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UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO EDUARDO ROBERTO BISCARO A COMERCIALIZAÇÃO DO CRIME POR PARTE DA MÍDIA E A INFLUÊNCIA DESTE FENÔMENO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Caxias do Sul 2015 EDUARDO ROBERTO BISCARO A COMERCIALIZAÇÃO DO CRIME POR PARTE DA MÍDIA E A INFLUÊNCIA DESTE FENÔMENO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Caxias do Sul 2015 Trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Gisele Mendes Pereira EDUARDO ROBERTO BISCARO A COMERCIALIZAÇÃO DO CRIME POR PARTE DA MÍDIA E A INFLUÊNCIA DESTE FENÔMENO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO Aprovado em 23/ 06/ 2015 Banca Examinadora: ____________________________________________ Prof.ª Gisele Mendes Pereira (orientadora) ____________________________________________ Prof.ª Glenda Biotto ____________________________________________ Prof.ª Cláudia Hansel Trabalho de conclusão de curso apresentado no curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof.ª Gisele Mendes Pereira Dedico este trabalho a Deus e a toda a minha família, afinal, foram neles que busquei força e o apoio necessário para chegar até aqui. “A justiça não consiste em ser neutro entre o certo e o errado, mas em descobrir o certo e sustentá-lo, onde quer que ele se encontre, contra o errado.” Theodore Roosevelt RESUMO O presente trabalho buscou demonstrar a existência do fenômeno da comercialização do crime por parte da imprensa e a consequente influência deste na sociedade e no processo penal propriamente dito. Apresentou um estudo acerca da evolução da mídia e os mecanismos utilizados na formação de opinião pública, bem como, os princípios constitucionais em choque ante a essa nova realidade. Evidenciou-se as questões relacionadas a manipulação das notícias, a influência destas no processo penal como um todo e no procedimento do Júri, abordando, ao final, o problema das decisões de consciência. Palavras-chave: mídia – processo penal – constituição – influência – consciência. ABSTRACT This study aimed to prove the crime marketing phenomenon from the press and the consequent influence of this society and the criminal trial. Presented a study on the evolution of the media and the mechanisms used in the formation of public opinion, as well as the constitutional principles in shock at this new reality. It showed up the issues related to manipulation of the news, their influence in the criminal process as a whole and the jury procedure, addressing the end, the problem of conscience decisions. Keywords: Media - Criminal proceedings - Constitution - influence - conscience. SUMÁRIO 1. MÍDIA: HISTORICIDADE E FATOS RELEVANTES .......................................... 12 1.1 Origem e evolução histórica ............................................................................ 12 1.2 Teorias midiáticas ........................................................................................ 17 1.3 O poder de formação de opinião .................................................................. 21 1.4 Comunicar x informar ................................................................................... 24 2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA E OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 28 2.1 Liberdade de expressão ................................................................................... 28 2.2 Acesso a informação ........................................................................................ 31 2.3 Presunção de inocência ................................................................................... 35 2.4 Direito a intimidade....................................................................................... 38 3. MÍDIA E PROCESSO PENAL ............................................................................ 41 3.1 O fenômeno da comercialização do crime e a manipulação das notícias .... 41 3.2 A influência da mídia nas decisões .............................................................. 47 3.3 Mídia e o Tribunal do Júri ............................................................................. 52 3.4 O problema das decisões de consciência .................................................... 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 64 9 INTRODUÇÃO O presente trabalho possui por escopo evidenciar a influência que os meios de comunicação exercem sobre a população em geral, bem como, sobre o processo penal brasileiro propriamente dito, dando causa ao surgimento do fenômeno da comercialização do crime, por meio das notícias veiculadas nesses meios. O avanço da tecnologia da informação contribuiu e continua contribuindo para que, cada vez mais, a população tenha acesso imediato a notícias publicadas pelos veículos midiáticos, sendo esta uma característica da era da comunicação de massa em que vivemos. Ocorre que, o interesse da sociedade e da mídia tem se voltado aos crimes de comoção social, de forma que, junto com a ampla divulgação, surgem inúmeros problemas que a acompanham, dentre eles, a vinculação de notícias tendenciosas e sensacionalistas, criadas na intenção de auferir lucro ao meio que a divulga, produzindo no seio da sociedade os mais diversos efeitos, especialmente, a sensação de insegurança, vingança social e a influência nas decisões judiciais, corroborando a um intenso choque entre os preceitos previstos da Carta Magna. Inicia-se o presente estudo com uma análise acerca da historicidade da mídia, assim como, dos fatos relevantes que a tornaram o chamado “Quarto Poder”. Este momento é marcado por uma análise da evolução do jornalismo, desde o surgimento da escrita, das primeiras impressões, até a revolução da internet e da comunicação em tempo real. Ainda neste sentido, traça-se uma análise a respeito das principais teorias midiáticas, as quais, apesar de antigas, revelam-se muito utilizadas até os dias atuais, uma vez que é a partir delas que se criam os mecanismos de persuasão e convencimento do público receptor. Além disso, ponto que se destaca (e que não poderia deixar de ser abordado) trata do poder inerente à mídia de formação de opinião pública, a qual, diga-se, somente é possível graças às teorias utilizadas no momento de criação das notícias, no sentido de torná-las mais atraentes aos olhos do público. Nesta seara, surge o problema das notícias tendenciosas, que ultrapassam o limite da formação de opinião, a partir da extrapolação da neutralidade e/ou imparcialidade, impondo que os receptoresassumam, obrigatoriamente, uma determinada posição que lhes é imposta. 10 Neste ínterim, diante das inúmeras alterações ocorridas no âmbito na comunicação, e, justamente, por vivermos na Sociedade da Massa, realiza-se uma análise no que diz respeito das principais diferenças nos conceitos de informar e comunicar, fundamentais à evolução do senso crítico da sociedade. O segundo capítulo do presente trabalho, por sua vez, de uma forma ampla e atual, tem por objetivo traçar alguns apontamentos a respeito da Constituição Federal da República e os princípios fundamentais nela elencados. No ponto em questão, inicia-se com uma análise do Princípio da Liberdade de Expressão, decorrente de uma grande luta histórica o qual veio a favorecer não só a mídia, mas a sociedade como um todo, objetivando o exercício da democracia. Em seguida, trata-se do princípio do Acesso a Informação, levando sempre em conta os cuidados necessários à sua aplicação, sempre nos limites da proporcionalidade e da razoabilidade. Os pontos seguintes, ainda no tocante ao segundo capítulo, são de fundamental importância, notadamente, pelo assunto principal estudado no presente trabalho. Trata-se do princípio da Presunção de Inocência, muitas vezes ignorado diante da veiculação de determinadas notícias, principalmente nos casos de comoção social, assim como, o princípio do Direito a Intimidade, com toda a questão da privacidade e violação da vida privada que o mesmo abrange. O último ponto a ser estudado, trata especificamente da mídia e processo penal. Inicia-se o referido capítulo com o item que explica o título do presente estudo, qual seja “A comercialização do crime por parte da mídia e a influência deste fenômeno no processo penal brasileiro”, isto a partir da manipulação das notícias. Resta demonstrado que a área de maior desenvolvimento comercial e industrial da atualidade corresponde à área da comunicação, de forma que a mídia tem ocupado cada vez mais um papel importantíssimo perante a sociedade, uma vez que, goza de credibilidade naquilo que noticia. Com efeito, nos últimos tempos, ante ao interesse da sociedade pelos crimes de comoção social, a mídia tem se esforçado para transformar o devido processo legal em um verdadeiro espetáculo, transformando o mesmo no que se chama de “devido processo midiático”. Como se não bastasse, este espetáculo