para nos tornarmos atores e autores de uma escola que valorize a vida e a paz. Bons estudos!!! Você já ouviu a música “Paz”, de Gabriel O Pensador? Vamos conhecer algumas estrofes? Paz Gabriel O Pensador Aqui se planta Aqui se colhe Mas para a flor nascer é preciso que se molhe É preciso que se regue pra nascer a flor da paz, É preciso que se entregue com amor e muito mais É preciso muita coisa e que muita coisa mude Muita força de vontade e atitude Pra poder colher a paz, tem que correr atrás e tem que ser ligeiro! Pra poder colher a fruta é preciso ir à luta, e tem que ser guerreiro! (PELA PAZ A GENTE CANTA A GENTE BERRA, PELA PAZ EU FAÇO MAIS, EU FAÇO GUERRA) Eu vou à luta Eu vou armado de coragem e consciência Amor, esperança, A injustiça é a pior das violências Eu quero paz, eu quero mudança É, dignidade pra todo o cidadão Mais respeito, menos discriminação Desigualdade, não, impunidade, não Não me acostumo com essa acomodação Eu me incomodo e não consigo ser assim Porque eu preciso da paz Mas a paz também precisa de mim A paz precisa de nós, a paz precisa de nós Da nossa luta, da nossa voz Paz, aonde tu estás? Aonde você vive? Aonde você jaz? http://letras.mus.br/gabriel-pensador/ 61 Violências na EscolaCapítulo 2 Fonte: Disponível em: <http://letras.mus.br/gabriel- pensador/124052/>. Acesso em: 12 out. 2012. Que belo depoimento de amor à vida e à paz, não é? Com essas palavras de Gabriel O Pensador, gostaria de convidá-lo (la) a iniciarmos nossos estudos sobre as violências na escola. Pronto (a) para começar? É... Onde você mora? Onde te encontramos? Onde você chora? Onde nós estamos? Onde te enterramos? Que lar você habita? Onde nós erramos? Volta, ressuscita! Será que a paz morreu? Será que a paz tá morta? Será que não ouvimos quando a paz bateu na porta? A paz que não tem vaga na porta da escola, A paz vendendo bala, A paz pedindo esmola, A paz cheirando cola, virando a adolescên- cia, Atrás de uma pistola, virando violência. Será que a paz existe? Será que a paz é triste? Será que a paz se cansa da miséria e desiste? A paz que não tem vez A paz que não trabalha A paz fazendo bico, ganhando uma migalha, No fio da navalha Dormindo no jornal Atrás de uma metralha Virando marginal. Será que a paz ataca? Será que a paz tá fraca? Será que a paz quer mais do que viver numa barraca? A paz que não tem terra A paz que não tem nada A paz que só se ferra A paz desesperada A paz que é massacrada lutando por justiça Atrás de uma enxada, virando terrorista. Será que a paz assusta? Será que a paz é justa? Será que a paz tem preço? Quanto é que o preço custa! A paz que não tem raça Nem boa aparência, A paz não vem de graça A paz é consequência, A paz, que a gente faça Sem peso e sem medida A paz dessa fumaça A paz virando vida. A paz que não tem prazo A paz que pede urgência Não vai ser por acaso A paz é consequência Não é coincidência nem coisa parecida A paz a gente faz feito um prato de comida. http://letras.mus.br/gabriel-pensador/124052/ http://letras.mus.br/gabriel-pensador/124052/ 62 Educação em direitoshumanos na educação básica Uma Visão Histórica da Violência Contra Crianças e Adolescentes A violência e a agressividade são intrínsecas ao ser humano, portanto, todos nós temos um pouco de “bandido” e de “mocinho”. De acordo com Maldonado (2004, p.05): “Em cada ser humano há o potencial da amorosidade e da agressividade, que são inatos. Compreender os sentimentos e regular a impulsividade dependem, de um trabalho interior e de um esforço permanente.” Desde a época da transição do homem de vegetariano para carnívoro e as suas respectivas caçadas, e depois com os bárbaros europeus, a humanidade convive com cenas de discórdia e horror. Com o advento da agricultura e após o período das trocas dos excedentes, surgem a cultura do trigo e a criação de carneiros, gerando o capital, que passa a ser o centro das tragédias humanas – desde então vivemos a individualidade a serviço do capital. Voltando no tempo, sabemos que os gregos, os egípcios e os romanos desenvolveram formas próprias de educação e que reconheciam suas crianças de forma diferenciada dos adultos. De acordo Vieira (2012, p.14): A família sempre existiu, mas ela aparece de formas muito diferentes de acordo com cada sociedade. Na antiga sociedade romana, uma sociedade marcada pelo individualismo, o homem é que contava; ele era o chefe da família, o proprietário de sua mulher e filhos, como se estes fossem um bem que lhe pertencia pessoalmente, e sobre os quais ele tinha poderes mais ou menos ilimitados. Sua mulher e seus filhos lhe eram inteiramente submissos e guardavam um estado de eterna menoridade. Enquanto estivesse vivo, até mesmo seus netos e bisnetos lhe deviam obediência direta, mais que a seus próprios pais. Neste contexto, Philippe Ariès (1981) iniciou um estudo, em 1960, que deu origem a muitos outros, buscando na arte medieval, subsídios para estudar a infância. Pesquisou fotografias, diários, pinturas, objetos e mobílias para realizar seu trabalho, que descreve as crianças da Idade Média como “adultos em miniatura”. Elas participavam de todas as atividades referentes ao mundo adulto com muita naturalidade e desenvoltura, assim, trabalhavam com seus pais, participavam de festas e jogos, viam cenas obscenas e tudo o mais que a vida proporcionava. Como existia uma alta taxa de mortalidade infantil, os laços afetivos entre os pais e seus filhos eram muito frágeis, portanto, quando um filho morria, era facilmente esquecido pela próxima gravidez. Portanto, não havia a ideia de infância e de uma educação específica para essa faixa etária, por isso as crianças se vestiam como adultos e tinham hábitos de adultos. 63 Violências na EscolaCapítulo 2 Em virtude das ideias de grandes moralistas da época, a partir do século XVII apareceram algumas restrições em relação à educação das crianças, denotando a preocupação de preservar a moralidade infantil. Assim, surge uma farta literatura moral e pedagógica, que tinha por finalidade auxiliar pais e professores a educar suas crianças. Muitas mudanças surgem, e se antes as crianças não possuíam limites e eram mimadas e paparicadas em suas gracinhas, naquele momento passou-se a exigir autocontrole, reservas nas maneiras, na linguagem, etiqueta e moralidade. Os pais passam a manter vigilância constante e disciplina rigorosa, evitando os mimos. Antes os brinquedos eram fabricados em casa e imitavam os objetos do mundo adulto. Com o reconhecimento da infância, surgem as miniaturas industrializadas e a linguagem infantil começou a diferenciar-se da linguagem dos adultos, bem como as roupas, os jogos, a literatura. Com a invenção da imprensa, por Gutemberg (meados do século XV), se determinou um marco para o fim da Idade Média, criando, através da leitura, uma difusa ideia de privacidade e individualidade. Como consequência, criou- se um rico acervo de segredos, permeados pela vergonha, que é um sentimento fundamental no processo civilizatório. Uma nova concepção de infância começava a nascer, e a criança começa a ser entendida com nunca fora até então na história da humanidade. Falava-se, de uma forma nova, em ‘pequenas almas’, ‘em pequenos anjos’. Estas expressões anunciavam o sentimento do século XVIII e do romantismo (ARIÈS,1981, p. 12). A partir dos séculos XIV, XV e XVI há uma retomada dos valores greco- romanos e a valorização do homem (humanismo) e da cultura, diferente das concepções teológicas da Idade Média, valorizando-se a busca da individualidade e da confiança no poder da razão. Passa-se a ter uma grande preocupação com a educação, havendo uma proliferação de colégios. A alta nobreza educa seus filhos através dos preceptores, a burguesia os enviava para a escola e os segmentos populares eram excluídos. O aparecimento dos colégios é correlato ao surgimento de um novo sentimento de infância e de família, e além de ter a função de transmissão do conhecimento, havia a forte preocupação com a formação moral. 64 Educação em direitos humanos na educação básica No Brasil, o sentimento de infância ainda demorou para ser elaborado (PRIORE, 2002). As crianças que viajavam nas embarcações portuguesas rumo ao solo tupiniquim eram brutalmente tratadas, violentadas e estupradas, exceto as protegidas, que tinham tratamento diferenciado. Em solo brasileiro, os problemas continuavam. As crianças indígenas eram catequizadas pelos jesuítas, abdicando de sua cultura e costumes para moldar-se às novas regras trazidas pelos representantes da Igreja. Priore (2002, p. 16) comenta: As crianças brasileiras estão em toda parte. Nas ruas, às saídas das escolas, nas praças, nas praias. Sabemos que seu destino é variado. Há aquelas que estudam, as que trabalham, as que cheiram cola, as que brincam, as que roubam. Há aquelas que são amadas e, outras, simplesmente usadas Os pequenos escravos sofriam humilhações, eram explorados no trabalho e com frequência viam seus pais serem torturados. Era a ação persistente do sadismo, do conquistador sobre o conquistado. A industrialização trouxe outro grande problema para a infância brasileira: a mão de obra infantil e toda a exploração e maus tratos executados em jornadas de trabalho de até 14 horas diárias. Vieram as leis de obrigatoriedade da escolaridade, de proteção da infância e adolescência, da proibição do trabalho infantil, dentre tantas outras e, assim, entre um evento e outro, a sociedade brasileira foi se constituindo, cheia de contrastes e desigualdades. Muitos problemas se mantêm até a atualidade e se transformaram na gênese de vários desafios que ainda se fazem presentes e que impedem o efetivo desenvolvimento do nosso país. Atividade de Estudos: 1) Procure conversar com pessoas mais antigas, ou ainda, tente lembrar-se da sua época de infância e descreva as relações de poder que existiam entre pais e filhos, professores e alunos. Como eram determinadas as regras e suas respectivas punições? Você concorda com os métodos disciplinares utilizados naquela época? Justifique. __________________________________________________ __________________________________________________ Vieram as leis de obrigatoriedade da escolaridade, de proteção da infância e adolescência, da proibição do trabalho infantil, dentre tantas outras e, assim, entre um evento e outro, a sociedade brasileira foi se constituindo, cheia de contrastes e desigualdades. Muitos problemas se mantêm até a atualidade e se transformaram na gênese de vários desafios que ainda se fazem presentes e que impedem o efetivo desenvolvimento do nosso país. 65 Violências na EscolaCapítulo 2 __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Em muitos casos iremos encontrar depoimentos que denotam métodos muito severos de educação das crianças, envolvendo humilhações, maus tratos, castigos e violências. Muitos de nós, talvez, em algum momento da nossa trajetória escolar, tivemos que cheirar parede, sentar na cadeira do pensamento, ficar sem recreio, não tomar merenda, enfim, punições que eram comuns na história escolar brasileira. Hoje entendemos que a autoridade deve ser construída e não imposta, portanto, se você respondeu que não concorda com os métodos disciplinares daquela época está correto, pois na maioria dos casos a obediência existia por medo da punição e não pelo entendimento das consequências. Formas de Violências Não podemos imaginar uma sociedade sem conflitos, pois eles surgem naturalmente nos relacionamentos humanos, já que resultam das diferenças próprias de cada um, dos seus desejos, valores e necessidades. Por vezes, eles são até necessários, para provocar mudanças e melhorar a qualidade do convívio. Porém, não podemos confundi-los com violência, agressividade, força e coerção. Considerando a sua amplitude, é muito complexo definir o termo violência, devido às inúmeras classificações que podemos atribuir às mesmas, tais como: violência infantil, doméstica, contra os idosos, física, psicológica, simbólica, patrimonial, institucional, anegligência e o abandono. De acordo com Minayo e 66 Educação em direitos humanos na educação básica Assis (1993, apud MARTINS, 2011, p. 22) as violências podem ser assim definidas: [...] como um fenômeno gerado nos processos sociais, levando as pessoas, grupos, instituições e sociedades a se agredirem mutuamente, a se dominarem, a tomarem à força a vida, o psiquismo, os bens e/ou o patrimônio alheio. Dessa forma, e para efeitos de melhor compreensão, pode-se dizer que existe uma violência estrutural, que se apoia socioeconômica e politicamente nas desigualdades, apropriações e expropriações das classes e grupos sociais; uma violência cultural que se expressa a partir da violência estrutural, mas a transcende e se manifesta nas relações de dominação raciais, étnicas, dos grupos etários e familiares; uma violência da delinquência que se manifesta naquilo que a sociedade considera crime, e que tem que ser articulada, para ser entendida, uma violência da resistência que marca a reação das pessoas e grupos submetidos e subjugados por outros, de alguma forma. Maldonado (2004) diz que a violência estrutural é “a mãe de todas as violências”, manifestando-se através da ganância pelo dinheiro, pela competitividade, pelo desejo de poder, utilizando-se de leis e instituições para manter uma situação de privilégio, desrespeitando as normas de sustentabilidade em prol do desenvolvimento atrelado a lucros excessivos, expressando-se pelo quadro de miséria, má distribuição de renda e exploração a que estão submetidos milhares de brasileiros. Vamos analisar alguns dados do Censo de 2010 (IBGE, 2012) e estabelecer relações com as formas de violências mais comuns na nossa sociedade? • Composição das unidades domésticas – número de responsáveis Fazendo a análise do gráfico acima, percebemos que o índice de lares que contam com um único responsável é maior e que os responsáveis do sexo feminino 67 Violências na EscolaCapítulo 2 são maioria, o que caracteriza, grosso modo, que as mulheres tenham que trabalhar muito para dar conta de todas as despesas da família, permanecendo fora de casa por longos períodos e, com isso, perdendo a convivência diária com seus filhos. Muitas vezes acusamos aquela mãe que não comparece à escola para tratar de assuntos importantes para a educação do seu filho, porém, na grande maioria dos casos, ela não consegue dispensa do seu trabalho em horário comercial para falar com a professora ou equipe pedagógica. Talvez um dia vejamos instituída a obrigatoriedade dos pais comparecem regularmente à escola, amparados por uma lei na qual os patrões estimulem essa participação e dispensem seus funcionários por um curto período de tempo com essa finalidade. Será utopia? Eduardo Galeano, um jornalista e escritor uruguaio, diz que “a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a Utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Assista ao vídeo de Eduardo Galeano que trata de sonhos, delírios e utopias no endereço http://www.youtube.com/watch?v=Z3 A9NybYZj8 • Proporção de pessoas de 15 a 24 anos que não sabem ler 68 Educação em direitos humanos na educação básica Nordeste: quase meio milhão de jovens analfabetos em 2010, portanto, ainda temos grandes metas de democratização do ensino a cumprir. Ainda em relação aos dados educacionais, o IBGE revela que a proporção de crianças de 10 anos de idade que não sabem ler e escrever é de 6,5%. Em comparação com os dados do Censo 2000, houve uma redução proporcionalmente significativa, visto que tal taxa alcançava 11,4%. • Rendimento mensal domiciliar médio per capita Perceba que, de acordo com o Censo 2010 (IBGE) para os municípios até 50 mil habitantes, o RDPC (rendimento domiciliar médio per capita) foi inferior ao valor do salário mínimo nacional em 2010 (R$ 510). Apenas nos municípios mais populosos a mediana do rendimento se aproxima do valor do salário mínimo. A média nestes é R$ 991 cerca de duas vezes superior à média observada nos municípios de até 100 mil habitantes. Qual a realidade da sua comunidade em relação aos seus rendimentos? 69 Violências na EscolaCapítulo 2 • Saneamento adequado Alfabetização e saneamento são alguns dos indicadores utilizados para medir as condições de vida e a promoção da dignidade humana. Podemos perceber no gráfico acima que houve um avanço no que se refere ao saneamento básico dos municípios brasileiros. E quanto às demais categorias? Sugiro que você acesse o site do IBGE, porque importantes questões podem ser inseridas no questionário socioeconômico da sua unidade escolar, contribuindo para a análise da realidade local. Caro(a) pós-graduando(a), sugiro que você acesse o site do IBGE (http://www.ibge.gov.br) para poder fazer uma análise mais aprofundada sobre o Censo 2010. A partir da sua análise, passamos a entender melhor algumas questões da atualidade e estabelecemos conexões com o quadro de violência que vivemos. Atividade de Estudos: 1) Diante da análise dos gráficos acima, procure fazer uma breve caracterização da sua comunidade escolar, definindo-lhe um 70 Educação em direitos humanos na educação básica perfil. Quais as principais dificuldades encontradas e quais as suas sugestões para minimizar os problemas existentes? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Quanto aos dados educacionais, temos abaixo os resultados do IDEB referentes ao ano de 2011. Podemos perceber que houve avanço nos índices do Ensino Fundamental, o que não se configurou no Ensino Médio. Temos que ter um olhar reflexivo sobre esses números, no sentido de nos alegrarmos com os progressos conquistados, porém não podemos esquecer que esses resultados ainda estão muito distantes da qualidade apresentada por outros países, inclusive da América Latina, bem como não são suficientes para responder a todas as exigências científicas, tecnológicas e sociais do século XXI. Ainda temos um longo caminho a percorrer. 71 Violências na EscolaCapítulo 2 Figura 08 – IDEB 2011 Anos Iniciais do Ensino Fundamental IDEB Observado Metas 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2021 Total 3.8 4.2 4.6 5.0 3.9 4.2 4.6 4.9 6.0 Dependência Administrativa Pública 3.6 4.0 4.4 4.7 3.6 4.0 4.4 4.7 5.8 Estadual 3.9 4.3 4.9 5.1 4.0 4.3 4.7 5.0 6.1 Municipal 3.4 4.0 4.4 4.7 3.5 3.8 4.2 4.5 5.7 Privada 5.9 6.0 6.4 6.5 6.0 6.3 6.6 6.8 7.5 Anos Finais do Ensino Fundamental IDEB Observado Metas 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2021 Total 3.5 3.8 4.0 4.1 3.5 3.7 3.9 4.4 5.5 Dependência Administrativa Pública 3.2 3.5 3.7 3.9 3.3 3.4 3.7 4.1 5.2 Estadual 3.3 3.6 3.8 3.9 3.3 3.5 3.8 4.2 5.3 Municipal 3.1 3.4 3.6 3.8 3.1 3.3 3.5 3.9 5.1 Privada 5.8 5.8 5.9 6.0 5.8 6.0 6.2 6.5 7.3 Ensino Médio IDEB Observado Metas 2005 2007 2009 2011 2007 2009 2011 2013 2021 Total 3.4 3.5 3.6 3.7 3.4 3.5 3.7 3.9 5.2 Dependência Administrativa Pública 3.1 3.2 3.4 3.4 3.1 3.2 3.4 3.6 4.9 Estadual 3.0 3.2 3.4 3.4 3.1 3.2 3.3 3.6 4.9 Privada 5.6 5.6 5.6 5.7 5.6 5.7 5.8 6.0 7.0 Os resultados marcados em verde referem-se ao Ideb que atingiu a meta. Fonte: Saeb e Censo Escolar. Disponível em: <www. portalideb.com.br>. Acesso em: 15 ago. 2012. http://www.portalideb.com.br http://www.portalideb.com.br 72 Educação em direitos humanos na educação básica Gostaria de registrar também a aprovação em dezembro de 2010 do novo Plano Nacional de Educação (2011, acesso em 03 de agosto de 2012) para o período de 2011 - 2020. Veja algumas metas: Meta 1 Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. Meta 2 Universalizar o ensino fundamental de nove anos para toda população de 6 a 14 anos. Meta 3 Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%, nesta faixa etária. Meta 5 Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade. Meta 16 Formar 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu, garantir a todos formação continuada em sua área de atuação. Acesse na íntegra o Plano Nacional de Educação no site http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831421.pdf. Você pode estar se perguntando: qual a relação destas questões com o meu fazer pedagógico? O que o Plano Nacional tem a ver com as questões da violência na escola? De que forma os dados do Censo podem contribuir com a minha sala de aula? Lembre-se de que a prática do professor reflete diretamente suas concepções, suas crenças, suas experiências. Assim, é importante que se discuta o cenário social, cultural e educacional, com seus respectivos desdobramentos, pois, como já falamos anteriormente, a escola não está apartada do mundo que a rodeia e necessita construir seus fundamentos com base nessa realidade. Mahatma Gandhi foi um defensor do princípio da não-violência e afirmou: “A pobreza é a pior forma de violência.” Temos no Brasil milhares de pessoas que ainda não alcançaram sua cidadania e que convivem diariamente com a violação dos seus direitos humanos, com o analfabetismo, a má distribuição das propriedades de terra, as mazelas provocadas pela dívida externa elevada, pela economia controlada em parte pelas multinacionais, pela corrupção generalizada e pelo desrespeito aos princípios básicos da humanidade. http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831421.pdf http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult1704u83.jhtm 73 Violências na EscolaCapítulo 2 Por diversas razões, as situações de violência passam a fazer parte da vida dessas pessoas, aumentando os índices de criminalidade, crime organizado, violência física, entre outros. Esses episódios se refletem no cotidiano da escola e, por isso, passaremos a descrever algumas das formas de violências na atualidade. a) Violência doméstica Figura 09 – Violência doméstica Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5G1J>. Acesso em: 15 ago. 2012. Ainda é grande o número de pais que dão à violência o nome de educação e justificam espancamentos, fraturas, queimaduras, facadas como métodos educativos. De acordo com Maldonado (2004, p.20), “Existem vários tipos de violência doméstica em todas as classes sociais: a violência física (bater, beliscar, empurrar, chutar), a violência psicológica (xingar, humilhar, agredir com palavras)[...]”. As causas da violência doméstica vão desde fatores sociais, culturais, econômicos, psicológicos, miséria, ou o fato de “pais agressores que foram vítimas de agressão no passado”. Podemos ainda enumerar como outras causas da violência doméstica: pais que entendem as crianças e adolescentes como objetos de sua propriedade e não como um sujeito de direitos; a baixa resistência ao estresse, o pai Ainda é grande o número de pais que dão à violência o nome de educação e justificam espancamentos, fraturas, queimaduras, facadas como métodos educativos. 74 Educação em direitos humanos na educação básica que desconta o cansaço e os problemas pessoais nos filhos; o uso de drogas e o abuso de álcool, entre outros. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, acesso em 22 jul. de 2012): As consequências comportamentais e psicológicas de crescer em um lar violento podem ser devastadoras também para crianças que não são vítimas de abusos. Crianças expostas à violência muitas vezes apresentam sintomas de distúrbios de estresse pós-traumático, como urinar na cama e ter pesadelos, e, em comparação com outras crianças, correm maiores riscos de ter alergias, asma, problemas gastrointestinais, depressão e ansiedade. Crianças em idade escolar que são expostas à violência doméstica podem apresentar mais problemas com trabalhos escolares e deficiência de atenção e concentração. Também são mais propensas a tentar suicídio e a abusar de drogas e álcool. Para ter-se uma ideia da proporção do problema, a UNICEF (acesso em 22 jul. de 2012) registra: Segundo dados de 2009, da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância, 12% dos 55,6 milhões de crianças brasileiras menores de 14 anos são vítimas, anualmente, de alguma forma de violência. As violências e os acidentes, juntos, constituem a segunda causa de óbitos no quadro geral da mortalidade brasileira. Na faixa etária entre 1 e 9 anos, 25% das mortes são decorrentes da violência. Entre 5 e 19 anos, a violência é a primeira causa entre todas as mortes ocorridas nessa faixa etária, segundo dados do Ministério da Saúde. Ou seja, a gravidade do problema atinge significativamente a infância e a adolescência. E mesmo nas situações não fatais, as lesões e traumas físicos, sexuais e emocionais deixam sequelas para toda a vida. Muitas dessas violências não integram os índices apresentados acima, pois não conseguem ultrapassar as barreiras de silêncio estabelecidaspela própria família. Medo, vergonha, não saber a quem recorrer, vínculos afetivos entre a vítima e o agressor, são fatores que justificam as causas da paralisia em relação ao fato. Outro fenômeno presente é a exposição frequente da criança ou adolescente às situações de violência, seja da mãe sendo espancada pelo marido, como de brigas entre vizinhos, tráfico de drogas no bairro, cenas de violência na mídia, assaltos, assassinatos etc. Diante da diversidade de fatores causadores da violência doméstica, as soluções não são simples e requerem o envolvimento de vários segmentos e 75 Violências na EscolaCapítulo 2 setores da sociedade, estimulando novas atitudes e práticas cotidianas de pensar e de agir, que considerem e deem prioridade às especificidades das crianças e dos adolescentes. b) Violência Física Figura 10 – Violência Física Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5Ge1>. Acesso em: 15 ago. 2012. A violência tornou-se o assunto do dia, pelo seu crescimento em todas as esferas da sociedade, desde guerras intermináveis, conflitos entre diferentes gangues e facções do tráfico de drogas, até aquelas vividas no interior das famílias. Como já falamos anteriormente, muitas crianças crescem entendendo que a violência é aceitável até nas relações mais próximas e afetivas, como na família, e por entender a sua naturalização, acaba externando comportamentos violentos em outras esferas sociais. Para muitos pais, educar com firmeza, serenidade, estabelecendo limites e regras é um grande desafio. Toda criança precisa conhecer os limites que estabelecem as regras sociais de convivência, ditando o que pode ou não ser feito. No entanto, há uma crise em relação à educação dos filhos, pois muitos pais não sabem como agir, já que não podem mais utilizar os mesmos recursos com os quais foram educados no passado, embora continuem acreditando nos valores transmitidos pela tradição. Muitas dúvidas surgem nesse momento: 76 Educação em direitos humanos na educação básica • Como exercer minha autoridade? • Como ser rigoroso sem ser rígido? • Como estimular o indivíduo a exercer a responsabilidade e não submissão? • Como construir relações de respeito mútuo e solidariedade? Sugiro que a escola selecione textos sobre os questionamentos acima, bem como de outros temas relevantes e ossocialize nas reuniões pedagógicas e reuniões de pais, utilize-os para redigir uma carta e grampear com o Boletim Escolar, para postar no Blog da Escola, para enviar aos pais que tem endereço eletrônico etc. Temos que pensar em novas formas de comunicação com as famílias, não é? E diante dessa complexidade do ato educativo, temos dois desvios contraditórios: no primeiro, as famílias renunciam ao seu papel educativo e dizem que não podem mais educar suas crianças, pois as novas leis só lhes atribuem direitos e, dessa forma, repassam à escola, além da tarefa de educar, a tarefa de cuidar. No outro extremo, diante das contrariedades, utilizam da força física. La Taille (2005, p.51) argumenta: Por isso mesmo faz sentido dizer que violência gera violência, ou seja, se autorreproduz. Mas seu ponto de partida e seu manancial principal são as severas condições de frustração, sofrimento, esvaziamento do “Eu”, a opacidade e o esvaziamento do Outro, a inflação narcísica, a desesperança, a descrença num futuro melhor e na sociedade, que acabam sendo a matéria prima para a exacerbação das pulsões destrutivas e para seu direcionamento irracional, podendo até voltar-se contra o próprio sujeito. Pare e reflita. Para onde vai o ódio reprimido da criança frente aos maus tratos e repressão a que frequentemente é submetida? Sabe-se que é na repressão emocional da criança que surge a pior raiz da agressividade humana. Portanto, a linguagem da violência, da agressividade, da destrutividade deve ser substituída por uma formação sólida, baseada em princípios morais e éticos, nos quais haja uma reaproximação dos vínculos familiares, aceitando as diferenças do outro a partir da autoaceitação das fragilidades individuais. A linguagem da violência, da agressividade, da destrutividade deve ser substituída por uma formação sólida, baseada em princípios morais e éticos, nos quais haja uma reaproximação dos vínculos familiares, aceitando as diferenças do outro a partir da autoaceitação das fragilidades individuais. 77 Violências na EscolaCapítulo 2 Você deve estar se perguntando: como conseguir isso? Esse é um grande desafio, pois temos diante de nós inúmeras famílias que vivem sob tensões das mais diversas esferas, ocasionando um esgotamento físico e psíquico que se refletem nas suas relações. As constantes modificações que vivemos no mundo contemporâneo provocam o sentimento de insegurança, instabilidade, inconclusão. As pessoas estão cada vez mais inseguras, vivendo mais isoladamente e muitas vezes numa situação de apatia e ausência de sentimentos em relação aos fatos. Pensar em uma escola repleta de pais, participando do cotidiano e da resolução dos conflitos dos filhos talvez soe um tanto utópico para a realidade que temos diante de nós: talvez tenhamos que pensar que a família deva buscar recursos para resolver os seus problemas e a escola, através do trabalho de uma equipe multidisciplinar, buscar equilibrar as tensões de uma sociedade individualista num espaço coletivo, de cooperação e respeito. Podemos pensar que o caminho para essa crise possa estar no conhecimento: hoje a criança aprende não somente com a família e com a escola, mas também com as mídias, com os colegas, com a igreja, com as Ong’s, entre outros espaços. Então, todos esses órgãos e instituições devem estar voltados para disseminar o conhecimento como riqueza cultural, que possui valor em si mesmo e que nos dá condições de melhorarmos nossas relações e nossas condições de ser humano, para que as famílias das próximas gerações possam reestabelecer os vínculos do ensinante e do aprendiz, substituindo o uso de punições expiatórias por uma educação que priorize a dignidade humana. c) Violência Psicológica Figura 11 – Violência Psicológica Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5GrU>. Acesso em: 15 ago. 2012. 78 Educação em direitos humanos na educação básica Existem as violências que não deixam marcas visíveis, o corpo não fica marcado com fraturas e hematomas, porém elas são igualmente graves para o desenvolvimento de crianças e adolescentes: a violência psicológica. Em muitos lares a falta de amor, carinho e atenção, substituídos por humilhação, rejeição, depreciação levam suas vítimas a desvalorização pessoal, ao não desenvolvimento da autoestima, podendo desenvolver o sentimento de vingança e revolta, que pode inclusive motivar condutas violentas. Maldonado (2004, p.26) fala das consequências dessas atitudes no meio escolar: Nas escolas é comum o aluno compulsivamente implicante que escolhe colegas como alvos do abuso psicológico. São pessoas inseguras, que sentem prazer em humilhar e aterrorizar colegas que não conseguem se defender dos seus ataques. As crianças cronicamente atacadas por essas manobras de intimidação, chantagem e perseguição podem ficar deprimidas e com a autoestima prejudicada. A escola tem aí um campo fértil de trabalho para o desenvolvimento de atitudes de respeito e de consideração. Então, caro (a) pós-graduando (a): crianças que crescem nestas condições sentem que o mundo ao seu redor é hostil e perigoso, que não existe nada e ninguém em quem possam confiar, e acabam desenvolvendo padrões inadequados de conduta, que se refletem diretamente na escola. Na outra ponta, temos o professor, que não sabe mais como lidar com todas essas dificuldades. Souza (2006, acesso em 24 jul. de 2012) diz que: Na maioria das escolas, os educadores e as educadoras convivem, diariamente e de forma simbólica, com a sensação de que serão atacados pelos diversos embates para os quais não dispõem de ferramentas ou armas para se defender.Esse mentiroso ‘alarme de ataque’ provoca desprazer, porque bloqueia a ação dos hormônios da alegria como as endorfinas, as dopaminas e as serotoninas [...]. Para Souza (2006), uma proposta para esses conflitos seria o desenvolvimento de uma proposta baseada na educação biocêntrica: [...] a Educação Biocêntrica é um portal de recuperação da nossa humanidade, hoje desconfigurada pelo estilo de viver patológico e que está latente em cada fio do tecido social. Como um portal, penso que a Educação Biocêntrica não quer se apresentar como um modelo substitutivo às demais práticas educativas, mas como um paradigma teórico-prático evolucionário. E como tal, se inspira numa radicalidade ético-estética, cujo fundamento é a defesa incondicional da vida em todas as suas expressões. Isso me convida a intuir, então, que a Educação Biocêntrica é um paradigma do cuidado e pode promover a cura [...] das práticas educativas [...]. 