protagonizado inclusive por autoridades judiciárias, acaba por despertar na sociedade uma sensação de insegurança, que supostamente, apenas será corrigida 11 com a prisão de todos os criminosos, sendo que o problema é muito mais amplo que isto, dado causa ao fenômeno do que se chama de “vingança social”. Um segundo tópico neste capítulo, trata da influência da mídia no processo penal propriamente dito, isto é, a partir da pressão que surge no seio da sociedade, até mesmo o andamento do processo se da de forma diferenciada, afinal, é de conhecimento de todos o problema da morosidade no judiciário. O tópico seguinte complementa a questão da influência no processo, mas trata especificamente do procedimento do Júri, onde a principal questão discutida é da possibilidade de não haver um julgamento imparcial, tendo em vista que se os próprios juízes podem ser influenciados, os integrantes sorteados para integrarem o conselho de sentença estão muito mais suscetíveis a esta influência, justamente, por serem pessoas leigas as quais fazem parte da sociedade, isto é, surge a questão do pré-julgamento por parte da mídia. Por fim, realiza-se um estudo sobre o problema das decisões de consciência, especificamente no tocante à substituição da fundamentação das decisões, requisito indispensável previsto constitucionalmente, cuja ausência implica em nulidade da decisão. Trata-se de uma questão muito delicada, tendo em vista as diversas questões envolvidas, principalmente a função social do juiz. Nesta seara, temos nos deparados com decisões ausentes de fundamentação as quais revelam o sentimento de descrença e insatisfação do próprio magistrado para com a justiça brasileira, revelando que os julgamentos de consciência revelam um problema muito maior do que o descumprimento de um preceito constitucional. 12 1. MÍDIA: HISTORICIDADE E FATOS RELEVANTES 1.1 Origem e evolução histórica Bem se sabe que antes de analisar-se o papel que a mídia desenvolve atualmente sob os indivíduos, precisamos ter o mínimo de conhecimento sobre sua origem e evolução histórica. A oralidade é considerada a primeira mídia da história. Desde os primórdios, “parece que o homem conseguiu um idioma verbal, se bem que este, só por si, nunca tenha existido: fala-se com os olhos, com os gestos, com o corpo, com as posturas e, principalmente, com o tom e a emoção.”1 De acordo com Bill Kovach e Tom Rosenstiel, que escreveram o livro intitulado sob Os elementos do jornalismo, os relatos orais devem ser tidos como uma espécie de pré-jornalismo. Ainda segundo eles, na medida em que há mais democracia em uma sociedade, a disposição de notícias e informações irá aumentar. Este fato é comparado com a democracia de Atenas, onde a estrutura girava em torno de um jornalismo oral, e no mercado ateniense, onde basicamente tudo que era atrativo ao público ficava ao ar livre.2 É fato notório que a oralidade foi desde o início – e continua sendo – uma arma bastante poderosa. A própria Igreja Católica ao longo da história utilizou-se muito da retórica, afinal, influenciavam até os reis e rainhas de épocas passadas, tendo plena consciência do poder que exerciam sobre a população em geral. A escrita se propagou pelo mundo. O alfabeto trouxe ao homem uma maneira inovadora de se comunicar, alterando, inclusive, o seu modo de pensar. Inicialmente, as tábuas de ferro sumérias em nada favoreciam o fluxo de informação. Houve também o período das tábuas de madeira, bambu fundido, marfim e até pétalas de flores, mas foram os egípcios que revolucionaram todas as perspectivas até então existentes com a utilização do papiro.3 O primeiro registro de invenção de uma prensa gráfica ocorreu por volta do ano de 1450, na Europa. Seu criador, Johann Guternberg de Mainz, vivia em uma região banhada pelo Rio Reno, provavelmente inspirando-se nas prensas de vinho 1 TRAQUINA, Nelson. O estudo do jornalismo no século XX. São Leopoldo: Unisinos, 2001. p. 172. 2 Id. p. 177. 3 PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 27. 13 até então existentes naquela região.4 É importante destacar que este período antecedeu a chamada “era moderna”, mais especificamente, de 1450 até 1789, podendo dizer que inicia com a “revolução da prensa gráfica” até as Revolução Francesa e Revolução Industrial. Mas, de acordo com Felipe Pena, [...] apesar da fama de Gutemberg, seus verdadeiros criadores foram os chineses. O primeiro livro impresso conhecido é do ano 868 e a invenção do tipo móvel foi aproximadamente em 1040. Ambos em território chinês. Isso sem falar no processo de impressão em xilogravura, cujo exemplar conhecido mais antigo é japonês, e tem data de 764 antes de Cristo. 5 É possível atribuir a fama de Gutemberg devido ao fato de uma de suas primeiras publicações impressas ter sido a Bíblia, no ano de 1456. Por outro lado, segundo o Oxford English Dictionary, por volta da década de 1920 foi que a população em geral começou a falar de “mídia”. Seguindo nesta linha, foi por volta de 1950 que ouviu-se falar em “revolução da comunicação”. No entanto, imperioso mencionar que a comunicação já existia muito antes disso,por exemplo, a retórica, ensinamento das formas de comunicação e escrita era extremamente valorizadas na Grécia e na Roma antigas, posteriormente, vindo a ser estudada na Idade Média e com mais afinco no período do Renascimento. Nesta linha, “a retórica também era muito incentivada nos séculos XVIII e XIX, quando começaram a surgir novas ideias importantes”6, como a opinião pública e a preocupação com as “massas”. Segundo Briggs: O conceito de "opinião pública" apareceu no final do século XVIII, e a preocupação com as "massas" tornou-se visível a partir do século XIX, na época em que os jornais — cuja história é aqui apresentada em todos os capítulos — ajudavam a moldar uma consciência nacional, levando as pessoas a ficarem atentas aos outros leitores. 7 A propaganda, no entanto, despertou o interesse do estudo acadêmico na segunda metade do século XX, de forma que a eclosão das duas guerras mundiais foi imprescindível a este processo. Posteriormente, grandes teóricos como Lévi- 4 BRIGGS, Asa e BURKE, Peter. Uma história social da mídia: De Gutenberg à Internet. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. p.25. 5 PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 28. 6 BRIGGS, Asa e BURKE, Peter. Uma história... Op. Cit. p. 11. 7 Id. 14 Strauss, antropólogo Frances, e até Niklas Luhmann, sociólogo alemão, difundiram ainda mais o conceito de comunicação. Mas, foi com o surgimento do rádio que o mundo acadêmico voltou seus olhares para a relevância da comunicação oral na Grécia antiga e na Idade Média. Doutra banda, com o advento da era da comunicação visual, por volta de 1950, com o nascimento da televisão, proporcionou a criação de uma teoria interdisciplinar da mídia, que consequentemente, desencadeou estudos mais aprofundados em outros ramos, como por exemplo, na antropologia, psicologia, política e etc. Frases bombásticas envolvendo novas idéias foram criadas por Harold Innis (1894-1952), que escreveu sob o "viés das comunicações"; por Marshall McLuhan (1911-80), que falou da "aldeia global"; por Jack Goody, que traçou a "domesticação da mente selvagem"; e por Jürgen Habermas, o sociólogo alemão que identificou a "esfera pública", uma zona para o "discurso" no qual as ideias são exploradas e "uma visão pública" pode se expressar. 8 Não há dúvidas de que a comunicação tornou-se uma necessidade do homem. No contexto da 1ª Guerra Mundial, o rádio possibilitou a troca de mensagens, bem como, a televisão, após a 2ª Guerra Mundial, ampliou a visão do homem para com a terra, inclusive, levando-o a desbravar o que havia fora dela, a exemplo da primeira exploração da lua. Em 1957, a URSS iniciou a era espacial, pondo em órbita o Sputnik. Pouco mais tarde, os EUA colocaram no espaço o Telstar. Este foi o primeiro satélite activo de telecomunicações. Actualmente, graças ao aperfeiçoamento desses sistemas, uma notícia percorre o globo em pouco segundos. 9 Com o tempo, a imprensa nasceu, cresceu e criou objetivos. As mudanças estruturais na esfera pública desencadearam a elaboração de diversas estratégias, que desde essa época passaram a substituir os reais interesses do público receptor e dos valores éticos. A mudança estrutural na esfera pública, é, ao mesmo tempo, causa e consequência da evolução da imprensa. Claro que é preciso separa os conceitos de mídia e de imprensa. No primeiro, estão incluídos todo o tipo de manifestação cultural presente no espeço público, como novelas e 8 BRIGGS, Asa e BURKE, Peter. Uma história... Op. Cit. p.11-12. 9 LOPES, Victor Silva. Iniciação ao jornalismo. 6. ed. Lisboa: Dinalivro, 1987. p. 08. 15 filmes, por exemplo, enquanto o segundo refere-se à produção de notícias [...] 