79 Violências na EscolaCapítulo 2 Convido (a) a acessar o site abaixo para ampliar seus conhecimentos sobre a Educação Biocêntrica. Talvez você encontre a resposta para vários dos seus questionamentos. Boa leitura... http://www.pensamentobiocentrico.com.br/content/ed05_art01.php d) Violência Conjuntural Figura 12 – Violência Conjuntural Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5GEH>. Acesso em: 15 ago. 2012. Diariamente ouvimos inúmeras notícias divulgando o aumento dos índices de incivilidade, do tráfico de drogas e armas, de corrupções, de conflitos. Por conta disso, temos cada vez mais formas de controle do comportamento humano (câmaras, radares, regulamentos, normatizações etc.), demonstrando que vivemos num momento de crise moral. Há uma banalização da violência e as brutalidades acabam se transformando em diversão. Basta analisarmos o conteúdo dos games que nossas crianças jogam, dos filmes, dos noticiários, enfim, da grande maioria dos meios de comunicação. Por falar em mídias e tecnologias, elas ocupam um espaço cada vez maior nos lares brasileiros, não Há uma banalização da violência e as brutalidades acabam se transformando em diversão. Basta analisarmos o conteúdo dos games que nossas crianças jogam, dos filmes, dos noticiários, enfim, da grande maioria dos meios de comunicação. Por falar em mídias e tecnologias, elas ocupam um espaço cada vez maior nos lares brasileiros, não somente falando em dimensões, mas da substituição do diálogo, da convivência, das relações entre os membros da família. 80 Educação em direitos humanos na educação básica somente falando em dimensões, mas da substituição do diálogo, da convivência, das relações entre os membros da família. Com o desenvolvimento tecnológico, a mídia passa a ocupar o lugar do saber que antes era restrito ao mundo adulto, desafiando a sua autoridade. A TV destrói a linha divisória entre a infância e a idade adulta, pois não há segredos e sem segredos não há infância.Os meios de comunicação também estão fundamentados numa cultura do consumo, que foi rapidamente absorvida pelo universo infantil. Há um descontentamento com o que se tem, tudo se torna obsoleto a cada instante, gerando o mito da novidade permanente. A infância muda o seu lugar social: de ser incompleto, inconcluso, passa a ser voraz consumidora, em que tudo acontece muito rapidamente. A velocidade das decisões e das mudanças imprime um ritmo frenético ao mundo. Nesta ânsia por acompanhar as novas necessidades e desafios, acaba-se gerando uma superficialidade, uma dispersão, que impedem as pessoas de refletirem, de analisarem os fatos. Tudo é visto e decidido sem reflexão e aprofundamento, gerando a incapacidade de observação, análise e síntese. Outra consequência é a inversão de valores: o problema do outro não me afeta, as brincadeiras violentas são consideradas normais, a banalização do corpo etc. Os pais estão inseguros. A geração de Woodstook (drogas, sexo e rock and roll) não está conseguindo orientar seus filhos. Há uma visível crise de autoridade, pois a cada dia o mundo adulto está abrindo espaço às vontades infantis, permitindo que a infância seja precocemente impelida à jovialidade. Acordamos todos os dias como se não tivéssemos história. Fazemos uma verdadeira apologia ao lixo, ao descartável, privilegiando o novo, o melhor, o mais caro, as novas tendências, a pedagogia da moda, esquecendo de que quem não olha o que ficou para trás, corre o risco de repetir os mesmos erros. Diante dessa realidade, cada de um de nós deve buscar na história elementos para entender a sua trajetória de vida, a sua constituição enquanto sujeito histórico, para, a partir daí, olhar o desenvolvimento de cada criança como uma tarefa que vai muito além da transmissão de conteúdos, mas na construção de indivíduos autônomos, éticos e felizes. Podemos então fazer uma pergunta: existe um contraponto da família e da escola em relação ao conteúdo da mídia? Na maioria das vezes nós a criticamos, porém não discutimos seus conteúdos, não proporcionamos momentos de reflexão e análise dos temas abordados. Precisamos utilizar esses fatos como ponto de partida para aprofundar as questões que se vinculam superficialmente e transformá-las em conhecimento. 81 Violências na EscolaCapítulo 2 Mas como fazer isso diante das inúmeras obrigações diárias? Os professores se veem mergulhados na mera execução de tarefas e, na maioria das vezes, não conseguem tempo, energia e materiais necessários para pensar uma aula com propostas metodológicas inovadoras, com alunos participativos e criativos em busca de novas aprendizagens, baseadas em seus conhecimentos prévios e realizando o contraponto da mídia. Souza (2006, Acesso em 24 jul. 2012) compreende que: [...] a escola vivencia o drama da obrigação e, com isso, raramente incentiva a liberdade de criar e criar-se. Com seu pensamento lógico, enquadra a apreensão do mundo em classificações e seriações. [...] os conteúdos ensinados sofrem antes uma profunda assepsia: são higienizados, despolitizados, dessexualizados, des-historicisados, desintegrados, desvivenciados, descomunitários. Isso não implica dizer que devemos deixar de lado todas as propostas pedagógicas que foram historicamente elaboradas, mas adequá-las ao contexto atual, no qual a escola continua sendo o grande sustentáculo da sociedade e responsável pela formação dos sujeitos, da construção da cidadania, do desenvolvimento tecnológico e da expansão da economia. e) Violências na (da) Escola Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5GQt>. Acesso em: 15 ago. 2012. Gostaria de iniciar nossa conversa pensando no papel que a escola tem hoje enquanto instituição social: é inevitável reconhecermos o papel fundamental que a mesma assume para a sociedade. Existe um coro uníssono reconhecendo que as instituições escolares se mantêm fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. 82 Educação em direitos humanos na educação básica Para alguns, diante das fragilidades encontradas nas famílias, nas superficialidades das relações afetivas entre seus membros, nas jornadas de trabalho cada vez mais ampliadas, entre inúmeros outros problemas, a escola acaba sendo colocada numa posição de “salvadora” de todos os conflitos existentes, assumindo uma função e responsabilidade bem maior do que sua atribuição inicial: a construção de conhecimentos. La Taylle (2005, p. 37) sustenta que: [...] a escola está substituindo a família como instituição social primária encarregada do acolhimento e da formação do sujeito. Sobre ela recaem os maiores encargos da formação biopsicológica e social, além de ser colocada como instituição estratégica para a solução dos principais problemas e desafios do mundo contemporâneo. Atualmente se entende que tudo passa pela educação, desde o problema de desenvolvimento econômico do país até o problema da gravidez na adolescência. Será que a escola deve arcar com tamanha responsabilidade? Atividade de Estudos:1) Em sua opinião, quais são as responsabilidades que a sua escola teve que assumir, além das questões referentes ao processo de ensino e aprendizagem, nas últimas décadas? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 83 Violências na EscolaCapítulo 2 Se você respondeu que a escola assumiu responsabilidades sociais, familiares, de saúde, de ordem psicológica, alimentar etc., você está no caminho correto, porém não esqueça: a função maior da escola é a produção de conhecimentos. Bem, diante de tantas contradições, podemos metaforicamente falar que a escola se transformou num grande caldeirão, onde misturamos problemas familiares, sociais, econômicos, políticos, afetivos, entre tantos outros, e parece que a cada momento essa mistura vai explodir. No cenário educacional vivemos com muitos contrastes, diferenças e desigualdades, no entanto, ainda mantemos como padrão aquela escola com organização rígida de espaço, de tempo, organizada por séries, turmas, bimestres, como se aquele modelo do passado fosse o ideal e passamos a idolatrar condutas, normas e procedimentos que não dão mais conta dos dilemas e contradições da atualidade. Num momento da história onde as relações interpessoais estão cada vez mais superficializadas e momentâneas, a exemplo do “ficar” dos adolescentes, dos casamentos instantâneos, das amizades que num passe de mágica se transformam em ódio, podemos encontrar na escola um dos últimos espaços onde as pessoas se encontram e precisam conviver diariamente, por um período mínimo de 4 horas, cara a cara. O que significa para essas crianças e adolescentes se depararem com normas, regras e exigências institucionais? Como cumprir os horários, datas de entrega de atividades? Como respeitar a autoridade do professor? Como lidar com as frustrações e dificuldades naturais do dia-a-dia? Como não ter todos os seus desejos satisfeitos imediatamente? Por que fazer tarefas e trabalhos escolares? Afinal, são obrigações e regras que eles não estão mais acostumados a cumprir, pois em seus lares, muitas vezes, não existem limites, obrigações e responsabilidades. Numa sociedade globalizada, que valoriza a rapidez, a fluidez, a competitividade, a escola vai na contramão desse processo. La Taylle (2005) aponta que residem aí duas explicações para essa contradição: a primeira diz que o destaque da escola na atualidade se dá pelo entendimento de que as pessoas precisam recuperar seus laços de cordialidade, proximidade e segurança e nela se vê uma das últimas possibilidades de resgatar esses valores. De outro lado, a mesma é percebida como um espaço que necessita passar por grandes transições, para poder dar conta de todas as complexidades da pós-modernidade. Num momento da história onde as relações interpessoais estão cada vez mais superficializadas e momentâneas, a exemplo do “ficar” dos adolescentes, dos casamentos instantâneos, das amizades que num passe de mágica se transformam em ódio, podemos encontrar na escola um dos últimos espaços onde as pessoas se encontram e precisam conviver diariamente, por um período mínimo de 4 horas, cara a cara. 84 Educação em direitos humanos na educação básica Pois bem, partindo do ponto de que a escola é um lugar de excelência para garantir a educação das futuras gerações, passaremos a refletir neste momento sobre os diversos pontos de tensão que perpassam as relações estabelecidas entre todos os seus atores, e, em alguns casos, evoluindo para situações de agressividade e violência. Em comentário a essa questão, Souza (2006, acesso em 24 jul. de 2012) diz que: [...] alterar os referenciais presentes nos relacionamentos interpessoais, em sua maioria pautados em modelos bélicos que constituem, no cotidiano, as expressões contínuas de prontidão para lutar, para convencer, combater, resistir, contrapor, batalhar, arguir, contestar (MATURANA, 2004). Fomos educados numa cultura de guerra para escolher algumas pessoas como iguais e excluir todas as demais consideradas adversárias à minha existência. Os saberes de guerra nos impedem de reconhecer a legitimidade do outro como um semelhante, ainda que diferente [...] desenvolvem em nós maneiras de convivência competitivas, que vampirizam as singularidades e produzem neuroses múltiplas. Esse é o padrão de convivência que você percebe em sua escola? Seus alunos não admitem ser contrariados? Ao menor sinal de dificuldade, já abandonam a atividade? Quando você chama a atenção deles, prontamente respondem, dizendo que você não tem autoridade sobre eles? Contestam com a equipe gestora as regras da escola e não se intimidam em transgredi-las? Desafiam a todos com sua intransigência e falta de cooperação? Assumem comportamentos inadequados com os colegas da turma? Nestes padrões de convivência distorcidos surge o riso, a ironia, o silêncio, a exclusão, as fofocas, dando origem ao Bullying escolar. De acordo com Guareschi; Silva (2008, p.17), o fenômeno pode ser assim conceituado: Bullying deriva da palavra inglesa bully, que, enquanto substantivo, significa valentão, tirano e, como verbo, brutalizar, tiranizar, amedrontar. Como prática, o termo significa formas de agressões intencionais e repetidas adotadas sem motivação evidente e direcionadas aos outros. Compreende, pois, toda e qualquer forma de atitude agressiva executada dentro de uma relação desigual de poder, sendo o desequilíbrio de poder presente nessa relação uma característica essencial, que torna possível a intimidação da vítima. O Bullying pode se dar de forma verbal (colocar apelidos, zoar, humilhar, ofender etc.), de forma física (agredir, bater, chutar, quebrar pertences, roubar etc.), de forma psicológica (humilhar, excluir, intimidar, discriminar, assediar, 85 Violências na EscolaCapítulo 2 espalhar rumores e fofocas, etc.), Cyberbyllying (violência virtual que utiliza da internet para ridicularizar, humilhar, ameaçar, difamar etc.). O quadro abaixo apresenta sinteticamente os personagens envolvidos no Bullying escolar: Quadro 3 - Síntese dos personagens do bullying escolar Agressores Alvos Testemunhas Quem são São os que aplicam atos de bullying nos outros São as vítimas do bullying Alunos que são obrigados a viver num ambiente de intimidação, ansiedade e medo, gerado pelo bullying Como identificá-los Indivíduos que gostam de ser cercados, admi- rados ou temidos pelos outros alunos; assumem posição de liderança negativa Trocam de colégio com frequência; pouco sociáveis, inseguros; baixa autoestima etc. Calam-se com medo de tornarem-se as próxi- mas vítimas; sentem-se inseguros sobre o que fazer e incomodados com a violência Comportamentos mais salientes Agredir, ameaçar, apeli- dar, ignorar, discriminar, dominar, humilhar, intimidar Isolar-se, deprimir- -se, fugir do conta- to social, abando- nar a escola, entre muitos outros. Fingir que não sabe, omitir-se, aliar-se aos agressores para que não se torne vítima também, entre outros Fonte: Guareschi; Silva (2008, p.17). Atividades de Estudos: 1) Você identifica casos de bullying na sua escola? Descreva-os. __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 86 Educação em direitos humanos na educação básica __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) Quais as medidas adotadas pela escola para o encaminhamento das situações de conflitos geradas pelo bullying? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 3) Existem ações de prevenção ao bullying escolar? Descreva- as, comentando quem são as pessoas responsáveis por sua execução e quais são as fragilidades e potencialidades dessas iniciativas. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Se você respondeu que existem casos de bullying na sua escola, você acertou, pois mesmo que você ainda não tenha se dado conta, eles seguramente se efetivam nas entrelinhas e nas sutilezas das relações interpessoais. Cabe à escola identificar os fatores que geram esses comportamentos inadequados, os 87 Violências na EscolaCapítulo 2 atores que lideram as ações indevidas e propor intervenções pedagógicas para resolver os conflitos, através de aulas expositivas dialogadas, representações, músicas, palestras, esportes, gincanas, entre outras atividades que favoreçam a coletividade e a solidariedade, para que os alunos (as) possam reconhecer em seus pares e nos professores alguém que quer auxiliá-los (las) na sua travessia pela escola, contribuindo para que o tempo que ali se permanece seja agradável, amistoso e seguro. Bem, esses são alguns comportamentos comuns no dia-a-dia da escola, não é? Enquanto educadores (as), tentamos de diversas maneiras resolver os conflitos, chamando esses alunos (as) para conversar, tentando entender a situação geradora do problema, propondo alternativas de modificação de conduta, chamando os pais para sugerir uma parceria, mudando de turma, encaminhando para acompanhamento psicológico ou para atendimento de equipe multidisciplinar (quando ela existe) e, em casos extremos, solicitando a intervenção do Conselho Tutelar ou Ministério Público. Mas veja bem, muitas vezes não conseguimos avançar nos encaminhamentos das nossas propostas, exatamente porque não fazemos uma análise do problema e esquecemos que as nossas crianças e adolescentes aprendem de acordo com as formas como os adultos (pais, irmãos, colegas, professores) se relacionam com elas, formando estruturas de pensamento que foram elaboradas através de anos de convivência. Em vista disso, não podemos esperar que um simples diálogo, uma advertência escrita da Direção, uma suspensão vá provocar modificação de comportamento do educando (a), já que, em muitos casos, ele (a) cresceu em meio a sentimentos de humilhação, incapacidade, fracasso ou negligência. Como já falamos anteriormente, é fundamental discutirmos o entendimento que a escola tem sobre disciplina, indisciplina e violência e talvez tenhamos que retomar o poema do início do caderno, “O frio pode ser quente?” (As coisas têm muitos jeitos de ser. Depende do jeito da gente ver). Lembre-se que, ao fazermos uma leitura de mundo, ao analisarmos um cenário social, essa compreensão estará permeada pelas nossas experiências, pelos valores, pelas interpretações das situações que vivemos. Assim, a escola precisa ter uma fala uníssona e única no que se refere aos seus padrões de comportamentos e relacionamentos, a fim de que as decisões e posicionamentos frente às situações de conflito não sejam distintas e injustas. Também não podemos esquecer que “amor e ódio, agregação e desagregação são faces de uma mesma moeda, são interdependentes, coexistem e fazem parte da dialética da existência humana” (LA TAYLLE, 2005, p. 45). 88 Educação em direitos humanos na educação básica Uníssona: que tem um só som; cujo som se harmoniza com outro (MICHAELLIS, 2008, p.893). É importante destacar que não existe uma escola com ausência de conflitos e resistências, porém, não podemos concordar com o fato de que esses problemas se transformem em comportamentos e atitudes de indisciplina, agressividade ou violência. Então, vamos pensar uma questão: será que a escola também produz violência? Quando falamos “essa criança não aprende mesmo, não adianta fazer mais nada”, “não sei porque você se matriculou novamente”, “cala a boca”, estaremos também estabelecendo relações de domínio que possam se instrumentalizar em atitudes de rancor, ódio e vingança? De acordo com Souza (2012), a escola pode se transformar em um lugar violento: [...] onde aprender é visto como um dever e nunca como direito, onde fracasso na aprendizagem é assimilado como incapacidade pessoal, nutrida pela ideologia do não-esforço. Perder o direito ao lanche, à convivência do recreio, ser humilhado publicamente por seu não-saber requisitado, cumprir rotinas mecanizadas, experimentar os rótulos e as várias segregações, os preconceitos, as imolações pedagógicas, são algumas das peças que compõem as manifestações de violência que a escola também produz. Talvez essa afirmação tenha lhe desaquietado, já que consideramos a escola a grande vítima desse processo, ao receber tantos problemas e ter diante de si a obrigação desolucionar conflitos de todas as ordens. E agora, como se não bastassem todas essas mazelas, ainda é acusada de gerar suas próprias violências... Atividade de Estudos: 1) Faça uma lista das violências presentes no cotidiano da escola e daquelas que são produzidas por ela mesma, por meio da sua organização. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 89 Violências na EscolaCapítulo 2 __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Deixar-lhe incomodado (a) foi minha intenção, pois temos que parar de responsabilizar unicamente a família, o Conselho Tutelar e a sociedade como os únicos responsáveis por todos os contratempos que enfrentamos no cotidiano da escola e buscar, dentro das possibilidades pedagógicas que temos, os encaminhamentos dos nossos desafios. Atividade de Estudos: 1) Acesse o seguinte endereço eletrônico: http://www.youtube. com/watch?v=3NJEp3M1Jjo. Você deverá assistir a esse breve vídeo sobre Família e Educação, que aborda questões pontuais da educação na contemporaneidade.Logo após, elabore um breve texto, expressando as suas concepções acerca do tema abordado: __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Diante da complexidade das questões que remetem às violências e indisciplina na escola, sugerimos que uma proposta pedagógica, baseada nos princípios de Vygotsky e Freire, considerando o indivíduo em sua construção histórico-cultural, http://www.youtube.com/watch?v=3NJEp3M1Jjo http://www.youtube.com/watch?v=3NJEp3M1Jjo 90 Educação em direitos humanos na educação básica suas experiências de vida e de sociabilidade, possam permitir a recuperação da essência da educação, que é a formação integral do aluno (a), utilizando a linguagem, a informação, as técnicas para o desenvolvimento do processo ensino e aprendizagem, atrelando-os às dimensões éticas, dialógicas e afetivas. Os Autores e Atores das Violências na Escola É crescente o índice de estresse e preocupação de todos os personagens escolares (direção, equipe pedagógica, professores, equipe administrativa, auxiliares, entre outros) diante da fragilidade das relações entre os profissionais, alunos e família. Como já mencionamos anteriormente, parece que os pais estão indecisos em relação à forma de educar e, diante de tantas informações psicológicas, pedagógicas, pediátricas, falam que se sentem incapazes de construir laços de autoridade e respeito com seus filhos. Por outro lado, há na escola um constante mal-estar no que se refere às relações com os alunos e seus comportamentos inadequados, indisciplinados e violentos. Alguns professores dizem que não sabem mais como agir para superar essa “crise moral” que assombra a escola e imploram por palestras, formações continuadas e capacitações que abordem essa temática, a fim de tentar encontrar uma solução. Aquino (1996, p. 40-41) assinala: É certo, pois, que a temática disciplinar passou a se configurar enquanto um problema interdisciplinar, transversal à Pedagogia, devendo ser tratado pelo maior número de áreas em torno das ciências da educação. Um novo problema pede passagem. Inúmeros professores estão sem rumo, dizem que não conseguem ver soluções para esses conflitos diários que enfrentam na sala de aula. A energia despendida, o alto nível de estresse, acaba por levá-los a uma sensação de exaustão, de profundo cansaço e até de depressão. Pesquisas revelam elevados números de docentes acometidos pela Síndrome de Burnout. Síndrome de Burnout: é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso. Pode Como já mencionamos anteriormente, parece que os pais estão indecisos em relação à forma de educar e, diante de tantas informações psicológicas, pedagógicas, pediátricas, falam que se sentem incapazes de construir laços de autoridade e respeito com seus filhos. 91 Violências na EscolaCapítulo 2 ser definido como um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional. E o que fazer diante dessa situação? Figura 13 - Questionamentos do educador Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5HAj>. Acesso em: 27 jul. 2012. Aquino (1996) aponta a solução através da construção do conhecimento, pois por meio dele pode-se resgatar a moralidade e a civilidade perdidas. Os conceitos da Matemática, da História, das Ciências, podem ser transversalizados com questões éticas e morais, desconstruindo e construindo diferentes pontos de vista, instigando os alunos a transpor obstáculos e procurar novas respostas, com perseverança e vontade, porém, precisaremos estar num contínuo movimento de reinvenção e reorganização dos nossos planejamentos, metodologias e formas de nos relacionarmos com os mesmos. Vivemos num momento histórico de valorização do conhecimento e conceitos como aprender a aprender, ensinar a ensinar e conhecer o conhecer são fundamentais. Estaremos ao longo da vida num processo constante de aprendizagem, por isso precisamos ensinar nossos alunos a metacognição, para que possam selecionar os conhecimentos, num dado momento da vida, naquilo que está fazendo, utilizando suas competências não somente para o sucesso pessoal, seja acadêmico, ou no mundo do trabalho, mas também na construção de uma sociedade mais fraterna. Outra questão que podemos levantar refere-se à autoridade, que nunca foi tão discutida no espaço escolar. Hannah Arendt (2000, apud ALMEIDA; PLACCO, 2010, p.27) diz que: A autoridade, com certa frequência, confunde-se com poder e violência. No entanto, só se pode conceber a presença da autoridade quando se exclui a utilização de meios externos e coerção, pois onde a força é usada, a autoridade fracassou. 92 Educação em direitos humanos na educação básica O fato de um aluno respeitar uma ordem do professor não quer dizer necessariamente que ele o está fazendo pela autoridade do mestre, poderá estar com medo das consequências se não a cumprir (ser encaminhado para a Orientação, levar um bilhete para os pais assinarem, ficar sem ir para o recreio). Somente haverá reconhecimento da autoridade docente quando ficarem implícitos o respeito, a admiração e a responsabilidade de quem obedece. A autoridade não se adquire, não vem pronta com a titulação do professor, não é construída pelas regras da escola; ela é cotidianamente construída a partir das relações interpessoais que se estabelecem nos espaços da escola, pautados em valores como o respeito e o autorrespeito. Se o professor consegue valorizar-se enquanto profissional, com certeza a sua relação com os alunos será respeitosa; se consegue ver no outro suas potencialidades e capacidades, vão surgir laços de respeito e estima, se são discutidas as regras da sala de aula, mais facilmente vai conseguir o cumprimento das mesmas. Veja que depoimento interessante Um músico, de uma banda jovem de São Paulo, em entrevista recente, dizia o seguinte: Nós nos juntamos pela afinidade, porque tínhamos um objetivo em comum, e não porque éramos iguais. Só que a afinidade era somente o começo, o ponto de partida para descobrirmos as diferenças de cada um, e crescer com elas. Quando descobrimos que somos diferentes, podemos compreender as razões de cada um, as motivações para as atitudes, e não mais avaliar somente atitudes. Fonte: SOUZA, V. L. T. de; PLACCO, V. M. N.de S. O Coordenador pedagógico, a questão da autoridade e a formação de valores. In: ALMEIDA, L.; PLACCO, V.. O coordenador pedagógico e as questões da contemporaneidade. São Paulo: Loyola, 2006. p. 38. Podemos transferir essa fala para a escola? Com certeza sim. Então, é na convivência que iremos construindo e reconstruindo valores, professores e A autoridade não se adquire, não vem pronta com a titulação do professor, não é construída pelas regras da escola; ela é cotidianamente construída a partir das relações interpessoais que se estabelecem nos espaços da escola, pautados em valores como o respeito e o autorrespeito. 93 Violências na EscolaCapítulo 2 alunos, em busca da compreensão do outro e do desenvolvimento da autonomia, trabalhando numa perspectiva de prevenção às violências. Atividades de Estudos: 1) Como estimular o (a) aluno (a) a exercer a autonomia/ responsabilidade e não a submissão? ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 2) Como ser rigoroso (a) sem ser rígido (a)? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 3) Como construir relações de respeito mútuo e solidariedade? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 94 Educação em direitos humanos na educação básica __________________________________________________ __________________________________________________ Ao responder as questões acima, podemos destacar que é fundamental que o aluno (a) inicialmente se reconheça como indivíduo, mas também reconheça seu papel na sociedade, devendo agir com responsabilidade e autonomia para consigo mesmo e com os seus pares. A partir do momento que tem consciência dos seus direitos e deveres, poderá agir com autonomia. A relação professor e aluno deverá ser pautada no respeito e auxílio mútuo, na qual o (a) aluno (a) perceba a aula como um meio importante para a sua formação cognitiva e pessoal e não um obstáculo que tenha que transpor com dificuldades e frustrações. Não basta o (a) aluno (a) ter boas notas, é necessário que ele (ela) aprimore seu desenvolvimento pessoal, potencializando sua maturidade e sua capacidade de compromisso social e ético. Além de seus conhecimentos, os professores devem ter condições de estimular o desenvolvimento e a maturidade de seus estudantes, de fazê-los pessoas mais cultas e, por sua vez, mais completas sob o ponto de vista pessoal e social. Ações de Educação, Prevenção, Atendimento Mais do que ausência de conflito, a paz é um estado de consciência. Ela não deve ser procurada no mundo externo, mas principalmente no interior de cada homem, comunidade ou nação (WEIL,1990, apud MALDONADO, 2004, p.99). Ao refletirmos sobre a implantação de uma cultura da paz nas escolas, podemos iniciar com a substituição da competição pela cooperação. A escola é classificatória por natureza: define quem são os excelentes, os médios e os péssimos. Guareschi e Silva (2008, p.31) alertam que: “As pessoas são colocadas, desse modo, numa guerra contínua. Por mais que alguém se esforce, sempre estará correndo o perigo de perder e ser excluído. É uma luta sem tréguas e sem fim.[...]”. 95 Violências na EscolaCapítulo 2 Outra questão importante refere-se às relações que se estabelecem na escola. Quando necessitamos que um grupo mude, de nada adianta trocar o professor ou transferir alguns alunos daquela classe para outra se não mudarem as relações entre os envolvidos, aumentando a capacidade de fazer acordos, respeitando as diferenças, mesmo em momentos de divergência. Maldonado (2004, p.67-70) lista alguns princípios básicos que podem favorecer as relações interpessoais na escola: • Aprender a ouvir com atenção, consideração e sensibilidade; • Aprender a reclamar do que não gosta sem ofender, humilhar ou atacar a pessoa; • Aprender a atacar o problema e não a pessoa; • Aprender a neutralizar a raiva quando ela se intensifica, a tal ponto que corre o risco de resultar em atos de violência; • Aprender a dizer o que gosta com relação ao que os outros dizem ou fazem (olhar de apreciação); • Aprender a descarregar as tensões inevitáveis de modo saudável; • Aprender a tolerar as diferenças; • Aprender a usar métodos não violentos para colocar limites e favorecer a disciplina. Você pode estar pensando: esses princípios são muito lindos no papel, mas quando nos deparamos com uma classe de 30 alunos, cada qual com suas características, seus problemas, suas dificuldades, manter a escuta, a tolerância e a paciência torna-se quase impossível. Então, como a escola pode auxiliar com uma possibilidade de resolução dessa crise? Primeiro, temos que pensar que somos atores de uma mudança cultural, uma mudança de sentidos: a forma de pensar a educação, de construir a tarefa docente, de pensar o futuro de nossos (as) alunos (as) não pode mais ser o mesmo. Pessinatti (2009, p.28) apresenta uma contribuição quando destaca uma entrevista com o filósofo Theodor Adorno: • Qual é a função social da escola? • Adorno, que tinha sido perseguido pelo regime nazista, respondeu: 96 Educação em direitos humanos na educação básica • A função social da escola é evitar que Auschwitz se repita, que os campos de concentração se repitam na terra. • O jornalista, que também era professor, perguntou: • Não é muito exigir da escola evitar que Auschwitz se repita? Como a escola pode fazer isso? • A escola pode evitar Auschwitz tornando Auschwitz insuportável. Então, nosso papel passa a ser o de ajudar nossas crianças e adolescentes a formar um olhar de indignação diante dos fatos, a refletir sobre a lógica de mercado, na qual a desigualdade é sempre inevitável, a entender os fundamentos da violência, a refletir as relações que se estabelecem no cotidiano. Perceba que a reflexão sobre o óbvio, a curiosidade em saber o porquê das coisas, é função da filosofia. Algumas perguntas irão gerar novas perguntas, podendo desencadear um importante debate sobre os fatos. Vamos dar uma possibilidade à dúvida, à reflexão coletiva, vamos ouvir um pouco mais. Se nós, na escola, não abrirmos espaço para a discussão sobre os sujeitos, suas dificuldades, crises, onde eles terão oportunidade de refletir sobre isso? Nas fábricas, nas lojas, na praia, no Shopping, na família? Então, a escola transforma-se num importante local para fazer uma reflexão sobre a moralidade social, permitindo ao aluno criar uma consciência crítica que lhe permita rejeitar os valores que muitas vezes lhe são impostos. Continuando nossa reflexão sobre ações que possam minimizar o impacto das violências na escola, devemos destacar o poder das palavras. Assistimos a uma relativização da palavra, parece que as mesmas perderam seu significado original: o que falar, por exemplo, em relação à palavra austeridade, quando o poder público a utiliza, deixando as escolas sem as condições materiais mínimas para funcionamento? Quando se fala em valorização da carreira docente, e vários estados se negam a implantar o piso salarial na carreira do professor? Quando se fala em sociedade cidadã e várias pessoas continuam sem direito à saúde e educação de qualidade? Portanto, não podemos abandonar o campo da palavra, pois se desistirmos da nossa utopia de construir uma cultura para a paz e para a não violência estaremos derrotados. E daí decorrem duas alternativas: ou aceitamos nossa derrota , com tudo o que isso significa, ou reconhecemos que, apesar das dificuldades, temos Então, a escola transforma-se num importante local para fazer uma reflexão sobre a moralidade social, permitindo ao aluno criaruma consciência crítica que lhe permita rejeitar os valores que muitas vezes lhe são impostos. 