10 (Com grifo no original.) A primeira Gazeta impressa em Portugal era intitulada de “Gazeta em Que se Relatam as Novas Todas, Que Ouve Nesta Corte, e Que Vieram de Várias Partes no Mês de Novembro de 1641”, mas, popularmente conhecida simplesmente por “Gazeta”. O jornal teve por encerradas as suas publicações no ano de 1647 e durante o tempo em que esteve ativo passou por inúmeras suspensões, principalmente, ante a imprecisão das notícias que veiculava.11 No Brasil, é possível dizer quer o grande marco do surgimento da imprensa se deu no ano de 1808, especificamente no Rio de Janeiro. Isto porque, como se sabe, esse foi o ano em que a família real portuguesa fugiu de Portugal, vindo a instalar-se no Rio de Janeiro. Esse grande acontecimento histórico articulou o desenvolvimento de relações sociais entre os dois países, desencadeando trocas culturais e comerciais, promovendo riqueza e alfabetização.12 Durante este período, a imprensa brasileira pouco havia se desenvolvido, ou praticamente não existia, afinal, os fatores existentes à época não favoreciam o seu surgimento. Grande parte da população era analfabeta, essencialmente rural, e basicamente dividida entre escravos e grandes fazendeiros. O cenário começou a mudar logo após a chegada da família real portuguesa. A instituição pública denominada Imprensa Nacional originou-se de um decreto datado de 13 de maio de 1808, assinado pelo príncipe regente à época, D. João VI. Incialmente, fora batizada de “Impressão Régia”, mas, com o passar do tempo, recebeu inúmeras denominação, como por exemplo, Real Officina Typographica, Tipographia Nacional, Tipographia Imperial, lmprensa Nacional, Departamento de Imprensa Nacional, e, novamente, Imprensa Nacional.13 Destarte, em 10 setembro de 1808, diante deste contexto histórico, começou a circular a Gazeta do Rio de Janeiro, como primeiro jornal impresso do Brasil. As publicações seguiram até dezembro de 1822, quando fora substituída pelo Diário Fluminense. 10 PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2013. p. 31. 11 SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e dos media. 2. ed. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2006. p. 147. 12 Id. p. 148-149. 13 BRASIL. Imprensa Nacional. Casa Civil da Presidência da República. A história da imprensa nacional. Disponível em: <http://portal.in.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/a-imprensa- nacional>. Acesso em: 28 mar. 2015. 16 É imperioso destacar que a história da imprensa no Brasil abrangeu inúmeros outros fatos relevantes, os quais não poderiam ser aprofundados no presente trabalho, sob pena de alterarmos o problema que este pretende solucionar. No entanto, Sodré destaca alguns pontos relevantes, tais como: [...] as grandes campanhas políticas nela desenvolvidas, como a da Abolição, a da República, e do Civilismo e tantas outras; a evolução do anúncio refletindo o desenvolvimento do artesanato, do comércio, da indústria, de atividades outras; as influências estrangeiras, desde as do comércio aqui estabelecido a partir da abertura dos portos até a das grandes corporações monopolistas hoje presentes entre nós; os diferentes estágios que a arte gráfica apresentou, através do tempo, com estudo mais acurado do almanaque, da circular, do panfleto avulso, do pasquim, do folheto, do opúsculo; o papel dos órgãos de instituições cultuais ou especializadas; as alterações na distribuição, desde a venda nas livrarias, as assinaturas, até à venda na via pública; as mudanças no preço de vendas avulsas e sua ligação com os custos de produção e o valor da moeda; as alterações no que toca ao papel, seu fornecimento, seu preço,sua qualidade, suas ligações com as máquinas; o desenvolvimento das técnicas de impressão, a litografia, a xilogravura, até as modernas; a evolução do maquinário, desde as prensas de madeira às modernas rotativas elétricas, passando pelo complexo aparelhamento de uma oficina moderna de jornal de grande triagem, com sua complexa divisão do trabalho que a faz, hoje, tão semelhante a uma grande fábrica; a evolução da triagem de jornais e revistas; o estudo do público, na diversidade de suas camadas sociais; o papel do folhetim romântico e das seções permanentes; a função do noticiário do exterior, da fase dos paquetes à do rádio; a das gravuras, desde a litografia até à radiofoto; as mudanças na paginação, acompanhando o destaque primitivo do editorial político, às vezes matéria única do jornal, até a preponderância da parte informativa sobre a opinativa, e a estreita relação entre elas; a transformações na crítica ilustrada, das caricaturas à charge moderna; as relações entre Governo e imprensa e a legislação sobre censura; o aparecimento, desenvolvimento e mudanças nos métodos como a entrevista, a reportagem, o inquérito; o desenvolvimento do jornal como empresa, quanto aos recursos necessários e os disponíveis e suas fontes; os órgãos especializados em medicina, agricultura, economia, humorismo, etc.; o interessantíssimo estudo da imprensa clandestina; a apreciação mais demorada da imprensa de província, ao longo do tempo. 14 Ou seja, da análise do surgimento e da evolução da mídia e da imprensa, é possível observar que desde o início este fenômeno impactou e transformou o modo de pensar, agir e interagir do homem, desde os tempos mais remotos com os 14 SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999. p. 07-08. 17 mecanismos arcaicos de comunicação até a atualidade, com a alta tecnologia que hoje nos rodeia. 1.2 Teorias midiáticas A partir da segunda metade do século XX, o poder de persuasão que a mídia exerce sobre a sociedade passou a ser estudado com mais afinco. Neste sentido, algumas teorias surgiram na intenção de analisar os efeitos que essa persuasão gera no indivíduo, e, principalmente, na sociedade como um todo. As teorias midiáticas nada mais são do que uma série de estudos voltados ao mecanismo desse fenômeno denominado Comunicação Social desde seus aspectos cognitivos, passando pelos sociais, econômicos, políticos e tecnológicos, englobando ainda ramos da sociologia, filosofia e psicologia. Com efeito, é preciso observar os critérios cronológicos, bem como o contexto social e histórico em que os meios de comunicação em massa aparecem como ponto essencial a entender as principais teorias que serão estudadas. A primeira teoria possui origem Europeia e é denominada Hipodérmica. Defende que cada elemento do público é pessoal e diretamente atingido pela mensagem sem nenhuma resistência. Essa teoria surge durante o período das guerras mundiais, de forma que a própria comunicação em massa se apresentava como uma novidade, somado aos trágicos acontecimentos noticiados em tal período histórico. Portanto, pressupõe que quando há uma mensagem da mídia, esta penetra o indivíduo sem esbarrar em quaisquer resistências e é por isso chamada de hipodérmica, hipo significa abaixo; derme, pele. Exemplificando, a agulha do médico que penetra diretamente as veias de seu paciente sem encontrar nenhuma resistência. O esquema E – R (Estímulo – Resposta) é essencial para a Teoria Hipodérmica. Assim, os meios de comunicação de Massa (MCM) enviariam estímulos que seriam imediatamente respondidos pelos receptores. A audiência é vista como uma massa amorfa, que responde de maneira imediata e uniforme aos estímulos recebidos. Os indivíduos são compreendidos como átomos isolados, que, no entanto, fazem parte de um corpo maior, a massa, criada pelos meios de comunicação. Isso tornaria impossível a emergência de respostas individuais ou discordantes do estímulo. 18 Ao enviar um estímulo – uma propaganda, por exemplo – os MCM teriam como resposta o comportamento desejado pelos emissores, desde que o estímulo fosse aplicado de maneira correta. 15 Em outras palavras, seria dizer que a mídia injeta o seu conteúdo diretamente no cérebro da população, sem que esta apresente qualquer reação. Além disso, segundo Wolf “pode descrever-se o modelo hipodérmico como sendo uma teoria da propaganda e sobre a propaganda;”16. Posteriormente, surge a Teoria da Persuasão, ou empírico-experimentar, defendendo o oposto da Teoria Hipodérmica, isto é, que a mensagem é recebida pelo indivíduo, mas não imediatamente assimilada. Esta teoria aborda diversos aspectos psicológicos, de forma que o efeito no indivíduo irá depender das perspectivas daquele próprio indivíduo.17 A << teoria>> dos meios de comunicação resultante dos estudos psicológicos experimentais consiste, sobretudo, na revisão do processo comunicativo entendido como uma relação mecanicista e imediata entre estímulo e resposta, o que toma evidente, pela primeira vez na pesquisa sobre os mass media, a complexidade dos elementos que entram em jogo na relação entre emissor, mensagem e destinatário. A abordagem deixa de ser global, incidindo sobre todo o universo dos meios de comunicação e passa a «apontar», por um lado, para o estudo da sua eficácia persuasiva óptima e, por outro, para a explicação do «insucesso» das tentativas de persuasão. Existe, de facto, uma oscilação entre a ideia de que é possível obter efeitos relevantes, se as mensagens forem adequadamente estruturadas e a certeza de que, frequentemente, os efeitos que se procurava obter não foram conseguidos. 18 A Teoria Empírica de Campo, também conhecida por Teoria de Efeitos Limitados, baseia-se na Teoria da Persuasão, mas aborda, principalmente, questões sociológicas, entendendo que a mídia apresenta influência limitada perante a sociedade por ser somente parte da vida social. Há uma comparação da influência exercida com outros ramos de força social, quais sejam, a Igreja, a política, a educação, etc., isto é, o indivíduo filtraria a mensagem recebida antes de qualquer 15 OLIVEIRA, Ivan Carlo Andrade de. Teorias da comunicação. Minas Gerais: Virtual Books, 2003. p. 09. 16 WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. 8. ed. Lisboa: Editorial Presença, 2003. p. 7. 17 Id. p. 12-18. 18 Id. p. 17-18. 19 absorção, o que seria determinante para auferir o grau de intensidade que essa mensagem produziria em cada um.19 A perspectiva que caracteriza o início da pesquisa sociológica empírica sobre as comunicações de massa diz globalmente respeito a todos os mass media do ponto de vista da sua capacidade de influência sobre o público. Nesta questão geral está, contudo, já inserida a atenção à capacidade diferenciada de todos os mass media que exercem influências específicas. O problema fundamental continua a ser o dos efeitos dos meios de comunicação, mas já não se coloca nos mesmos termos das teorias anteriores. O rótulo efeitos limitados não indica apenas uma diferente avaliação da quantidade de efeitos; indica, igualmente, uma configuração desses efeitos qualitativamente diferente. Se a teoria hipodérmica falava de manipulação ou propaganda, e se a teoria psicológica-experimental tratava de persuasão, esta teoria fala de influência e não apenas da que é exercida pelos mass media, mas da influência mais geral que «perpassa» nas relações comunitáriase de que a influência das comunicações de massa é só uma componente, uma parte. 20 É importante destacar que esta teoria foi considerada como “clássica”, de forma que marca presença em quase todos – senão todos – os títulos publicados que tratam deste tema. O coração da teoria sobre os mass media ligada à pesquisa sociológica de campo consiste, de facto, em associar os processos de comunicação de massa às características do contexto social em que csses processos se realizam. Com este ponto de vista se completa a revisão crítica da teoria hipodérmica. 21 A Teoria Funcionalista, por sua vez, dedica-se não somente o efeito da mídia na sociedade mas também o papel que ela exerce, isto é, sua função. A ação social de cada indivíduo é imprescindível nesta teoria.22 A teoria funcionalista dos mass media simboliza o desmentido mais explícito do lugar-comum segundo o qual a crise doutrinária do sector é devida essencialmente à indiferença, ao desinteresse, à separação entre teoria social geral e communication research. Para um grande número dos estudos sobre os mass media, esse facto não parece de modo algum convincente ou, pelo menos, como se verá mais adiante, se existiu ou existe carência de um paradigma teórico geral, isso não se verifica tanto na vertente sociológica como na vertente comunicativa: portanto, neste caso 19 WOLF, Mauro. Teorias da.... Op. Cit. p. 18-25. 20 Id. p. 27. 21 Id. p. 27. 22 Id. p. 25-34. 20 particular, o quadro interpretativo dos mass media adapta-se de novo, explícita e programaticamente, a uma teoria sociológica tão complexa como é o estrutural-funcionalismo. 23 A principal diferença desta teoria para com as demais já analisadas encontra-se no fato de que enquanto as primeiras utilizavam-se de mecanismos comparados ao de uma campanha, a teoria funcionalista, por focar-se nos efeitos e nas funções das notícias encontra-se em um outro contexto comunicativo.24 Com origem na Escola de Frankfurt, em meio à ascensão do nazismo, a Teoria Crítica baseia-se em teorias marxistas defendendo a tese de que a mídia é um instrumento de influência social capitalista.25 A identidade central da teoria crítica configura-se, por um lado, como construção analítica dos fenómenos que investiga e, por outro, e simultaneamente, como capacidade para atribuir esses fenómenos às forças sociais que os provocam. Segundo este ponto de vista, a pesquisa social levada a efeito pela teoria crítica, propõe-se como teoria da sociedade entendida como um todo; daí, a polémica constante contra as disciplinas sectoriais, que se especializam e diferenciam progressivamente campos distintos de competência. Procedendo assim, essas disciplinas - vinculadas à sua correcção formal e subordinadas à razão instrumental - desviam-se da compreensão da sociedade como um todo e, por conseguinte, acabam por desempenhar um função de manutenção da ordem social existente. A teoria crítica pretende ser o oposto, pretende evitar a função ideológica das ciências e das disciplinas sectorializadas. 26 O que para as outras teorias são dados fáticos, para a teoria crítica representam o resultado de toda uma evolução histórico-social específica, isto é, originados da atividade humana. Por fim, a Teoria Culturológica, leva em consideração elementos nacionais, religiosos e humanísticos de cada cultura, sendo que a mídia dependeria desses aspectos de cada sociedade para gerar os efeitos que almeja.27 Além disso, procura estabelecer qual é a nova forma de cultura dominante na sociedade contemporânea, vez que começa a ser estudada em 1960, na França. Edgar Morin foi o grande nome desta corrente, segundo ele: Se a cultura contém um saber colectivo acumulado na memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma 23 WOLF, Mauro. Teorias da.... Op. Cit. p. 37. 24 Id. 37-38. 25 Id. p. 34-42. 26 Id. p. 52. 27 Id. p. 43-46. 21 visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva. 28 Entende ainda que as categorias destroem a unidade cultural inserida nas comunicações de massa, eliminando assim dados históricos e, atingindo ao final um nível de particularidade podendo ou não ser utilizável. Assim, que desde sua origem, a mídia busca formas, das mais diversas possíveis, para que a notícia por ela produzida penetre no indivíduo, levando em considerações diversos fatores, conforme se depreendeu das teorias acima apresentadas. 1.3 O poder de formação de opinião Bem é sabido que a mídia representa muito mais que uma forma de informar a população sobre acontecimentos do cotidiano. Hoje é possível destaca-la como grande formadora de opinião pública. Esta ideia não é nova, a muito tempo a imprensa assumiu este papel, mas, com os avanços tecnológicos, esse processo se desenvolveu de forma muito mais abrangente, rápida e eficaz. Mas afinal, existe um conceito do que seria a mídia? Santareno, assim define: um conjunto de meios diferentes, cada vez mais refinados tecnologicamente. Mídia não é tão-somente o aparato tecnológico. Há que se compreender mídia como associação de um suporte tecnológico, uma linguagem adequada e uma estratégia de ação precisa e clara. 29 Por outro lado, no que tange à opinião pública, poderíamos citar o conceito de Bobbio (1998), para ele a opinião pública se resume a [...] uma opinião sobre assuntos que dizem respeito à nação ou a outro agregado social, expressa de maneira livre por homens que estão fora do 28 MORIN, Edgar. O Método 4 - As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Lisboa: Europa- América, 2002. 29 SANTARENO, S. L. Mídia e opinião pública. Disponível em: http://www.jesocarneiro.com.br/artigos/midia-e-opiniao-publica/15_10_2007/. Acesso em 10 jan. 2015. 22 governo, mas que reclamam o direito de que suas opiniões possam influenciar ou determinar ações governamentais. 30 Em outras palavras, Via classifica a opinião pública como sendo “conjunto de crenças a respeito de temas controvertidos ou relacionados com a interpretação valorativa ou o significado moral de certos fatos.”31. Esse poder de gerar opinião pública é notoriamente importante, na medida em que que vivemos na era da “sociedade da informação”. A internet, por exemplo, nos proporciona saber o que está acontecendo em qualquer parte do mundo em tempo real. Ainda no ano de 1984, Desmond Ficher, já trazia um atualíssimo ensinamento sobre esta questão: Hoje, estamos emergindo de uma sociedade industrial para aquilo que os sociólogos chamam de sociedade da informação. A ênfase está se desviando da sociedade de fabricação e serviços para o processamento da informação, isto é, para a preparação, transferência e armazenamento da informação. Já mais da metade da população trabalhadora dos Estados Unidos – estima-se – está empenhada neste tipo de trabalho. Em nossos tempos, a área de maior desenvolvimento comercial e industrial é a área da comunicação. 