97 Violências na EscolaCapítulo 2 ainda um enorme caminho pela frente, na busca de uma educação transformadora e emancipatória, voltada para aqueles que não têm o poder da palavra. Neste contexto, quero retomar os quatro pilares da educação (DELORS,2003), focando no aprender a ser: a escola precisa ensinar o aluno a ser e isso nenhum computador consegue fazer. O professor pode auxiliar a criança e o adolescente a definir sua identidade, compreender-se, aceitar-se. Quando a autoconfiança nasce, surge a capacidade de olhar para o futuro sem medo e pensar nos seus sonhos, ponderando sobre os degraus que terá de percorrer para chegar até lá, delineando um projeto de vida. Na contramão, a ausência de um projeto para o futuro se transforma nas causas da violência, da agressão, da depredação, já que falta sentido à vida. Souza; Moraes e May (2009, p.6) elencam algumas atividades que podem ser desenvolvidas pedagogicamente para a promoção da autonomia e para a criação de novas possibilidades existenciais: Figura 14 – Oficina de Artes Fonte: Disponível em: <http://migre.me/d5HFM>. Acesso em: 15 ago. 2012. • Oficinas de arte, para conhecimento de outras linguagens e expressão da sensibilidade estética; • Oficinas de expressão verbal, em grupo, para fortalecimento da identidade e das relações interpessoais, com a problematização de situações cotidianas e a construção de alternativas para os conflitos; • Oficinas de expressão corporal, mediadas por exercícios lúdicos, situações de encontro e convivência com a diversidade; • Criações textuais a partir da literatura; • Criações textuais com imagens, a partir de colagens, pinturas, mosaicos com materiais diversificados; 98 Educação em direitos humanos na educação básica • Dramatizações focadas em situações da vida cotidiana, focadas em cenas apresentadas, discutidas e reconstruídas pelo grupo; • Oficinas de diálogos intergrupais, para mediação de conflitos característicos da convivência comunitária; • Oficinas de vivência de realidade, envolvendo os sujeitos em cenários de responsabilidade individual e corresponsabilidade nas ações de grupo; • Registros de experiências interpessoais, para resgatar valores da vida comunitária e consolidar a instauração de compromissos mútuos, pautados na ética e no cuidado. Todas as questões até aqui levantadas não se constituem somente pelo seu caráter educativo, mas também preventivo, já que buscam prevenir situações de conflito através do diálogo, da convivência e da integração. De acordo com Martins (2011, p.27): A escola, assim, tem uma função importante na prevenção, não somente por ser um local onde crianças, adolescentes e jovens passam grande parte do seu tempo, mas também por ser o período escolar um importante momento de desenvolvimento humano.[...] Assim, é comum o surgimento de conflitos, inerentes a todos os grupos humanos. Não se aceita, entretanto, que esses conflitos se resolvam ou se desenvolvam com desrespeito, falta de tolerância à diversidade de gênero, às etnias, às religiões, às culturas, com preconceito, com manifestações de violência, de relações de poder, enfim, evidenciando-se, neste contexto, a prática da violação dos direitos humanos. Rocha (2011 apud MARTINS, 2011, p.29) lista dez passos para prevenção das violências na escola: 1º- O primeiro passo é reconhecer que a escola trabalha prioritariamente com o conhecimento. Assim, é imprescindível estudar a temática das violências tanto nas vertentes clássicas da Sociologia e Antropologia, entre outras áreas do saber, quanto nas pesquisas acadêmicas que buscam pensar sobre situações mais vivenciais do fenômeno, em um comitê que reúna professores, outros trabalhadores das escolas, estudantes e pais. 2º - O passo seguinte é um diagnóstico dos tipos mais frequentes de violência escolar: agressão, brigas, xingamentos, ameaças, bullying, depredações. 99 Violências na EscolaCapítulo 2 3º - Além de ter um diagnóstico dos problemas na escola, é importante fazer um diagnóstico do entorno dela: há segurança? Existe tráfico de drogas ou outros tipos de gangues? Existem bares com venda de cigarros, álcool, jogos? 4º - Com o conhecimento na mão, o próximo passo é construir uma cultura de proteção compartilhada, uma forma de atuação em que professores, trabalhadores, estudantes e pais se sintam corresponsáveis uns pelos outros, firmem compromisso de autocuidado e cuidado coletivo. 5º - Outro ponto importante é buscar parcerias para que seja realizado um trabalho em rede. Dá para envolver órgãos da justiça, assistência social, saúde, segurança pública, Ministério Público e instituições da sociedade civil. 6º - Trabalhar o aluno como um multiplicador das ações é outro ponto importante, mesmo porque não há ninguém melhor que o jovem para falar com o jovem. Produzir materiais que tratem da prevenção da violência tanto em sala de aula quanto em veículos de comunicação interna (como rádios, jornais ou blogs) ajuda a combater a violência. 7°- Fazer mediação pedagógica intervindo, mesmo nas indisciplinas consideradas menores, como um falar mais ríspido, inicia uma reconstrução de outro patamar de conduta onde educação e gentileza circulam mais do que a rispidez. 8°- Introduzir formas de mediação pacífica de conflitos (inerentes a qualquer grupo humano) constrói o dialogo como o melhor condutor dos problemas. 9°- A estética dos ambientes escolares é outro fator importante. Sabemos que a organização dos espaços configura a mente tanto quanto os conteúdos. Assim, melhorar os espaços qualifica a convivência. 10°- Entender e socializar a ideia de que as diversidades humanas são o grande patrimônio da escola e da sociedade. Assim, acolher, entender e aprender com o diverso é o que nos faz melhores. Você pode ter acesso à íntegra deste texto através do seguinte endereço eletrônico: www.sed.sc.gov.br/secretaria/.../doc.../2386-politica-de-prevencao. 100 Educação em direitos humanos na educação básica Em consonância com o afirmado acima, precisamos estar atentos aos sinais de violência, numa atitude de escuta, acolhimento e diálogo, para que as crianças e adolescentes se sintam seguros em dividir com a escola seus dramas, aflições e medos. Para isso, devemos contar com o trabalho e a parceria de uma rede de atendimento, de uma equipe multidisciplinar, a fim de que possamos estabelecer parcerias e cooperações. Martins (2011, p.33) esclarece que, verificando-se a impossibilidade de resolução do conflito no próprio âmbito escolar, seus dirigentes poderão recorrer às seguintes instâncias: • O Conselho Tutelar, que possui a incumbência de atender às crianças e adolescentes nos casos de ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, ou, ainda, em razão de sua conduta. • Os serviços públicos nas áreas de saúde nos casos de sua competência. • O Ministério Público, no caso de ocorrência de fato que constitua infração administrativa ou penal, contra os direitos da criança ou adolescente. • Os programas de assistência social, em caráter supletivo, e, ainda, serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração e abuso. • Relacionam-se, a seguir, demais órgãos parceiros: • Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social, Trabalho, Habitação e Renda; • Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão; • Polícia Civil e Militar; • Delegacia da Mulher; • Secretaria de Estado da Saúde; • Associação Catarinense de Conselheiros Tutelares/ACCT; • União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação do Estado de Santa Catarina (UNDIME/SC). 101 Violências na EscolaCapítulo 2 A integração com órgãos do judiciário, Ministério Público, defensoria, segurança pública e assistência social para a agilidade do atendimento inicialàs vítimas de violência é fator fundamental. Assim, caro pós-graduando: quero deixar um questionamento diante dessa temática: será que você e eu, na nossa sala de aula, poderemos ser agentes de fundamentos essenciais para o cuidado, proteção e bem-estar, criando possibilidades para enxergar o outro como um ser de possibilidades, que se se propõem a gerir atitudes, modos de ser, de ver e de conviver? Algumas Considerações Se atentarmos para as falas dos (as) professores (as) de qualquer região do nosso país e perguntarmos quais são as principais dificuldades enfrentadas na escola atualmente, a questão da violência e da indisciplina seguramente será citada. O que fazer? Combatê-las? Certamente não é a melhor opção, pois poderemos derrotá-las, porém, caso elas não forem superadas, ficarão latentes, esperando o momento certo de reaparecer. Por isso, investir em programas educativos, que valorizem a paz e o diálogo é o melhor caminho. Para tanto, é fundamental que o problema esteja claramente definido, envolvendo a análise de vários aspectos, como os conceitos de violência e indisciplina, as interpretações dos fatos fundamentados teoricamente, as concepções dos professores acerca desses conceitos, as formas de organização da escola, o modo de gestão e, deste modo, os momentos, espaços e situações necessitam ser considerados e reorganizados de acordo com a lógica da equidade, do autoconhecimento e da autonomia. Ser professor exige que estejamos continuamente no lugar do outro, respeitando-o como ser humano e como cidadão. Quando a relação interpessoal entre professor e aluno é pautada nestes princípios, o aluno passará também a querer relacionar-se com seus professores, embora muitas vezes esta disposição esteja escondida atrás do descaso, da indiferença, do não fazer a tarefa de casa, das conversas em sala de aula. Mas, acredite, essa relação é necessária e possível. Assim, caro educador(a), passamos por um momento de transição de paradigmas educacionais e da própria cultura: podemos optar pela manutenção 102 Educação em direitos humanos na educação básica de uma educação cujo único objetivo é a transmissão de conhecimento e em que a disciplina é entendida como controle e regulação, ou podemos escolher uma educação cidadã, na qual o aluno é protagonista da sua trajetória, concebendo a educação como um processo de construção coletiva do saber, buscando a integralidade do ser humano, em que a disciplina é compreendida como um conjunto de regras que estabelece limites, respeitando o desenvolvimento dos estudantes e a sua participação nas definições do que será permitido ou proibido. Ao chegarmos ao final deste capítulo, espero tê-lo (la) deixado com algumas preocupações, pois uma pessoa preocupada vai pensar na situação e talvez não encontre uma solução imediata para o problema, mas vai procurar os melhores caminhos e novas alternativas. 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Acesso em: 15 ago. 2012. http://www.portalideb.com.br 103 Violências na EscolaCapítulo 2 GUARESCHI, P. A.; SILVA, M. R. (coord.). Bullying: mais sério do que se imagina. Porto Alegre: EDIPURS, 2005. LA TAILLE, Y. Indisciplina/disciplina: ética, moral e ação do professor. Porto Alegre: Mediação, 2005. MALDONADO , M. T. Os construtores da paz: caminhos da prevenção da violência.2.ed. São Paulo: Moderna, 2004. MARTINS, R. K. (Org.). Política de educação, prevenção, atenção e atendimento às violências na escola. Florianópolis: Ed. Governo do Estado de SC, 2011. MICHAELLIS. Dicionário prático da língua portuguesa. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2008. PESSINATTI, N. L. A escola do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Salesianas, 2009. PRIORE, M. D. História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002. SOUSA, A. M. B. Educação biocêntrica: tecendo uma compreensão. Revista Pensamento Biocêntrico. nº5. Jan/jul 2006. Disponível em: <http://www. pensamentobiocentrico.com.br/content/ed05_art01.php>. Acesso em: 24 jul. 2012. SOUSA, A. M. B. Educação biocêntrica: um caminho para superação da violência escolar. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/26/ trabalhos/06tanams.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2012. UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Disponível em: <http:// www.unicef.org.br>. Acesso em: 22 jul. 2012. VIEIRA, F. A construção social da criança. Balneário Camboriú, SC: no prelo, 2012. http://www.unicef.org.br http://www.unicef.org.br 104 Educação em direitos humanos na educação básica CAPÍTULO 3 Avaliação da Aprendizagem Escolar A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 9 Analisar a prática pedagógica na educação básica, compreendendo os elementos que articulam a atividade docente e o processo avaliativo; 9 Compreender as formas de organizar o processo didático a partir das suas bases sociais, históricas e metodológicas, analisando os condicionantes históricos, políticos, econômicos e sociais que determinam a prática docente; 9 Discutir a prática educativa na sociedade contemporânea e o desenvolvimento de competências político-pedagógicas do docente na avaliação da aprendizagem na educação básica; 9 Compreender os enfoques da avaliação do processo de ensino e aprendizagem; 9 Conhecer os fundamentos teórico-práticos da avaliação da aprendizagem e selecionar aqueles adequados à promoção de uma educação baseada nos princípios dos direitos humanos. 106 Educação em direitos humanos na educação básica 107 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Contextualização Iremos iniciar agora o estudo da avaliação da aprendizagem. Essa discussão é fundamental para dar continuidade aos nossos estudos, pois irá influenciar diretamente no sucesso ou no fracasso do processo de ensino e aprendizagem. Lembre-se que as diretrizes que estarão definindo as suas práticas avaliativas estarão alicerçadas na concepção de educação e de aluno que você traz consigo e que também são expressas pelo Projeto Político Pedagógico. Assim, a avaliação não é neutra, pois reflete concepções, paradigmas e crenças que costumam causar contradições entre o discurso e a prática, levando muitos educadores a reproduzirem suas experiências avaliativas vividas na sua história escolar, numa perspectiva classificatória e seletiva. Inúmeros estudos, pesquisas e teorias em relação à avaliação da aprendizagem são desenvolvidas, no entanto, a mesma continua sendo um problema educacional. Então podemos fazer a seguinte pergunta: como avançar para além do discurso? Será que uma proposta de educação baseada na promoção dos direitos humanos é viável para tornar o processo avaliativo indissociável da ação educativa, indo além dos resultados finais? Assim, o texto irá destacar diferentes tipos de avaliação, aprofundando seu enfoque na avaliação formativa, a qual considera que a pluralidade e as diferenças em sala de aula não precisam se transformar em desigualdades, mas em oportunidades, permitindo que a avaliação esteja presente durante todo o processo educativocontribuindo na aprendizagem. A avaliação da aprendizagem traz indicativos significativos para que o professor também realize sua autoavaliação, auxiliando na reelaboração constante das suas aulas, pois um docente que não avalia constantemente a sua prática, num sentido indagativo e investigativo, corre o risco de se afastar de uma educação voltada para a efetivação dos direitos humanos. O Conselho de Classe será discutido como um momento privilegiado de analisar reflexivamente a trajetória dos alunos e, por outro lado, permitir ao professor desenvolver um olhar introspectivo sobre sua ação pedagógica. É necessário pois, que o significado do Conselho de Classe seja discutido, pois o mesmo, em muitas escolas, ainda permanece como um momento que privilegia as questões referentes aos alunos, abordando suas notas e medidas de rendimento, responsabilizado-os pelo seu baixo desempenho, normalmente atribuído à falta de estudo, problemas de assiduidade e falta de interesse, bem como a restrita participação dos pais na vida escolar dos seus filhos. 