32 A partir desta ideia de “sociedade da informação” é possível concluir que a mídia possui consigo um grande poder na medida em que pode influenciar diversos ramos da sociedade, desde a política até o comportamento do próprio indivíduo por meio das notíciasque vincula. [...] disse o Papa João Paulo II em junho de 2000 a um grupo de donos de meios de comunicação de todo o mundo: com sua influência vasta e direta sobre a opinião pública, o jornalismo não pode ser só guiado por forças econômicas, lucros e interesses pessoais. Deve, ao contrário, ser encarado como uma missão, até certo ponto sagrada, realizada com o entendimento de que poderosos meios de comunicação foram confiados aos senhores para o bem geral. 33 30 BOBBIO, Norberto, et al. Dicionário de Política. Verbete Opinião Pública. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 11ª ed., 1998. 31 DA VIA, Sarah Chucid. Opinião Pública: técnica de formação e problemas de controle. São Paulo: Loyola, 1983. p. 58. 32 FISCHER, Desmond. O Direito de comunicar. Expressão, informação e liberdade. São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 12. 33 KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os Elementos do Jornalismo. 2. ed. São Paulo: Geração Editorial, 2004. p. 35. 23 Data vênia, atualmente, grande parte das notícias são criadas para gerar lucro, omitindo e/ou distorcendo, na maioria das vezes a verdade sobre os fatos ocorridos na corrida incessante de publicar primeiro que seu concorrente. O problema nesse sentido é que dada a capacidade de gerar a opinião pública sobre o tema, o público receptor da notícia não se preocupa com as fontes da mesma e com a sua veracidade. Segundo Bourdieu, “as palavras fazem coisas, criam fantasias, medos, fobias ou simplesmente, representações falsas”34. Ora, “Se é a comunicação que constrói a realidade, quem detém a construção dessa realidade detém também o poder sobre a existência das coisas, sobre a difusão das ideias, sobre a criação da opinião pública.”35 Não se pode esquecer que outros fatores contribuem para a formação da opinião pública, como, por exemplo, a classe social a que a pessoa está inserida, e, principalmente, fatores psicológicos de natureza comunicativa e interpessoal. Opinião pública não é a soma das opiniões do público em geral, muito menos a confluências das mesmas. Não se elabora, no plano coletivo, um consenso, não se forma uma única opinião. O que temos são vários públicos, que dispõe de opiniões e até mesmo informações diferenciadas para o mesmo fato. Estes públicos diversos não chegam em um acordo. O que acontece é que estes tentam disseminar suas opiniões por meio da mídia. É certo que nem todos os grupos públicos possuem a mesma visibilidade midiática, mas são aqueles que conseguem tornar pública uma determinada opinião que saem ganhando. 36 Usando de diversos métodos para atingir seu objetivo, poderia se afirmar que um dos cernes da questão é a neutralidade (ou não) por parte da imprensa, ante a veiculação de uma notícia. Isto é, quando não há neutralidade, por obvio que alguma coisa ou alguém será mais favorecido do que outro. Nesta seara, percebe- se que a imprensa entrega ao indivíduo, cada vez mais, uma notícia pronta, mastigada, resumida, sendo que, automaticamente, este irá tomar um partido, a favor ou contra, e esse é o problema, afinal, as pessoas acabam formando uma opinião sem conhecer a fundo do que se trata aquele assunto, apenas diante dessa 34 BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Seguido de a influência do jornalismo e os jogos olímpicos. Tradução Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 26. 35 VELOSO, Fábio Geraldo. Políticos, mídia e o fenômeno criminal no Brasil. São Paulo: Boletim do IBCCRIM, 2006. 36 OLICSHEVIS, Giovana. Mídia e opinião pública. Paraná: Revista do Vernáculo, 2006. p. 94-95. 24 “imposição” final que lhes é apresentada pelos meios de comunicação. Assim, diante da ausência da imparcialidade, a mídia “sempre tenta persuadir alguém a adotar determinada posição”37. Neste processo de formação de opinião, pode ocorrer a submissão, que pode ser definida, segundo Serva, como “o fato que, embora noticiado, tem uma edição que não permite ao receptor compreender e deter a sua real importância ou mesmo o seu significado”38. A possível confusão de notícias provocada pela submissão está comumente associada a casos de que podemos chamar de “desinformação informada”: embora tendo tido acesso às informações, o consumidor não consegue compreender claramente o fato. Normalmente essa desinformação se dá porque um dos fatos se submete ao paradigma do outro – e esse deslocamento retira da notícia o sentido necessário à compreensão do fato – ou ambos se confundem em um outro paradigma. 39 Portanto, a mídia exerce grande influência no processo de formação da opinião pública no nosso atual cenário, principalmente, pois vivemos na era da Sociedade da Comunicação, de forma que a notícia não é mais passada ao público de forma neutra, sempre buscado convencer os receptores destas notícias a assumirem determinada posição. 1.4 Comunicar x informar Conforme já fora apresentado nos tópicos anteriores do presente estudo, vivemos na era da sociedade da comunicação, sendo que a evolução tecnológica transformou as noções de comunicação até então existentes. Essa transformação dos mecanismos de comunicação resultou na alteração dos padrões de interação social entre os entes envolvidos nessas relações, sendo necessária uma análise sobre os conceitos de informação e comunicação e o que eles representam para a sociedade atualmente. Ficher, já trazia a ideia da evolução da informação/comunicação: Hoje, a informação é encarada em termos diferentes. Não é apenas o conteúdo do processo de informação que está sendo considerado: é o próprio processo. O desenvolvimento tecnológico nas comunicações trouxe 37 Lane e Sears, 1964. 38 SERVA, Leão. Jornalismo e desinformação. 2. ed. São Paulo: Senac, 2001. p. 66. 39 SERVA, Leão. Jornalismo... Op. Cit. p. 68. 25 a capacidade de comunicar ao alcance de muito mais pessoas. Os meios de comunicação em massa estão dando lugar à mini-mídia. 40 Do latim “informare”, que significa dar forma, informação poderia ser definida como “Ato ou efeito de informar”. No entanto, este ato ou efeito de informar é unilateral, ou seja, apresenta-se em um sentido único sem o emissor da informação se preocupar com a interpretação realizada por parte do receptor, que não possui nenhuma obrigação em demonstrar a compreensão do conteúdo, tanto que não há a possibilidade nem de expressar suas conclusões sobre o tema. Por outro lado, o conceito de comunicar está pautado ao estabelecimento de um diálogo, vem do latim comunicare, troca de opinião, conferenciar. No dicionário41, há as seguintes definições: “ação de transmitir uma mensagem e, eventualmente, receber outra mensagem como resposta” ou ainda, “processo que envolve a transmissão e a recepção de mensagens entre uma fonte emissora e um destinatário receptor”. Ou seja, a comunicação gera reações ao receptor da mensagem e este geralmente produz uma resposta a essa mensagem recebida. Esta seria a principal diferença entre informar e comunicar, isto é, na comunicação, o receptor elabora um raciocínio sobre a mensagem, de forma que pode até corrigir a ideia que lhe é passada pelo emissor. Observe-se que toda técnica midiática de edição atual está pautada na possibilidade de informar o seu público e não de comunica-lo. E tendo em vista a grande quantidade de informações a que temos acesso diariamente, sendo elas diretas, quando o próprio indivíduo a busca ou indireta, quando lhes é passada nocotidiano, é preciso que o indivíduo receptor tenha a capacidade e o discernimento para tecer análises críticas sobre essas informações, visando transformar a informação em comunicação, afinal, O mundo é uma aldeia global do ponto de vista tecnológico. Não dos homens, nem das culturas e das visões de mundo. Aí é a torre de Babel. Se tudo se mistura na rede, o mesmo não ocorre na realidade. Quanto mais o ponto a ponto se intensifica, mais é necessário distinguir na realidade os conteúdos, pois ninguém pode tudo misturar e absorver. 42 Diante das inúmeras informações que a população recebe diariamente, é cada vez mais fácil encontrar casos de desinformação funcional. Isto porque, 40 FISCHER, Desmond. O Direito... Op. Cit. p. 29. 41 Disponível em < http://www.nossalinguaportuguesa.com.br/dicionario/comunica%e7%e3o/> Acesso em 07/10/2014. 42 WOLTON, Dominique. Informar não é comunicar. Porto Alegre: Meridional/Sulina, 2010. p. 82. 26 diariamente, os veículos de comunicação produzem milhares, senão, milhões de notícias. Destarte, segue a mesma linha dos analfabetos funcionais, pessoas alfabetizadas que apenas sabem colocar as letras umas ao lado das outras objetivando formar palavras, bem como conseguem ler textos, sem, no entanto, interpretar o que está escrito. No entendimento de Serva: A desinformação funcional, então, corresponde a um fenômeno definido pelo fato de que as pessoas consomem informações através de um ou mais meios de comunicação, mas não conseguem compor com tais informações uma compreensão do mundo ou dos fatos narrados nas notícias que consumiram. 