108 Educação em direitos humanos na educação básica Como você já deve ter percebido, podemos fazer da avaliação um momento de busca, de novas possibilidades, de caminhos a descobrir, ou transformá-la em um mecanismo de punição, de castigo, de normalização. Você deverá analisar as concepções e práticas avaliativas dominantes nos contextos escolares, com vistas a apreciar suas implicações nos processos de ensino e de aprendizagem e identificar alternativas de vivência da avaliação que estejam a serviço da aprendizagem de todos os alunos e de uma educação para os direitos humanos. O (RE) Significado da Avaliação na Escola Figura 15 - Avaliação da aprendizagem Fonte: Disponível em: http://migre.me/aCFtH. Acesso em: 07 set. 2012. A avaliação da aprendizagem escolar tem-se constituído ao longo da história num grande desafio para os educadores e pesquisadores e comumente costuma ser relacionada como uma das causas do fracasso e do baixo desempenho dos (as) alunos (as), contribuindo para aumentar os índices de reprovação e evasão escolar. Para ampliar suas reflexões, convido você para ler o livro “Avaliação da aprendizagem escolar “, de Cipriano Luckesi. Boa leitura! http://migre.me/aCFtH 109 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Assim, caro (a) pós-graduando (a), não podemos perder de vista que a escola deve ser um espaço de criatividade, de aprendizagem como direito prazeroso, de (re)construção da sua história, de sentimento de pertencimento. Portanto, não podemos deixar de discutir a forma determinista e engessada que muitas práticas avaliativas adotam, transformando-se em instrumentos de violência. Sousa (2002, p. 187) afirma: Para quem fracassa, o emblema de reprovado, o código de incapaz gera sentimentos cujas dimensões inteiras só conhece aquele que sente e que, nem sempre, compreende porque sente. O fracasso é uma das manifestações da violência que é criada também na e pela escola; por essa razão-emoção, deve ser refutado corajosamente. Muitas tentativas de mudanças já foram implantadas, porém são insuficientes para garantir a adoção de práticas inovadoras, pois na maioria das vezessuas diretrizes são estabelecidas pela imposição, sem decisão coletiva, desconsiderando a realidade social e educacional do grupo. É necessário que tenhamos a clareza que essas mudanças não podem ser realizadas de forma isolada, desvinculadas do Projeto Político Pedagógico e com forte envolvimento do grupo. Vasconcellos (2010, p.15) relaciona alguns fatores dificultadores quando às mudanças em avaliação: • Sistema social altamente seletivo; • Legislação educacional refletindo a lógica social; • Longa tradição pedagógica autoritária e reprodutora; • Pressão familiar no sentido da conservação das práticas escolares; • Formação acadêmica inadequada dos professores; • Condições precárias de trabalho. Podemos iniciar nossa análise, percebendo que atualmente a avaliação e a meritocracia estão presentes em diversos momentos da nossa vida, reflexos de uma sociedade liberal e capitalista, que destaca a importância dos resultados, mantendo um modelo conservador, que está a serviço de uma pedagogia dominante, atrelada a uma sociedade também dominante (LUCKESI, 2010). Assim, ao concordarmos que hoje se avalia tudo e todos, temos que fazer uma 110 Educação em direitos humanos na educação básica reflexão: qual o resultado dessas avaliações? Como construir um modelo de avaliação mais justo, humano e democrático? Vamos em busca das respostas? Como já apresentamos anteriormente, na condição de professores costumamos reproduzir nossas experiências de alunos, o que incide também sobre a prática avaliativa que adotamos. Grande parte de nós deve ter convivido na sua vida escolar com avaliações de ordem quantitativa, classificatória, punidora e excludente, o que nos faz lembrar as provas, exames, repetência ou aprovação. Essa associação entre avaliação e medida reduz a educação à simples transmissão e memorização de conteúdos prontos e definitivos, determinando um caráter seletivo, individualista e competitivo ao processo avaliativo e, embora esse pensamento seja fruto de uma concepção arcaica de educação, dominou por muito tempo os meios educacionais. Moretto (2010, p.19) recorda que: Escolas “fortes” eram aquelas que exigiam muitos conteúdos, mesmo que esses beirassem o absurdo e a inutilidade. Basta lembrar a cobrança de nomes, datas, fórmulas, conceitos, e definições. [...] Para o foco de ensino visando a acumulação de informações, o meio era a habilidade de memorização e reprodução em momentos de avaliação. Os tempos mudaram, porém, ao ingressar no Magistério atualmente, o docente se deparará com a força das heranças pedagógicas e das coisas que não estão escritas e que se naturalizam no cotidiano pedagógico (linguagem, discurso, cultura escolar, as práticas instituídas, entre outros), e acaba por incorporar a lógica dominante. Por isso, qualquer tentativa de mudança pode gerar um desconforto, se esta não for uma decisão coletiva, baseada no conhecimento, na teoria e na reflexão. Almeida; Placco (2010,p.100-101) apresentam o depoimento de uma professora que retrata muito bem as dificuldades encontradas no cotidiano escolar: Minha permanência nessa escola foi um tempo de tristeza e de constrangimento. Não me senti acolhida, tampouco os alunos se sentiam. Não senti que meu trabalho tinha qualquer importância para aquelas pessoas. Tudo naquela escola era cansaço, desencanto, apatia e saudosismo: ‘No meu tempo Essa associação entre avaliação e medida reduz a educação à simples transmissão e memorização de conteúdos prontos e definitivos, determinando um caráter seletivo, individualista e competitivo ao processo avaliativo e, embora esse pensamento seja fruto de uma concepção arcaica de educação, dominou por muito tempo os meios educacionais. 111 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 não era assim.’ Não percebi desejo, perspectiva ou ações que apontassem para as mudanças que em tão pouco tempo pude perceber evidentes e urgentes. Apenas me senti mais próxima de compreender os mecanismos que podem transformar uma escola num local onde nada pulsa. Um local onde as coisas se repetem, dia após dia. Sem desejo e sem sentido. Outro fator fundamental para garantir uma nova práxis avaliativa diz respeito às relações interpessoais que se estabelecem no ambiente escolar. Vasconcellos (2010, p. 35) sustenta que: É da maior importância alimentar um ambiente saudável de trabalho, onde haja respeito, responsabilidade e transparência. Quando isso falta, quando as diferenças são atropeladas, quando as atribuições são transferidas, quando todo mundo comenta a prática de um colega menos com ele mesmo, quando há tentativa de manipulação do outro, as relações humanas vão se deteriorando. Ao nos reportarmos às relações que se estabelecem nocotidiano escolar, vamos tratar de um ponto essencial na nossa discussão: como se estabelece a relação entre professor e aluno? De que forma o PPP conduz as ações da escola a fim de contribuir para a formação de um sujeito crítico e reflexivo, favorecendo a vivência da cidadania ? De acordo com as respostas apresentadas acima, poderemos ter uma ideia de como as práticas avaliativas se constituem, pois quando pensamos em um projeto educativo libertador, envolvemos dialeticamente todas as ações da escola, que se unem na promoção de uma prática transformadora. Então, para realizar mudanças, precisamos ir ao cerne do problema, entender suas causas, analisar seus fatores condicionantes, ter um olhar de estranhamento, denunciar e buscar estratégias de intervenção. Por isso, quando falamos em avaliação, não podemos perder de vista outras questões que compõem o mosaico educativo, como o currículo, o planejamento, a história da educação, as tendências pedagógicas, entre outros. Assista ao vídeo de Cipriano Luckesi que aborda a “avaliação da aprendizagem” no endereço: Http://www.youtube.com/walch?v=JqSRs9Hpgtc&feature=re/mfu- videoavaliacaodaaprendizagem 112 Educação em direitos humanos na educação básica É importante que você conheça as formas que a avaliação assumiu em diferentes momentos da História da Educação Brasileira. Podemos analisar essa trajetória com a análise do quadro elaborado por Ribeiro (2004, p.77), que sintetiza as características avaliativas nas tendências pedagógicas apresentadas a seguir: Quadro 5 - Avaliação na História da Educação no Brasil AVALIAÇÃO Pedagogias Liberais Pedagogias Progressistas Quantitativa Qualitativa Homogênea Heterogênea Periódica Permanente Classificatória Emancipatória Padronizada Mediadora/ individual Prognóstica Diagnóstica Autoritária Democrática Reprodutiva Autônoma Exclusiva Inclusiva Fonte: Ribeiro (2004, p.77). Para ampliar as discussões em torno do tema, assista ao vídeo de Cipriano Luckesi “avaliação” no endereço: Http://www. youtube.com/walch?v=f5oxHYjuM518&feature+relatedluckesi-OEB- avaliacao.Wmn Também sugiro que você leia o livro “Avaliar para promover”, de Jussara Hoffmann . O texto encontra-se na íntegra em: www.slideshare.net/merileite- para-promover 113 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Atividade de Estudos: 1) Analisando as colunas acima e relacionando-as com os estudos realizados nos capítulos anteriores, qual tendência pedagógica poderá contribuir com a concretização de uma nova concepção de avaliação? Justifique sua resposta: (Você pode relembrar os conceitos sobre as Tendências Pedagógicas acessando o site http://www.members.tripod.com/ pedagogia/quadro_tendencias.htm). __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Se você respondeu que as Pedagogias Progressistas poderão contribuir com uma nova concepção de avaliação você está correto (a), pois as mesmas definem os paradigmas necessários para pensar-se em uma avaliação cidadã e democrática. Passamos a apresentar resumidamente a visão de alguns autores que se destacaram ao longo da história nas pesquisas e estudos acerca da avaliação da aprendizagem. Com base nos nomes apresentados, futuramente você poderá ampliar seus estudos sobre a temática: http://www.members.tripod.com/pedagogia/quadro_tendencias.htm http://www.members.tripod.com/pedagogia/quadro_tendencias.htm 114 Educação em direitos humanos na educação básica Quadro 6 - Entendimento do processo avaliativo de acordo com diversos autores Autor Avaliação Ausubel (1968) Busca permanente de dados para proporcionar feedback Piaget (1967) Rejeita a avaliação somativa. A avaliação é um processo de construção perma- nente com acompanhamento do estudante, verificando se está aprendendo as habilidades necessárias. Skinner (1996) Um exercício que visa reproduzir, com exatidão, o comportamento em direção ao objetivo a ser alcançado. Freire (1980) É um processo inserido no método de formação. É um processo de construção permanente. Freinet (1978) É um processo que envolve técnicas de acompanhamento em direção ao objetivo pretendido. Dewey (1967) É a prática que proporciona dados em vista a constatar se o objetivo está sendo alcançado. Gagné (1980) É um conjunto de estratégias para verificar resultados. Bruner (1976) É um processo de acompanhamento na construção do desenvolvimento Rogers (1976) Avaliação é um exercício de liberdade do indivíduo Fonte: Cimadon (2008, p.194). Como vemos, o conceito de avaliação está relacionado com a postura filosófica, a tendência educacional adotada e ao momento histórico no qual está inserido. Além disso, a forma de avaliar reflete a atitude do professor, sua interação com a turma, seus princípios educacionais e pedagógicos. Se o mesmo estiver atrelado aos princípios de uma educação democrática e cidadã, a avaliação poderá servir de parâmetro para lhe mostrar os avanços e dificuldades do aluno, indicando perspectivas para o replanejamento da sua prática pedagógica, permitindo que o aluno progrida na elaboração do conhecimento. Essa intervenção no processo avaliativo, a fim de transformá-lo, requer que se analise a tradição avaliativa existente, na qual existe uma naturalização dos conceitos de reprovação, de alunos “fortes e fracos”, de evasão escolar. Sabe-se que esse modelo não está dando conta de promover práticas e procedimentos de avaliação que resgatam o verdadeiro sentido da aprendizagem e promovam uma educação cidadã, por isso nos questionamos: qual o compromisso da escola com a aprendizagem dos alunos? 115 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Não queremos aqui cair numa demagogia barata, pois sabemos que inúmeros problemas existem e que o processo de ensino aprendizagem é permeado por conflitos e contradições, que aquele aluno ideal, interessado, disciplinado, sem problemas familiares e sociais está distante da nossa realidade. Porém há que se buscar estratégias para lidar com a nossa realidade, considerando as palavras de Vasconcellos (2010, p.54), que afirma que a prática avaliativa deve se pautar numa perspectiva democrática e inclusiva, considerando que “todo ser humano é capaz de aprender! Se não está sendo, tem de ser ajudado e não rotulado ou excluído.” Desta afirmação surgem duas questões importantes: o (a) professor (a) pode apontar seu dedo indicador para o (a) aluno (a) e, numa atitude de fracasso e derrota, afirmar que “esse (a) aluno (a) não tem jeito mesmo, não quer nada com nada, não consegue avançar, o jeito será a reprovação”. Ou, numa postura inversa, perguntar-se: “por que o (a) aluno (a) não está aprendendo?” O que posso fazer para que aprenda mais e melhor? Investigar as causas da dificuldade e buscar ajuda com outros profissionais ou com a equipe multidisciplinar é um caminho que auxiliará no entendimento e na busca de metodologias que auxiliem no processo de avaliar a aprendizagem escolar. Pesquisas demonstram que “95% dos alunos encaminhados aos serviços especializadoscomo tendo problemas de aprendizagem, na verdade são frutos de problemas de ensino” (COLLARES, 1996, apud VASCONCELLOS, 2010, p. 68). Assim, as políticas públicas, os órgãos de gestão educacional e a escola precisam pensar em alternativas para minimizar o problema da não aprendizagem, entre eles pensar em aulas de reforço, aulas no contra-turno, classes de aceleração, professor de apoio/orientador, atendimento individualizado, monitorias e parcerias através de profissionais de outras áreas para auxiliar no entendimento da condição que alguns estudantes manifestam e propor estratégias que auxiliem na superação das dificuldades. No que se refere ao professor, uma vez feito o diagnóstico da dificuldade de aprendizagem, o mesmo precisará parar, analisar, retomar, reconstruir, a fim de que o aluno (a) possa perceber os seus erros e buscar as formas de superá- los. Muitos professores se queixam de que não podem parar, porque têm um planejamento a cumprir, uma apostila padronizada para concluir, uma turma por esperar, a cobrança do supervisor/orientador, o que leva à preocupação em vencer o programa e não garantir a aprendizagem. Embora existam exigências burocráticas e institucionais que acabam por dificultar a reorganização das práticas avaliativas, o (a) próprio (a) professor (a) pode buscar espaços e tempo, reorganizando a sua atividade através da Como vemos, o conceito de avaliação está relacionado com a postura filosófica, a tendência educacional adotada e ao momento histórico no qual está inserido. Além disso, a forma de avaliar reflete a atitude do professor, sua interação com a turma, seus princípios educacionais e pedagógicos. 116 Educação em direitos humanos na educação básica priorização da aprendizagem, estimulando as respostas e a criatividade dos alunos, destinando o tempo necessário ao desenvolvimento de novos conceitos, em detrimento de algumas atividades burocráticas, tais como: passar matéria no quadro para que os alunos copiem, dar avisos, dar visto nos cadernos etc. Veja que são momentos que poderiam ser substituídos por significativas mediações de aprendizagem, trocas de experiências, pesquisas e construção de conhecimento. A partir do aprofundamento teórico acerca da avaliação, os professores precisam “conversar” com as demandas dos seus alunos, atentar para as exigências da sociedade e, a partir daí, estabelecer o que é essencial e necessário na sua disciplina e na avaliação. É importante que a ação docente esteja vinculada a questões emergentes e atuais, que integram a realidade dos alunos (as), pois não podemos pensar uma educação desvinculada da dinamicidade da ciência e da vida. Temos outros fatores que interferem no processo avaliativo, como, por exemplo, o fato de que em muitas situações o fracasso e o insucesso da educação são atribuídos unicamente aos professores, isentando os poderes públicos, as famílias e as políticas educacionais das suas responsabilidades. Devido ao acúmulo de responsabilidades e a complexidade do ato educativo, existem docentes que “abandonam” a profissão em pleno exercício e passam a agir de maneira automática, naturalizando tudo o que está a sua volta, utilizando os mesmos métodos avaliativos do início da sua carreira, demonstrando muito prazer em ser considerado o “professor durão, aquele que mantém o maior índice de reprovação na sua disciplina”, aquele que dificilmente assume a responsabilidade em relação ao fracasso do aluno. Lowman (2004, p.236) afirma, em relação aos professores: [...] alguns, especialmente os novos no ensino, identificam- se com os receios de seus estudantes pelos exames, negam seu papel avaliativo, deixam que os alunos deem suas próprias notas, dão exames fáceis ou distribuem notas altas uniformemente [...]. Outros gostam da avaliação e veem os exames difíceis e as notas dadas com parcimônia como necessárias ao aperfeiçoamento e à maturidade do estudante. Tanto o superleniente quanto o excessivamente severo podem enfatizar em excesso as notas e falhar em fortalecer a orientação do aluno para a aprendizagem. De acordo com Bordenave; Pereira (1977), as provas, testes e exames são procedimentos didáticos de acompanhamento da aprendizagem, do diagnóstico e controle. Servem para determinar, de um lado, em que grau foram atingidos os objetivos fixados em relação à aprendizagem dos alunos e, de outro, a eficiência do professor, sinalizando a necessidade de que este também deve avaliar-se É importante que a ação docente esteja vinculada a questões emergentes e atuais, que integram a realidade dos alunos (as), pois não podemos pensar uma educação desvinculada da dinamicidade da ciência e da vida. 117 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 continuamente, pois muitos fracassos não são explicados somente pela falta de estudo e comprometimento dos alunos, mas também por problemas da prática pedagógica e avaliativa. Não se trata de considerar se o professor é “legal”, “bate papo com os alunos”, “faz brincadeiras”, mas se suas ações estão contribuindo para o processo de aprendizagem. Por outro lado, Masetto pondera (2003, p.153): Com efeito, muitos casos de não-aprendizagem se explicam não por um desempenho inadequado do aluno, mas por uma falta de preparação do professor, sua improvisação, falta de planejamento, falta de flexibilidade na aplicação do plano, textos muito longos e em grande quantidade, ou textos muito complexos, desconhecimento ou não-aplicação de técnicas pedagógicas adequadas aos objetivos propostos, por comportamentos preconceituosos do professor. Se pensarmos o processo de ensino atual e em alternativas para superarmos os problemas acima elencados, vamos perceber que a aprendizagem deve ser um processo político, onde os conhecimentos devem ser confrontados, questionados, construídos e desconstruídos, no qual o aluno deve ser autor, autônomo, pesquisador, ter incertezas e dúvidas, argumentar, fundamentar. O professor, por sua vez, precisa ter o entendimento de que não dá para falar de ensino ou de avaliação sem considerar que precisa ter habilidades na arte de ensinar, porque ninguém dá o que não tem. A avaliação é o reflexo do que o professor concebe de seu ensino. A evolução social e tecnológica é tão rápida que possivelmente dentro de pouco tempo muitos conhecimentos não sejam de muita serventia se forem trabalhados somente na perspectiva da memorização, na qual o professor é o transmissor do conhecimento e o aluno é o receptor do mesmo. Porém, se a escola utilizou esses conteúdos para desenvolver as habilidades de raciocinar, comparar, relacionar, estruturar, justificar, entre outras, então contribuiu para a formação de um cidadão e de um futuro profissional capaz de mobilizar recursos cognitivos para a resolução de uma situação complexa, ou para a resolução de problemas e conflitos, capazes de auxiliá-lo na construção de uma sociedade mais justa e solidária. Sugestão de leitura: Livro “Avaliação da aprendizagem na escola: reelaborando conceitos e recriando a prática”, deCipriano Luckesi. 118 Educação em direitos humanos na educação básica Atividade de Estudos: 1) Com base nas leituras realizadas, elabore um conceito pessoal de Avaliação da Aprendizagem. __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ É importante que você considere as leituras realizadas até aqui, a fim de que o seu conceito de avaliação de aprendizagem seja embasado em perspectivas formativas de avaliação, na qual o educando possa efetivamente valorizar seus conhecimentos e não somente as suas notas. Testes, Medidas e Avaliação Figura 16 - Testes e medidas Fonte: Disponível em: <http://migre.me/aCFLb>. Acesso em: 07 set. 2012. 119 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 A centralidade da nota do processo educativo é inquestionável e muitos alunos não se preocupam com as aulas, com os conteúdos, com os desafios da aprendizagem, pois suas energias estão voltadas para a obtenção dos resultados. Os professores por sua vez precisam expressar em números, ao final do bimestre/trimestre, a trajetória de aprendizagem do aluno, por isso, muitas vezes, passam a elaborar relatórios descritivos, registram detalhadamente as aprendizagens individuais dos alunos nos diários de classe, passam a aplicar inúmeros instrumentos avaliativos para acompanhar “o processo”, mas, ao final, a fragmentação do processo quantitativo continua presente. Para aprofundarmos essas questões, temos que inicialmente fazer uma distinção entre alguns termos que são comumente utilizados de forma confusa e errônea, quando se trata de avaliação, entre eles: testar, medir e avaliar. Cimadon (2008, p.189) diz que: Por testar, entende-se a verificação de algo por meio de situações previamente arranjadas. Por exemplo: o teste de resistência de um material, o desempenho de um carro ou de uma máquina [...]. Medir é verificar a grandeza, a extensão, o grau, a capacidade, tendo por base uma escala fixa. Assim, a resistência de um material, na escala de 0 a 100 poderá estar em 92. [...] Avaliar é descrever qualitativa e quantitativamente um desempenho, tendo como clareza o objetivo desejado, por intermédio de testes e medidas. Resumindo: Quadro 7 - Termos utilizados em avaliação TESTAR: comprovar MEDIR: verificar por meio de escala AVALIAR: descrever Fonte: Cimadon (2008, p.189). Hoffmann (2005) afirma que os testes em educação não podem ter a mesma conotação do que em outras profissões, ou seja, a simples testagem, verificação de funcionamento, investigação. Ele deve ir além da aplicação e a divulgação dos resultados, exigindo do professor uma séria interpretação e questionamento: por que o aluno respondeu dessa forma? Por que não respondeu? A tarefa proposta possibilitou ao aluno a organização própria e individual das ideias? Permitiu a construção de variadas maneiras de resolução? A centralidade da nota do processo educativo é inquestionável e muitos alunos não se preocupam com as aulas, com os conteúdos, com os desafios da aprendizagem, pois suas energias estão voltadas para a obtenção dos resultados. 120 Educação em direitos humanos na educação básica Continuando essa discussão, Hoffmann (2005) reflete que nem todos os fenômenos podem ser medidos e que são cometidas inúmeras injustiças quando são atribuídas notas a aspectos atitudinais dos estudantes, como comprometimento, interesse, participação, entre outros. Muitas vezes, os critérios para se estabelecer essas notas é a comparação: escolhem-se os alunos nota 10 que são o ponto de partida para a classificação dos demais. Se retornarmos para os nossos estudos do primeiro capítulo, veremos que essa prática pode se configurar injusta e excludente, pois o aluno nota 10, para um professor, pode não ser para o outro, assim como, diante da realidade social e familiar com que um determinado aluno convive, ele poderia ser considerado um verdadeiro herói e merecer “nota 11”. Também temos que lembrar das nossas fragilidades enquanto professores: que poder temos para definir, através de um número, a atitude de alguém? Será que gostaríamos de ser avaliados dessa forma pelo nosso empregador? Como vimos, as atitudes precisam ser construídas coletivamente e continuamente revisadas e discutidas, para que todos se sintam corresponsabilizados pelo seu cumprimento. Não queremos dizer com isso, que não devemos ter limites e disciplina em sala de aula, mas os comportamentos desejáveis não são passíveis de medidas ou de testagem, por isso, devemos valorizá-los através de relações interpessoais mais saudáveis, da equidade entre todos, do respeito e da ética que perpassam nas sutilezas do cotidiano. O aluno (a) precisa entender que deverá ser ético e adotar atitudes corretas, independente da sua nota. Veja como nem sempre as medidas conseguem demonstrar as especificidades de cada estudante. Como são sempre revertidas em números, por várias vezes incorrem em análises errôneas, como podemos verificar no exemplo abaixo: Neste bimestre, Marcos tirou notas 8,0 – 4,0 – 3,0 em Ciências, cuja média aritmética simples é 5,0. Jean, por sua vez tirou as seguintes notas na disciplina: 2,0 – 4,0 – 8,0, cuja média também é 5,0. Olhando no boletim, os dois alunos obtiveram a mesma nota. Agora pergunto: eles podem ser equiparados em relação à progressão da aprendizagem, necessidade de recuperação ou grau de dificuldades? Absolutamente não, o que denuncia o perigo de avaliarmos as notas sem fazer a interpretação e análise das mesmas. A avaliação deve ter uma relação direta com os objetivos de aprendizagem definidos no planejamento. Não queremos dizer com isso, que não devemos ter limites e disciplina em sala de aula, mas os comportamentos desejáveis não são passíveis de medidas ou de testagem, por isso, devemos valorizá-los através de relações interpessoais mais saudáveis, da equidade entre todos, do respeito e da ética que perpassam nas sutilezas do cotidiano. O aluno (a) precisa entender que deverá ser ético e adotar atitudes corretas, independente da sua nota. 121 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Continuando com as medidas, a primeira preocupação do docente deve ser “o que medir” e não “como medir”, isso porque a avaliação deve ter uma relação direta com os objetivos de aprendizagem definidos no planejamento. Se o professor utilizar os objetivos como parâmetro na elaboração dos instrumentos de avaliação, os alunos terão a elaboração da sua aprendizagem compreendida e não terão surpresas e “pegadinhas”, que geram insegurança e revolta. Lembrando que os objetivos devem ser de ordem conceitual, procedimental e atitudinal, a fim de que o ensino possa dar conta da multiplicidade de fatores que compõem o ser humano. Poderíamos continuar elencando inúmeras dicotomias entre avaliação, testes e medidas, porém, o próprio cotidiano escolar nos mostra que essa estrutura não atende mais as exigências da modernidade, fortemente influenciadas pelas mídias, que de certa forma, estão instituindo uma nova forma de aprender. Percebemos que nossos alunos (as) realizam as atividades em sala, executam as pesquisas sugeridas pelos professores, fazem exposição oral dos temas, mas quando chega o momento da avaliação escrita final, os resultados normalmente são desastrosos, demonstrando um abismo entre o que foi elaborado e ensinado e o que foi reproduzido no instrumento de avaliação. Então, se temos tantos problemas com os testes e medidas no modelo tradicional de avaliação, com suas regras classificatórias e quantitativas, elaboradas a partir de padrões e modelos, mantendo uma política de reprovação, uma corrida de obstáculos, uma fuga às armadilhas, devemos propor a ideia de extinguir-se a avaliação? Pelo contrário, ela deve estar presente de forma muito criteriosa na educação, envolvendo os professores das diversas disciplinas, num exercício de reflexão e problematização, promovendo a (re)significação do processo avaliativo. Demo (1996, p.9) defende: “O ponto de partida e o ponto final de tudo é o direito do aluno a aprender bem, com qualidade formal e política.” Atividadede Estudos: Figura 17 - Charge Avaliação Fonte: Disponível em: <http://migre.me/aCdBk>. Acesso em: 07 set. 2012. http://migre.me/aCdBk 122 Educação em direitos humanos na educação básica 1) Considerando nossas reflexões acerca da avaliação, comente a charge acima: __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Como a medida está presente no processo de avaliação da aprendizagem, não é? Despertar o desejo pela aprendizagem, a curiosidade pelo novo, os mistérios da ciência talvez possam ser importantes estratégias para que possamos ultrapassar o destaque dado às notas e ao boletim escolar, para valorizarmos o conhecimento propriamente dito. Enfoque e Perspectivas: Avaliação Formativa Figura 18 - Enfoques da avaliação Fonte: Disponível em: <http://migre.me/aCFVa>. Acesso em: 07 set. 2012. http://migre.me/aCFVa 123 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 Ao longo da história vários enfoques sobre a avaliação da aprendizagem foram desenvolvidos, estabelecendo concepções e “culturas” que se mantêm até os dias atuais. Conhecer as principais características desses modelos é fundamental para avançarmos em nossas práticas atuais. O modelo psicométrico (VIANNA, 2010), originado no início do século XX, tem nos resultados finais da aprendizagem o seu principal objetivo. Assim, avaliar é medir de forma técnica, precisa, objetiva, a fim de selecionar os estudantes. Na década de 1960, por meio do espaço conquistado pela psicologia cognitiva, surge o modelo sistêmico, representado pela avaliação formativa. Nesta perspectiva, inicialmente o professor precisa realizar a Avaliação Diagnóstica, para conhecer melhor o aluno, detectar os seus conhecimentos prévios sobre a disciplina, seus interesses, anseios e necessidades, a fim de adequar o seu planejamento ao perfil da turma e pensar em critérios e instrumentos avaliativos que sejam coerentes com o grupo. Você lembra de que nos capítulos iniciais ressaltamos a necessidade de elaborar um perfil da clientela para podermos definir suas características, necessidades e anseios? Percebe como esse diagnóstico também é importante na avaliação? A Avaliação Processual é contínua, pois através dela se constata o que está sendo aprendido, adequando o processo de ensino e o desenvolvimento de alternativas didáticas, aperfeiçoando os procedimentos de ensino. Desta forma, a avaliação não é um fim, mas um meio de corrigir erros e ressaltar as respostas certas. Veja que quando trabalhamos conceitos, procedimentos e atitudes, temos que privilegiar o entendimento, a reflexão e a crítica, em detrimento da memorização e da repetição, abrindo caminho para relações dinâmicas e dialógicas, Na sequência, a Avaliação Somativa dá os passos seguintes para a avaliação da aprendizagem, utilizando os resultados para a problematização, questionamento, reflexão e replanejamento. Ao considerar na sua prática educativa a avaliação diagnóstica, processual e somativa, o docente estará desenvolvendo a avaliação formativa, que avalia as metas, previne problemas, é criteriosa e promocional. Por exemplo: o professor aplica uma prova e após a correção atribui notas aos alunos, de acordo com o número de respostas corretas. Desta forma, ele está medindo (avaliação somativa). Na sequência, ele compara a nota atual do aluno com as notas anteriores e verifica em quais aspectos houve progressos/ dificuldades em relação aos objetivos propostos. A partir do resultado, faz uma interpretação dos dados quantitativos para fornecer informações ao aluno sobre seu processo de aprendizagem, bem como avalia seu trabalho docente. 124 Educação em direitos humanos na educação básica Dessa forma, a avaliação não é feita somente de notas, mas principalmente de anotações. O professor deve fazer o seu próprio portfólio, a fim de registrar os dados observados e intervir no processo, perceber os avanços e dificuldades. A observação é um importante instrumento de pesquisa do docente, do professor pesquisador, pois através dela pode-se ver, ouvir e registrar todos os momentos do processo avaliativo. É um momento no qual o professor pode colocar- se na posição do outro, refazer a sua trajetória, fazer o “caminho” com o aluno, aceitar e valorizar a diversidade. Ao final, transformamos as anotações em números e registramos as recomendações para o aluno (a). Os registros do processo avaliativo podem ser feitos em tabelas, listas de critérios, diários, caderno de anotações, diário de itinerância, entre outros meios que o professor achar convenientes. Embora as notas tenham um peso imenso para os alunos e para alguns professores (só estudo se cair na prova; isso parece não ser importante porque o professor disse que não vai cair na prova, se não ficarem quietos vou fazer uma prova surpresa etc.) ela não é o centro da avaliação, mas sim a aprendizagem. Se considerarmos somente as notas, vamos deixar de lado todas as demais atividades realizadas durante o período letivo (as aulas, as interações, as pesquisas, as trocas, as atitudes...), utilizadas para beneficiar o aluno na elaboração da sua aprendizagem. Em relação às notas, Masetto (2003, p.158) afirma: A nota ou o conceito deverá simbolizar o aproveitamento que o aluno teve em todo o seu processo de aprendizagem. Em realidade, significa valorizar todas as atividades realizadas durante o processo, de tal forma que a prova mensal ou bimestral não seja a única ou a mais importante para definir a nota, pois no momento em que isso ocorrer, automaticamente se desvalorizarão as demais atividades que são fundamentais para a aprendizagem. Neste sentido, o papel da comunicação é fundamental e o diálogo deve fazer-se presente em todos os momentos da avaliação, principalmente nas situações de dúvidas e erros. Uma frase que o professor não pode deixar de usar é: “O que você quis dizer com isso?”