43 Para se ter uma noção da quantidade de notícias produzidas atualmente na sociedade da comunicação em que vivemos, a título de exemplo, “Uma edição do New York Times contém mais informação do que tudo aquilo que um homem médio do século XV ficou sabendo em toda sua vida.”44 Esse conjunto de informações provoca uma espécie de paroxismo da desinformação-informada e da deformação, no qual milhares de informações diariamente se sobrepõe umas às outras no suporte da comunicação, no meio em si e também ou mais gravemente na mente do receptor, em sua compreensão do mundo. 45 Ou seja, ter acesso a inúmeras informações não quer dizer, obrigatoriamente, que o receptor consegue absorver tudo o que lhe está sendo oferecido ou que ele próprio está buscando. E pode-se ir além, o receptor das informações pode estar enganando a si mesmo sob a falsa ideia de que quanto mais informações buscar ou ter acesso, mais poder terá. Lewis já dizia: Conhecimento é poder’, escreveu Sir Francis Bacon no século XVII. Hoje estamos em uma corrida frenética para adquirir cada vez mais informações, firmes na fé de que quanto mais tivermos, mais poderosos seremos. Infelizmente, exatamente o oposto está-se revelando. 46 43 SERVA, Leão. Jornalismo... Op. Cit., p. 71. 44 Id. p. 76. 45 Id. p. 77. 46 LEWIS, David et al. “Dying for information?”. Londres: Firefly Communications, 1996. p. 2. 27 Isto é, podemos afirmar que, diferentemente do que pensa o senso comum num primeiro momento, na realidade, “O excesso de informação, ao contrário do que dizia Francis Bacon, é hoje causa de perda de poder individual.”47 O importante é destacar que a comunicação e a informação, apesar de terem conceitos distintos, conforme acima explanado, na realidade, são inseparáveis e, sem dúvidas, foram fundamentais para que o homem evoluísse e desenvolvesse o seu senso crítico. Por fim, não se pode deixar que esta capacidade se perca diante da manipulação e comercialização de notícias, ideias prontas e o número exorbitante de informações, sem que o receptor tenha as condições necessárias para formar sua própria opinião a respeito dos assuntos vinculados pela mídia, sob pena de transformar a sociedade da comunicação na sociedade dos falsos poderosos iludidos. 47 SERVA, Leão. Jornalismo... Op. Cit., p. 82. 28 2. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA E OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 2.1 Liberdade de expressão É sabido que a Liberdade de Expressão no Brasil é consequência de uma incansável e constante luta histórica. Neste sentido, desde o fim da ditadura militar no ano de 1985, vigora a ideia da livre expressão. Isto porque, conforme elucida Pimenta Bueno: O homem porém não vive concentrado só em seu espírito, não vive isolado, por isso mesmo que por sua natureza é um ente social. Ele tem a viva tendência e necessidade de expressar e trocar suas ideias e opiniões com os outros homens, de cultivar mútuas relações, seria o mesmo impossível vedar, porque fora para isso necessário proibir e dissolver a sociedade. 48 Note-se que a liberdade de expressão pode aparecer de forma interna, também denominada liberdade subjetiva, ou de forma externa, podendo ser denominada liberdade objetiva. Observe-se os conceitos trazidos por José Afonso da Silva: Liberdade interna (chamada também de subjetiva, liberdade psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre arbítrio, como simples manifestações de vontade no mundo interior do homem. Por isso é chamada igualmente de liberdade do querer. Significa que a decisão entre duas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do indivíduo; vale dizer, é poder de escolha, de opção entre fins contrários. 49 Por outro lado, a liberdade externa ou objetiva, “consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculos ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente. Por isso se fala em liberdade de fazer [...]”50. Como aspecto externo (a outra dimensão mencionada), a liberdade de opinião se exterioriza pelo exercício das liberdades de comunicação, de 48 BUENO, José Antônio Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, 1958. p. 385. 49 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 225. 50 Id. p. 225-226. 29 religião, de expressão intelectual, artística, científica e cultural e de transmissão e recepção do conhecimento [...] 51 Por sua vez, a liberdade de comunicação “consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação”52. Neste diapasão, Leyser afirma, “A liberdade de manifestação de pensamento nada mais é do que um dos aspectos extremos da liberdade de opinião.”53 É necessária uma análise mais profunda sobre a liberdade de informação em geral e a liberdade de informação jornalística, de forma que tais assuntos serão abordados no subtítulo seguinte. A Constituição Federal Brasileira de 1988, elenca em seu artigo 5º, inciso, IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Assim, de acordo com Bulos, “A liberdade de expressar o pensamento, por atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, compactua-se, com a democracia, implantada Égide do Estado de Direito, consagrado em 05 de outubro de 1988.”54 Disto, depreende-se o entendimento de que a censura quanto a possibilidade de exteriorização de percepções na religião, política, moral,artes, ciência, etc., é totalmente intolerável. Outrossim, embora a legislação nacional estabeleça o princípio da Liberdade de expressão, o Brasil é signatário de alguns Tratados Internacionais também neste sentido. Atualmente, esses tratados são: Declaração Universal dos Direitos do Homem, o Tratado Internacional de Chapultepec, a Declaração Americana Sobre Direitos Humanos, a Carta Democrática Interamericana e a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão. Na legislação nacional, especificamente, podemos observar a existência dos crimes contra a honra, por exemplo, calúnia, difamação e injúria. Estes crimes estão previstos tanto no Código Penal Brasileiro, quanto na Lei de Imprensa (Lei nº 5.250 de 09 de Fevereiro de 1967). Necessário se faz esclarecer que o princípio da Liberdade de Expressão nem sempre é pleno, de forma que em algumas exceções, sua aplicação torna-se 51 SILVA, José Afonso da. Curso de... Op. Cit. p. 236. 52 Id. p. 237. 53 LEYSER, Maria Fátima Ramalho. Direito à Liberdade de Imprensa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 50. 54 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 144. 30 dependente de outras legislações, e por consequência, da aplicação legal dessas leis. É o caso, por exemplo, da Lei 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), Lei 7.192/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), além da já acima referida, Lei de Imprensa e o Código Penal. Isto porque, podem ser considerados crimes a propaganda de guerra, a veiculação de notícias falsas ou verdade incompleta que incitem desconfiança sobre determinada instituição financeira, a divulgação de segredo de Estado, entre outros. Nesta seara, se há liberdade de expressão, se faz necessário que haja um direito de resposta. E por certo, na própria Constituição Federal Brasileira há dispositivos que o garantem, qual seja o inciso V do artigo 5º. Na mesma linha, a Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) no capítulo IV, artigos 29 a 36, que cuidam da liberdade de manifestação do pensamento e da informação. O direito de resposta é fundamental, afinal, “A liberdade de opinião, embora seja um direito consagrado nos regimes democráticos, não pode ser agente de perturbação ou destruição social [...]”55 de forma que assegurar a resposta é evitar a perturbação e destruição dos laços existentes na sociedade. Cumpre mencionar que a liberdade de comunicação não demanda o aprofundamento em um tópico específico, vez que, da análise dos incisos IV, V, IX, XII e XIV do artigo 5º, combinados com os artigos 220 a 224, da Constituição Federal pode-se chegar a uma definição da mesma, sendo esta um “conjunto de direitos, formas, processos e veículos, que possibilitam a coordenação desembaraçada da criação, expressão e difusão do pensamento e da informação”56. Notável é que o princípio em análise não pode ser extrapolado, de forma que venha a causar prejuízo de cunho moral a uma ou mais pessoas, isto é, não se presta como ferramenta para a calúnia, difamação, violência ou obscenidade, por exemplo. Portanto, o grande desafio a este título consiste na busca pelo equilíbrio entre o exercício da democracia, representado pela liberdade de expressão e ao mesmo tempo, a cautela para que não seja usado de forma caluniosa, violenta ou intimidadora. Ou seja, percebe-se que o princípio da Liberdade de Expressão quando da sua previsão na Lei Maior, apresenta-se como verdadeiro divisor de águas, uma 55 LEYSER, Maria Fátima Ramalho. Direito à Liberdade de Imprensa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 49. 56 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito... Op. Cit. p. 237. 31 verdadeira conquista não só para a imprensa, que sofrera com a censura no período da ditadura militar, mas principalmente a todos os cidadãos, que podem se expressar de forma livre, exercendo a sua democracia. 2.2 Acesso a informação Direito de informar e de ser informado. Sem dúvidas essa máxima é o que mais bem define o princípio do acesso a informação. Conforme já fora exposto nos tópicos anteriores do presente estudo, vivemos na sociedade da massa, e assim sendo, informar e ser informado é premissa básica para o regular andamento deste modelo de sociedade. A palavra informação pode designar “o conjunto de condições e modalidades de difusão para o público (ou colocada à disposição do público) sob formas apropriadas, de notícias ou elementos de conhecimento, ideias ou opiniões”57. Juridicamente, poderíamos dizer que Direito à Informação “É o conjunto de normas jurídicas que têm por objetivo a tutela, a regulamentação e a delimitação do direito de obter e difundir ideias, opiniões e fatos noticiáveis”58. Por outro lado, usando de um conceito não tão formal, elaborado por Albino Grecco, diríamos que: Por informação se entende o conhecimento dos fatos, de acontecimentos, de situações de interesse geral e particular que implica, do ponto de vista jurídico, duas direções: a do direito de informar e a do direito de ser informado. O mesmo é dizer que a liberdade de informação compreende a liberdade de informar e a liberdade de se informar. A primeira coincide com a liberdade de manifestação do pensamento pela palavra, por escrito ou por qualquer outro meio de difusão; a segunda indica o interesse sempre crescente da coletividade para que tanto os indivíduos como a comunidade estejam informados para o exercício consciente das liberdades públicas. 59 A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5ª, inciso XXXIII, assim determinou: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja 57 TERROU, Fernand. L’information, citado por Freitas Nobre, Jose. Comentários à Lei de Imprensa, lei da informação, 2ed, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 7 e 8, apud SILVA, José Afonso, op. cit., p. 245. p. 7-8. 58 DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e da liberdade de informação. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1980. p. 181. 59 GRECCO, Albino. La libertá di stampa nell’ ordenamento giuridico italiano. Roma: Bulzioni Editores, 1974. p. 38. 32 imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”. Ora, uma vez tratado como direito de todo cidadão, ante a previsão da Lei Maior, compete, principalmente, ao Estado a fiscalização no sentido de cumprimento efetivo desta garantia constitucional. É claro que aqui não se encaixam apenas informações referentes aos órgãos públicos, por exemplo, mas sim a notícias de um modo geral, isto é, com a intenção de informar toda a população, e porque não, de formar opinião do público receptor dessas notícias. Dotti, já afirmava: A liberdade de informação em senso lato compreende tanto a ‘aquisição’ como a ‘comunicação’ de conhecimentos. Por precisão de nomenclatura propõe-se individualizar tal direito com a fórmula: ‘liberdade de expressão’. A ideia de uma liberdade de informação conexa às liberdades de opinião e de expressão dos pensamentos, determina a preocupação em não conduzir estas duas aspirações e confrontos que possam trazer consequências drásticas para o desenvolvimento da cultura e da civilização. 60 E ainda vai mais além: O direito à informação é considerado também sob a perspectiva de um direito à notícia de um direito ao fato. A notícia pode ser definida como a relaçãode conhecimento entre um sujeito e uma realidade (a manifestação, o fato, um documento). É o resultado de uma atividade informativa em cujo desenvolvimento surge tal ‘relação de conhecimento’. 61 De acordo com Silva é na liberdade de informação jornalística que se “centra a liberdade de informação, que assume características modernas, superadoras da velha liberdade de imprensa. Nela se contra a liberdade de informar e é nela ou através dela que se realiza o direito coletivo à informação, isto é, a liberdade de ser informado. Por isso, é que a ordem jurídica lhes confere um regime específico, que lhe garanta a atuação e lhe coíba os abusos”62. O grande problema, mais uma vez, se encontra na relativização deste princípio. A superexposição de determinados acontecimentos pode acabar prejudicando as pessoas envolvidas naquele contexto. Especialmente, no Brasil, é possível observar e analisar esse fenômeno nos casos de crimes de grande repercussão e comoção social. 60 Id. p. 157-158. 61 Id. p.169. 62 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito... Op. Cit. p. 239. 33 Geralmente nesses casos, a população passa a buscar as informações sobre todos os atos praticados pelas autoridades e pelos então acusados ou investigados, e o que deveria ser sigiloso passa a ser amplamente divulgado pelos veículos de comunicação pois aquele fato assumiu o patamar de “interesse social”, mesmo que estes tramitem sob segredo de justiça. Neste sentido, em recente artigo publicado em site de conteúdo jurídico de renome, Fidalgo argumenta sobre o tema: A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 5º, LX, que somente a lei poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Percebe-se pelo texto constitucional que o legislador constituinte, inspirado pelos valores republicanos, cuja premissa é expor as coisas do Estado ao público, sequer utilizou o vocábulo sigilo ou segredo, preferindo utilizar restrição como exceção ao valor substancial da publicidade. 63 Fidalgo ainda vai mais além, aduzindo que em seu entendimento, a publicidade de informações sobre processos que tramitam sobre o segredo de justiça é plenamente constitucional, não violando o direito das partes daquele processo. Observe-se: Assim, se a imprensa teve acesso a informações que gozam de interesse público e que possuem um mínimo de veracidade, ainda que tais fatos estejam sendo discutidos em processo sob o instituto do sigilo, não nos parece haver qualquer impedimento de se publicar o “assunto” lá tratado. Não se está aqui a defender a divulgação de atos do processo em sigilo, tais como atas, documentos, petições, despachos, decisões (para isso, há de se ponderar os valores fundamentais em aparente conflito) mas sim que o assunto pode ser objeto de material jornalístico, necessitando para isso se averiguar a existência de interesse público e verossimilhança dos fatos. 64 Note-se que o citado autor se refere a fatos que que apresentem um “mínimo de veracidade”, isto é, não se está diante do caso de informações distorcidas e tendenciosas que acabam levando o receptor da notícia a entender que, por exemplo, o réu de um processo é efetivamente culpado pelo fato ocorrido, ferindo o princípio da presunção de inocência, o qual será oportunamente estudado no tópico a seguir. 63 FIDALGO, Alexandre. Imprensa pode noticiar assuntos tratados em processos sob sigilo. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-11/liberdade-expressao-imprensa- noticiar-assuntos-tratados-processos-sigilo>. Acesso em: 28 abr. 2015. 64 Id. 34 É a partir dessa prática comum de distorção das informações que nasce o fenômeno da comercialização do crime. É quando o interesse de informar é deixado de lado, de forma que o que prevalece é o interesse dos próprios meios de comunicação em “vender” aquela notícia, mesmo que a mesma seja tendenciosa. A este respeito, Greco afirma: A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é a de ser informado, a de ter acesso às fontes de informações, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especialmente têm um dever. Reconhece-se-lhes o direito de informar ao público os acontecimentos e ideias, objetivamente, sem alterar- lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original, do contrário, se terá não informação, mas deformação. 65 Neste contexto, cita-se dois casos que servem perfeitamente para exemplificar casos em que prevaleceu o acesso à informação e não o sigilo do processo. O primeiro refere-se a revista IstoÉ, quando em meados de 2014 divulgou informações em uma de suas edições a respeito da delação premiada do ex-diretor da Petrobras, Cid Gomes. O mesmo ingressou com ação cautelar requerendo a retirada de circulação de todos os exemplares daquela edição. O segundo caso, refere-se a revista eletrônica Consultor Jurídico, que sofreu impedimento por veicular notícia tratando de uma decisão que impedia a exibição de determinada peça teatral baseada no assassinado da criança Isabella Nardoni, também sob o argumento de violação do segredo de justiça dos autos. Em ambos os casos, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as divulgações não violavam o princípio do acesso a informação, prevalecendo o interesse público. É realmente um jogo de interesses, estando de um lado a população que tem direito às informações, e, do outro, as partes integrantes do processo que tramita sob segredo de justiça. Qual democracia deve prevalecer? Norberto Bobbio é firme no sentido de que “pode-se definir democracia das maneiras mais diversas, 65 GRECO, Albino. La libertà di stampa nell’ordinamento giuridico italiano. Roma: Bulzioni Editores, 1974. p. 6-8. 