. O aluno fala dentro do contexto dos conhecimentos construídos por meio de suas próprias experiências, que são ressignificados num processo interativo e o professor precisa ter essa compreensão, para levá-lo à construção de novas representações e conhecimentos. Neste Embora as notas tenham um peso imenso para os alunos e para alguns professores (só estudo se cair na prova; isso parece não ser importante porque o professor disse que não vai cair na prova, se não ficarem quietos vou fazer uma prova surpresa etc.) ela não é o centro da avaliação, mas sim a aprendizagem. Se considerarmos somente as notas, vamos deixar de lado todas as demais atividades realizadas durante o período letivo (as aulas, as interações, as pesquisas, as trocas, as atitudes...), utilizadas para beneficiar o aluno na elaboração da sua aprendizagem. 125 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 sentido, a avaliação não é um recurso somente do professor, mas também do aluno, tornando-se um importante instrumento de autoconhecimento, através do qual o mesmo pode analisar seus progressos, suas competências, suas aptidões. A avaliação pode interferir diretamente na relação professor e aluno, pois é capaz de transformar-se em um momento no qual o docente afirma seu poder, sua autoridade, emitindo um juízo de valor. Mas, estamos preparados para interpretare analisar esses resultados? Por isso precisamos nos aprofundar teoricamente sobre o tema, pois o aluno está em constante processo de desenvolvimento e nunca poderá ser avaliado de forma definitiva, mas como ser inacabado, constituindo-se em ponto de partida para novas aprendizagens. Sob esse prisma o erro nem sempre é sinal de fracasso ou de falta de conhecimento, mas é um sinal do “vir a ser”, do raciocínio que o aluno teve, das relações que fez com suas experiências pessoais (HOFFMANN, 2001). A partir do erro, pode-se valorizar o interesse e as manifestações do mesmo, para desenvolver a sua autonomia moral e intelectual e adotar atitudes preventivas frente à sua trajetória individual. O professor deve ajudar a corrigir as falhas, completar o que faltou ou mesmo solicitar que o aluno refaça a atividade, escolhendo a melhor orientação para aquele caso. Machado (2002) alerta para a importância de ver o aluno como “outro”, como “sujeito”, diferente de mim, que tem seus projetos, metas e desafios pessoais. Cabe ao professor estimular projetos, semear valores, estimular a participação e desenvolver a tolerância diante das diferenças individuais. A tolerância envolve três diferentes níveis: conhecimento (do outro), reconhecimento (das diferenças) e respeito. Todos os aprendizes estarão sempre evoluindo, mas em diferentes ritmos e por caminhos singulares e únicos. O olhar do professor precisará abranger a diversidade de traçados, provocando-os a seguir em frente (HOFFMANN, 2001, p.47). A avaliação, na perspectiva da construção do conhecimento deixa de ser um momento terminal, para se constituir na busca do desenvolvimento permanente da aprendizagem, compreendendo as dificuldades e oportunizando novas oportunidades de estudo. Muitas vezes a disciplina é dividida em compartimentos estanques, e quando o conteúdo de uma determinada “gaveta” é explicado, em seguida aplica-se a avaliação e fecha-se a gaveta, para abrir outra e reiniciar todo o processo. Outro enfoque de avaliação é o modelo comunicativo ou psicossocial. De acordo com Quinquer (2003, p.19), os aspectos mais relevantes desse modelo são: 126 Educação em direitos humanos na educação básica • A aprendizagem se concebe como uma construção pessoal do sujeito que aprende, influenciada tanto pelas características pessoais do aluno (seus esquemas de conhecimento, as ideias prévias, os hábitos já adquiridos, a motivação, as experiências anteriores etc., como pelo contexto social que se cria na sala de aula); • São especialmente importantes as mediações que se produzem entre os agentes implicados, os outros alunos e os professores – especializados ou não – que também intervêm na reelaboração dos conhecimentos [...]; • A avaliação se converte em um instrumento que permite melhorar a comunicação e facilitar a aprendizagem, já que uma boa maneira para aprender consiste na apropriação progressiva pelos estudantes (por intermédio de situações didáticas adequadas) dos instrumentos e critérios de avaliação de quem ensina [...]; • Considera-se primordial promover a autonomia dos estudantes: para isso é necessário desenvolver métodos pedagógicos orientados a fomentá-la. A chamada avaliação formadora é um elemento chave do modelo que se propõe precisamente a transferir para os alunos o controle e a responsabilidade de sua aprendizagem mediante o uso de estratégias e instrumentos de autoavaliação [...]. Todas essas formulações acerca das práticas avaliativas são fundamentais para analisarmos uma das manifestações de violência mais produzidas pela escola: o fracasso escolar. No momento em que a criança/adolescente percebe que não consegue alcançar os padrões de aprendizagem estabelecidos pela escola, e repetidamente vê seus esforços sendo inúteis, vai interiorizando uma autoimagem negativa, achando-se incapaz de atingir os objetivos propostos. Esses sentimentos negativos acerca de si mesmo e dos outros irá trazer repercussões negativas na sua forma de ver e agir no mundo. Abramowics (1997, p.163 apud BRUNO; ABREU, 2010, p.100) apresenta um depoimento de um aluno multirrepetente que nos auxilia a refletir sobre o processo avaliativo na escola: Eu sinto raiva, um desejo de morte, de banir, de zoar. Quanto mais me tratam como débil, como um nada, como um burro, mais assim eu fico e a raiva aumenta ou então bate aquele tuimmmm e eu não sei aonde vou por aí; o pensamento leve e solto. Não penso nada. Sou um balão de gás, mas o pior é que às vezes eu sinto que não sirvo para nada, que não sou nada, como a minha professora me diz e minha mãe também e que Assim, temos que pensar a escola como um espaço de construção, de autonomia, de vida. Mesmo diante da complexidade do processo de aprendizagem, acreditamos que todo educando aprende, embora em ritmos e tempos diferentes, com visões e entendimentos diversos, com desejos e planos distintos. Ao final, é importante que tenhamos construído um sentimento de pertencimento e coletividade que nos permita repensar, replanejar e buscar novas parcerias para superar as incertezas, aprender com as possibilidades e significar os significados. 127 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 sou burro. Tenho raiva, não consigo sair desta forma-burra. Faço força e, quanto mais força faço, mais força preciso. É muito violento e tenho vontade de estourar tudo[...] Bruno; Abreu (2010) analisam o fracasso escolar através dos índices de analfabetismo, evasão e repetência e, apesar de estarmos comemorando o aumento dos índices do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), ainda temos importantes desafios quanto a qualidade do ensino, a permanência dos alunos na escola e o sucesso da sua formação Há, portanto, uma necessidade expressa no sentido de que se compreenda o conjunto complexo e articulado de variáveis econômicas, biológicas, socioculturais, pedagógicas e psicológicas que interagem na construção desse conceito, que constituem as subjetividades de todos os atores envolvidos e confirmam as formas e os critérios por meio dos quais se classificam e categorizam os alunos segundo seu perfil e desempenho (BRUNO; ABREU, 2010, p. 96). Assim, temos que pensar a escola como um espaço de construção, de autonomia, de vida. Mesmo diante da complexidade do processo de aprendizagem, acreditamos que todo educando aprende, embora em ritmos e tempos diferentes, com visões e entendimentos diversos, com desejos e planos distintos. Ao final, é importante que tenhamos construído um sentimento de pertencimento e coletividade que nos permita repensar, replanejar e buscar novas parcerias para superar as incertezas, aprender com as possibilidades e significar os significados. Atividades de Estudos: Pensando em uma avaliação baseada nos direitos humanos responda: 1) Para que se avalia? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ 128 Educação em direitos humanos na educação básica 2) O que se avalia? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 3) Quem avalia? __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ ____________________________________________________________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ __________________________________________________ Quando pensamos em direitos humanos, falamos em cidadania, democracia, igualdade e inclusão. Se a avaliação da aprendizagem incluir em seus princípios esses elementos, estará contribuindo com a formação de uma sociedade mais justa e solidária. Conselhos de Classe A avaliação da aprendizagem dos alunos tem sua culminância nos Conselhos de Classe, que têm como finalidade diagnosticar problemas e apontar soluções, tanto em relação aos alunos e turmas, quanto em relação aos docentes. Acontecem ao final de cada bimestre/trimestre, discutindo-se encaminhamentos pedagógicos, notas, comportamentos, retenção ou aprovação dos alunos. Refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem e propor novas metodologias de ensino a fim de favorecer a aprendizagem consiste num dos objetivos do Conselho de classe. Na prática, porém, o Conselho privilegia as questões referentes aos alunos, abordando suas notas e medidas de rendimento, sendo o mesmo, na maioria das vezes, responsabilizado pelo seu baixo desempenho, normalmente atribuído http://www.infoescola.com/educacao/conselho-de-classe/ 129 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 à falta de estudo, problemas de assiduidade e falta de interesse, bem como a restrita participação dos pais na vida escolar dos seus filhos. Hoffmann (2001, p. 28) afirma: [...] questões atitudinais ocupam um enorme tempo em detrimento às questões de ensino/aprendizagem. As considerações sobre as dificuldades dos alunos ficam muitas vezes restritas a problemas emocionais e de conduta, sem tempo para tomadas de decisão conjunta no plano epistêmico e didático tais como: o aluno está se desenvolvendo em relação às estratégias de raciocínio necessárias a uma área de conhecimento? Quais as alternativas pedagógicas sugeridas para favorecer a aprendizagem? Qual será o envolvimento de cada professor nesse sentido? Caro pós-graduando (a), todos os envolvidos com a avaliação da aprendizagem devem refletir sobre esse importante momento, que muitas vezes é visto como uma mera formalidade e exigência pedagógica. Através da discussão, estudos e debates, deve-se atribuir à avaliação dos alunos e à autoavaliação dos docentes e de suas práticas o objetivo de diagnosticar a razão das dificuldades dos alunos e apontar as mudanças necessárias nos encaminhamentos pedagógicos. Nesse sentido, a participação e o trabalho coletivo ajudam a construir uma avaliação colaborativa, diminuir ansiedades, angústias e construir bases democráticas dentro da instituição escolar. A participação com equidade de valores de todos durante o conselho de classe orienta a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, construindo uma avaliação crítica dentro do contexto escolar. Se considerarmos que o aluno é o construtor do seu conhecimento, que este é um processo interior do sujeito da aprendizagem, estimulado por condições exteriores, criadas pelo professor, o Conselho de Classe seguirá a mesma orientação, configurando-se como um importante momento de estudos e não de acerto de contas. Ficar atrelado ao passado, a comportamentos e problemas diagnosticados, a explicações e justificativas dos resultados alcançados não nos levará a nenhuma decisão conjunta do que fazer a partir daquele ponto. Temos que adotar uma atitude prospectiva, pensar no futuro: a partir dos dados que temos quais as alternativas de superação que devemos buscar? Sugestão de filme: “Entre os muros da escola” (atenção ao Conselho de Classe). (Atenção ao Conselho de Classe) 130 Educação em direitos humanos na educação básica Algumas Considerações A busca pelo fazer pedagógico dinâmico, dialógico e criativo requer que o docente se reconstrua diariamente, em busca de estratégias facilitadoras do processo de ensino e aprendizagem, a fim de alcançar seus objetivos, considerando sempre as possibilidades de aprendizagem dos alunos e a aquisição de novas competências e habilidades. É fundamental destacar que os processos avaliativos devem ser analisados no contexto da situação de ensino e aprendizagem, considerando o perfil do grupo, os objetivos de aprendizagem, os conhecimentos do professor, as condições físicas e tecnológicas da instituição de ensino, entre outros fatores que são determinantes para garantir que a sala de aula se transforme num espaço de interação entre professor, aluno e conhecimento. Assim, a forma de conceber a avaliação reflete uma postura filosófica em face à educação. A avaliação da aprendizagem é angustiante para muitos professores, por não saber como transformá-la num processo que não seja uma mera cobrança de conteúdos memorizados de forma mecânica, sem muito significado para o aluno. Neste texto, pretendeu-se destacar a função diagnóstica, processual e somativa da avaliação, constituindo-se num meio de superar dificuldades, tanto do aluno quanto do professor, aperfeiçoando procedimentos em função dos objetivos previstos. Se considerarmos que o aluno é o construtor do seu conhecimento, que este é um processo interior do sujeito da aprendizagem, estimulado por condições exteriores, criadas pelo professor, a avaliação da aprendizagem seguirá a mesma orientação, configurando-se como um importante momento de estudos e não de acerto de contas. A implantação de um processo de avaliação formativa é gradual. Baseia-se na ampliação do conhecimento das teorias da aprendizagem, maior tempo destinado ao planejamento, aumento da carga-horária do professor destinada as atividades extra-classe, trabalho coletivo com outros professores e equipe pedagógica. Como falamos até aqui, esse caderno está voltado para a elaboração de um processo de ensino e aprendizagem baseado nos direitos humanos, sugerindo aos docentes reflexões sobre as formas de ensinar, selecionando conteúdos significativos, utilizando estratégias inovadoras, mantendo um relacionamento amigável com a turma e também modificando as suas formas de avaliar. Porém, você deve estar pensando: “tudo isso é muito bonito na teoria, mas na prática a realidade é outra”. Podemos esperar por mudanças na avaliação determinadas por regimentos ou decretos, no entanto, esses já foram propostos por inúmeras vezes e a prática 131 Avaliação da Aprendizagem EscolarCapítulo 3 pedagógica pouco se alterou. Altera-se a forma e não o sentido da avaliação. Portanto, nós docentes necessitamos estudar, entender o significado e viver a avaliação formativa, que é permeada pelas diferenças e pelo inusitado. Para concluir: Os caminhos que percorremos não seguem traçados lineares. Cada trecho, cada curva, nos reserva uma surpresa. O inesperado é uma das magias do caminho. (Hoffmann, 2001) Referências ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V.M. (orgs). O coordenador pedagógico e questões da contemporaneidade. São Paulo: 4.ed. 2010. BORDENAVE, J.D. & PEREIRA, A.M. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 1977. BRUNO, E.B.G.; ABREU, L.C. O coordenador pedagógico e a questão do fracasso escolar.In: ALMEIDA, L. R.; PLACCO, V.M.(orgs). O coordenador pedagógico e questões da contemporaneidade. São Paulo: 4.ed. 2010. CIMADON, A. Ensino e aprendizagem na universidade: um roteiro de estudo.3.ed. Joaçaba: UNIOESC, 2008. DEMO, P. Avaliação sob olhar propedêutico.Campinas, SP: Papirus, 1996. HOFFMANN, J. Avaliar para promover: as setas do caminho. 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