35 mas não existe definição que possa deixar de incluir em seus conotativos a visibilidade ou transparência do poder”66. Portanto, é preciso ter uma certa cautela com a aplicabilidade deste princípio, sempre levando em conta a razoabilidade, o contexto e a proporcionalidade da sua aplicação. De toda sorte, a população tem a garantia constitucional de acesso as informações, por mais diversas que sejam. 2.3 Presunção de inocência O princípio da Presunção de Inocência no âmbito jurídico brasileiro teve por inspiração o direito Italiano, especificamente, o artigo 27.2 da Constituição Italiana de 1948, que assim tratava “L'imputato non è considerato colpevole sino alla condanna definitiva.” Conforme se observa do próprio texto da Constituição Federal de 1988, é possível notar uma imensa semelhança para com o texto da Constituição Italiana. O inciso LVII do artigo 5º da CF/88 dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória;”. É de se observar, outrossim, que este princípio não aparecia nas constituições federais brasileiras passadas de forma expressa, muito embora seu objetivo fosse sanado pelo contraditório e a ampla defesa. Ainda nesta linha, historicamente, Tourinho Filho, esclarece: O princípio remonta o art. 9º. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que,por sua vez, deita raízes no movimento filosófico- humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marques de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido com objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Bercaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena Ed.,1954, p.106). Há mais de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1979, os franceses, inspirados naquele movimento, dispuseram da referida Declaração que: “Tout homme étant présumé innocent jusqu’à cequ’il ait été déclaré coupable; s’ il est jugé indispensable de I’ arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour’s assurer de sá persone, doit être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sendo presumidamente inocente até que 66 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997. p. 20-21. 36 seja declerado culpado, sefor indispensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei). Mais tarde, em 10-12-1948, a Assembléia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação. Aí está o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente” 67 Bechera e Campos entendem que o princípio sob análise, na verdade, deveria ser chamado de “não culpabilidade” ao invés de “presunção de inocência”, isto porque, “a Constituição Federal não presume inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado antes da sentença condenatória transitada em julgado”68. Nomenclatura a parte, o princípio da presunção de inocência poderia ser aplicado em conjunto à outros princípios elencados pela Lei Maior, quais sejam, o do devido processo legal, im dubio pro reu, nulla poena sine culpa e o contraditório e ampla defesa. Nada mais é do que a efetivação do Estado Democrático de Direito. Para Sabatini, A presunção de inocência representa o consagrado ditame constitucional do favor libertis, e a situação de dúvida, originária do processo, não se desfaz senão com a sentença transitada em julgado. Essa situação, no âmbito do processo penal faz persistir a presunção de inocência até quando a dúvida seja desfeita pelo juiz. 69 Com efeito, pode-se dizer que o acusado permanecerá considerado inocente até que passe em julgado a sentença penal que o condenar. Ocorre que, nem sempre isto é observado. O que se observa hoje, muito pelo contrário, é que o acusado é considerado culpado, pela mídia e pela sociedade, antes mesmo da existência de qualquer processo sobre o fato, por exemplo, ainda quando só há o inquérito policial, que deveria ser sigiloso e acaba sendo revelado a todos. Santos desenvolve um ótimo entendimento sobre os momentos em que o a mídia simplesmente fere inúmeros princípios constitucionais, em casos em que a justiça é transformada num “espetáculo”, onde, por exemplo, o princípio da 67 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 29-30. 68 BECHARA, Fábio Ramazzini; CAMPOS, Pedro Franco de. Princípios constitucionais do processo penal: questões polêmicas. 2005. Disponível em: <http://www.damasio.com.br/novo/htmUframe_artigos.htm>. Acesso em: 29 abr. 2015. 69 SABATINI, Giuseppe. Principii costituzionalli del processo penale. Napoli, Jovene, 1976. p. 49. 37 presunção de inocência é transformado no “princípio da presunção de culpabilidade”, observe-se: Os casos penais devem ser investigados pelas formas democráticas do processo legal devido, com as garantias constitucionais do contraditório processual, da ampla defesa, da presunção de inocência, da proteção contra a autoincriminação e outras. Mas a justiça como espetáculo subverte a lógica do processo penal: as investigações criminais sigilosas de cidadãos sem fato concreto imputável cancelam o princípio da presunção de inocência, substituída pela presunção de culpa; as interceptações telefônicas secretas suspendem a proteção constitucional contra autoincriminações — ou o direito de calar do acusado, ou de falar somente após consultar advogado —, levando de cambulhada a ampla defesa e o contraditório processual; as delações premiadas — em qualquer caso e sempre um negócio penal inconfiável, deplorável e imoral — conseguidas pela tortura através da prisão de futuros delatores, constituem provas obtidas por meios ilícitos, que deveriam ser extirpadas do processo penal — mas que, na justiça penal como espetáculo, para desgraça dos acusados, constituem a prova criminal por excelência, quando não a única prova. 70 Isto é, a aplicabilidade deste princípio é fundamental de maneira a garantir o tratamento digno ao acusado, evitando que o prejulgamento de um caso, por parte da sociedade, venha a causar prejuízos e constrangimentos àquele. No âmbito jurídico, é fundamental para que o acusado não venha a ser punido antecipadamente. Por fim, o princípio ainda pode ser aplicado quando necessário a prisão cautelar do acusado, que se dá antes do transito em julgado da sentença condenatória. Cabe lembrar que este último caso é medida excepcional em que só é admitida quando a liberdade do acusado poderá influenciar no andamento do processo e, ainda, para ser deferida necessária a presença do fumus boni iuris e o periculum in mora. Desta forma, é possível concluir que somente se pode auferir a culpa a um indivíduo após o transito em julgado da sentença penal condenatória. O objetivo é sempre na linha do in dubio pro reu, sendo imprescindível garantir, principalmente, a liberdade daquele, devendo ser tratado como inocente até o final da ação penal. Não se trata de simples favorecimento aos acusados, mas sim uma proteção aos inocentes que respondem uma ação penal injustamente. 70 SANTOS, Juarez Cirino dos. A Justiça como espetáculo subverte a lógica do processo penal: Obsessão punitiva.. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mai-05/juarez-santos- justica-espetaculo-subverte-logica-processo>. Acesso em: 05 maio 2015. 38 2.4 Direito a intimidade Atualmente, é muito difícil encontrar um conceito capaz de exprimir a ideia de intimidade, o que poderia ser abrangido por este conceito e o que ficaria de fora dele. Assim: Temos que encará-lo como um fenômeno sócio psíquico, em que os valores vigentes em cada época e lugar exercem influência significativa sobre o indivíduo, que em razão desses mesmos valores sente a necessidade de resguardar do conhecimento das outras pessoas aspectos mais particulares da sua vida. 71 Ou seja, a partir desta ideia é possível observar que o direito à intimidade é sempre atual, pois com o passar dos tempos a própria evolução se encarrega de transformar automaticamente paradigmas do que se pretende manter em foro íntimo, do que se compartilha com o resto da sociedade. O direito à intimidade é quase sempre considerado como sinônimo de direito à privacidade. Esta é uma terminologia do direito anglo americano (right of privacy), para designar aquele, mais empregada nos direitos dos povos latinos. Nos termos da Constituição, contudo, é plausível a distinção que estamos fazendo, já que o inciso
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